“Não temos que fazer do Direito Penal algo melhor, mas sim fazer algo melhor do que o Direito Penal..” (Gustaw Radbruch).
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O sistema de resolução de conflitos, fundado no direito penal retributivo encontra-se deteriorado no Brasil: presídios superlotados, com estabelecimentos que não oferecem o mínimo de condições para atender às necessidades dos presos. Nesse contexto começou a difundir a chamada Justiça Restaurativa, que é um processo de “restauração” do ambiente social afetado pela prática da conduta delituosa, que rompe a harmonia social. Contrapõe a Justiça retributiva, em que a pena é vista simplesmente como uma “retribuição” (castigo) pela prática da infração delituosa.
A filosofia de Justiça Restaurativa é uma forma de solução de conflito, com o foco voltado tanto para vítima, quanto ao ofensor e pelas demais pessoas interessadas na solução do conflito instaurado, buscando a restauração de suas vidas e de sua interação social. Observe, então, que no processo restaurativo há o envolvimento de vários atores (vítima, autor e comunidade) interessados na resolução do conflito social. Essa Justiça Restaurativa “baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime” (GOMES PINTO, in SLAKMON et. al., 2005, p. 20).
Observe que a Justiça Restaurativa busca romper com o monopólio da Justiça penal, a cargo do Estado (jus puniendi). No entanto, não é o objetivo desse artigo tecer longas discussões sobre a (in) constitucionalidade do processo restaurativo e sim tecer considerações, a nível teórico, sobre seus fundamentos e premissas. Na realidade a Justiça Restaurativa vem propor novas formas de solução de conflitos desapegadas do aparato do Poder Judiciário, buscando solução através do diálogo e o do consenso. Seria uma forma de autocomposição do litígio, posto em deslinde. É uma nova proposta ao combate à violência e aos problemas afetos à comunidade.
O termo violência no seu sentido amplo compreende não somente as infrações penais tipificadas nas leis brasileiras, mas também toda a forma de ofensa que causa alguma espécie de dano às pessoas. Abramovay (2002, p. 22) esclarece que a violência “[....] não somente atinge a integridade física, mas também as integridades psíquicas, emocionais e simbólicas de indivíduos ou grupos nas diversas esferas sociais, seja no espaço público, seja no espaço privado”. Michaud (1989, p. 10-11) caracteriza a existência da violência quando:
[....] numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.
Entretanto, o foco de estudo dos conflitos interpessoais considerados nesse trabalho são àqueles que também constituem infrações penais, muito embora as práticas restaurativas possam ser aplicadas na resolução de todo o tipo de conflito sejam eles infrações penais ou não.
2. NOÇÕES ELEMENTARES SOBRE: DIREITO, ESTADO, POLÍCIA, CONTROLE SOCIAL, PENA, DIREITO PENAL E JUSTIÇA
O Direito surgiu com a necessidade de regular a vida em sociedade, assim “Podemos, pois, dizer, sem maiores indagações, que o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade” (REALE, 2001, p. 16). Assim:
O homem é um ente social e gregário. Não se concebe, salvo situações excepcionais, que possa viver isoladamente. Entre as necessidades humanas mais profundas está a do convívio social, a de estabelecer relações com outros homens, com as mais diversas finalidades e os mais variados graus de intensidade (GONÇALVES, 2012, p. 23).
Já “O Estado é uma organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais de ordem social. E o Direito é o conjunto das condições existenciais da sociedade, que ao Estado cumpre assegurar” (MALUF, 2014 p. 15). Note-se, pois que Direito e Estado são essencialmente interligados. Maluf (2014, p. 14-17) distingue as três formas de relação entre Direito e Estado.
A primeira forma seria aquela descrita pela Teoria Monística:
[....] segundo a qual o Estado e o Direito confundem-se em uma só realidade. Os dois fenômenos sunt unum et idem, na expressão usada por Kelsen. Para os monistas só existe o direito estatal, pois não admitem eles a ideia de qualquer regra jurídica fora do Estado. O Estado é a fonte única do Direito, porque quem dá vida ao Direito é o Estado através da “força coativa” de que só ele dispõe. Regra jurídica sem coação, disse Ihering, é uma contradição em si, um fogo que não queima, uma luz que não ilumina. Logo, como só existe o Direito emanado do Estado, ambos se confundem em uma só realidade. Foram precursores do monismo jurídico Hegel, Hobbes e Jean Bodin. Desenvolvida por Rudolf von Ihering e John Austin, alcançou esta teoria a sua máxima expressão com a escola técnico-jurídica liderada por Jellinek e com a escola vienense de Hans Kelsen [....] (MALUF, 2014, p. 15).
Observe que para a teoria Monista apenas o Estado pode ser considerada fonte do Direito. Por outro lado a teoria Dualista admite:
[....] serem o Estado e o Direito duas realidades distintas, independentes e inconfundíveis. Para os dualistas o Estado não é a fonte única do Direito nem com este se confunde. O que provém do Estado é apenas uma categoria especial do Direito: o direito positivo. [....]. O dualismo (ou pluralismo), partindo de Gierke e Gurvitch, ganhou terreno com a doutrina de Léon Duguit, o qual condenou formalmente a concepção monista, admitiu a pluralidade das fontes do Direito positivo e demonstrou que as normas jurídicas têm sua origem no corpo social. Desdobrou-se o pluralismo nas correntes sindicalistas e corporativistas, e, principalmente, no institucionalismo de Hauriou e Rennard, culminando, afinal, com a preponderante e vigorosa doutrina de Santi Romano, que lhe deu um alto teor de precisão científica [....]” (MALUF, 2014, p. 16-17).
Por fim surgiu a teoria do paralelismo, que veio de certa forma preencher as lacunas deixadas pela teoria do dualista, mas assim como ela se opõe a teoria do monista e o a ideia do Estado como única fonte do Direito. As ideias principais dessa teoria são:
[....] o Estado e o Direito são realidades distintas, porém necessariamente interdependentes. Esta terceira corrente, procurando solucionar a antítese monismo-pluralismo, adotou a concepção racional da graduação da positividade jurídica, defendida com raro brilhantismo pelo eminente mestre de Filosofia do Direito na Itália, Giorgio Del Vecchio. Reconhece a teoria do pluralismo a existência do direito não estatal, sustentando que vários centros de determinação jurídica surgem e se desenvolvem fora do Estado, obedecendo a uma graduação de positividade. Sobre todos estes centros particulares do ordenamento jurídico, prepondera o Estado como centro de irradiação da positividade. O ordenamento jurídico do Estado, afirma Del Vecchio, representa aquele que, dentro de todos os ordenamentos jurídicos possíveis, se afirma como o “verdadeiramente positivo”, em razão da sua conformidade com a vontade social predominante. A teoria do paralelismo completa a teoria pluralista, e ambas se contrapõem com vantagem à teoria monista. Efetivamente, Estado e Direito são duas realidades distintas que se completam na interdependência [....] (MALUF, 2014, p. 17).
