RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a perspectiva com que a legislação e, na ausência dela, a doutrina e jurisprudência brasileiras têm encarado a punição de atos discriminatórios relacionados às identidades de gênero não convencionais, especificamente as atentatórias à homoafetividade no que concerne às relações trabalhistas. Se, por um lado, ainda há uma lacuna intencional na legislação que estabeleça mecanismos protetivos da cidadania dos indivíduos homoafetivos, já há um razoável entendimento de que o fundamento republicano da dignidade da pessoa humana e o objetivo constitucional de promover o bem de todos sem qualquer discriminação devem conduzir o intérprete da lei e do Direito a um juízo de repreensão a comportamentos que exponham os indivíduos a situações humilhantes e vexatórias em virtude de sua orientação sexual, sobretudo no ambiente de trabalho.
Palavras chave: Dano Moral. Homofobia. Trabalho. Jurisprudência.
INTRODUÇÃO
Um dos propósitos notórios do Direito do Trabalho reside na proteção à honra e aos direitos da personalidade do obreiro, na esteira da máxima segundo a qual o trabalho dignifica o homem, sendo indiscutível, obviamente, a impossibilidade de se admitir que o contrário ocorra, ou seja, que a relação de trabalho seja espaço para violação à subjetividade do trabalhador, dando causa ao sofrimento, à exposição vexatória e às práticas discriminatórias e atentatórias à dignidade da pessoa humana.
Além de provisionar a subsistência material do obreiro, o trabalho repercute nas diversas funções sociais exercidas pelo indivíduo, delimitando posições na estratificação da sociedade, baseadas em atributos próprios do trabalho executado. Assim, não é exagero dizer que o trabalho afeta integralmente todas as dimensões da vida humana e os direitos da personalidade, sendo o respeito à dignidade do trabalhador e aos seus direitos de personalidade fundamento indispensável para o equilíbrio social.
Todavia, o desequilíbrio real de poder existente na relação trabalhista torna esse espaço terreno fértil para abusos de toda sorte, de modo que, inobservado o dever de zelo e respeito pelos direitos personalíssimos do trabalhador por parte do empregador, surge o dever de indenizar o dano moral na seara trabalhista.
É nesse sentido a redação do art. 483, alínea “e”, da CLT[1], segundo a qual o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama.
Na contemporaneidade, ganha especial relevo que se discuta o alcance do dano moral trabalhista no que diz respeito às discriminações homofóbicas no ambiente laboral ou em razão do vínculo trabalhista, já que os imperativos constitucionais vedam em absoluto a promoção de qualquer prática discriminatória e ofensiva à dignidade humana dos trabalhadores e trabalhadoras homossexuais, justamente por não ostentarem a conformidade heteronormativa e serem vítimas preferenciais da violência de gênero, situação esta que, além de repulsiva, enseja reparação cível e, eventualmente, até criminal.
Assim sendo, o propósito do presente artigo será investigar a configuração e limites do dano moral trabalhista por motivações homofóbicas, traçando um diagnóstico da jurisprudência brasileira a este respeito, buscando lançar luz sobre qual o tratamento que o Direito brasileiro confere atualmente à matéria.
O DANO MORAL TRABALHISTA POR MOTIVAÇÃO HOMOFÓBICA E A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA.
De início, são devidas algumas breves considerações sobre o dano moral, o dano moral trabalhista e aspectos gerais acerca da violência homofóbica para que se atinja com plenitude o objetivo do presente artigo, qual seja, traçar um quadro diagnóstico do dano moral trabalhista por motivação homofóbica, seus limites e atual estágio da jurisprudência pátria a este respeito.
A apuração da responsabilidade civil tem como sua grande motriz a ocorrência de dano, cuja ocorrência é ensejadora de desequilíbrio social e demanda, portanto, reparação jurídica. É certo que, com a rápida e intensa complexificação das relações e estruturas sociais, o dever de indenizar não pode mais resvalar tão somente sobre o patrimônio do ofendido e as ofensas engendradas contra os elementos extrapatrimoniais demandaram um aperfeiçoamento da teoria da reponsabilidade civil de modo a incluir dentre os bens protegidos pelo direito a honra e elementos próprios da subjetividade e da valoração moral: surgia aí o dano moral.
