RESUMO: Este artigo se propõe a abordar a efetividade dos direitos sociais garantidos pela Constituição Federal e sua relação com a reserva do possível e a proibição do retrocesso social. Visa, assim, com base no estudo feito a partir de pesquisa bibliográfica, demonstrar que a reserva do possível não tem relação apenas com a disponibilidade orçamentária direcionada à concretização dos direitos, mas também com à razoabilidade da pretensão exigida do Estado pelo titular do direito. Pretende ainda revelar que a máquina estatal não deve invocar a reserva do possível como uma justificativa corriqueira para a ausência de uma atuação do Estado na luta pela efetivação dos direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, propõe a aceitação do princípio da proibição do retrocesso social, que apesar de ainda não expresso no texto constitucional, possui grande aceitação pelo constitucionalismo moderno, já que objetiva impedir que o legislador infraconstitucional e o legislador constituinte derivado desconstituam o nível de concretização já atribuído às normas constitucionais.
Palavras- chaves: Direitos Sociais. Reserva do Possível. Proibição do retrocesso social.
ABSTRACT: This article is to discuss the effectiveness of social rights guaranteed by the Constitution and its relationship to the reserve for contingencies and the prohibition of social regression. Visa thus based on the study from extensive literature, demonstrate that the reservation of the possible is not related only with the available budget aimed at the achievement of rights, but also the reasonableness of the claim required the State by the right holder . It also aims to reveal that the state machine should not rely on the reserve for contingencies as a trivial explanation for the absence of state action in the struggle for realization of rights under Brazilian law. Finally, proposed to accept the principle of prohibition of social regression, which although not expressed in the Constitution, has a wide acceptance by the modern constitutionalism, as objective prevent infra legislature and the constitutional legislator derived desconstituam the implementation level already attributed to constitutional requirements.
Words- keys: Social Rights. Reserve Possível. Proibição of social regression.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Direitos Sociais 3. Os Direitos Sociais e a Reserva do Possível 4.Os Direitos Sociais e a Vedação ao Retrocesso Social 5. Conclusão 6. Referências.
1. Introdução
As liberdades positivas configuradas na efetivação dos direitos sociais previstos no texto constitucional asseguram à sociedade uma enorme gama de prestações devidas pelo Estado, que encontram como limite da responsabilidade estatal o princípio da reserva do possível.
Se por um viés o princípio da reserva do possível deve ser invocado para indicar que o orçamento estatal determina que apesar de as necessidades serem infinitas, os recursos não o são. Deve ser considerado também o fato de que o Estado não deve usar o princípio em questão como forma de se esquivar quando da prestação de serviços que configuram deveres constitucionais impostos à máquina estatal.
A abordagem feita acerca da proibição do retrocesso social explicita que não deve ocorrer a desconstituição da concretização dos direitos. Desse modo, passa a existir a obrigatoriedade de o Estado não apenas atuar em prol da efetivação de um direito, mas também a de não atentar contra a efetivação de um direito já consagrado.
O estudo em questão visa esclarecer a relação existente entre a efetivação dos direitos sociais tutelados constitucionalmente e o princípio da reserva possível, traçando um paralelo com o princípio da proibição do retrocesso social, demonstrando ainda que o princípio da razoabilidade será o norteador de dilemas surgidos nos casos em concreto.
2. Direitos Sociais
Os direitos sociais configuram-se como liberdades positivas, devendo o Estado Social de Direito obrigatoriamente respeitá-los, em prol da melhoria das condições de vida da sociedade, objetivando concretizar a igualdade social.
Tais direitos são garantidores de condições materiais tidas como indispensáveis ao gozo dos direitos garantidos aos cidadãos, sendo concretizados, em sua maioria, por meio de uma atuação do Estado visando a diminuição da desigualdade social.
O texto constitucional de 1988 ao estabelecer uma enorme gama de direitos sociais em seus dispositivos mostra uma especial atenção com os direitos básicos dos cidadãos e a busca pela implementação de melhores condições de vida para a sociedade.
