Resumo: Este trabalho tem por objetivo precípuo erigir análise sobre o recente entendimento de ser inconstitucional a vedação à possibilidade de liberdade provisória impregnada na “Lei de Drogas”. A metodologia de feitura do artigo foi consulta bibliográfica à doutrina e jurisprudência hodiernas. No desenvolver do artigo, aborda-se a linha do tempo entre a promulgação da Constituição Federal de 1.988 (CF/88), a qual trouxe consigo o princípio da presunção de inocência; o advento da “Lei de Crimes Hediondos”; o nascimento da “Lei de Drogas”, a qual tipifica o crime de Tráfico de Ilícito de Entorpecentes (Hediondo por equiparação); e o surgir da Lei Federal n.º 11.464/2007, a qual oportuniza a progressão de regime e a possibilidade de apelação em liberdade nas condenações por crimes hediondos. Além do que, são analisados vários julgados e o mais importante e recente decisum relacionado à temática, o HC 104.339/SP, julgado pelo Plenário do STF em 2012, sob a relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Por fim, é engendrada a opinio do autor do presente estudo sobre a atual inconstitucionalidade do óbice à liberdade provisória no crime de Tráfico Ilícito de Entorpecentes.
Palavras-chave: “Lei de Drogas”. Liberdade provisória. Vedação. Inconstitucionalidade.
Abstract. This work has as main objective to erect analysis of the recent understanding of unconstitutional the prohibition of the possibility of parole impregnated in "Drug Law". The making methodology of the article was bibliographic the doctrine and today's jurisprudence. In developing the article deals with the beautiful time of the promulgation of the Constitution of 1988 (CF / 88), which brought with it the principle of presumption of innocence; the advent of the "law on heinous crimes"; the birth of the "Drug Law", which typifies the Illicit Trafficking in Narcotic Drugs crime (Dire assimilated); and the emergence of Federal Law No. 11,464 / 2007, which favors the progression scheme and the possibility of appeal in freedom in convictions for serious crimes. In addition, we analyze several tried and the most important and recent related to the theme decisum, the HC 104 339 / SP, judged by the STF Full Bench in 2012, under the Rapporteur of the Minister Gilmar Mendes Ferreira. Finally, it engendered the opinion of the author of this study on the unconstitutionality of the current obstacle to bail on Illicit Traffic in Narcotic Drugs crime.
Keywords: "Drug Law". Bail. Seal. Unconstitutionality.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 1.1. Contexto Histórico: da Lei Federal n.º 8.072/1990 (“Lei de Crimes Hediondos”) à Lei Federal 11.464/2007. 1.2. O HC 104.339/SP, julgado no Plenário do STF em 2012. 1.3. O princípio da vedação à proteção insuficiente. 1.4. Posicionamento e argumentos do autor do trabalho. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Este trabalho possui o desiderato de analisar a atual inconstitucional vedação à liberdade provisória no delito de tráfico ilícito de entorpecentes. Nesse intento, primeiramente cumpre ressaltar o que seja o tráfico ilícito de entorpecentes.
Diz a Lei Federal n.º 11.343/2006 (“Lei de Drogas”):
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. [...] II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas (grifos nossos) (BRASIL, 2006).
Percebe-se que o legislador enumerou vários verbos relativos à conduta de tráfico ilícito de entorpecentes. Da lei se percebe que droga não é apenas maconha, cocaína ou craque; pode ser planta ou outro produto alucinógeno. Bem como, traficar não é apenas transportar. O preceito secundário do supra Art. 33 da lei é o mesmo para quem cultiva certa quantidade de maconha em casa e para quem transporta, em um veículo em rodovia federal, vários quilos de cocaína, guardadas as suas devidas proporções.
Boiteux e Vargas (2009) afirmam que a preocupação do legislador com a questão das drogas é uma preocupação de direitos humanos. As autoras afirmam isso, porquanto, para estas, a construção dos direitos humanos se baseia na noção de dignidade da pessoa humana, a qual tem como postulados básicos: I) o respeito e a proteção da integridade física do indivíduo; II) a garantia de condições justas e adequadas de vida para o indivíduo e sua família, III) a isonomia de todos os seres humanos, que não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário; e IV) a garantia da identidade pessoal do indivíduo, no sentido de autonomia e integridade psíquica e intelectual.
