RESUMO: O presente trabalho faz uma análise histórica do instituto da autocomposição no Brasil e sua perspectiva com o advento do Novo Código de Processo Civil. Demonstra a evolução da autocomposição no país e no Rio Grande do Norte, suas vantagens como métodos alternativos de solução de conflitos e promoção da paz social. Relata os dispositivos legais destinados regulamentar a autocomposição judicial no ordenamento jurídico brasileiro, inseridos no Novo Código de Processo Civil, representando um grande passo para a construção do verdadeiro acesso à justiça, solucionando conflitos com celeridade e economia.
Palavras-chave: Autocomposição. Conciliação. CPC/2015.
1 INTRODUÇÃO
A eliminação dos conflitos decorrentes da vida em sociedade não é exclusividade de atos de terceiros como ocorre na Jurisdição ou Arbitragem, mas pode ser aferida por obra de um ou de ambos os sujeitos dos interesses conflitantes por meio da Autocomposição. Nesse sentido, um dos sujeitos ou cada um deles consente no sacrifício total ou parcial do próprio interesse em prol da solução pacífica dos conflitos e da pacificação social.
Segundo Didier Jr. (2010), a Autocomposição é o gênero do qual são espécies a Transação, a Submissão e a Renúncia. A primeira espécie permite com que as partes façam concessões mútuas. Por outro lado, a segunda espécie consente a submissão de um à pretensão do outro ou o reconhecimento da procedência do pedido. Por fim, a última, revela a abdicação da pretensão deduzida. Essas três espécies de autocomposição podem ser obtidas endoprocessualmente, conforme art. 487, III, “a”, “b” e “c” - Código de Processo Civil - CPC/2015, dando-lhes ainda a eficácia de pôr fim ao processo, já que havendo composição entre as partes, não caberá mais ao juiz que reconhecê-la por sentença.
Para Cintra, Dinamarco e Grinover (2010), “melhor é deixar que o Estado só intervenha, mediante o exercício da jurisdição, quando os métodos de resolução pacífica de conflitos não tiverem surtido efeitos”.
2 ANÁLISE HISTÓRICA DA AUTOCOMPOSIÇÃO
Segundo Cintra, Dinamarco e Grinover (2010), antes de o Estado conquistar para si o poder de declarar qual o direito no caso concreto e promover a sua realização prática, já existia a autocomposição, sendo tão antiga quanto à autotutela. É importante registrar que a jurisdição, no sentido em que a entendemos hoje, só veio depois, evoluindo no sentido de se permitir dirimir conflitos e pacificar pessoas. Com a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, mediante o exercício da jurisdição, a autocomposição foi ganhando seu espaço no sentido de que a pacificação é mais importante, independentemente de ser realizada por meio do Estado ou por outros meios eficientes.
No Brasil, antes mesmo da independência, as Ordenações Filipinas, no Livro III, Título XX, §1º, já traziam normas estabelecendo expressamente a conciliação, pois o Juiz, no começo da demanda, deveria aconselhar as partes a fazer autocomposição. De forma semelhante, a Constituição do Império de 1824, adotou o estímulo à realização da autocomposição, uma vez que nenhum processo poderia ser iniciado sem que primeiro se tivessem intentado os meios de reconciliação, conforme arts. 161 e 162. O Decreto n. 737 de 1850, primeiro Código Processual elaborado no Brasil, também normatizou o assunto no seu art. 23, onde nenhuma causa comercial poderia ser proposta em juízo sem a tentativa prévia de conciliação. Em que pese houvesse norma impositiva de obrigatoriedade da tentativa de conciliação, isso não foi suficiente para estimular a sua realização, sendo a mesma abolida na fase republicana pelo Decreto nº 359 de 1890, como fase preliminar obrigatória, por ter sido considerada onerosa e desnecessária na composição de litígios. Porém, as Constituições de 1937 e 1946, inspiradas na Justiça de Paz do Império, fizeram surgir as figuras do conciliador e dos juízes temporários, hoje consolidados nos Juizados Especiais.
A legislação trabalhista, desde sua criação, busca tentar conciliar as partes, conforme se deduz das antigas Juntas de Conciliação e Julgamento. Frise-se ainda, que existem dois momentos obrigatórios para a proposta judicial de conciliação: no momento da abertura da audiência (CLT, art. 846) e após o término da instrução e apresentação das razões finais pelas partes (CLT, art. 850). É importante observar que tem havido no Brasil um incentivo constante à realização da solução pacífica dos conflitos, evitando a cultura do litígio. Todavia, muitos ainda preferem buscar o Poder Judiciário a tentar diretamente resolver seus litígios.
A Lei n. 9.099/95, que dispôs sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais prevê critérios da oralidade, celeridade, economia processual, simplicidade com objetivo primordial de promover solução pacífica das controvérsias e de atender ao final o princípio implícito da pacificação. A busca da conciliação nos Juizados Cíveis e da composição civil dos danos e a aplicação de penas não privativas de liberdade nos Juizados Criminais são diretrizes dessa procura pela pacificação, assim como as semanas de conciliação promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Vale ressaltar a existência da instituição e implementação de uma política pública adequada de tratamento de conflitos de interesses, adotada pela Resolução nº 125-CNJ, com a formação de um quadro de mediadores/conciliadores e instalação obrigatória, em todo o país, de setores de conciliação/mediação.
