RESUMO: O presente trabalho tem por escopo traçar, em linhas gerais, a evolução dos movimentos sociais e de que forma o Estado tem interferido nesse contexto, dando ênfase à atuação do Ministério Público e Judiciário, frente aos mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Movimentos Sociais. Estado. Ministério Público. Judiciário.
INTRODUÇÃO
Movimentos sociais denotam um conjunto de organizações, formais ou não, que apresentam para o Estado ou para outros segmentos da sociedade civil uma série de reivindicações sobre o que consideram como direitos, levando-se em conta o que está previsto na Constituição Federal ou noutras leis infraconstitucionais. Na história moderna temos o movimento operário como um dos primeiros movimentos sociais de grande significância. Lutavam por melhores salários e condições de trabalho. Hoje encontramos diversos outros movimentos na sociedade, como o dos camponeses, ambientalistas, de afirmação étnica, de gênero, de luta por moradia, de luta por saúde etc. Apesar das suas particularidades, todos apresentam como objetivo transformar ou preservar a ordem estabelecida na sociedade, na luta pelos seus direitos.
1. MOVIMENTOS SOCIAIS E A ATUAÇÃO DOS ENTES ESTATAIS
No Brasil, historicamente, um dos momentos de destaque dos movimentos sociais ocorreu nas lutas pela liberdade e contra o autoritarismo dos governos militares. Prova de que nas condições adversas, nos piores períodos, essas mobilizações acabam surgindo, como resultado da falta de condições básicas de sobrevivência do povo. E com a consolidação da democracia, a Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, como os direitos sociais que puderam assegurar dignidade humana a todo o povo brasileiro. A questão é que quando tratamos dos direitos dos trabalhadores numa sociedade em que predominam os interesses capitalistas de uma classe dominante que tem influencia econômica e política sobre o aparato legislativo e judiciário, não se deve apenas assegurar aqueles direitos na forma da lei, mas criar condições para que se tornem direitos reais, através de ações políticas efetivas, com o propósito de, por exemplo, melhorar a distribuição de renda, promover uma educação de qualidade para os jovens, garantir uma saúde pública de qualidade para todos os brasileiros, diminuir o desemprego, a fome e miséria que tanto contribuem para a desigualdade social, combater a corrupção, etc.
As atuais manifestações sociais, presentes na maior parte das cidades brasileiras, já são consideradas as maiores das últimas décadas. A evolução dos meios de comunicação com todo o volume de informações, aliadas a uma maior conscientização política, fizeram com que o cidadão caísse na realidade e buscasse uma participação política mais ativa. De início ocorreram devido aos altos valores das passagens dos transportes públicos, porém ampliaram e hoje incluem novas bandeiras, como a luta por um país com melhor qualidade de vida, principalmente nos setores de educação e saúde, fim da violência policial e da corrupção, apuração nos gastos das obras da Copa do Mundo, entre outros fatores que têm causado insatisfação geral. O movimento social brasileiro é forte, bem diversificado, e bastante complexo, trazendo consigo uma capacidade de mobilização da sociedade brasileira, na medida em que amplia sua capacidade de monitoramento das políticas públicas, além de nos últimos anos vir enfrentando com coragem o modelo concentrador e excludente de desenvolvimento econômico proposto pelo Estado.
Ocorre, porém, que nos últimos anos, paralelo à evolução desses movimentos, assiste-se ao um processo de perseguição e criminalização da luta social. Os conflitos originados nas ações dos movimentos sociais, através de pessoas ou grupos de pessoas que reivindicam direitos, continuam sendo incriminadas pelo Estado por uma ação descrita como crime, sem, entretanto conter uma finalidade criminosa. A incapacidade do Estado brasileiro de lidar com os conflitos sociais acaba resultando em prisões ilegais, despejos forçados, sequestros, detenções arbitrárias, violência policial, demissões arbitrárias, decisões judiciais contra o direto constitucional de greve como forma de repressão contra os trabalhadores, entre outras formas de punições. Se há organização de segmentos da sociedade em torno de determinada causa social, terminam acusados por formação de quadrilha; se há mobilização para protestar, por exemplo, contra violações de direitos humanos, acabam sofrendo acusação de promoção da desordem pública. Durante a ditadura militar havia intervenção nos sindicatos e hoje, no que se classifica de “ditadura democrática”, busca-se asfixiar financeiramente as entidades com as multas muitas vezes milionárias. O que mais causa impacto em tudo isso é que acontece em plena democracia.
Trata-se de uma política de Estado, que envolve suas diferentes esferas de poder: as forças policiais, o judiciário, os governos estaduais, municipais e o próprio governo federal. A repressão vem sempre acompanhada do uso da força, da arbitrariedade e da violência patrocinadas pelos que detêm o poder, que visam o capital econômico em detrimento dos direitos da maioria da população, muitos dos quais vivendo em situação de pobreza. O Judiciário e o Legislativo, ao examinarem as ações promovidas pelos movimentos sociais, de certo modo contribuem para a manutenção de uma ordem injusta e desigual, que se esconde sob os princípios da liberdade e da justiça. A legislação nacional e internacional é manipulada de acordo com os interesses da classe dominante, restando quase que impossível o respeito e a observância dos direitos humanos fundamentais.
