Resumo: O presente artigo analisa os principais traços do controle de constitucionalidade, bem como sua importância na prestação da tutela jurisdicional das decisões do Supremo Tribunal Federal.
1 Ponto de partida: abordagem teórica
A Teoria de Montesquieu não inseriu o judiciário dentro das outras funções do Estado. Assim, conforme visto no segundo capítulo, a autonomia de tal poder se constituía por meio de tribunais independentes. Por outro lado, apesar da recepção de seu pensamento, para o autor, o juiz deveria ser apenas um aplicador da lei. A partir daí, cabe ao juiz controlar a lei conforme o comando constitucional, cuja tarefa seria encontrar uma solução adequada ao caso concreto, podendo até mesmo declarar a inconstitucionalidade de um ato normativo.
Barbosa (2011, p.44), em tese de doutorado, preceitua o seguinte:
[...] Portanto, se a lei se opõe à Constituição, se tanto a lei quanto à Constituição servem para um caso particular, então a corte deve decidir se aquele caso está conforme a lei, desconsiderando a Constituição, ou se está conforme a Constituição (tradução da autora).
A supremacia constitucional é um dos principais traços do constitucionalismo, cuja estrutura jurídica não prescinde de uma democracia fundada na Constituição. Assim, pode-se afirmar que a Constituição Americana de 1.787, conforme vista na abordagem teórica, teve influência dos pensamentos de Locke e Montesquieu.
O controle de constitucionalidade, direito fundamental, é definido a partir da adaptabilidade do sistema de preceitos constitucionais. Desse modo, incumbe ao magistrado, frequentemente, controlar a constitucionalidade da lei, enquanto garantia mínima de um Estado de Direito.
Assim, o ato normativo, cuja redação seja contrária à Constituição, refere-se o que a doutrina denomina de inconstitucionalidade. Pode-se afirmar que toda norma oposta ao texto constitucional não prescinde de um vício formal ou material no procedimento de formação e elaboração da lei.
Na Constituição Brasileira, o artigo 59 define o processo legislativo, cuja literalidade prevê a elaboração de emenda à Constituição, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Como se nota, o constituinte originário prescreve o trâmite de cada ato normativo, sendo que a sua inobservância autoriza o ajuizamento de ação declaratória de inconstitucionalidade.
Conforme ensina Miranda (1999, apud FIUZA, 2004, p.282): “Ocorre a inconstitucionalidade se presente a relação entre a Constituição e o comportamento que não lhe é conforme, que, com ela, é incompatível ou que não cabe no seu sentido”.
No Direito Português, verifica-se que há três formas de inconstitucionalidade: a orgânica, formal e material. A primeira ocorre quando um ente federativo legisla matéria de competência exclusiva da União. Quanto à segunda, nessa hipótese, ocorre a inobservância do processo legislativo. Por último, incide a inconstitucionalidade material, quando o conteúdo da lei seja contrário ao direito substancial, como, exemplo, a elaboração de um ato normativo ofensivo às cláusulas pétreas.
Para Silva (2010, p.46): “o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição Federal. [...] agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a Constituição”.
Desse modo, o pensamento do professor configura a célebre decisão americana, Marbury Vs. Madison, já comentada anteriormente, em que o juiz John defendia a prevalência hierárquica da norma constitucional sobre a lei ordinária. Assim, o magistrado sustentava que o procedimento de modificação constitucional não deveria ser o mesmo de uma lei ordinária, visto que toda lei contrária aos preceitos constitucionais seria nula.
O controle judicial, na lição de Cruz (2004), aproxima-se ao pensamento de Habermas (1997 apud CRUZ, 2004), isto porque para ele, o judicial review, constitui uma aplicação de um discurso referido à determinado caso concreto. Sob o aspecto filosófico, Habermas (1997) preceitua que, o controle de constitucionalidade, via exceção, insere a concretização dos direitos fundamentais e da jurisdição constitucional democrática.
O jurista Clève (2000) preceitua a importância de inserir a Constituição não apenas a partir do princípio da supremacia, mas interpretá-la na dimensão substancial dos direitos fundamentais. Compreende-se que o pensamento do autor não afasta a ideia da Constituição como elemento de ordem fundamental, cujo controle judicial efetue o disposto no art.5§1° da CF. Conforme acentua o autor:
[...] não se exige apenas a compatibilidade formal do direito infraconstitucional com os comandos maiores definidores do modo de produção das normas jurídicas, mas também a observância de sua dimensão material (CLÈVE, 2000, p.25-26 apud CARVALHO, 2011, p.320).