Os direitos sociais encontram-se dispostos nos arts. 6º a 11 da Constituição Federal, e também em artigos esparsos ao longo do texto constitucional. Nesse sentido:
(...) a Constituição de 1988 versa sobre os direitos por ela classificados como sociais ao longo de seu texto, não só no Capítulo II de seu Título II. Basta observar, por exemplo, que todo o seu Título VIII trata “Da Ordem Social”. Não obstante esse fato, o constituinte de 1988 enquadrou expressamente como “direitos e garantias fundamentais” os direitos sociais arrolados nos seus arts. 6 º a 11, exatamente os dispositivos que integram o Capítulo do Título II.( PAULO e ALEXANDRINO, 2011 , pág. 243).
O art. 6 º da CF dispõe que:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer , a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Tratando da prestação estatal em relação aos direitos sociais assevera o autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
Em que pese a responsabilidade pela concretização destes direitos possa ser partilhada com a família ( no caso do direito à educação), é o Estado o responsável pelo atendimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão, ele é o sujeito passivo. (FERREIRA, 2009, pág.50).
Importante questão é a que trata da polêmica doutrinária sobre o fato de os direitos sociais serem cláusulas pétreas ou não. Configurando tais cláusulas como instrumentos que garantem a identidade constitucional. Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Não há unanimidade doutrinária quanto a serem os direitos sociais cláusulas pétreas, visto que o legislador constituinte, no art. 60, parágrafo 4 º. – dispositivo no qual estão enumeradas as limitações materiais expressas ao poder de reforma constitucional- referiu-se, tão somente a “ direitos e garantias individuais “ ( inciso IV). O Plenário do Supremo Tribunal Federal ainda não apreciou essa questão. De todo modo, nos parece que , pelo menos os direitos e garantias que, embora denominados sociais pela Constituição, sejam direitos ou garantias de índole individual, que possam ser referidos a indivíduos determinados e por eles invocados, como o são muitos dos arrolados nos incisos do art. 7 º da Carta Política , deveriam ser considerados cláusulas pétreas , sem maiores controvérsias. (PAULO e ALEXANDRINO, 2011, pág. 244).
Apesar de o texto constitucional reconhecer os direitos sociais como fundamentais, sendo, assim, protegidos pela chamada cláusula pétrea, muitos deles se concretizaram por meio de leis infraconstitucionais, facilitando, assim, a não preservação de tais direitos.
A respeito dos direitos sociais discorrem Paulo Branco e Gilmar Mendes:
Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um valor determinado para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve , portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos. ( BRANCO e MENDES, 2011, pág.668).
Desse modo, resta claro que a evolução constitucional permitiu um grande avanço nos direitos e garantias dos cidadãos, fazendo com que ao tutelar expressamente os direitos sociais ao longo da Consituição Federal de 1988 se permitisse uma maior cobrança e fiscalização da efetivação de tais direitos por parte da população, que tem a ciência de que o Estado possui o dever de atuar em prol da concretização de melhores condições de vida.
2. Os Direitos Sociais e a Reserva do Possível
Devido ao fato de os direitos sociais exigirem direcionamento orçamentário para sua efetivação, estes se sujeitam à cláusula de reserva do possível, também conhecida por reserva do financeiramente possível.
A reserva do possível preceitua que apesar de os direitos sociais disporem de guarida constitucional, estes devem ter sua eficácia condicionada a possibilidade financeira de sua concretização pelo Estado. Nesse sentido explicita Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Essa cláusula, ou princípio implícito, tem como consequência o reconhecimento de que os direitos sociais assegurados na Constituição devem, sim, ser efetivados pelo Poder Público, mas na medida exata em que isso seja possível. É importante entender que esse princípio não significa um “ salvo conduto “ para o Estado deixar de cumprir suas obrigações sob uma alegação genérica de que “ não existem recursos suficientes”. A não efetivação, ou efetivação apenas parcial, de direitos constitucionalmente assegurados somente se justifica se, em cada caso, for possível demonstrar a impossibilidade financeira (ou econômica) de sua concretização pelo Estado. ( PAULO e ALEXANDRINO, pág.251, 2011).
