RESUMO: O presente trabalho tem o propósito de investigar e esclarecer a legitimidade de o possuidor direto solicitar, no Poder Judiciário, ação de reintegração de posse quando se encontrar esbulhado pelo possuidor indireto, e, também, proprietário da coisa. Entretanto, o foco desse trabalho partiu da análise específica desse fenômeno citado, mas nos contratos verbais de comodato, ou seja, os contratos de empréstimo de coisas infungíveis. E, para cumprir com a proposta da investigação, a revisão bibliográfica permeou por todo o trabalho, com vistas a fundamentar os principais conceitos e definições não abarcados pela legislação e pela jurisprudência. Sem contar que, também, a sistematização da legislação e jurisprudência reiterada referente à reintegração de posse, o comodato, considerações sobre os negócios jurídicos e os direitos reais. Após investigação e discussão da legislação, da doutrina e da jurisprudência, permitiu-se considerar que existe um conjunto de requisitos probatórios do comodato verbal, e, consequentemente, do respectivo esbulho possessório, que legitimam o possuidor direto nas ações de reintegração de posse, inclusive ante ao possuidor indireto e proprietário.
Palavras-Chave: Comodato Verbal. Esbulho Possessório.Reintegração de Posse.
1. INTRODUÇÃO
Esse trabalho tem o propósito de investigar a legitimidade que tem o possuidor direto face ao possuidor indireto, nas ações possessórias, mas principalmente a prerrogativa de o comodatário intentar ação de reintegração de posse contra o comodante, quando for caracterizado o esbulho possessório, considerando que seja um contrato verbal de comodato.
Gomes (2010) lembra que o ordenamento jurídico brasileiro adotou, como regra geral, o posicionamento de Ihering, que tem a posse como um fenômeno fático do exercício de algum dos direitos inerentes à propriedade, onde o requisito seja apenas o corpus, isto é, a característica objetiva do exercício da posse. E que a posse pode gerar, manter ou extinguir direitos na seara real, e, portanto, as ameaças ao direito de posse podem ser repelidas com mecanismos garantidos pelo próprio sistema jurídico.
Para tanto, Diniz (2010) ressalta que as pessoas que se vêm impedidas total ou parcialmente de utilizar suas prerrogativas inerentes à posse, ou até aquelas que se vêm ameaçadas de potencial impedimento, podem utilizar os remédios possessórios que são a Reintegração de Posse, no caso de Esbulho, a Manutenção da Posse, em caso de Turbação, ou Interdito Proibitório em caso de justo receio de ser molestado na posse.
Ademais, esse estudo tem o sentido de esclarecer a hipótese de, no caso específico, o comodante vir a esbulhar a posse do comodatário por algum motivo, e trazer à tona as controvérsias no que se refere ao contrato verbal de comodato, e se este tem força para caracterizar o comodatário como possuidor direto legítimo.
Esta pesquisa teve abordagem qualitativa, com algumas características peculiares, onde a revisão bibliográfica permeou por todo o trabalho, com vistas a fundamentar os principais conceitos e definições que se abstiveram a legislação e a jurisprudência. Foi analisada e exposta de maneira sistematizada a legislação vigente, principalmente aos dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil, com o propósito de organizar de maneira sistemática as regras vigentes acerca da reintegração de posse, sobre o contrato de comodato, sobre as relações primordiais dos negócios jurídicos e dos direitos reais.
A jurisprudência também tem papel importante nessa investigação. Afinal, é de onde se podem encontrar a aplicação do ordenamento jurídico nos diversos casos concretos. E, para tanto, foram pesquisados acórdãos de alguns tribunais de justiça e, também, do Superior Tribunal de Justiça.
Por consequência, esse conjunto metodológico permitiu verificar, analisar, organizar e sistematizar a legislação, jurisprudência e doutrina em relação à proteção da posse, bem como a ação de reintegração de posse e o contrato de comodato, com vistas a esclarecer a legitimidade de possuidor direto (comodatário) proteger a sua posse ante ao possuidor indireto (comodante), ainda que se trate de um contrato verbal.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSSE
De acordo com Diniz (2010), existem duas principais correntes de pensamento a respeito da Posse. A primeira é intitulada pela doutrina, como a Teoria Subjetiva, que teve Savigny como seu precursor. Já a segunda trata-se da teoria objetiva, que teve como o principal pensador, Ihering.