A Constituição rígida, em sua classificação, define uma exigência, cujo sistema jurídico deve adequar-se com os princípios e preceitos constitucionais. Certamente, a garantia constitucional revela que o controle judicial não prescinde de nenhuma tradição, vez que grande parte doutrinária salienta que a segurança jurídica é prevista nas constituições rígidas.
Para Ferreira Filho (1989, p.29-30 apud CARVALHO, 2011, p.321):
“[...] real distinção entre rigidez e flexibilidade constitucionais [...] implica a existência de um controle de constitucionalidade, e onde este não foi previsto pelo constituinte, não pode haver realmente rigidez constitucional [...]”.
Por certo, pode-se presumir que a supremacia constitucional fortalece a Constituição em seu aspecto substancial. A norma constitucional é a essência de toda moldura normativa, cuja obediência ao comando constitucional se traduz no fundamento de validade e existência de todo Ordenamento Jurídico.
Para Silva (2010, p.46), a supremacia da Constituição resume-se no seguinte escrito: “Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais [...]”.
Neste tocante, vale registrar a ideia de Lassale (1980 apud CARVALHO, 2011), pois, para o autor, a Constituição é a reunião de todas as circunstâncias fáticas que formam o Estado, caso a norma constitucional não se adequar quanto à efetividade lógica e real, sua essência e validade não seriam mais do que uma simples folha de papel. Ou seja, para o autor a Constituição, não deveria ser reduzida ou encerrada a uma mera folha de papel, mas como princípio correspondente à mutação social.
Desse modo, é por isso que a decisão do direito se encontra equilibrada quando se inicia a partir de sua base histórica cumulada com a normativa. Isto porque a Constituição deve ser interpretada à luz das circunstancias filosóficas e sociológicas.
A Constituição determina diretrizes fundantes de um Estado constitucional, ou seja, no pensamento do jurista alemão Hesse (1992), a compreensão axiológica das normas constitucionais insere um planejamento protetivo, cuja finalidade da norma constitucional seria captar os valores de cada novo momento das relações sociais.
Para o professor Carvalho (2011, p.324): “[...] os fundamentos do controle de constitucionalidade, por órgãos judiciários, foram lançados pelo Chefe da Corte John Marshall, em 1803, no julgamento do caso Marbury Vs. Madison”. Ainda, salienta:
nessa decisão, consolidou-se a regra da nulidade, em que qualquer ato normativo em desconformidade com a Constituição seria passível de nulidade (CARVALHO, 2011, p.324-325).
Vale registrar que a Teoria Discursiva de Habermas (1997 apud CRUZ, 2004), conforme preceituada nos parágrafos acima, classifica o controle judicial em duas modalidades: a primeira, explica o controle como instrumento adequado a um Estado constitucional. No segundo, para ele, tal atividade jurisdicional fortalece a legitimidade constitucional da corte.
2 Controle de constitucionalidade: breve estudo específico no direito comparado
Aqui, pretende-se destacar os principais conceitos do controle de constitucionalidade em Portugal. Em breves traços, compete ao Tribunal Constitucional apreciar a inconstitucionalidade e legalidade nos termos da Constituição Portuguesa. Para Carvalho (2011, p.358): “O controle de constitucionalidade, em Portugal, pode denominar-se de misto. [...] em setor dedicado à garantia da Constituição trata da fiscalização da constitucionalidade, que se exerce pela jurisdição difusa e concentrada”.
Assim, a doutrina salienta quanto à existência de três espécies de controle normativo. O primeiro ato é o preventivo, ou seja, se aplica antes da promulgação da lei, sendo que a lei lusitana prevê a interferência do Tribunal Supremo para se manifestar, pois caso a Corte decidir pela inconstitucionalidade o Chefe do Executivo deverá vetar o projeto de lei (FIUZA, 2004).
No segundo ato, o controle concentrado, o Direito lusitano autoriza recurso direto para o Tribunal Constitucional das decisões de primeira e segunda instância, cuja matéria alegada seja a inconstitucionalidade de lei. Assim, ao juiz português compete controlar, repressivamente, o ato normativo, mas não prescinde do Tribunal supracitado a declaração de inconstitucionalidade.
Por último, na inconstitucionalidade por omissão, a Constituição lusitana, no artigo 283 autoriza que mediante solicitação do Presidente ou do provedor de justiça, o Tribunal já citado aprecia o descumprimento da norma constitucional portuguesa (CARVALHO, 2011).