Uma das necessidades tanto do surgimento do Estado, quanto das normas de convivência social (Direito) foram, sem dúvida nenhuma, a necessidade do controle social e dos impulsos humanos (violência). Isso porque:
A psicologia profunda tem demonstrado que o ser humano é movimentado por instintos, que, se não sujeitos à repressão, podem colocar em risco a própria vida em comunidade. Por isso, desde há muito que o grupo social estabeleceu regras de conduta, impostas a todos ou a alguns de seus membros. A preservação da vida em comum exige a imposição de regras, pois o homem não pode existir exclusivamente para satisfazer os próprios impulsos e instintos (GONÇALVES, 2012, p. 23).
Quanto à natureza humana e sua influência na violência, os teóricos do comportamento humano partem de dois pontos primordiais para justificar a origem da violência do Homem: primeiro ela é inata ao ser humano, como defendida por Hobbes (2012), ou ela é decorrente do meio social, como defendida por Rousseau (1985).
No primeiro aspecto, descreve a concepção da pessoa como sendo violenta e hostil. Para Hobbes a ausência de um Estado forte, amparado nas leis divinas poderia conduzir o Estado aos caos da sociedade primitiva, onde prevalecia o estado natural do Homem, onde somente existia a guerra civil. Segundo ele, a destruição de todas as leis, divinas e humanas, levaria governo e sociedade a regressar ao caos primitivo da violência e da guerra civil (HOBBES, 2012).
No segundo aspecto, a origem da violência seria a influência da sociedade. O homem seria bom em seu estado natural, mas a vivência em sociedade o teria corrompido, ou seja, “O homem é naturalmente bom, o mal é conseqüência da sociedade” (ROUSSEAU, 1985, p. 8).
Independentemente da origem dos instintos humanos inadequados ao convívio social, existem diversas formas de se exercer o controle social (inclusive sobre a violência). Observe:
O controle social se exerce, pois, através da família, da educação, da medicina, da religião, dos partidos políticos, dos meios massivos de comunicação, da atividade artística, da investigação científica, etc. [....] O controle social se vale, pois, desde meios mais ou menos “difusos” e encobertos até meios específicos e explícitos, como é o sistema penal (polícia, juízes, agentes penitenciários, etc.). A enorme extensão e complexidade do fenômeno do controle social demonstra que uma sociedade é mais ou menos autoritária ou mais ou menos democrática, segundo se oriente em um ou outro sentido a totalidade do fenômeno e não unicamente a parte do controle social institucionalizado ou explícito. (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2006, p.61).
Uma das formas que a sociedade encontrou para exercer o controle social foi à submissão de seus integrantes a normas, a quem todos deviam obediência (princípio da legalidade). No caso específico das infrações penais, surgiram as normas penais, reguladas pelo Direito Penal. Assim, o Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação (NUCCI, 2011, p. 67). Portanto, “a finalidade do Direito penal é proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade [....]” (GREGO, 2011, p. 2). Já crime “é todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social [....]” (CAPEZ e PRADO, 2012, p.55). O sistema penal tradicional utiliza-se da pena como instrumento de controle social. Quanto à pena, os autores destacam seu caráter retributivo:
Pena. Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. (CAPEZ e PRADO, 2012, p. 126).
A fim de assegurar o cumprimento da Lei surgiu a polícia, que é uma instituição encarregada de manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade e a segurança dos cidadãos, assim o caráter principal da policia é a vigilância, e o objeto da sua solicitude é toda a sociedade (REGO, 1860, p. 77).
A polícia se divide ainda em dois ramos principais: a polícia administrativa e a polícia judiciária, embora ambas componham à função administrativa do Estado. A polícia administrativa é também denominada de polícia preventiva, porque exerce sua atividade, a priori, antes do ilícito ocorrer, procurando evitar que eles se verifiquem (CRETELLA JÚNIOR 1961, p. 39-40). Já a Polícia Judiciária tem natureza predominantemente repressiva, eis que se destina à responsabilização penal do indivíduo (CARVALHO FILHO, 2011, p. 120). No entanto, adverte Cretella Júnior (1961, p. 41) que o termo “repressivo” merece reparos porque não reprime delitos, mas funciona como auxiliar do Poder Judiciário nessa função.
Polícia significa, então, restrição à liberdade em prol do interesse público e isso é conseguido através do efetivo exercício do poder de polícia, que é a faculdade discricionária da Administração de limitar as liberdades individuais em prol dos interesses coletivos (CRETELLA JÚNIOR 1961, p. 54).
Por fim tem-se a noção de Justiça (Poder Judiciário) que no Brasil, em matéria de conflitos penais, possui o papel de dizer o direito de forma definitiva, atuando, assim, como o mecanismo de controle social mais importante, a fim de assegurar a integridade da sociedade.
O sistema de repressão ao crime é complexo e envolve inúmeros órgãos. Na apuração de infrações penais, por exemplo, atua o chamado aparato estatal, composto pelos órgãos do Poder Judiciário (juízes e auxiliares), e outros órgãos como o Ministério Público, Defensores Públicos, Polícia, Criminalística, entre outros, além de advogados das partes. Ainda deve ser incluído nesse aparato, o complexo de sistemas públicos destinados ao encarceramento do preso (presídios, delegacias, centros de detenção etc.).
3. EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO PENAL E DAS FORMAS DE SOLUÇÃO DE LITÍGIOS
Nos primórdios prevalecia à vingança como forma de Justiça baseada na morte e na Lei de Talião. Nessa época “a vingança e a pena, confundia-se uma como a outra, reduzia-se a um ferimento tal que bastasse para ressarcir a vítima ou seus amigos, ou a dor causada ao ofendido” (LOMBROSO, 2007, p. 91).
Na Grécia Antiga em uma primeira fase, prevalecia à vingança de sangue, que terminou cedendo espaço ao talião e à composição; por sua vez, o Direito Canônico, que predominou na Idade Média, perpetuou o caráter sacro da punição, que continuava severa, mas havia, ao menos, o intuito corretivo, visando à regeneração do criminoso (NUCCI, 2011, p. 74-75).