Acerca da teoria da reserva do possível a sua relação com a efetividade dos direitos constitucionalmente garantidos se posicionou o Supremo Tribunal Federal, in verbis :
[...] É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente usando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. [...] (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04)
O direito constitucional moderno discute acerca da possibilidade de o Estado ser determinado a se submeter à criação de pressupostos fáticos necessários a assegurar o real exercício de direitos previstos no texto constitucional pelo seu titular. Essa submissão converteria situações de ordem política em situações de natureza jurídica, configurando o fenômeno da transmutação. Ressaltando-se que a observância da teoria da reserva do possível deve se fazer presente. Nesse sentido discorrem os renomados autores, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Branco:
Se o Estado está constitucionalmente obrigado a prover tais demandas, cabe indagar se, e em que medida, as ações com o propósito de satisfazer tais pretensões podem ser juridicizadas, isto é, se, e em que medida, tais ações deixam-se vincular juridicamente.
Observe-se que, embora tais decisões estejam vinculadas juridicamente, é certo que a sua efetivação está submetida , dentre outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível ( Vorbehalt des fianziell Moglichen). Nesse sentido, reconheceu a Corte Constitucional alemã, na famosa decisão sobre numerus clausus de vagas nas Universidades ( numerus clausus Entescheidung), que pretensões destinadas a criar os pressupostos fáticos necessários para o exercício de determinado direito estão submetidas à reserva do possível (Vorbehalt des Moglichen), enquanto elemento externo à estrutura dos direitos fundamentais.(MENDES e BRANCO, 2011, pág.676).
Discorrendo ainda acerca sobre a judicialização, no trecho seguinte, os autores determinam os argumentos contrários a esta ação:
Embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos a prestações em sentido estrito ( positivos) quanto direitos de defesa ( negativos), emabas as dimensões demandem o emprego de recursos públicos para a sua garantia , é a dimensão prestacional ( positiva) dos direitos sociais o principal argumento contrário à sua judicialização. A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornar exigíveis. Nessa perspectiva, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à sua construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos poderes e o princípio da reserva do financeiramento possível. ( MENDES e BRANCO, 2011,pág.668).
Se por um lado os críticos da judicialização discorrem sobre a afronta ao princípio da separação dos poderes, por outro, os defensores desse movimento do Poder Judiciário em prol da concretização dos direitos sociais seria uma atuação em benefício do princípio da dignidade da pessoa humana, visando a garantia do mínimo existencial dos direitos garantidos.
Fazendo uma análise acerca da evolução do texto da Constituição no sentido de recepcionar o direito a prestações positivas, se nota que o constitucionalismo pátrio ao abrir um capítulo que versa, em especial, sobre os direitos sociais no catálogo dos direitos e garantias fundamentais, tende a admitir uma maior cobrança por parte da sociedade de uma maior efetividade na prestação de direitos e garantias. Contudo, isso não significa que o Estado ao se deparar com a insuficiência de recursos ainda seja obrigada a prover totalmente todas as necessidades sociais.
Sob a luz do princípio da proporcionalidade podemos entender como o Estado agirá diante do impasse existente entre o dever de atender as necessidades dos cidadãos e a falta de orçamento nos caixas públicos. O princípio em comento, embora não se encontre expresso no texto constitucional, é apontado pelo Supremo Tribunal Federal em vários julgados.
Para entendermos a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade veremos os ensinamentos de Dirley da Cunha Jr.:
Utilizado, habitualmente, para aferir a legitimidade das restrições de direitos, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, consubstancia, em essência , uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica , inclusive a de nível constitucional; e ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. (CUNHA, 2006, pág.24).
