Resumo: O presente ensaio propõe-se a analisar, descritivamente, a evolução da jurisprudência administrativa fiscal do CARF e do então Conselho de Contribuintes acerca da (in)aplicabilidade do limite de 30% para compensação de prejuízos fiscais no cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), em regime de apuração pelo lucro real, no caso específico de extinção da pessoa jurídica contribuinte.
Introdução
Desde sua introdução no ordenamento jurídico nacional pelo art. 58, da Lei 8.981/95 e, posteriormente, pelos arts. 15 e 16, da Lei 9.065/95, o limite de 30% para compensação de prejuízos fiscais no cálculo do IRPJ e CSSL no regime de apuração do lucro real é objeto de acalorado debate entre contribuintes e administração tributária. De um lado, aqueles defendem a inconstitucionalidade da chamada “trava” para compensação dos prejuízos e, de outro lado, os representantes da Fazenda advogam sua constitucionalidade, sob a alegação de se tratar de simples benefício fiscal que pode ser revisto a qualquer tempo pelo Estado.
A questão chegou até o Supremo Tribunal Federal em 2009 por meio do Recurso Extraordinário nº 344.994[1]. Na ocasião, os ministros por maioria acolheram a pretensão fazendária e julgaram constitucional a limitação estabelecida. No referido julgamento, entretanto, a controvérsia foi abordada genericamente sem aprofundar-se na peculiar hipótese da empresa que faz sua declaração final de rendimentos quando da sua extinção. É dizer, não foi analisado pela Corte Constitucional se tal limite aplicar-se-á a situações nas quais a empresa-contribuinte não poderá compensar seus prejuízos nos anos subsequente em razão de sua extinção.
Apesar disso, a matéria já foi iterativamente analisada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e pelo seu predecessor, o Conselho de Contribuintes, tendo sofrido, inclusive, oscilações recentes de jurisprudência, do que se ocupará este artigo. Ressalte-se, no entanto, que a presente proposta cingir-se-á a uma análise descritiva da jurisprudência administrativa, sem imiscuir-se no mérito do acertamento ou não do entendimento consolidado.
A “trava” de compensação de prejuízos na legislação e sua aplicação por ocasião da extinção da empresa.
A Lei 8.981/95, no seu art. 58[2], e a Lei 9.065/95, nos seus artigos 15[3] e 16[4], estabeleceram limite para o contribuinte compensar prejuízos apurados em anos-calendários anteriores com o lucro líquido ajustados aferido quando do cálculo do IRPJ e CSSL no importe de 30% desse lucro apurado. Os dispositivos inovaram no ordenamento jurídico uma vez que, na legislação anterior (art. 64, do Decreto-lei 1.598/77), conquanto inexistente a “trava” de compensação, essa ficava condicionada a sua realização nos 4 (quatro) anos subsequente àquele em que constado o prejuízo.
Afora indagações atinentes à constitucionalidade da limitação imposta, já julgada pelo Supremo Tribunal Federal e prestes a ser submetida a nova apreciação desse, conforme pontuado anteriormente, questiona-se acerca da aplicabilidade da referida “trava” na hipótese da declaração final de rendimentos de empresa por ocasião da sua extinção. Dito de outro modo, seria aplicável a limitação até mesmo em situações onde há impossibilidade fática de compensação de prejuízos nos ano-calendários posteriores?
A questão toma contornos mais interessantes quando analisada a situação de uma empresa extinta por incorporação, hipótese na qual a sucessora, por força de expressa vedação legal – ex vi do art. 33 do Decreto-lei 2.341/87[5] –, é impossibilitada de compensar os prejuízos da sucedida.
A celeuma foi visitada inúmeras vezes pelo Conselho de Contribuintes e, posteriormente, pelo CARF, que recentemente mudou a orientação antes consagrada no sentido da inaplicabilidade da citada “trava” nos casos de extinção da pessoa jurídica, consoante se passará a demonstrar.
Orientação inicial do Conselho de Contribuintes
Inicialmente, ao ser instado a manifestar-se sobre a temática, o então Conselho de Contribuintes concluíra que no caso de compensação de prejuízos fiscais na última declaração de rendimentos da incorporada, não se aplica a norma de limitação a 30% do lucro líquido ajustado.