O caráter desumano das penas influenciou vários filósofos e juristas, propiciando o surgimento de novas formas de pensar; o surgimento da obra “Dos delitos e das Penas”, de Cesare Bonesana se insere nesse contexto e marcou o nascimento da corrente de pensamento denominada Escola Clássica, pois contrário à pena de morte e às penas cruéis, pregou o Marquês de Beccaria o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado à sociedade (NUCCI, 2011, p. 75).
Sobre o direito de punir já advertia Beccaria (2001, p. 9) que “A Moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem. Toda lei que não for estabelecida sobre essa base encontrará sempre uma resistência à qual será constrangida a ceder”.
Sobre o processo de modernização do Direito Penal e do desenvolvimento da escola clássica comenta Nucci (2011, p. 75-78).
É inequívoco que o processo de modernização do direito penal somente teve início com o Ilumimsmo, a partir das contribuições de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri e Pagano (Itália). Houve preocupação com a racionalização na aplicação das penas, combatendo-se o reinante arbítrio judiciário [....].
A escola clássica (essa denominação somente surgem depois de sua existência consolidada, visando contrapor-se à denominada escola positiva) encontrou seu grande representante e consolidador em Francesco Carrara, que se manifestou contrário à pena de morte e às penas cruéis, afirmando que o crime seria fruto do livre-arbítrio do ser humano, devendo haver proporcionalidade entre o crime e a sanção aplicada [....]. O escopo da pena era retribuir o mal do crime com o mal da sanção, embora pudesse haver - e até fosse desejável que ocorresse - a emenda do infrator. Essa situação, no entanto, não concernia ao Direito Penal.
Cesare Lombroso (1835-1909) criminologista italiano tornou-se conhecido pelos seus estudos e teorias de como determinadas características físicas e mentais influenciava na criminalidade humana. Lombroso é considerado o criador da Antropologia Criminal e suas ideias inovadoras para época deram nascimento à Escola Positiva de Direito Penal, que baseava sua interpretação em fatos e investigações científicas. Muito embora, posteriormente, as teorias de Lombroso tenham sido contestadas sua principal contribuição foi o estudo do homem criminoso. Observe a contribuição de Lombroso para o desenvolvimento de nova teoria penal, principalmente no caso de ponderação da pena a ser aplicada ao infrator (personalidade da conduta criminal):
Com a publicação do livro O homem delinquente (1876), de Cesare Lombroso, cravou-se o marco da linha de pensamento denominada escola positiva. Lombroso sustentou que o ser humano poderia ser um criminoso nato, submetido a características próprias, originárias de suas anomalias físico-psíquicas [......]. Defendeu Enrico Ferri que o ser humano seria responsável pelos danos que causasse simplesmente porque vivia em sociedade. Negou terminantemente o livre-arbítrio, defendido pela escola clássica. Assim, o fundamento da punição era a defesa social. A finalidade da pena consubstanciava-se, primordialmente, na prevenção a novos crimes. [.....]. Não há dúvida de que a escola positiva exerceu forte influência sobre o campo da individualização da pena, princípio que rege o Direito Penal até hoje, levando em consideração, por exemplo, a personalidade e a conduta social do delinquente para o estabelecimento da justa sanção ( NUCCI, 2011, p 78-79).
Comparando as duas importantes teorias observa-se que cada uma delas analisa o crime e a violência sob determinado prisma. Para a Escola Clássica o agente possui seu "livre arbítrio" para realização do fato típico, pouco ou nada se importando com as características pessoais do agente criminoso:
[.....] não obstante o engenho dos grandes criminalistas clássicos, em vista do método por eles adotado, pois que não se preocupando em conhecer cientificamente a realidade humana e as causas da delinqüência, não era possível que delas indicassem os remédios adequados (FERRI, 1998, p. 61).
Já a Escola Positiva deu grande ênfase as características humanas, com base em estudos das ciências sociais (Antropologia, Psiquiatria, Psicologia, Sociologia, Estatística etc.). Em conclusão:
Ambas as escolas merecem críticas, justamente por serem radicalmente contrapostas. Enquanto a clássica olvidava a necessidade de reeducação do condenado, a positiva fechava os olhos para a responsabilidade resultante do fato, fundando a punição no indeterminado conceito de periculosidade, conferindo poder ilimitado ao Estado, ao mesmo tempo em que não resolve o problema do delinquente ocasional, portanto, não perigoso [....]. Apreciando as inúmeras escolas penais, professa Frederico Marques que, na escola clássica houve excesso de preocupação com o homem abstrato, sujeito de direitos, elaborando suas ideias com o método dedutivo do jusnaturalismo, enquanto na escola positiva houve uma hipertrofia naturalista, preocupando-se em demasia com as leis físicas que regem o universo, em detrimento da espiritualidade da pessoa humana. A escola eclética denominada técnico-jurídica, por sua vez, baseou-se na hipertrofia dogmática, sem grande conteúdo (NUCCI, 2011, p 78-80).
Terminada a Segunda Grande Guerra, a evolução do Direito Penal provoca o surgimento do movimento denominado escola da “defesa social”. De acordo com ela deve ser priorizada a proteção da sociedade, em detrimento, da sede de vingança, do anseio punitivo do agente que teria praticado o crime. Essa teoria valoriza conceitos preventivos e por intervenções educativas e reeducativas:
Assim, não deve ser impetrada uma pena para cada delito, mas sim buscada uma penalidade para cada pessoa, fortalecendo o conceito de individualização pessoal da função punitiva. Segundo lição de Oswaldo Henrique Duek Marques, afasta-se do positivisrno e volta a afirmar o livre-arbítrio corno fundamento da imputabilidade, demonstrando que o crime é expressão de urna personalidade única, impossível de haver a padronização sugerida pela escola fundada por Lombroso. A nova defesa social reconhece que a prisão é um mal necessário, embora possua inúmeras consequências negativas, devendo-se, no entanto, abolir a pena de morte. Prega ainda, a descriminalização de certas condutas, especialmente aquelas que são consideradas crimes de bagatela, evitando-se o encarceramento indiscriminado (NUCCI, 2011, p. 80).
Ainda nas últimas décadas têm surgido novos modelos teóricos denominados de prevenção geral positiva. A expressão assume sentido de prevenção e tratamento com as chamadas "Medidas Adequadas para a Reeducação e Ressocialização”. Quanto à intervenção do Estado a doutrina encontra-se dividida:
[.....] reafirmando que a pena não serve para intimidar criminosos, mas apenas para reafirmar a "consciência social da norma", demonstrando a sua vigência por meio da aplicação da sanção penal. A teoria da prevenção geral positiva divide-se em: a) fundamentadora (Jakobs, Welzel), sustentando que a aplicação da pena tem o poder de evidenciar que o agente do crime não se conduzam corretamente, servindo de orientação aos cidadãos para o cumprimento das normas em geral, com função educativa. Por isso é contrária ao direito penal mínino; b) limitadora (Roxin, Mir Pmg, Silva Sánchez, Mufioz Conde), reafirmando as bases da anterior, embora pregando que a intervenção do Estado deve ser limitada (NUCCI, 2011, p. 80).