Retratando a proporcionalidade em seu sentido estrito explicitam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
É mister registrar que alguns autores referem-se a “ proporcionalidade em sentido estrito” com um sentido um pouco diferente desse que se vem expor. Para eles, a verificação de “ proporcionalidade em sentido estrito “ consiste em perquirir se as restrições decorrentes do ato são compensadas pelos benefícios que ele proporciona, ou seja, verifica-se se a prática do ato mais promove do que restringe direitos fundamentais , se há mais “ prós “ do que “ contras” na sua adoção, se a “ resultante “ favorece mais do que prejudica o conjunto dos direitos constitucionalmente protegidos. Se as restrições decorrentes do ato não forem sobrepujadas pelas vantagens proporcionadas ao interesse público com a sua adoção, ele não pode ser praticado, será ilegítima a sua prática. ( PAULO e ALEXANDRINO, 2011, pág. 203).
Traçando uma relação entre a efetividade dos direitos sociais, o princípio da reserva do possível e o princípio da proporcionalidade afirma a doutrina:
Não obstante, o STF tem reiterado em seus julgados que o caráter programático das normas sociais inscritas no texto da Carta Política não autoriza o Poder Público a invocar de forma irresponsável “ reserva do possível”, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade. Assim, a cláusula da “ reserva do possível “ não pode ser invocada levianamente pelo Estado com o intuito de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais , salvo quando possa ser objetivamente demonstrado que inexiste disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas, ou que falta razoabilidade à pretensão individual ou coletiva deduzida em face do Poder Público.( PAULO e ALEXANDRINO, 2011, pág. 252).
Desse modo, resta claro que a teoria da reserva do possível se mostra plenamente aplicável quando das tratativas da efetivação dos direitos sociais constitucionalmente previstos, devendo ser analisada sob o prisma do respeito ao princípio da proporcionalidade, para que não se torne uma mera justificativa do Estado para se esquivar da concretização das necessidades advindas do seio da sociedade.
3. Os Direitos Sociais e a Vedação ao Retrocesso Social
O princípio da proibição de retrocesso social objetiva o impedimento da desconstituição da efetivação do núcleo essencial dos direitos sociais já efetivados por meio de medidas legislativas, preceituando que devem ser considerados inconstitucionais as medidas que ponham fim a esta garantia, sem que sejam criados métodos alternativos ou compensatórios.
De acordo com os ensinamentos de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Esse princípio da vedação de retrocesso ( também conhecido pela expressão francesa effect cliquet) visa a impedir que o legislador venha a desconstituir pura e simplesmente o grau de concretização que ele próprio havia dado às normas da Constituição, especialmente quando se cuida de normas constitucionais que , em maior ou menor escala, acabam por depender dessas normas infraconstitucionais para alcançarem sua plena eficácia e efetividade. Significa que, uma vez regulamentado determinado dispositivo constitucional, de índole social, o legislador não poderia, ulteriormente, retroceder no tocante à matéria, revogando ou prejudicando o direito já reconhecido ou concretizado. (PAULO e ALEXANDRINO, 2011, págs. 256-257).
Importante salientar que pelo fato de não haver previsão expressa na Constituição Federal Brasileira do princípio em comento, há doutrinadores que não o aceitam como pertencentes do nosso ordenamento jurídico. A acolhida da teoria da proibição do retrocesso tem sido feita pelos constitucionalistas modernos, que priorizam o estudo do Direito Constitucional em consonância com o Estado Democrático de Direito. Entendem ainda que é possível a impugnação perante o Poder Judiciário nos casos em que houver afronta a este princípio. Nesse sentido preceituam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Com base no princípio da proibição do retrocesso, especialmente em matéria de direitos fundamentais sociais, o que se pretende é evitar que o legislador venha a revogar ( no todo ou em parte essencial) um ou mais diplomas infraconstitucionais que já concretizaram, normativamente, um direito social constitucionalmente consagrado. Nessas situações, de retrocesso no tocante à disciplina de determinado direito social ( por exemplo, revogação pura e simples de uma lei que houvesse regulamentado um direito social constitucional, implementando-o normativamente), defendem os ideólogos do postulado da vedação de retrocesso que o procedimento poderia ser impugnado perante o Poder Judiciário, invocando-se a sua inconstitucionalidade. ( PAULO e ALEXANDRINO, 2011, pág. 257,).