Nesse passo, o presente estudo visa a analisar o atual entendimento do STF pertinente a não ser possível denegar pedido de liberdade provisória para acusados por qualquer conduta do Art. 33 da Lei de Drogas, quando couber afrouxamento de eventual prisão cautelar pelo referido tipo.
Para alcançar o objetivo proposto, percorrer-se-á o caminho da dogmática e jusrisprudência pátrias até o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. Ao final, será exposta a opinião do autor do presente trabalho sobre a questão.
1 Desenvolvimento
Considerando que a Carta Magna pátria vigente atualmente estabelece princípios fundamentais e basilares, os quais devem ser sempre observados na exegese da legislação em vigor, o presente artigo, em seu o escopo de analisar o atual entendimento do STF quanto à inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória no crime de tráfico de entorpecentes, rememora, a seguir, fatos legislativos e judiciais históricos relevantes para a compreensão do tema.
A “Lei de Drogas” brasileira (Lei Federal n.º 11.343/2006) cerceia o direito à presunção de inocência do acusado de tráfico ilícito de drogas de forma gramaticalmente explícita, quando no Artigo 44 diz que: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de suris, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direito” (grifos nossos) (BRASIL, 2006).
Assim, percebe-se que o insculpido no Art. 33 do diploma (tráfico de drogas) é insuscetível de liberdade provisória. Entretanto, o Art. 5.º da CF/88, em seu inciso LVII, preconiza que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Dessarte, prima facie, manter um acusado por tráfico ilícito de entorpecentes preso provisoriamente sem se ter indícios suficientes de autoria e materialidade seria uma afronta e desrespeito à Constituição Federal. Porém, essa questão não é tão simples. Não se trata de simples subsunção do Art. 5.º da CF/88 a qualquer caso de tráfico ilícito de drogas.
Para exemplificar a complexidade de tal temática, Nucci (2010) afirma que da mesma forma que os favoráveis à factibilidade de liberdade provisória para acusados de tráfico ilícito de drogas trazem à baila o inciso LVII do Art. 5.º da CF/88, os contrários recorrem à dicção do inciso XLIII do mesmo Artigo, o qual diz que: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitires” (grifos nossos) (BRASIL, 1988).
Nesse prisma, para os contrários à liberdade provisória, no inciso supra se é vedada a anistia e a graça, institutos jurídicos sérios e complexos, seria, por extensão (interpretação ampliativa) e regra do “não pode o mais, não pode o menos”, vedada também a liberdade provisória (instituto processual – direito adjetivo). Tal visão, aparentemente, merece respeito, porquanto esse entendimento foi relevado na confecção da Lei de Drogas em 2006, mesmo transcorridos 18 anos após a feitura da CF/88.
1.1 Contexto Histórico: da Lei Federal n.º 8.072/1990 (“Lei de Crimes Hediondos”) à Lei Federal 11.464/2007
Diz o Art. 323, II, do CPP pátrio (feito em 1941 e modificado pela Lei Federal n.º 12.403/2011) que é vedada a fiança no crime de tráfico ilícito de drogas. Porém, tal restrição, aprioristicamente, não impediria a concessão de liberdade provisória, porquanto, como assevera Capez (2012), não se pode erigir hermenêutica ampliativa em desfavor do réu. Mas, no caso das drogas, será possível se pensar sempre a favor da sociedade?
Nesse caminhar, a Lei Federal n.º 11.464/2007 modificou fragmentos da Lei Federal n.º 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), mormente o seu inciso II do Art. 2.º, o qual vedava a possibilidade de fiança e liberdade provisória ao crime de tráfico de drogas. Deu nova redação ao inciso vedando apenas a fiança.