Pode-se observar que o Direito Penal no decorrer da História buscou novas formas e modelos no intuito de combater a violência, mas, tudo indica que o modelo ideal ainda não foi encontrado. Interligado com o desenvolvimento do Direito Penal está também às formas de resolução de conflitos.
A forma mais antiga de solução de conflitos foi à defesa própria pelo interessado, naquilo que a doutrina passou a denominar de autotutela que:
caracteriza-se, basicamente, pelo uso da força bruta para satisfação de interesses. A própria repressão aos atos criminosos se fazia ora em regime de vingança ou de Justiça privada, ora pelo Estado, sem a interposição de órgãos imparciais (CAPEZ, 2012, p. 50).
De fato, “O emprego da força maior deve ter sido a forma mais usual para a solução do conflito. Era a ‘autodefesa’. O grande problema desse sistema é que poderia ocorrer à impunidade, no caso do ofendido não reagisse ou fosse mais fraco que o ofensor” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 22).
Nota-se que na autotutela, a solução do conflito de interesses “[....] se dá pela imposição parcial de um deles, com sacrifício do interesse do outro. Solução egoísta e parcial do litígio. O ‘juiz da causa’ é uma das partes” (DIDIER JÚNIOR, 2012, p. 105). Hoje no direito brasileiro o exercício da autotutela é exceção (por exemplo: Cód. Civil, art. 1210, § 1°).
Uma segunda forma de resolução de conflitos é a autocomposição, que: “[...] ocorre quando uma das partes integrantes do conflito abre mão do seu interesse em favor da outra, ou quando ambas renunciam à parcela de suas pretensões para solucionar pacificamente suas divergências” (CAPEZ, 2012 p. 51).
Houve notável evolução em relação ao sistema anterior devido a necessidade do “[...] consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo o em parte, em favor do interesse alheio” (DIDIER JÚNIOR, 2012, p. 105). Explica, ainda, Didier (2012, p. 106) que a autocomposição é o gênero de que são espécies a transação (concessão mútuas) e a submissão voluntária ao interesse alheio.
Posteriormente começou a desenvolver um novo sistema em que consiste na escolha de pessoas desinteressadas (imparciais) na solução do conflito, no modelo denominado arbitragem “facultativa” ou “obrigatória” conforme o estágio do desenvolvimento do sistema. Posteriormente a escolha do árbitro passou a ser realizada pela autoridade estatal:
A intervenção de terceiro na solução do conflito surgiu inicialmente com a escolha, pelos próprios conflitantes, de um árbitro imparcial. Essa escolha recaía, em geral, sobre sacerdotes, que julgavam de acordo com a vontade dos deuses, ou sobre anciãos, que decidiam de acordo com os costumes e tradições locais. Aos poucos, o Estado foi-se afirmando e conseguiu impor-se aos particulares [....]. Posteriormente, o Estado passou a ter o poder de indicar o árbitro, independentemente da vontade das partes, passando-se de um sistema inicial de arbitragem facultativa (o árbitro era escolhido pelos próprios litigantes) a um sistema de arbitragem obrigatória (a escolha cabia exclusivamente ao poder estatal) (CAPEZ, 2012, p. 51-52).
Com o surgimento e o desenvolvimento do conceito de Estado, a tarefa de solucionar conflitos foi para ele atribuída. Primeiramente cabia ao soberano (Absolutismo); depois a órgãos independentes, integrantes do Poder Judiciário (Montesquieu), como o surgimento do conceito de jurisdição, como um dos poderes do Estado.
A Jurisdição é a atividade do Estado para aplicar as leis, como função específica, de forma imparcial e definitiva, ou seja:
A jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial de realizar o direito de modo imperativo e criativo, reconhecendo, efetivando, protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível (DIDIER, 2012, p. 95).
Hoje, no Brasil, o Estado tem se mostrado ineficiente na resolução de todos os conflitos sociais, em prazo razoável. Por isso é necessário procurar novas formas que atribuam a terceiros o papel de auxiliar. Nesse aspecto foi publicada a Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem) que especifica que “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1°), sendo que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo” (art. 31). É certo, porém, que a escolha pelo processo arbitral é facultativa, pois “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF-88, art. 5°, XXXV).
Outras leis foram publicadas dando ao Estado um papel mais passivo na solução de conflitos, como a Lei dos Juizados Especiais, a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 e o Estatuto da Criança e Adolescente, A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 que permitem a conciliação.
4. PANORAMA DO SISTEMA BRASILEIRO DE CUMPRIMENTO DE PENA E DO MODELO PENAL BRASILEIRO: O FRACASSO DO SISTEMA ADOTADO
No Brasil o modelo retributivo da pena e o encarceramento do preso não surtiram os efeitos desejados. Os estabelecimentos penais brasileiros não estão aptos a oferecer aos presos à assistência de que eles necessitam, conforme previsto na Lei de Execuções Penais, Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, que prevê que “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (art. 10). A assistência prevista em lei compreende a assistência material; a assistência à saúde; a assistência jurídica; a assistência à educação; a assistência social e a assistência religiosa (art. 11).
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) traçou recentemente o novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil. Segundo o diagnóstico, a nova população carcerária brasileira é de 567.655 pessoas presas; no entanto a capacidade do sistema é de 357.219 vagas. Há, portanto, um déficit de 210.436 vagas (CNJ, 2014, p. 17). Deve-se destacar ainda que, se levar em consideração as 147.937 pessoas em prisão domiciliar, o número de pessoas presas chega a 715.592 (CNJ, 2014, p. 6-7) e o déficit carcerário chega a 358.373 vagas.
Deve-se destacar que a chamada prisão domiciliar é (ou pode ser) concedida pela Justiça aos presos de qualquer um dos regimes de prisão (fechado, semiaberto e aberto) devido a problemas de saúde, que não podem ser tratados na prisão ou quando não existe unidade prisional própria para o cumprimento de determinado regime, como o semiaberto, por exemplo. Portanto, o número de presos em regime domiciliar deve ser computados porque, muitas vezes eles estão nesse regime por falta de estabelecimento apropriado, ou devido a situações temporárias (problemas de saúde).
