Resumo: O presente trabalho objetiva tecer considerações acerca da audiência de custódia, prevista em pactos internacionais de direitos humanos e cuja difusão no Brasil vem sendo incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o intuito de evitar prisões abusivas e desnecessárias.
Palavras-chave: Conselho Nacional de Justiça. Prisão em flagrante. Audiência de custódia. Pactos Internacionais de Direitos Humanos.
Introdução
O presente trabalho tem como foco a audiência de custódia, consistente na rápida apresentação do indivíduo preso em flagrante à autoridade judicial, dando-se especial relevo à possibilidade de que o contato direto do juiz com o suposto autor dos fatos conduza a uma análise mais criteriosa da legalidade, da adequação e da necessidade da custódia provisória.
Desenvolvimento
Em 6 de fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça – instituição política que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro – lançou no Estado de São Paulo o projeto “Audiência de Custódia”, que consiste na rápida apresentação do indivíduo preso em flagrante a um magistrado.
A audiência de custódia já foi implementada nos Estados do Espírito Santo e do Maranhão, além do pioneiro Estado de São Paulo. 10 Estados (Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins) e o Distrito Federal já foram visitados e possuem grupos de trabalho sobre o tema. Outros 11 Estados (Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Pará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe) sinalizaram interesse na implantação do projeto. Somente dois Estados brasileiros (Goiás e Mato Grosso do Sul) não se mobilizaram até o momento.
É possível vislumbrar, pela disseminação do projeto pelo país em curto período de tempo, que estamos diante de uma ideia consistente, cuja efetiva implantação contribuirá para evitar prisões equivocadas e maus tratos a supostos autores de fatos criminosos.
O objetivo central é simples, mas bem efetivo: a apresentação do sujeito preso em flagrante a um magistrado evita a prisão de muitos inocentes e a permanência no cárcere de indivíduos que ali não deveriam permanecer, por variadas razões, evitando-se o automatismo e a frieza na tomada de decisões importantes, que tangenciam a liberdade de locomoção.
Releva notar que o aludido projeto foi lançado em um período histórico no qual o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia), composta em grande parte por presos provisórios (sem condenação definitiva).
Importante destacar, nesse contexto, que a ideia das audiências de custódia vem ao encontro de tratados internacionais de direitos humanos cuja adesão já foi manifestada pelo governo brasileiro.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) dispõe em seu artigo 7º, tópico 5, que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, por sua vez, em seu artigo 9º, tópico 3, enuncia que “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais”.
Os referidos tratados internacionais avançaram na proteção dos direitos humanos, considerando a importância do contato direto entre o juiz de direito e o indivíduo recolhido em flagrante pelo suposto cometimento de ilícito penal.
A audiência de custódia, além de estar em perfeita consonância com os tratados internacionais anteriormente mencionados, representa importante meio de efetivação prática da Lei n.º 12.403/11, diploma legal que reforçou a excepcionalidade da prisão sem pena no Brasil.
Acerca do tema, transcreve-se lição de Eugênio Pacelli:
“A referida legislação trouxe relevantes alterações no trato das prisões e da liberdade provisória, cuidando de inserir – felizmente – inúmeras alternativas ao cárcere (art. 319, CPP).
(...)
É que assumiu-se em definitivo a natureza cautelar de toda prisão antes do trânsito em julgado; junto a isso, ampliou-se o leque de alternativas para a proteção da regular tramitação do processo penal, com a instituição de diversas outras modalidades de medidas cautelares”. (2013, p. 493)
No mesmo sentido, leciona Nestor Távora:
“Surge assim a possibilidade da prisão sem pena, também conhecida por prisão cautelar, provisória ou processual, que milita no âmbito da excepcionalidade, afinal, a regra é que a prisão só ocorra com o advento da sentença definitiva, em razão do preceito esculpido no art. 5º, inciso LVII da CF, pois ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’”. (2012, p. 545)
Os artigos 301 e seguintes da lei processual penal brasileira dispõem sobre uma série de mecanismos de controle da prisão em flagrante, tal como sua comunicação imediata ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou pessoa por ele indicada; encaminhamento do auto de prisão ao magistrado competente no prazo de 24 horas; entre outras providências.
Atualmente não há, no Código de Processo Penal, previsão acerca da condução do indivíduo preso em flagrante à pessoa do juiz, mas já se vislumbra alteração no referido diploma legal, mormente em face da tramitação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei n.º 554/2011, que visa modificar a redação do artigo 306, daquele diploma processual.
Independentemente da modificação no texto do Código de Processo Penal, certo é que a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça não ofende o princípio da separação de poderes, tampouco o princípio da reserva legal, justamente em virtude da aplicabilidade em nosso país dos tratados internacionais de direitos humanos que já preveem a audiência de custódia.
A propósito, disserta Rômulo de Andrade Moreira:
“Evidentemente, não há falar-se em suposta inconstitucionalidade da iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, pois não se fere, em absoluto, o princípio constitucional da reserva legal previsto no texto constitucional, visto que não se está legislando sobre matéria processual, não havendo invasão de reserva constitucional atribuída, com exclusividade, ao Poder Legislativo da União, fonte única de normas processuais”. (2015)
Acerca das vantagens da audiência de custódia, dispõem Aury Lopes Jr. e Caio Paiva:
“São inúmeras as vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil, a começar pela mais básica: ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos[12] . Confia-se, também, à audiência de custódia a importante missão de reduzir o encarceramento em massa no país, porquanto através dela se promove um encontro do juiz com o preso, superando-se, desta forma, a “fronteira do papel” estabelecida no art. 306, § 1º, do CPP, que se satisfaz com o mero envio do auto de prisão em flagrante para o magistrado.”
Conclusão
Conclui-se, portanto, que o contato direto do custodiado com o juiz de direito representa importante instrumento de avanço na análise da legalidade, da necessidade e da adequação da medida constritiva, bem como de eventuais maus-tratos e tortura impostos ao suposto autor dos fatos, o que deve contribuir de forma considerável para a diminuição do número de prisões cautelares abusivas e desnecessárias em nosso país.
Referências
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 7 ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2012.
LOPES JR., Aury; PAIVA, Caio. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. Disponível em: <http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=209> Acesso em: 12 jul. 2015.
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A audiência de custódia, o CNJ e os pactos internacionais de direitos humanos. Disponível em: <http://romulomoreira.jusbrasil.com.br/artigos/160776698/a-audiencia-de-custodia-o-cnj-e-os-pactos-internacionais-de-direitos-humanos> Acesso em: 12 jul. 2015.
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 17 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013.
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