Porém, o legislador esqueceu vigente o Art. 44 da Lei de Drogas, o qual veda a obliteração da prisão cautelar no crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Ou seja, a CF/88 garante a presunção de inocência; vem a Lei de Crimes Hediondos, em 1990, e reafirma que os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória (Art. 2.º, II); vem a Lei de Drogas, em 2006, e também reafirma que os crimes previstos nos arts. 33 (tráfico), caput e § 1o, e 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória e é vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos (Art. 44).
Aí, em 2007, o mesmo legislador produtor de todas essas positivações normativas, por meio da Lei Federal N.º 11.464, oportuniza a concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos e ao tráfico de drogas (hediondo por equiparação). Entretanto, até 2012 os tribunais prosseguiram aplicando o Art. 44 da Lei de Drogas, por entenderem que a própria CF/88 deu tratamento diferenciado ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, vedando-lhe a fiança, graça ou anistia. Portanto, a Lei de Drogas teria se esmerado na CF/88 ao ser rígida quanto a não oportunizar a liberdade provisória.
Pereira (2009) explica esse comportamento ao consignar que a Lei de Crimes Hediondos é uma lei geral (genérica) e a Lei de Drogas é uma lei especial/específica. Assim, embora a Lei Federal n.º11.464/2007 tenha retirado a vedação à concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos e tráficos de drogas do mundo jurídico, tal diploma não revogou a Legislação Especial produzida um ano antes.
1.2 O HC 104.339/SP, julgado no Plenário do STF em 2012
Desde a sanção da Lei Federal n.º 11.464/2007, que excluiu a vedação à liberdade provisória em crimes hediondos e tráfico de drogas, surgiu intenso debate sobre que lei deveria der aplicada nos crimes de tráfico ilícito de drogas. Tribunais estaduais preferiam a legislação especial (Lei de Drogas e sua vedação constante no Art. 44). Eram impetrados recursos junto ao STJ e STF e surgiam profícuas discussões dobre o princípio da presunção de inocência e vedação à proteção insuficiente.
Nesse plasma de debates, influência importante para o atual entendimento do STF sobre a temática foi o julgamento da ADIN n.º 3.112-1, julgada em 2004, em que o pleno declarou inconstitucional a vedação à liberdade provisória impregnada na Lei Federal n.º 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Tal vedação constava no Art. 21 do referido diploma e obstaculizava a concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo. Desse modo, o acusado, quando preso, deveria passar todo o decurso da persecutio criminis recluído da sociedade.
Entre 2004 e 2011 surgiram outros julgados relevantes sobre a temática (HC 110.132/2011; HC 97.346/2010; HC 93.115/BA e HC 100.185/PA), dos quais se destaca o HC 101291/SP, julgado em 2009 na 2.ª Turma do STF, em que o tráfico ilícito de entorpecentes ganhou a factibilidade de cumprimento de pena em regime aberto e conversão em pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Veja-se um exemplo:
[…] A Turma, superando a restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu habeas corpus a condenado pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33) para determinar que tribunal de justiça substitua a pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos ou, havendo reversão, que o início do cumprimento da pena privativa de liberdade se dê no regime aberto. Assentou-se que a quantidade de pena imposta 3 anos , não constando circunstâncias desfavoráveis ao paciente, que não registra antecedentes, permitiria não só que a pena tivesse início no regime aberto (CP, art. 33, 2º, c), mas, também, a substituição por pena restritiva de direitos (CP, art. 44, 2º, segunda parte). (grifos nossos) HC 101291/SP, rel. Min. Eros Grau, 24.11.2009. (HC-101291)
Para finalizar os debates, em sessão de 10 de maio de 2012, o STF declarou, no HC 104.339-SP, relatoria do Ministro Gilmar Mendes, a inconstitucionalidade incidental de parte do Art. 44 da Lei de Drogas, que cerceava a possibilidade de concessão de liberdade provisória no crime de tráfico de entorpecentes. O relator afirmou que a norma especial, ao afastar a factibilidade à liberdade provisória de forma genérica, retirou dos magistrados a possibilidade de, no case concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inequívoca antecipação de sanção, o que se atritaria com diversos princípios fundamentais da CF/88, como a presunção de inocência.