Para a teoria subjetiva, como conta Gomes (2010), a posse é resultado da consolidação de duas características: o corpus e o animus. “O corpus é o elemento material que se traduz no poder físico da pessoa sobre a coisa. O animus, o elemento intelectual, representa a vontade de ter essa coisa como sua” (GOMES, 2010, p. 31).
Já a teoria objetiva, propõe um pensamento mais simplificado e categórico a respeito da posse. Ihering desconsidera o elemento animus, e propõe que a posse se caracteriza pelo elemento objetivo corpus, isto é, pela exteriorização física da ocupação. Sem contar que Ihering tem a posse e a propriedade como institutos diferentes, mas quando o proprietário e o possuidor estão figurados na mesma pessoa, não há a necessidade de se distinguir. Gomes (2010) permite esclarecer que a posse é o poder de fato sobre a coisa, e a propriedade é o poder de direito sobre a coisa. O que não impede que esses dois poderes estejam nas mãos de uma pessoa só, tornando-o possuidor e, também, proprietário da coisa.
Cabe lembrar que, via de regra, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria objetiva para conceituar a posse. Afinal, considera a posse como um poder de fato sobre a coisa, mas independentemente se existe ou não o elemento animus, ou seja, a intenção de vir a se tornar proprietário da coisa. O artigo 1.196 do Código Civil Brasileiro tem como possuidor “[...] todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002).
2.1. POSSUIDOR DIRETO E INDIRETO
O próprio texto do artigo 1196 do Código Civil já prevê que o exercício da posse pode ser pleno ou não, o que pressupõe que a posse seja exercida de forma imediata ou de forma mediata. Para Gomes (2010, p. 56), “posse direta é aquela que tem o não proprietário a quem cabe o exercício de uma das faculdades do domínio, por força de obrigação, ou de direito”. Já a posse indireta, é “a que o proprietário conserva quando se demite, temporariamente, de um dos direitos elementares do domínio, cedido a outrem seu exercício” (GOMES, 2010, p. 57).
Na prática, pode-se perceber que são considerados possuidores diretos, entre outros, o usufrutuário, o usuário, o locatário e o comodatário. Afinal, estes possuidores são os que estão em contato direto com a coisa. Já o nu-proprietário, o locador e o comodante são considerados possuidores indiretos, pois, embora tenham se despido de algum dos direitos inerentes à propriedade ao possuidor direto, a estes não é recusado, segundo Gomes (2010), o direito de defender a posse, observados seus limites.
E, nesse sentido, O Artigo 1.197 DO Código Civil prevê que “a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o possuidor indireto” (BRASIL, 2002).
3. CONTRATO DE COMODATO
O comodato é um dos tipos de contrato de empréstimo, assim como o mútuo, mas com suas diferenças. O Código Civil Brasileiro, apesar de não ter o costume de definir os termos jurídicos, e deixar a cargo da doutrina, dessa vez positivou que “O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto” (Art. 579,CC, 2002). Diferente do Mútuo que é o empréstimo de coisas fungíveis (Art. 586, CC, 2002).
Diniz (2010), por sua vez,conta que o comodato é um tipo de contrato de uso, em que o bem entregue pelo comodante (possuidor indireto) ao comodatário (possuidor direto), ao fim deverá ser restituído em sua individualidade. Portanto, não poderá se tratar de um bem fungível e consumível, ou seja, a mesma coisa deverá ser restituída.
3.1. HIPÓTESE DE COMODATO VERBAL
O contrato de comodato, segundo Gonçalves (2014), além de ser um contrato real, ou seja, existir necessidade da tradição da coisa para se firmar, é, também, livre. Afinal, a lei não prescreveu forma específica de como se firmará o contrato de comodato, isto é, não apontouquaisquer formalidades específicas.