Atualmente, denota-se a retomada, não da obrigatoriedade da autocomposição, mas da necessidade de utilização de meios alternativos para a resolução de conflitos, dentre os quais a conciliação, que visa uma cultura de pacificação, com a solução do litígio de maneira mais célere, menos dispendiosa e amigável.
3 BREVE RETRADO DA AUTOCOMPOSIÇÃO NO RIO GRANDE DO NORTE
Em âmbito local, conforme relatório do CNJ das audiências realizadas no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN, durante a Semana de Conciliação (02/12/2013 a 06/12/2013), apenas 26% das audiências resultaram acordo, enquanto que em todo Judiciário Brasileiro esse índice foi de 51,6%. O índice do TJRN ficou também abaixo da média brasileira dos judiciários estaduais (53,80%); Trabalhista (36,04%) - TRT21 (31,13%) e Federal (80,25%) - TRF5 (44,35%). Esse baixo índice, infelizmente, revela que a conciliação não tem sido tão eficaz no Rio Grande do Norte, principalmente nos últimos três anos (2011-2013), em que o número de acordos foram reduzidos de 66% em 2011 para 48,16% em 2012 e 26% em 2013, o que representa um verdadeiro declínio na autocomposição estadual.
4 NOVAS PERSPECTIVAS COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O novo Código de Processo Civil, surge com a perspectiva de promover a utilização dos métodos alternativos de solução de conflitos, incentivando principalmente a conciliação e a mediação, no curso do processo, simplificando e uniformização de procedimentos. Dessa forma, possibilita uma maior celeridade e eficácia à resolução pacífica dos conflitos, visando à efetividade da prestação jurisdicional, a redução da quantidade de recursos, bem como e instituição do tratamento igualitário perante a lei mediante a observância de precedentes judiciais, o que também significa dizer reduzir a cultura da litigância, que diariamente afoga o Poder Judiciário com inúmeras ações, facilitadas em boa parte pelo maior acesso à justiça.
Nesse sentido, a autocomposição possibilita a transformação do procedimento de jurisdição contenciosa em voluntária, conforme art. 139, V, CPC/2015, promovendo a solução do litígio, uma vez que as partes podem transacionar em juízo, deixando de lado o conflito de interesses para substituí-lo por um acordo de vontades que a ser homologado pelo juiz. Essa perspectiva acompanha o entendimento que Cappelletti (1988) denominou, ao discorrer sobre o movimento de acesso à justiça, de terceira “onda renovatória” do processo, que centra sua atuação na simplificação dos procedimentos, do direito processual e do direito material e no conjunto geral de institutos e mecanismos, pessoas e procedimentos, utilizados para processar e mesmo prevenir litígios. Assim, adentrando no Novo Código de Processo Civil, o artigo 165 estimula a criação, pelos Tribunais, de setores dedicados à mediação e à conciliação, a realizar-se dentro da estrutura do Poder Judiciário, não excluindo, obviamente, a figura da mediação prévia, bem como a utilização de outros meios de solução de conflitos.
Ademais, ficaram demonstrados os princípios basilares da conciliação e da mediação, quais sejam: independência, neutralidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade e informalidade. Ademais, o artigo 165 diferencia os dois institutos, onde o conciliador poderá sugerir soluções para o litígio, de modo que o mediador deverá auxiliar as pessoas interessadas a compreenderem as questões e os interesses envolvidos no conflito. O artigo 169 prevê a remuneração para o mediador e o conciliador, promovendo maior reconhecimento do profissional. Por fim, o artigo 175 não coloca óbice na prática da mediação prévia ou a extrajudicial. Dessa forma, imagina-se que a mediação poderá tomar o mesmo caminho que a arbitragem, por meio do advento da Lei nº 9.307/96, que estimulou a criação de entidades arbitrais no país.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito brasileiro está em uma constante e gradual evolução, se adaptando diariamente aos novos tempos e às mutações sociais. Diante de uma maior complexidade nas relações sociais, bem como um maior acesso à informação e maior consciência dos seus direitos por parte da população em geral, aumenta-se também a demanda por ações judiciais para a satisfação de direitos, o que tem sobrecarregado o Poder Judiciário de forma demasiada, gerando uma “cultura de litigância”. Dessa forma, faz-se mister que o Estado, diante dessa atua conjuntura, utilize meios mais céleres para uma prestação jurisdicional mais eficaz, bem como do uso de técnicas de autocomposição de conflitos, visando fomentar uma cultura de negociação bem como promover o “enxugamento” dos institutos processuais considerados defasados ou protelatórios. Em que pese não ser a solução para todos os problemas do Judiciário, a autocomposição de conflitos, bem como o seu estímulo proporcionado pelo novo CPC/2015, representa um grande passo para viabilizar o verdadeiro acesso à justiça, solucionando conflitos com celeridade e economia.
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, M.; BRYANT, G. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988.
CINTRA, A. C. DE A.; DINAMARCO, C. R.; GRINOVER, A. P. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Malheiros, 2010. 26ª edição.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento – vol.1. 12. ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2010.
Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 17 jul. 2015.
Semana Nacional de Conciliação. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/semana-nacional-de-conciliacao> Acesso em 14 jul. 2015.
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Iann Moura de Oliveira da. Análise histórica da autocomposição no Brasil e sua perspectiva com o advento do novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44872/analise-historica-da-autocomposicao-no-brasil-e-sua-perspectiva-com-o-advento-do-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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