Seguindo essa mesma linha, existe ainda julgado mais recente relativo à temática, qual seja: o HC 114.029-SP, julgado em 18 de dezembro de 2012, em que o relator, Ministro Ricardo Lewandowski concedeu ordem assecuratória para paciente de São Paulo aguardar em liberdade o trânsito em julgado de eventual decisum final condenatório, sem prejuízo de que o juiz a quo fixe, fundamentadamente, uma ou mais medidas previstas no Art. 319 do CPP.
1.3 O princípio da vedação à proteção insuficiente
Azevedo (2012) assevera que pelo princípio da proibição de proteção insuficiente (proibição de não-suficiência ou proibição por defeito), expressão cunhada por Claus-Wilhelm Canaris, o Estado será omisso quando se omite ou não adota medidas suficientes para garantir a proteção dos direitos fundamentais.
Nesse contexto do crime de tráfico de drogas, por meio de tal princípio, deixando acontecer a vedação à concessão de liberdade provisória, o Estado brasileiro estaria olvidando o princípio fundamental da presunção de inocência até sentença penal transitada em julgado.
Gomes (2009) diz que por força do princípio da proibição de proteção insuficiente nem a lei nem o Estado podem apresentar insuficiência em relação à tutela dos direitos fundamentais, ou seja, tal preceito cria um dever de proteção para o Estado (para o legislador e para o juiz), que não pode abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo-se os de natureza penal, para assegurar a proteção de um direito fundamental. Bem como, emana diretamente do princípio da proporcionalidade, que estaria sendo invocado para evitar a tutela penal insuficiente.
1.4 Posicionamento e argumentos do autor do trabalho
Pois bem. Após tudo o que foi explanado, modestamente, o autor do presente trabalho, em seu plasma de simplórios conhecimentos jurídicos e talvez desprovido de percuciente entendimento sistemático de todo o mundo jurídico e de experiências judiciais queda-se contrário à possibilidade de liberdade provisória no crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Todavia, não se comporta de tal modo apenas eliciado por sentimentos, achismos ou ideologias de política criminal. Não! O faz, baseado em estudo perscrutador das principais facetas do crime analisado e seus pormenores; análise que perquire a seguir.
Percebe-se que o crime relatado do Art. 33 da Lei de Drogas é inafiançável. Nesse meandro, propala Capez (2012) que, em vez de agravante a característica de ser inafiançável o crime de tráfico de entorpecentes, tem-se um benefício ao réu “grande traficante”, que jamais terá elevadíssimas fianças estipuladas por juízes (o crime não comporta fiança), pois sendo possível oferecer liberdade provisória a acusados pelo tipo, estes valer-se-ão da estranha figura da liberdade provisória sem fiança, produzida pela Lei Federal n.º 6.416/77 e oportunizada pelo recente entendimento do STF no HC 104.339 SP, julgado em 2012.
Desse modus, embora o autor do presente estudo seja contrário a qualquer possibilidade de concessão de liberdade provisória no crime do Art. 33 da lei de Drogas, seria mais interessante que, nos cases em que não for factível prender preventivamente acusados por tráfico ilícito de drogas, que a liberdade provisória fosse deferida com fiança.
Tal medida sancionaria o bolso dos “grandes traficantes”. Seria interessante haver um valor padrão, elevado claro, a fim de atingir aqueles criminosos que têm vultoso patrimônio não declarado. Nessa perspectiva, independentemente da condição econômico-social, para o preso pelo Art. 33 da Lei de Drogas, que desejasse ser liberto provisoriamente, seria cobrado um valor único. Além do que, seria importante cumular tal atitude a uma das cautelares do Art. 319 do CPP e relevar, ainda, os preceitos dos incisos I e II do Art. 282 do mesmo diploma.