Compõem-se de conteúdo positivo e negativo. O conteúdo positivo refere-se ao dever de o legislador objetivar a evolução dos direitos, já o conteúdo negativo, que ganha destaque quando se trata do princípio em comento, refere-se ao fato de que o legislador não deve suprimir ou reduzir os direitos já garantidos.
Segundo os ensinamentos de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Por outras palavras: em matéria de direitos sociais, as tarefas constitucionais impostas ao Estado concernentes à criação de certas instituições ou serviços não o obrgam apenas a instituí-los ; obrigam-no, também, a não os abolir, uma vez criados. Assim, a partir do momento em que o Estado cumpre ( total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional a esse direito deixa de consistir ( ou deixa de consistir apenas) em uma obrigação positiva, para se transformar ( ou passar também a ser ) em uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a ser estar obrigado, também, a abster-se de atentar contra a concretização dada a esse direito. ( PAULO e ALEXANDRINO, 2011, pág. 257).
Importante salientar que o princípio em comento pressupõe um Estado Social já concretizado, tendo em vista que vislumbra que o dever de efetivar os direitos tutelados no texto constitucional esteja sendo devidamente cumprido, não devendo, assim, permitir que ocorra uma diminuição de tais garantias.
De acordo com o entendimento do renomado autor Ingo Sarlet, fazendo uma análise do contexto jurídico brasileiro, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e analisando, ainda, o nosso Estado Democrático de Direito, o princípio que proíbe o retrocesso se encontra implícito na Constituição Federal de 1988.
Nas palavras de Luis Roberto Barroso:
Nessa ordem de idéias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou uma garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso abolindo um direito fundado na Constituição. O que se veda é o ataque à efetividade da norma, que foi alcançada a partir de sua regulamentação. Assim, por exemplo, se o legislador infraconstitucional deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito que dependia de sua intermediação, não poderá simplesmente revogar o ato legislativo, fazendo a situação voltar ao estado de omissão legislativa anterior ( BARROSO, 2001, págs.158-159).
Por fim, cabe ressaltar que esta vedação ao retrocesso social não trata apenas da garantia de direitos previstos no texto constitucional, mas também aos previstos na legislação infraconstitucional, prestigiando a segurança jurídica como um grande norteador da efetividade das normas garantidoras de direitos sociais.
4. Conclusão
Diante de tudo que foi elucidado até o presente momento, é imperioso concluir que os direitos sociais devem ser efetivados da forma mais ampla possível. Contudo, sendo o orçamento público escasso, a concretização dos direitos deve ser analisado sobre o prisma do princípio da reserva possível.
Percebe-se ainda que apesar de a teoria da reserva do possível, por vezes, ser invocada para justificar a impossibilidade da efetivação de alguns direitos, esta só pode ter aplicação no caso de ser comprovada a insuficiência de recursos de ordem financeira para tanto.
Outro ponto que deve ser abordado é o entendimento da doutrina constitucionalista moderna acerca da impossibilidade da ocorrência do retrocesso social, ou seja, um direito já garantido constitucionalmente não pode ser desprivilegiado, não mais fazendo parte do ordenamento jurídico brasileiro ou tendo sua aplicação reduzida.
Nota-se assim, que a efetividade dos direitos sociais depende, principalmente, da análise do princípio da reserva do possível e do princípio da vedação ao retrocesso social, tudo isso permeado pelo princípio da razoabilidade, que norteará com bom senso a solução para celeumas apresentados nos casos em concreto.
5.Referências
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. SãoPaulo:Malheiros, 2006.
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 11 ª ed. Ver. E aum. – São Paulo : Saraiva, 2009.
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2003.
Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Taciara de Almeida. Os direitos sociais básicos dos cidadãos brasileiros e sua efetividade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44030/os-direitos-sociais-basicos-dos-cidadaos-brasileiros-e-sua-efetividade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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