Gonçalves (2014) tem esses contratos livres como os que bastam o consentimento para a sua formação. “Como a lei não reclama nenhuma formalidade para o seu aperfeiçoamento, podem ser celebrados por qualquer forma, ou seja, por escrito particular ou verbalmente” (GONÇALVES, 2014, p. 109). Inclusive a Lei corrobora com a possibilidade de contratos se formarem livremente, onde diz que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir” (Art. 107, CC, 2002).
4. REINTEGRAÇÃO DE POSSE
De fato, pode-se declarar a relatividade da posse, justamente por admitir a existência de hipóteses de aquisição e perda. “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade” (Art. 1.204, CC, 2002). E “perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196” (Art. 1.223, CC, 2002).
Cabe lembrar, inclusive, que o fato de uma pessoa ser esbulhada do exercício da sua posse, este tem prerrogativa de utilizar ações possessórias, com vistas a reaver tal direito.E segundo Bolonhini Junior (2004), o possuidor direto, em caso de esbulho ou turbação da posse, poderá utilizar as defesas possessórias, inclusive contra o possuidor indireto, que na maioria dos casos é o proprietário da coisa.Sem contar que, a legitimidade primeira de se utilizar s remédios possessórios é do possuidor direto. Afinal, este é que será a principal parte prejudicada num eventual esbulho.
O Superior Tribunal de Justiça discorre sobre a justificativa das ações de proteção possessória:
A proteção possessória se justifica, no Direto brasileiro, de modo a não permitir a realização de justiça privada, não sendo possível que a ordem pública e a paz social venham a ser violadas por atos violentos ou atentatórios à posse justa e legítima titularizada por alguma pessoa, seja física ou jurídica (STJ, REsp. n. 1.165.680,2015).
4.1. ESBULHO
Como diz o Artigo 926 do Código de Processo Civil Brasileiro, o possuidor tem direito, em caso de esbulho, de ser reintegrado à posse. E esse dispositivo, embora não conste especificamente, dá a prerrogativa principalmente ao possuidor direto, como, por exemplo, o comodatário nos contratos de comodato, o locatário nos contratos de aluguel, do usufrutuário, do usuário, ou, também, ao proprietário que tem todas as prerrogativas do seu direito de propriedade, isto é, quando é proprietário, mas não cedeu quaisquer dos direitos inerentes à propriedade.
O esbulho pode ser compreendido como o fenômeno de o possuidor direto ficar impedido de utilizar e exercer os seus direitos inerentes a ela. E, nesse sentido, Diniz (2006) tem o esbulho como o ato pelo qual o possuidor se vê desprovido da utilização da posse, injustamente, ou seja, por violência, clandestinidade ou precariedade. Montenegro Filho (2008) considera que o esbulho se caracteriza quando, do possuidor, é retirada a prerrogativade se manter em contato com a coisa.
Por exemplo, estaria cometendo esbulho o comodatário que não devolve a coisa quando se finda o contrato de comodato, o estranho que invade uma casa que estivera sendo habitada etc. Contra estes, Diniz (2006) diz que, nessas hipóteses de esbulho, pode ser intentada ação de reintegração de posse pelo possuidor contra quem comente tais esbulhos possessórios. E, “havendo prova suficiente a respeito da existência do comodato verbal e da sua extinção pela notificação judicial, fica caracterizado o esbulho” (TJSP, Ag. n. 990.10.345153-8, 2011).
4.2. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
O artigo 1.210 do Código Civil prevê, nessa mesma direção, que “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado” (BRASIL, 2002, grifo nosso). Portanto, a ação de reintegração de posse “é a ação movida pelo esbulhado, a fim de recuperar posse perdida em razãode violência, clandestinidade ou precariedade [...] e pleitear indenização por perdas e danos” (DINIZ, 2006, p. 950).
No entanto, o Artigo 927 do Código de Processo Civil estipula os requisitos probatórios incumbentes ao autor para intentar tal remédio possessório, quais sejam, a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse.