Nesse rumo, reputa-se relevante o fato de que para o STF a “mula” (pessoa que apenas transporta droga a mando de traficantes) não merece ter a pena minorada. Ora se não se pode conceder suspensão condicional da pena e nem minorar penas de “mulas”, seria possível conceder liberdade provisória apenas para as “mulas”? Diz-se isso, pois em comparação aos “grandes traficantes”, estas, malgrado transportem drogas (Art. 33 da Lei de Drogas), não fazem parte da verdadeira cadeia criadora dos efeitos sociais das drogas.
Será que uma pai de família desempregado que caiu na tentação de atuar como “mula” para auferir pecúnias para o sustento de sua família, em cotejo a um “grande traficante”, ambos presos em flagrante, não mereceria uma minorante ou até mesmo uma liberdade provisória, a qual não fosse oportunizada ao “grande traficante”? Qual o crime mais grave? Ser “mula”, ser traficante?
Deve haver então proporcionalidade? Conceder-se liberdade provisória apenas para os que merecerem (pouca quantidade de drogas, razoável conduta social etc.)? E o princípio da igualdade? Todos não são iguais perante a lei? Todos têm direito à extirpação da prisão cautelar? Várias são as indagações possíveis.
Nesse viés da proporcionalidade, Ávila (2008, p. 142) diz que:
[...] o postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A aplicação da proporcionalidade exige a relação entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim.
Nesse diapasão, o meio necessário para coibir (por medo no traficante ou em quem tenha a pretensão de traficar) o tráfico ilícito de entorpecentes é proibir a concessão de liberdade provisória (com ou sem fiança) e tal meio não é restringidor de todos os direitos fundamentais de um indivíduo. É o meio menos restringente. Restringe apenas a presunção de inocência. O Art. 44 da Lei de Drogas não restringe o devido processo legal, o direito de defesa, a proibição da proteção insuficiente e tantas outras cargas axiológicas. É necessário entender que, abstrativamente, cerceia-se a liberdade de uma pessoa in faciem da possível proteção a tantas outras, as quais seriam atingidas pelas drogas vendidas ou transportadas pelos acusados e possíveis culpados.
Oras. Alei penal é ainda um pouco respeitada, porque impõe sanções e condições que oferecem “medo” e receio às pessoas. Se foi vontade do constituinte derivado, em 2006, tratar o tráfico de forma tão séria ao ponto de cercear o direito à presunção de inocência, deve-se respeitar a vontade dos representantes do povo brasileiro. Frisa-se que à época de promulgação da CF/88 as drogas não eram tão devastadoras como atualmente e, por isso, àquele tempo o princípio da inocência presumida era tão relevado.
Para endossar esta opinião oposta à factibilidade de concessão de liberdade provisória no crime em comento, ressalta-se que, hodiernamente, pessoas ligadas ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes já têm várias “benesses”, como a possibilidade de, se condenadas, obterem a convolação de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Veja-se o entender do STF:
A 1ª Turma julgou prejudicado habeas corpus em que condenado à reprimenda de 1 ano e 8 meses de reclusão em regime fechado e 166 dias-multa, pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33), pleiteava a suspensão condicional da pena nos termos em que concedida pelo Tribunal de Justiça estadual. Em seguida, deferiu, de ofício, a ordem para reconhecer a possibilidade de o juiz competente substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos na lei. […] Ademais, observou-se que o art. 77, III, do CP estabelece a aplicabilidade de suspensão condicional da pena quando não indicada ou cabível a sua substituição por restritiva de direitos (CP, art. 44). (grifos nossos) HC 104361/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 3.5.2011. (HC-104361).
Nessa perspectiva, em 2012, o Presidente do Senado Federal, José Sarney, por meio da Resolução n.º 5/2012, suspendeu a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, do § 4.º do Art. 33 da Lei de Drogas brasileira, declarado parcialmente inconstitucional por decisão definitiva do STF nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS.