A experiência brasileira demonstra que a interferência do Poder Judiciário acaba sendo um tanto controverso. A atuação desse órgão na esfera da defesa da lei e manutenção da ordem acaba servindo para deslocar os conflitos sociais e os seus desdobramentos políticos para a esfera judicial. E quando isso ocorre, vem à tona o que se classifica de processo de judicialização da política, com o objetivo de conter as demandas reivindicatórias dos manifestantes. E alguns acontecimentos recentes demonstram de maneira muito nítida que a atuação do Poder Judiciário é efetivamente uma ofensiva dos setores dominantes contra os movimentos sociais.
Vale ressaltar que o recurso ao poder judiciário por parte dos setores dominantes em termos sociais e econômicos acaba sendo resultado das transformações sociais e políticas que o país viveu nos últimos vinte anos. O processo de democratização abriu espaços crescentes para as demandas dos setores populares, que ampliaram sua presença institucional e sua força política, o que fez com que os Poderes Legislativo e, principalmente, o Executivo tornassem-se permeáveis às demandas por mudanças nas estruturas sociais. O espaço conquistado pelos movimentos sociais, pelas demandas dos setores subalternos da sociedade debilita em muito a possibilidade de interferência estatal sobre os conflitos sociais por parte dos setores dominantes socioeconomicamente. E, por conseguinte, reduzidas as possibilidades de ação do executivo e do legislativo contra esses movimentos, o espaço da esfera judicial termina por se converter em um instrumento de contenção.
Já com o Poder Judiciário, o processo de democratização ocorre de uma maneira mais lenta. Isto tem como consequência o fato de este poder se converter em um recurso a ser ativado em situações nas quais setores dominantes demandam uma intervenção estatal sobre os conflitos sociais, ou seja, judicializar a política se transforma na possibilidade de mobilização dos recursos coercitivos do Estado como forma deslocar para além da esfera da política democrática a solução dos conflitos. A judicialização dos conflitos neste caso afeta não somente a imagem do poder judiciário como fragiliza a própria democracia.
O Poder Judiciário, se devidamente provocado, deveria nesse contexto ser elemento de garantia de formulação de políticas publicas, através da intimação dos demais poderes para o cumprimento de suas obrigações, garantindo que os direitos conquistados em leis sejam materializados. No entanto, na prática, o Poder Judiciário não vem exigindo do Executivo o cumprimento de suas funções, nem tenta evitar a degradação dos serviços essenciais.
O Estado Democrático de Direito não mais aceita essa postura omissa e passiva do Poder Judiciário. Este deve deixar de ser um Poder distanciado da realidade social, para tornar-se um efetivo partícipe da construção dos destinos da sociedade e do país, sendo, além disso, responsável pelo bem da coletividade. Vivemos, como já relatado, numa sociedade tão complexa e conflituosa onde a possibilidade de enfrentar, com êxito, as tensões desagregadoras demandam uma atuação do Poder Judiciário cada vez mais efetiva e, sem sombra de dúvidas, mais próxima dos problemas sociais.
Em se tratando de Ministério Público, segundo o disposto em nossa Carta Magna, “é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, ou seja, cabe ao Ministério Público atuar como guardião dos direitos da sociedade. A defesa dos direitos inerentes à sociedade na maior parte das vezes se dá através da via judicial, no entanto, esse órgão em alguns casos tem buscado resolver esses problemas exercendo uma atuação extrajudicial.
A atuação extrajudicial do Ministério Público pode ser exercida de várias formas, entre as quais podemos citar as Audiências Públicas, os Procedimentos Administrativos Preliminares, os Procedimentos Investigatórios Criminais, os Termos de Ajustamento de Conduta, etc. Essa atuação acaba sendo eficaz, na medida em que possibilita que os conflitos que sejam de interesse da coletividade sejam resolvidos de forma mais ágil. Todos esses atos, além de serem independentes e autônomos, podem ser requeridos de forma direta do poder público sem a necessidade de acionar o poder judiciário, o que propiciará uma maior rapidez e efetividade na solução dos conflitos da sociedade, evitando dessa maneira a sobrecarga desse poder.
Na verdade, o que se espera dos operadores do direito é que trabalhem para se conquistar o efetivo respeito aos direitos sociais, fazendo com que o Estado cumpra o seu dever de garantir ao cidadão o direito de viver em uma sociedade que caminhe, por meio da atuação dos Poderes constituídos, rumo à erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais e promovendo o bem de todos, nos exatos termos do que estabelece os objetivos da Constituição Federal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há na verdade uma necessidade de os movimentos sociais e entes governamentais apostarem em uma relação de parceria, porém com autonomia, onde os primeiros possam se transformar em interlocutores privilegiados do Estado, no sentido de auxiliarem na construção de políticas públicas, no seu monitoramento e avaliação e os demais, em instrumentos capazes de construir pautas de desenvolvimento econômico e social, sem se permitirem ser envolvidos por interesses privados, muitas vezes escusos. O certo é que estamos falando de um horizonte que ainda é distante de boa parte da realidade brasileira, mas algumas experiências de democracia participativa e direta, além de uma maior aproximação de setores com os movimentos sociais indicam que esse é o caminho mais acertado em prol de uma maior “democratização da democracia”.
BIBLIOGRAFIA
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Policial Rodoviário Federal. Graduado em Ciência da Computação - UECE. Graduando em Direito - UFC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BANDEIRA, Francisco Walter Oliveira. A atuação do Ministério Público e do Judiciário frente aos movimentos sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44183/a-atuacao-do-ministerio-publico-e-do-judiciario-frente-aos-movimentos-sociais. Acesso em: 23 dez 2024.
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