Desse modo, talvez seja por isto que o constituinte elaborou o disposto no art.103§2° da Constituição Brasileira, cuja redação aproxima muito da regra de Portugal, pois no ato de declaração de inconstitucionalidade por omissão dentro de trinta dias compete ao órgão responsável as medidas cabíveis (FIUZA, 2004).
O Fiuza (2004) leciona que um Tribunal Constitucional tem como objeto a Constituição, cuja função visa a organização e planejamento de uma nação. Neste sentido, o mestre registra o pensamento de Miranda (1976, apud FIUZA, 2004, p.299): “o problema da constitucionalidade das leis não é simples problema para juristas; é também problema para políticos”.
À Corte Constitucional Federal compete interpretar a Constituição e as questões entre os órgãos federais sejam por meio de lei ou da própria Norma Fundamental (CARVALHO, 2011). Assim, a Constituição Alemã de 1.949 regulamenta o procedimento e jurisdição do Tribunal Federal, cuja função visa analisar a constitucionalidade do direito formal e material com a Constituição. Como se vê, trata-se de uma típica modalidade de controle da lei, cuja função incide na manutenção da norma infraconstitucional sob a luz de preceitos constitucionais.
Desta forma, salienta mais uma vez Carvalho (2011, p.357-358): “cabe à lei federal regular a estrutura e as normas procedimentais do Tribunal Constitucional, além de determinar os casos em que suas decisões têm força de lei”.
Neste direito, as decisões da Corte Suprema estão vinculadas nas matérias estabelecidas na Constituição, em que define quando o controle de constitucionalidade terá efeito de lei ou erga omnes.
Desse modo, a Constituição de Weimar foi um dos marcos que incidiu no controle de constitucionalidade abstrato, ou seja, quando o legislativo se omitir ou cumprir equivocadamente os preceitos constitucionais, incumbe ao judiciário fazer valer de tal mecanismo.
Percebe-se que o controle de constitucionalidade se inseriu nas principias tradições, como forma de cada cultura jurídica elevar a nível mundial o fortalecimento do princípio da supremacia constitucional.
3 Considerações Finais
Pelo exposto, alguns doutrinadores, como Marinoni (2011), defende que não é adequado a um sistema que rege o civil law o efeito vinculante, sem a recepção integral do sistema de precedentes. Caso não seja recepcionado, é ajustado apenas manter o controle concentrado, cujos efeitos são os mesmos da vinculação de precedentes.
Em suma, nesta perspectiva, conforme registrado no artigo, o controle de constitucionalidade, direito fundamental, é definido a partir da adaptabilidade do sistema de preceitos constitucionais. Desse modo, incumbe ao magistrado, frequentemente, controlar a constitucionalidade da lei, enquanto garantia mínima de um Estado de Direito.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Stare decisis, integridade e segurança jurídica: reflexões críticas a partir da aproximação dos sistemas de common law e civil law. 2011. 264 f. Tese (doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2011.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade. Porto Alegre: Fabris, 1997 apud CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Teoria do Estado e da Constituição Direito Constitucional Positivo. 17° ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,1989 apud CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Teoria do Estado e da Constituição Direito Constitucional Positivo. 17° ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.
FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiro. Direito Constitucional Comparado. 4°ed.rev.atul. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia. Entre faticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997 apud CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.
LASSALE, Ferdinand. O que é uma constituição? Trad.Walter Stonner. Porto Alegre: Vila Martha, 1980 apud CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Teoria do Estado e da Constituição Direito Constitucional Positivo. 17° ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra editora, 1999 apud FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiro. Direito Constitucional Comparado. 4°ed.rev.atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30°ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
Pós-graduado latu sensu em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2015). Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos, FUPAC/ UNIPAC (2013). Graduação interrompida em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP (2015). Tem experiência acadêmica enquanto Professor de Filosofia e Sociologia. Dedica-se ao estudo nas áreas de Direito Penal e Processual, com foco na Psicanálise na Cena do Crime, inclusive, em pesquisas voltadas ao Direito Constitucional Comparado, Ambiental e Minerário. Autor de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, bem como autoria citada em Faculdades renomadas, como na Tese no âmbito do Doutoramento em Direito, Ciências Jurídico-Processuais orientada pelo Professor Doutor João Paulo Fernandes Remédio Marques e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Fernando Cristian. Visão analítica do controle judicial enquanto instrumento de efetivação dos direitos e garantias fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44079/visao-analitica-do-controle-judicial-enquanto-instrumento-de-efetivacao-dos-direitos-e-garantias-fundamentais. Acesso em: 22 nov 2024.
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