Outra “benesse” a quem se associa ao crime organizado ligado ao tráfico ilícito de entorpecentes é a atipicidade, reconhecida pelo STF, quanto à figura do “fogueteiro” (pessoa próxima às “bocas” de venda de drogas que dispara fogos de artifício para avisar da chegada da polícia). Entende o STF que tal atitude não é enquadrável no crime de tráfico. Parece justo que não seja mesmo, porquanto a maioria dos jovens “fogueteiros” são adolescentes que buscam dinheiro para ajudarem suas famílias.
A eles não é justa a prisão/sanção (medida socioeducativa no caso), mas ao traficante sim acredito ser justa e mister que seja sem possibilidade de concessão de liberdade provisória, a fim de que a reprimenda estatal na conduta ilegal de traficar drogas seja tida como exemplo e obtenha respeito social. Em vernáculo simplório, se todo traficante for preso em flagrante e responder a todo o feito preso, poucas pessoas arriscar-se-ão a traficar drogas temendo assemelharem-se aos que foram presos e por muito tempo ficaram na cadeia.
Aí se pergunta: e um jovem, maior de idade, que atua como “fogueteiro” para sustentar sua mãe idosa e é preso em flagrante com 1 Kg de cocaína que seu “chefe” o mandara guardar no bolso (deixa de ser apenas “fogueteiro” e passa a ser enquadrado como traficante), merecerá ele liberdade provisória? Ele é apenas um jovem. Tem sonhos, planos. E o traficante, merecerá? Ele tem consciência da putrefação social que causa com a venda de suas drogas. Os dois merecerão?
Até é plausível o argumento de que podem acontecer fatos isolados como certa pessoa pega com quilos e quilos dentro de sua casa, mas fora seu irmão quem escondeu sem sua aquiescência, ser presa em flagrante sendo inocente. Porém, dada à gravidade do crime de tráfico de drogas e o abalo que causa em toda a sociedade, todo acusado deve permanecer preso até o fim do processo e a formação da culpa ou absolvição.
Caberá à justiça analisar, com base nos vários princípios da prova, se vai condenar ou inocentar o acusado, sempre preconizando que, malgrado seja factível condenação por prova indiciária, é necessário haver prova cabal de o acusado comportar-se como traficante de entorpecentes.
Eleva-se mais ainda o presente pensamento contrário ao concedimento de liberdade provisória no crime do Art. 33 da Lei de Drogas, quando se compulsa fragmentos do HC 95.551 SP, julgado na 1.ª Turma do STF em 2009, momento em que o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, ao indeferir pedido liminar de relaxamento de prisão de acusado preso em flagrante pelo Art. 33 da Lei de Drogas, exarou:
A súmula 691 desta Corte somente pode ser superada em caso de flagrante ilegalidade, teratologia ou abuso de poder. A atual jurisprudência [...] é firme no sentido da irrelevância da discussão [...] de fundamentação da prisão em flagrante do acusado de tráfico ilícito de entorpecentes, uma vez que a proibição de liberdade provisória, nesses casos, decorre da vedação legal imposta pelo Art. 44 da Lei Federal n.º 11.343/2006. (grifos nossos) (HC- 95.551 -SP, Min. Ricardo Lewandowski, 12.05.2009)
Isto é, o STF, em 2009, para o crime de tráfico de drogas, não relevava a Lei Federal n.º 11.416/2007 e ainda utilizava-se do Artigo 44 da Lei de Drogas. O fazia, porquanto entendia que essa era a vontade do legislador: manter presos, sem possibilidade de liberdade provisória, os acusados pelo Art. 33 da Lei de Drogas. Por que seria necessário modificar essa opinião de 2009 para 2012 se o consumo e as consequências maléficas da drogadição só aumentam? Adolescentes morrem viciados em drogas diariamente. Crianças nascem já dependentes de entorpecentes, porquanto suas genitoras, durante a gestação, fizeram uso de drogas e afins.