A orientação, repetida por outras tantas decisões supervenientes, foi consagrada pelo paradigmático acórdão de nº 01-04.258, da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho de Contribuintes, lavrado em 02 de dezembro de 2002. A decisão buscou o contexto histórico subjacente à edição da norma para descortinar a finalidade pela qual foi editada e, evidenciada essa finalidade, concluir pelo descabimento da regra limitadora de compensação na extinção de pessoa jurídica.
Para tanto, socorreu-se o relator do acórdão à exposição de motivos da Medida Provisória nº 998/95[6], reedição das Medidas Provisórias 947/95 e 972/95 e convertida na Lei 9.065/95, para arrematar que o objetivo do legislador com a edição de tais normas fora o de garantir uma arrecadação mínima ao Tesouro Nacional e não o de suprimir o direito do contribuinte à compensação dos prejuízos. Referida exposição de motivos, deixava indene de dúvidas a existência um direito do contribuinte à compensação dos prejuízos, bem como que a legislação visava à regulamentação desse direito para garantir um mínimo arrecadatório. Jamais propôs-se a mesma a aniquilar tal direito.
Postas essas premissas, emergia a inexorável conclusão de que, em não sendo possível o exercício do direito à compensação dos prejuízos fiscais nos anos subsequentes pela incorporada, haja vista sua extinção, e tampouco pela sua incorporadora, à sombra da proscrição albergada no art. 33, do Decreto-lei 2.341/87, imperioso seria o afastamento da “trava” dos 30% em situações quejandas, com vistas à preservação do direito do contribuinte à compensação. Do contrário, estar-se-ia negando esse direito, o que não se coadunaria com a finalidade da norma.
Em outros termos, o Conselho de Contribuintes entendeu que a exegese a ser dada aos dispositivos sub oculis não poderia redundar na violação da finalidade subjacente a sua própria edição, qual seja, a de regrar o direito de compensação de molde a assegurar um mínimo arrecadatório para o Estado. A propósito, é preciso atentar-se que a mens legis da limitação é de apenas limitar tal direito e não de destruí-lo, o que ocorreria na sua aplicação inadvertida às hipóteses de extinção de pessoa jurídica.
Essa foi a orientação que prevaleceu até, pelo menos, o ano de 2009, quando houve guinada de 180 graus na jurisprudência do recém-criado Conselho Administrativo de Recurso Fiscais – CARF.
Orientação atual do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF
Mais recentemente, o CARF prestigiou entendimento diametralmente oposto daquele que, até então, sagrava-se vencedor no tribunal administrativo. No acórdão de nº 101-00.401, de 02 de outubro de 2009, contrariando a jurisprudência administrativa dominante, entendeu a Câmara Superior de Recursos Fiscais, que não há previsão legal que permita a compensação de prejuízos fiscais acima do limite de 30% legalmente fixado, ainda que seja no encerramento das atividades da empresa. Tal resultado só foi possível, destaque-se, pelo voto de qualidade do presidente da câmara, representante da Fazenda Nacional.
O argumento que prevaleceu, nessa nova orientação, é o de que o legislador não excepcionou a aplicação da “trava” de compensação aos casos de extinção de pessoa jurídica, tal como fez em outros casos – por exemplo, para a exploração de atividade rural e para empresas titulares de Programas Especiais de Exportação. Sendo assim, à mingua de expressa previsão legal nesse sentido, não poderia o CARF deixar de aplicar a lei ao caso concreto, sob pena de incorrer em ofensa à legalidade administrativa (Art. 37, da CRFB).
Além disso, na esteira do que decidiu o STF no julgamento do RE 344.994, que julgou constitucional referido limite, entendeu-se que a compensação seria, na verdade, um benefício dado ao contribuinte. Com efeito, nessa qualidade, seria imperiosa a aplicação da regra de exegese abrigada no art. 111 do Código Tributário Nacional que impõe a interpretação literal dos benefícios fiscais, corroborando a premissa de que a inaplicabilidade do limite no caso de extinção da pessoa jurídica dependeria da autorização legislativa explícita.