Pois bem, o número de pessoas presas (incluindo as de prisão domiciliar) é de 715.592. Acontece que o Brasil possui ainda 373.991 mandados de prisão a cumprir (CNJ, 2014, p. 17). Dessa forma, caso fossem cumpridos todos os mandados de prisão, a população carcerária chegaria aos incríveis 1.089.583. E nessa situação hipotética o déficit seria de 732.364 vagas.
No Brasil há 358 presos por grupo de 100.000 habitantes; já outros países apresentam números bem inferiores, como a Argentina (149); México (212); áfrica do Sul (294) e Alemanha (78) (CNJ, 2014, p. 11).
A taxa de ocupação do sistema também é preocupante (pra não dizer inaceitável). O Brasil apresenta uma taxa de ocupação de 200% (CNJ, 2014, p. 13). Isso significa que o sistema deveria dobrar o número de vagas para que a equação se equiparasse. Ou melhor, para que sistema se torne “lotado” e sem vagas, é preciso primeiro, dobrar o número de vagas existentes. Observe que essa taxa encontra-se através da divisão do número de presos do sistema (incluindo a prisão domiciliar) pelo número de vagas do sistema, multiplicado por 100. Noutros países a taxa de ocupação é bem menor, como a Argentina (102); México (126); África do Sul (128) e Alemanha (82) (CNJ, 2014, p. 13).
Com as novas estatísticas, quando computados os dados com a prisão domiciliar, o Brasil passa a contar com a terceira maior população carcerária do mundo. Os cálculos, com a inclusão das prisões domiciliares, fizeram o Brasil ultrapassar a Rússia, que tem 676.400 presos. Já o Brasil possui 715.592 presos, ficando atrás somente da China (1.701.344) e Estados Unidos da América (2.228.424). Os dados ficariam bem mais desfavoráveis ao Brasil caso levasse em consideração o número de habitantes de cada país (número de pessoas presas por grupo de 100.000 habitantes).
A falência do sistema adotado também está comprovada em outros dados. Por exemplo, o índice de mortes violentas ocorridas no Brasil. Em 2013, ocorreram 53.646 mortes violentas (incluindo aí os homicídios dolosos, os latrocínios e as lesões corporais seguidas de morte) (Anuário Brasileiro de Segurança Pública - ABSP, 2014, p. 6). Ainda naquele ano (2013) 490 policiais foram mortos, de forma violenta; nos últimos cinco anos (2009-2013) foram 1.770, sendo que 75,3% dessas mortes ocorreram fora do serviço policial (ABSP, 2014, p. 6). Por outro lado nesse mesmo período (2009-2013) ao menos 6 pessoas foram mortas por dia pelas polícias brasileiras, sendo que 81,8% delas foram mortos por policiais de serviço (ABSP, 2014, p. 6). No período de cinco anos (2009-2013) houve 11.197 pessoas mortas pelas polícias brasileiras; os Estados Unidos da América somente atingiram número semelhante num prazo de trinta anos (1983-2012) (ABSP, 2014, p. 6).
Uma análise do sistema penitenciário brasileiro e de sua evolução da população carcerária no período de 1990-2010 comprova o cenário caótico. A população carcerária cresceu 450% entre 1990 - 2010, enquanto a população nacional cresceu apenas 26,7% no mesmo período (Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes - IPC-LFG, 2011, p. 6). Apenas no período de 2002-2003 ocorreu notável explosão carcerária de 239.345, em 2002 para 308.304, em 2003.
No Brasil ainda, com dados de 2010, cerca de 6% dos presos são analfabetos; 12% alfabetizados e 43% não concluíram o ensino fundamental (IPC-LFG, 2011, p. 30). No Brasil também os negros são 18,4 % mais encarcerados e 30,5% mais vítimas de homicídio (ABSP, 2014, p. 6). O sistema é, portanto, discriminatório.
Nossa Carta Magna diz que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza (CF-88, art. 5°, Caput), mas nosso sistema penal é seletivo, somente atingindo determinada camada da população. Além do complexo sistema de recursos, que favorecem os mais abastados, que podem contratar os melhores defensores. Na verdade:
O sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas [....] O sistema penal é também apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da necessidade – na expressão de Von Liszt, ‘só a pena necessária é justa’-, quando de fato seu desempenho é
repressivo, seja pela frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais.
(BATISTA, 2007, p. 25-26).
Ainda deve-se destacar a ineficiência do serviço policial e do aparato do Poder Judiciário, deixando impune uma grande massa de infratores. Acrescente também os chamados crimes praticados pelas classes privilegiadas, onde se inclui os políticos e as pessoas de alto poder aquisitivo, que conseguem manobrar legalmente todo o sistema e escapam impunes ou com penas essencialmente irrisórias. De fato:
além da cifra negra dos delinqüentes que escapam a toda detenção oficial, existe uma cifra dourada de delinqüentes que detêm o poder público e o exercem impunemente, lesando a coletividade e cidadãos em benefício de sua oligarquia, ou que dispõem de um poderio econômico que se desenvolve em detrimento da sociedade. (CASTRO, 1983, p.75).
Em síntese o Direito Penal não é igual para todos, porque conforme especificado anteriormente a maioria dos presos que se encontram no sistema sequer possuem o ensino fundamental (IPC-LFG, 2011, p. 30). Assim:
a) O direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos, e quando pune as ofensas aos bens essenciais o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário;
b) a lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos;
[....] (BARATTA, 2002, p.162).
Por todos esses fatores o sistema adotado, com base no direito penal e processual penal, calcado no modelo “clássico” encontra-se fracassado e não conseguiu surtir os efeitos desejados:
O modelo clássico de Justiça penal é o retributivo, fundado basicamente na pena de prisão ou na medida de segurança e na crença dissuasória da pena (teoria da prevenção geral negativa ou intimidação que tem como fonte a doutrina de FEUBACH). O Direito Penal clássico é, portanto, um Direito “binário”, ou seja, só conhece duas formas de reação ao delito: pena (de prisão ou multa a favor do Estado) e Medida de Segurança (que se aplica no Brasil, ao inimputável do artigo 26 do código penal e ao semi-inimputável, desde que apresente concreta periculosidade e necessidade especial de tratamento curativo – CP – art. 98). A reparação dos danos a vítima representa, nesse contexto, uma “terceira via” (ROXIN) (GOMES, 2011, p. 185).
Acrescente a isso o sistema caótico de cumprimento de pena e a ineficácia do Estado em cumprir sua função no processo de repressão e prevenção do crime.