Bem como, no próprio julgamento do HC 104.339 SP, em 2012, o mais recente julgado sobre o tema, no qual foi declarada a inconstitucionalidade parcial do Art. 44 da Lei de Drogas, vários ministros divergiram do relator, Ministro Gilmar Mendes. Luiz Fux afirmou que a opção legislativa levou em consideração que a criminalidade no país está umbilicalmente associada à questão das drogas e o Art. 44 da Lei Especial foi estratégico nesse sentido, impedindo não apenas a fiança, mas também a liberdade provisória.
O Ministro Marco Aurélio, mesmo constatando ser o Brasil um altíssimo garantista, declarou que os representantes do povo brasileiro (deputados federais) e os representantes dos Estados (Senadores da República), percebendo a realidade prática do mal trazido pelo tráfico de drogas, editaram regras mais rígidas no combate ao tráfico de entorpecentes.
Assim, realmente a questão é polêmica, porquanto caso alguém inocente seja preso e depois inocentado, tendo sido obstada a possibilidade de responder ao feito em liberdade provisória, mesmo que o Estado indenize tal pessoa, jamais será compensado psicologicamente o lapso temporal passado injustamente atrás das grades e muros de uma prisão.
Porém, embora tal polêmica exista, pelos argumentos esposados, o autor do presente estudo queda-se contrário à possibilidade de libertar provisoriamente possíveis traficantes. Não há como compatibilizar a proibição do STF à vedação de liberdade provisória com o princípio da vedação à proteção insuficiente, porquanto, em singelo modo de entender, o Estado não é omisso ao vedar o direito constitucional de presunção de inocência a acusados de tráfico de drogas. Comporta-se sim como protetor da sociedade, do sujeito passivo universal, o walter. Afinal, nada da vida pode ser absoluto. Não se pode ter sempre a presunção de inocência. Todavia, a presente opinião também não é absoluta. É necessário SEMPRE exame, caso a caso, da possibilidade de liberdade provisória frente aos requisitos próprios, quais sejam: fumus comissi delicti e periculum libertatis.
Considerações Finais
O presente estudo acadêmico analisou a atual inconstitucionalidade parcial do Art. 44 da Lei de Drogas, emanada pelo STF no HC 104.339-SP/2012 in faciem dos princípios da presunção de inocência e da vedação à proteção insuficiente. Foi engendrado contexto histórico dos principais fatos legislativos e judiciais acontecidos até o surgir do referido julgado e, em sede de considerações finalizadoras da pesquisa, pode-se afirmar que o debate apenas começou.
Atualmente, para o STF (HC 104.339-SP e HC 114.029-SP) é possível haver liberdade provisória no crime de tráfico de entorpecentes. Porém, existe o RE 601.384-RS, julgamento em 10.09.2009, em que o STF reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no que concerne à controvérsia sobre a possibilidade de ser concedida liberdade provisória ao preso em flagrante pela prática de tráfico de entorpecente, relevado o dispositivo constitucional vedador da fiança nos crimes hediondos e equiparados.
Referências
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Mestrando do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre (UFAC). Especialista em Gestão Administrativa na Educação pela ESAB, de Vila Velha-ES (2014). Graduado, na Área de Administração, em Tecnologia em Gestão Financeira, pelo Centro Universitário Oswaldo Cruz, de Ribeirão Preto-SP (2013). Servidor Público Federal Efetivo do Ministério da Educação. Membro do Conselho Regional de Administração do Acre (CRA/AC), assentado no Registro n.º6-0079. Bem como, atualmente, é Acadêmico do 7.º Período do Curso de Direito da UFAC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TELES, Tayson Ribeiro. A inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória perfectibilizada pelo Art. 44 da Lei Federal n.º 11.343/06 (Lei de Drogas) in faciem da gravidade do Crime de Tráfico de Entorpecentes: uma demonstração do garantismo da última ratio processua Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44194/a-inconstitucionalidade-da-vedacao-a-liberdade-provisoria-perfectibilizada-pelo-art-44-da-lei-federal-n-o-11-343-06-lei-de-drogas-in-faciem-da-gravidade-do-crime-de-trafico-de-entorpecentes-uma-demonstracao-do-garantismo-da-ultima-ratio-processua. Acesso em: 23 dez 2024.
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