Desde então, esse tem sido o entendimento que prevalece no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e, ainda hoje, tal como em 2009, esse entendimento só prevalece graças ao voto de qualidade dos presidentes das câmaras, que são, como cediço, representantes da Fazenda Nacional. É o que se conclui dos julgados mais recentes sobre a matéria, citando-se, à guisa de exemplo, o acórdão nº 1202-001.105, julgado em 13 de fevereiro de 2014, e o acórdão nº 1202-001.110, julgado em 11 de março de 2014.
Conclusão
Como demonstrado, a questão está longe de ser pacificada. Apesar da repentina alteração da jurisprudência do CARF. Fato é que essa modificação de entendimento tem se sustentado, não raras vezes, no frágil voto de qualidade, o que significa que, malgrado vitoriosa, ela não representa sequer um entendimento majoritário das câmeras de julgamento do tribunal. Representa, antes e essencialmente, um entendimento da Fazenda Nacional. Portanto, a discussão está longe de ter um fim.
Referências bibliográficas
BRASIL. Código Tributário Nacional – Lei 5.172/66. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em 06 de novembro de 2014.
BRASIL. Decreto-lei 2.341/87. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2341.htm. Acesso em 25 de maio de 2015
________. Lei 8.981/95. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8981.htm. Acesso em 25 de maio de 2015.
________. Lei 9.065/95. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9065.htm#art18. Acesso em 25 de maio de 2015.
CARF, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. acórdão nº CSRF/01-05100, sessão de 02 de dezembro de 2002.
_____, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, acórdão nº CSRF/01-05.100.
_____, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, acórdão nº 9101-00401, sessão de 02 de outubro de 2009.
_____, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, acórdão nº 1202-001.105, sessão de 13 de fevereiro de 2014.
_____, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, acórdão nº 1202-001.110, sessão de 11 de março de 2014.
[1] A matéria será revisitada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 591.340, de relatoria do Min. Marco Aurélio, que autorizou nova apreciação do tema haja vista a necessidade de se analisar princípios constitucionais que não foram debatidos quando do julgamento do RE 344.994, sobretudo o princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CRFB).
[2] Lei 8.981/95, Art. 58. Para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, o lucro líquido ajustado poderá ser reduzido por compensação da base de cálculo negativa, apurada em períodos-base anteriores em, no máximo, trinta por cento. (Vide Lei nº 9.065, de 1995
[3] Lei 9.065/95, Art. 15. O prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado. Produção de efeito (Vide Lei nº 12.973, de 2014)
Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios do montante do prejuízo fiscal utilizado para a compensação.
[4] Lei 9.065/95, Art. 16. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, quando negativa, apurada a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensada, cumulativamente com a base de cálculo negativa apurada até 31 de dezembro de 1994, com o resultado do período de apuração ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação da referida contribuição social, determinado em anos-calendário subseqüentes, observado o limite máximo de redução de trinta por cento, previsto no art. 58 da Lei nº 8.981, de 1995. Produção de efeito
Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios da base de cálculo negativa utilizada para a compensação.
[5] Art. 33. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.
Parágrafo único. No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido.
[6] Exposição de motivos da MP 998/95 – “Arts. 15 e 16: decorrem de Emenda do Relator, para reestabelecer o direito à compensação de prejuízos, embora com as limitações impostas pela Medida Provisória nº 812/94 (Lei 8.981/95). Ocorre hoje vacatio legis em relação à matéria. A limitação de 30% garante parcela expressiva da arrecadação sem retirar do contribuinte o direito de compensação, até integralmente, num mesmo anos se essa compensação não ultrapassar o valor do resultado positivo.”
Advogado especialista em Direito Tributário e Direito Público, sócio-fundador do escritório Costa Ferreira & Hayashi - Advocacia e Consultoria.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Gustavo Costa. A trava de compensação de prejuízos fiscais na extinção de pessoa jurídica à luz da Jurisprudência do CARF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44461/a-trava-de-compensacao-de-prejuizos-fiscais-na-extincao-de-pessoa-juridica-a-luz-da-jurisprudencia-do-carf. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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