5. JUSTIÇA RESTAURATIVA
Algumas indagações preliminares devem ser expostas: É possível, em curto prazo, o Estado dobrar o número de vagas no sistema prisional para suprir o déficit existente? É possível, em curto prazo, o Estado criar condições adequadas (Direito à saúde; à assistência jurídica; à educação etc.,) ao preso que se encontra no sistema? É possível, em curto prazo, tornar o Direito Penal igual para todos de forma efetiva?
A resposta a todas essas indagações parecem ser negativas. Isto é o Estado não possuem condições, ao menos, em curto prazo, de resolver de forma efetiva todos esses problemas. Então surge a Justiça Restaurativa, como um meio auxiliar de resolução de conflitos. O processo restaurativo pode coexistir com o processo tradicional. No Decorrer da História sempre os processos de resolução de conflitos coexistiram juntos, com o predomínio de um deles. É relevante destacar que a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no Brasil, possuem práticas Restaurativas, embora com modelo diferente do teórico.
A Justiça Restaurativa é modelo de resolução de conflitos, no intuito de combater a ineficácia do sistema vigente, focando na compreensão do conflito instaurado e nos objetivos pretendidos com a resolução dele, considerando o impacto produzido nos “ofensores”, “vítimas”, e na comunidade afetada. A Justiça Restaurativa é uma resposta à ineficácia do modelo retributivo de Justiça, portanto:
A Justiça Restaurativa propõe-se como um modelo alternativo de Justiça, sobretudo ao retributivo, como forma de se alcançar um acertamento entre ofensor e vítima, superando a violência que marca o conflito e aberto à consideração das responsabilidades e necessidades de cada parte envolvida (MELO, 2008, p. 39).
Um dos objetivos da Justiça Restaurativa é inserção do diálogo e da democracia participativa na esfera penal, com a aproximação de vítima e ofensor:
[....] uma vez que a vítima, o infrator e a comunidade se apropriam de significativa parte do processo decisório, na busca compartilhada de cura e transformação, mediante uma recontextualização construtiva do conflito, numa vivência restauradora. O processo atravessa a superficialidade e mergulha fundo no conflito, enfatizando as subjetividades envolvidas, superando o modelo retributivo, em que o Estado, figura, com seu monopólio penal exclusivo, como a encarnação de uma divindade vingativa sempre pronta a retribuir o mal com outro mal (Beristain, 2000) (GOMES PINTO, 2005, p. 21).
É relevante destacar a terminologia utilizada na Justiça Restaurativa. A Resolução n. 2002/12 da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece os princípios básicos para utilização de programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal, conceitua os termos utilizados na Justiça Restaurativa:
I. Uso dos Termos
1. “Programa de Justiça Restaurativa” significa qualquer programa que use processos restaurativos e busque obter resultados restaurativos.
2. “Processo restaurativo” significa qualquer processo onde a vítima e o infrator e, se apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participem conjunta e ativamente na resolução dos problemas decorrentes do crime, em geral com a ajuda de um facilitador. O processo restaurativo pode incluir a mediação, conciliação, e transação penal.
3. “Resultado restaurativo” significa um acordo obtido como resultado de um processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas como reparação, restituição e serviço comunitário, visando atender necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes e alcançar a reintegração da vítima e do infrator.
4. “Partes” significa a vítima, o infrator e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados pelo crime que possam estar envolvidos em um processo restaurativo.
5. “Facilitador” significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de modo imparcial e justo, a participação das partes no processo restaurativo.
(BRASIL, 2009, p. 128).
Observe que o “resultado restaurativo” significa um acordo obtido como resultado de um processo restaurativo, através da mediação, conciliação, e transação penal. Esse resultado evita o encarceramento do punido e o agravamento da situação do sistema penitenciário. O não encarceramento do punido encontra amparo também noutra norma da ONU.
De fato a Resolução da ONU n. 45/2010 – Assembleia Geral estabelece as regras mínimas padrão das nações unidas para a elaboração de medidas não privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) que estabelece:
1. Objetivos fundamentais
1.1 Estas Regras Mínimas Padrão enunciam uma série de princípios básicos que visam promover o uso de medidas não privativas de liberdade, assim como garantias mínimas para os indivíduos submetidos a medidas substitutivas ao aprisionamento.
1.2 Estas Regras visam promover o envolvimento e a participação da coletividade no processo da Justiça criminal, especificamente no tratamento dos infratores, assim como desenvolver nestes o sentido de responsabilidade para com a sociedade.
[....]
2. Abrangência das medidas não privativas de liberdade
[....]
2.4 O desenvolvimento de novas medidas não privativas de liberdade deve ser encorajado e monitorado criteriosamente e sua aplicação deve ser sistematicamente avaliada.
2.5 Deve-se considerar o tratamento dos infratores na comunidade, evitando-se o máximo possível recorrer aos procedimentos ou julgamentos formais em um tribunal, de acordo com as garantias legais e as regras de direito.
2.6 As medidas não privativas de liberdade devem ser aplicadas de acordo com o princípio da intervenção mínima.
2.7 O recurso a medidas não privativas de liberdade deve ser incluído no rol dos esforços visando à isenção de pena e à descriminalização, e não prejudicar ou retardar tais esforços.
(BRASIL, 2009, p. 115).
Nesse ponto é importante apontar as diferentes entre os valores defendidos pela Justiça retributiva e pela Justiça Restaurativa: a Justiça chamada retributiva utiliza o conceito jurídico-normativo de Crime: ato contra a sociedade, representada pelo Estado; Já a Justiça Restaurativa utiliza o conceito realístico de Crime: ato que traumatiza a vítima, causando-lhe danos (GOMES PINTO, 2005, p. 24). Na Justiça retributiva há o primado do interesse público, com a sociedade, representada pelo Estado, o Centro, como o monopólio estatal da Justiça Criminal; na Justiça Restaurativa há o primado do interesse das pessoas envolvidas e comunidade, com a Justiça criminal participativa (GOMES PINTO, 2005, p. 24). Na Justiça retributiva há a culpabilidade individual voltada para o passado – Estigmatização; Já na Justiça Restaurativa há a Responsabilidade, pela restauração, numa dimensão social, compartilhada coletivamente e voltada para o futuro (GOMES PINTO, 2005, p. 24). Na Justiça retributiva há o uso Dogmático do Direito penal positivo enquanto na Justiça Restaurativa o uso crítico e alternativo do Direito (GOMES PINTO, 2005, p. 24). Ainda na Justiça retributiva ocorre à indiferença do Estado quanto às necessidades do infrator, vítima e comunidade afetados, sendo um modelo mono-cultural e excludente, em que predomina a dissuasão; Já a Justiça Restaurativa funda-se no comprometimento com a inclusão e na Justiça social gerando conexões, culturalmente flexível (respeito à diferença, tolerância) em que predomina a persuasão (GOMES PINTO, 2005, p. 24).