“Quem depende da autorização de outrem para exercer a posse, a exerce em nome desse, e não em nome próprio. Este é o detentor, conforme reza o artigo 1.198 do CC” (STJ, REsp. n. 1.165.680, 2015).Assim sendo, existe a necessidade de reafirmarmos que o contrato de comodato é livre em sua forma, admitindo, inclusive, a contratação verbal. No entanto, não se trata de uma mera autorização de exercício da posse, mas sim a transferência de direitos inerentes a propriedade, por meio de um contrato verbal de empréstimo de bem infungível, inclusive de forma verbal. Portanto, o mero detentor não é parte legítima para utilizar ação possessória, mas sim o comodatário que é possuidor direto.
Como diz no § 2o do Artigo 1.210 do Código Civil, que “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”, permite-se dizer que o comodatário, que é possuidor direto, poderá, desde que prove os requisitos do Artigo 927 do CPC, intentar ação de reintegração de posse contra o próprio comodante(possuidor indireto), mesmo que seja o proprietário da coisa.
Invocando o comodato como fundamento legitimador da reintegração de posse, ao autor caberia a prova desse contrato que, não tendo uma forma estabelecida em lei, pode ser celebrado verbalmente ou por escrito, podendo ser comprovado por todos os meios admitidos em direito, exceto quando seu valor excede o previsto no art. 401 do CPC, quando então não se admite a prova por via testemunhal (TJDF, AC. n. 49.243, 2000).
Ademais, Theodoro Junior (2014) é categórico ao dizer que o mero título ou documento comprovante de aquisição de posse, por si só, não é suficiente para provar que a posse está sendo exercida de maneira efetiva. Afinal, ter direito à posse não é o mesmo que possuir a coisa.
CONCLUSÃO
Viu-se que esse estudo atingiu seus propósitos de pesquisa, mediante a organização e sistematização da legislação, da doutrina e da jurisprudência referente aos temas, de maneira esclarecedora. A investigação teve o objetivode esclarecer as controvérsias e obscuridades a respeito da legitimidade do possuidor direto face ao possuidor indireto, nas ações possessórias, mas principalmente a prerrogativa de o comodatário intentar ação de reintegração de posse contra o comodante, quando for caracterizado o esbulho possessório, considerando que seja um contrato verbal de comodato.
Preliminarmente, foi esclarecido que o Comodato, como sendo um contrato livre, a legislação brasileira permite que se forme verbalmente, e que, consequentemente, o comodatário terá a posse direta do bem, e o comodante terá a posse indireta. Assim sendo, o comodatário terá direito de, reivindicar sua posse, quando perceber impedido ou ameaçado de exercê-la, inclusive contra o possuidor indireto (comodante), então proprietário do bem.
Esse estudo se justificou à medida que se pudesse considerar a hipótese de ocorrer um comodato verbal, e o comodante, na hipótese de valer-se da liberdade contratual sem formalidades, vir a querer desapossar compulsoriamente o comodatário fora do prazo acordado, ou, até mesmo, esbulhar de qualquer outra forma a coisa.
Para que o comodatário esbulhado tenha as proteções possessórias, por meio da ação de reintegração de posse, deverá estar provada a existência do contrato de comodato, bem como todos os detalhes do contrato, mesmo que verbal, como o termo final e as prerrogativas inerentes. Pois se o comodante viesse a não cumprir esses prazos e vir a desapossar da coisa o comodatário, impedindo de exercer o seu direito de posse, estaria caracterizado o esbulho. Portanto, o esbulhado teria a prerrogativa e a legitimidade de intentar reintegração de posse contra o comodante e proprietário (possuidor indireto).
REFERÊNCIAS
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Especialista em Comércio Exterior, Professor, Administrador, e Graduando em Direito pela Faculdade Guanambi - CESG/FG, Guanambi - BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Irving Rahy de Castro. Reintegração de posse: legitimidade do possuidor direto em relação ao indireto no contrato verbal de comodato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44891/reintegracao-de-posse-legitimidade-do-possuidor-direto-em-relacao-ao-indireto-no-contrato-verbal-de-comodato. Acesso em: 22 dez 2024.
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