Os valores da Justiça Restaurativa são bem mais amplos e democráticos do que os valores defendidos pelo modelo tradicional. A vítima volta ter sua devida atenção, tendo sua devida importância na resolução do conflito, assim como ocorria em tempos remotos:
A Justiça Restaurativa se destaca no cenário internacional contemporâneo como uma forma de resolução de conflitos diversa do modelo penal tradicional. Inspirado, principalmente, no abolicionismo e no movimento vitimológico iniciado nos anos 80, a Justiça Restaurativa surge como uma resposta à pequena atenção dada às vítimas no processo penal em razão aos fracassos da pena privativa de liberdade para promover a ressocialização do apenado (PALLAMOLLA, 2008, p. 4).
De fato as diferenças entre Justiça retributiva e Restaurativa funda-se principalmente no tratamento dado à vítima e às pessoas atingidas pelo crime, além da comunidade local, dentro do processo de solução do conflito:
Justiça retributiva. O crime é uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei e pela culpa. A Justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre o ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas. Justiça Restaurativa. O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir os erros. A Justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança (ZEHR, 2008, p.170-171).
Observa-se, portanto, que a Justiça Restaurativa rompe com o modelo retributivo, onde a violação ao Estado é mais importante que a violação causada à vítima e a comunidade interessada.
Um dos princípios principais que regem o processo restaurativo é a voluntariedade, tanto em relação ao autor quanto em relação à vítima, porque são eles os principais interessados na resolução do conflito. A voluntariedade das partes é condição primordial, pois, sem ela não haverá alternativa a não ser recorrer ao procedimento tradicional. Claro, o sistema restaurativo não rompe com sistema penal tradicional, podendo, os envolvidos optarem por essa via, a qualquer tempo. No entanto os envolvidos devem ser encorajados a participar do sistema restaurativo, devendo-lhes serem apresentados as vantagens desse sistema. Além dos envolvidos o processo conta com os “facilitadores” e os demais interessados:
De início cabe ressaltar que a prática é marcada pela voluntariedade, no tocante a participação da vítima e ofensor. Estes devem ser encorajados à participar de forma plena no processo restaurativo, mas deve haver consenso destes em relação aos fatos essenciais relativos à infração e assunção da responsabilidade por parte do infrator [....]. A prática Restaurativa em si, que deve reunir essencialmente vítima e ofensor e os técnicos responsáveis pela condução dos trabalhos (normalmente denominados facilitadores), e pode incluir familiares ou pessoas próximas a estes, além de representantes da comunidade, e os advogados dos interessados se o caso (DE VITTO, 2005, p. 44-45).
Enfim a Justiça Restaurativa:
A Justiça Restaurativa representa um novo paradigma aplicado ao processo
penal, que busca intervir de forma efetiva no conflito que é exteriorizado pelo crime, e restaurar as relações que foram abaladas a partir desse evento. Assim, e desde que seja adequadamente monitorada essa intervenção, o modelo traduz possibilidade real de inclusão da vítima no processo penal sem abalo do sistema de proteção aos direitos humanos construído historicamente
(DE VITTO, 2005, p. 48).
Quanto ao processo restaurativo e sua forma de organização é importante destacar que deve ter pessoas preparadas para funcionar como “facilitadores”. O processo envolve reuniões preparatórias, devendo ser analisado, inclusive, as condições da vítima e do infrator em participar do “círculo”.
Teoricamente, são as seguintes formas de processo restaurativo, que ocorrem sem a intervenção judicial:
I. Mediação entre a vítima e o infrator
Oferece uma oportunidade à vítima de reunir-se com o infrator num ambiente seguro e estruturado. Acompanhados por um mediador, ambos têm a possibilidade de construir um plano de ação para abordar o conflito e resolvê-lo. Há mais de 300 programas nos Estados Unidos e mais de 500 na Europa. As análises destes programas vêm demonstrando um aprimoramento na relação vítima-infrator, a redução do medo na vítima e maior probabilidade do cumprimento do acordo por parte do infrator.
II. Encontro ou Reunião de Família ou Grupo Comunitário
Reúne a vítima, o infrator, a família, amigos e pessoas importantes para ambos para decidir como administrar e superar as conseqüências do delito. Os objetivos do encontro são: envolver a vítima na construção da resposta ao delito; conscientizar o infrator a respeito da maldade de seus atos e vincular a vítima e o infrator à comunidade. A reunião foi adaptada das práticas tradicionais dos Maori da Nova Zelândia, onde é praticada fora do Departamento de Serviço Social. Foi bastante modificada na Austrália para sua utilização pela polícia. Este processo é utilizado atualmente nos Estados Unidos, na Europa e na África do Sul. Vem sendo empregado com infratores juvenis e adultos. As pesquisas demonstram alto grau de satisfação, tanto em vítimas como em infratores.
III. Tratado de Paz ou Grupos de Sentença
É um processo estruturado para gerar um consenso compartilhado entre membros da comunidade, vítimas, advogados das vítimas, infratores, juízes, fiscais, conselhos de defesa, polícia e funcionários da Justiça. Será estabelecido um plano de sentença apropriado, que administre adequadamente as inquietudes e as demandas de todas as partes implicadas. Os objetivos são: promover a recuperação de todas as partes afetadas, gerar uma responsabilidade compartilhada para encontrar soluções duradouras, e construir um “ambiente comunitário”. Estes processos foram adaptados de certas práticas tradicionais nos Estados Unidos, onde são utilizados, e atualmente inicia-se sua prática também na Argentina pelos exponentes em delitos de abuso sexual, com impacto comunitário. Cada um dos processos da Justiça Restaurativa finaliza com um acordo centrado em como o ofensor reparará o dano causado pelo delito (PAZ e PAZ, 2005, p. 127-128)
Quanto á aplicabilidade da Justiça Restaurativa no Direito brasileiro deve-se primeiramente constar que não há previsão específica na nossa legislação, aliás, muito ao contrário nosso sistema constitucional e legal privilegia a estrutura estatal e o modelo tradicional de Justiça (princípio da legalidade, da inafastabilidade da prestação jurisdicional, do devido processo legal etc.). O sistema brasileiro inibe a participação de terceiros no processo penal.
Existem apenas algumas normas que adotam práticas, que podem ser consideradas restaurativas, como a mediação e a transação. Duas leis, como exemplo, podem ser indicadas: O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 prevê o instituto da Remissão, que é mecanismo de exclusão, suspensão ou extinção do processo:
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.
Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público.
Observe que a remissão pode incluir eventualmente a aplicação de medidas previstas em lei, exceto o regime de semi-internato e internação:
Esse instituto pode ser utilizado como meio para adoção de práticas Restaurativas, desde que as autoridades dela encarregadas (membro do Ministério Público, antes do processo, e o Juiz de Direito, durante o procedimento) promovam a participação do adolescente, de seus familiares e, inclusive, da vítima, na busca de uma efetiva reparação dos danos e de uma responsabilização consciente do menor infrator (JESUS, 2008, p. 21).
A Lei dos Juizados Cíveis e Criminais, Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, com as alterações promovidas pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, trata dos Juizados Especiais Criminais, responsáveis pelas infrações penais consideradas como de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes cuja pena máxima não exceda dois anos, ou multa). A Lei esclarece que “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (art. 2°). Os objetivos da Lei são os mesmos buscados pela Justiça Restaurativa.
Referida lei prevê uma audiência preliminar que presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade (art. 72). Essa audiência preliminar pode ser conduzida pelo Juiz de Direito ou por um conciliador sob a orientação do Juiz (art. 73).
A figura do conciliador é bastante semelhante dos “facilitadores” do processo restaurativo. No entanto a lei dos Juizados Especiais Cíveis Criminais está longe de atingir os objetivos da própria Lei e da Justiça Restaurativa, devido a mecanização do procedimento:
Com a transação penal, o representante do Ministério Público poderá, se presentes a prova da materialidade e os indícios de autoria, formular proposta de aplicação imediata de pena alternativa (restritiva de direito ou multa), a qual depende de aceitação do autor do fato e de seu Advogado e, também, de homologação judicial. Do modo como o instituto vem sendo aplicado no dia-a-dia da Justiça Criminal brasileira, ainda se está longe de atingir o objetivo do legislador. Muitas audiências são realizadas sem a presença efetiva de um Juiz de Direito, e as propostas de transação penal costumam ser padronizadas, na maioria das vezes, consistem no pagamento de cestas básicas a instituições carentes ou assistenciais. Com vontade política e treinamento de pessoal especializado, a par de uma conscientização dos agentes estatais envolvidos no processo, talvez seja possível a utilização dos Juizados Criminais Especiais como porta de entrada para a Justiça Restaurativa no Brasil (JESUS, 2008, p. 22).
O Código Penal também apresentam algumas medidas restaurativas, no sentido de evitar o encarceramento do infrator. A Resolução nº 45/110 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1990, estabelece algumas regras mínimas das nações unidas para a elaboração de medidas não privativas de liberdade (Regras de Tóquio) para proporcionar outras opções e assim reduzir a utilização do encarceramento e racionalizar as políticas de Justiça criminal (BRASIL, 2009, p. 114). Nessa Linha:
[....] a Lei n. 9.714, de 25 de novembro de 1998, que alterou o Código Penal Comum e criou diversas medidas restritivas de direito como a prestação pecuniária; a perda de bens e valores; a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; a interdição temporária de direitos; a limitação de fim de semana.
A própria Lei 9.714 estabeleceu que as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando “I- aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente” (CP, art. 44) (SILVA, 2015)
Segundo Jesus (2008, p. 24-26) constituem práticas parcialmente Restaurativas previstas no Código Penal: prestação pecuniária (art. 45, § 1º, do CP); prestação inominada (art. 45, § 2º, do CP); perda de bens e valores (art. 45, § 3º, do CP); prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46, § 2º, do CP); interdições temporárias de direitos (art. 47 do CP); limitação de fim de semana (art. 48 do CP).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Justiça Restaurativa no Brasil se encontra no estágio inicial de desenvolvimento, mas diversos entes federativos já tiveram experiências restaurativas (Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília, como exemplos).
Os principais desafios para implantar esse novo modelo de resolução de conflitos são os seguintes: primeiro, a necessidade do convencimento das pessoas que ocupam cargos, dentro da estrutura burocrática estatal destinada à repressão do crime (juízes, promotores, delegados, policiais, etc.), quanto à necessidade de buscar novos caminhos e modelos destinados à resolução do problema; segundo, a necessidade de capacitação de pessoas que possam atuar com mediadores e “facilitadores” do processo restaurativo; terceiro, o convencimento das partes envolvidas e da comunidade, quanto aos benefícios desse novo modelo de Justiça; quarto, o Poder Legislativo e o Poder constituinte derivado realizarem mudanças necessárias na Constituição e nas leis ordinárias, a fim de positivar, dentro do nosso ordenamento jurídico esse novo modelo de Justiça, no intuito de ampliar o universo de aplicação das suas práticas restaurativas e quinto deve ocorrer à reestruturação de todo o aparato destinado à repressão do crime, a fim de adequá-los ao novo modelo proposto.
O sistema caótico do sistema prisional brasileiro indica a necessidade urgente de buscar novos caminhos na solução dos problemas, que envolvem o encarceramento do infrator.
Em curto prazo não há possibilidade fática de dobrar o número de vagas do sistema prisional, bem como não há possibilidade de adequar nossos presídios de forma que os presos possuam todos os direitos previstos em lei. Portanto a Justiça Restaurativa pode contribuir para a solução do problema, porque possui como primazia o não encarceramento do infrator.
Atualmente prevalece o entendimento que as decisões exaradas através do processo restaurativo fora do âmbito judicial, devem ser homologadas pelo Poder Judiciário, devido ao monopólio estatal em dizer o direito, em matéria de resolução de conflitos penais.
No entanto, o modelo teórico de Justiça Restaurativa prevê também a solução de conflitos, sem a participação estatal. Portanto a Justiça Restaurativa pode possibilitar tanto o acesso ao Judiciário (acordo restaurativo, através da transação penal, por exemplo) como também o acesso a uma nova ordem jurídica inovadora, fora do aparato estatal.
REFERÊNCIAS
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Mestre em políticas públicas pela Universidade Estadual de Maringá (2016), graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Academia Policial Militar do Guatupê (1994), graduado em Administração pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (1998) e graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2009), com aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Possui experiência na docência militar nas disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Administrativo. Possui ampla experiência em Polícia Judiciária Militar e experiência no setor público, principalmente em gestão de pessoas e formulação de projetos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Douglas Pereira da. O fracasso do sistema penal retributivo e considerações teóricas sobre a justiça restaurativa: necessidades de avanços no sistema brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 maio 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44285/o-fracasso-do-sistema-penal-retributivo-e-consideracoes-teoricas-sobre-a-justica-restaurativa-necessidades-de-avancos-no-sistema-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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