Uma breve distinção entre esta espécie de dano com o seu contraponto mais frequente, o dano material, pode ser compreendida, grosso modo, em razão da extrapatrimonialidade do primeiro. Enquanto o dano moral incide sobre patrimônio jurídico subjetivo, o material recai sobre o patrimônio objetivo.
O dano moral pode ser compreendido como a ofensa a direitos de caráter não pecuniário. Trata-se de lesão que atinge o patrimônio imaterial do ofendido, atingindo sua dignidade, honra e imagem, além de repercutir na esfera individual de sua afetividade.
Segundo DINIZ (2012, p. 82):
Dano moral, no sentido jurídico não é a dor, a angustia, ou qualquer outro sentimento negativo experimentado por uma pessoa, mas sim uma lesão que legitima a vitima e os interessados reclamarem uma indenização pecuniária, no sentimento de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofridos.
Ao efetivar a agressão de ordem subjetiva e, portanto, sentimental, se ataca a esfera juridicamente protegida dos direitos da personalidade, o que, em geral, ocasiona sofrimento mental e físico, inclusive, engatilhando a formação de sentimentos negativos, quais sejam, a humilhação, o martírio ou o sentimento vexatório.
A legislação brasileira atual é bastante taxativa acerca do dever de indenizar gerado a partir de ato ilícito que ocasione o dano moral. Inclusive a Constituição da República é patente neste sentido, deixando explícito que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”[2]. No mesmo artigo 5º, inciso V, assevera ser devida a reparação na hipótese de configurar-se o dano moral. Vale ressaltar que, antes da promulgação da Carta Magna, não havia previsão expressa nesse sentido, o que dava causa a interpretações no sentido de que não se tratava de dano indenizável, por falta de expressa previsão legal nesse sentido, muito embora as construções jurisprudenciais e doutrinárias pretéritas já dessem guarida ao seu reconhecimento.
O Código Civil de 2002, seguindo a tendência de positivação do dano moral inaugurada pela Constituição, dispõe também taxativamente sobre o dever de reparação relativamente a essa categoria de dano, conforme se extrai da leitura do art. 186, verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Vale ressaltar que o Código de 1916 não mencionava a espécie dano moral, abordando apenas genericamente o “dano”, o que levava uma considerável parte dos intérpretes e operadores do Direito a concluírem que a imaterialidade desta espécie e a ausência de expressa previsão legal afastariam o dever de indenizar, teses devidamente esvaziadas com o advento da Constituição Federal de 1988 e mesmo com as formulações doutrinário-jurisprudenciais anteriores a ela, como já dito.
A valoração essencialmente normativa do dano moral só pode levar à conclusão de que trata de algo definível a partir de uma ponderação judicial sobre a extensão do dano sentimental, cujo espectro só pode ser definido à luz da subjetividade vitimada pelo ato ilícito, sendo que qualquer objetivação ou padronização para definir-se o espectro do dano moral desnaturaliza a sua essência. Em síntese, o valor que se tutela deve ser enxergado pelo julgador a partir do indivíduo para sociedade e nunca em uma ordem sequencial inversa.
Abstratamente e por hipótese, pode-se conjecturar que qualquer lesão extrapatrimonial que repercuta negativamente na subjetividade e tenha por causa ato ilícito torna possível se falar em direito a reparação. Há autores aquilatados que defendem, por esse motivo, a classificação dos danos morais dentre os danos obviamente pessoais, mas também patrimoniais, corrente esta a qual, com devida vênia, não me filio.
O florescimento relativamente tardio do dano moral no Direito brasileiro faz com que algumas questões elementares a ele relacionadas sejam ainda alvo de muito debate e controvérsia na Academia e nas arenas jurídicas, notadamente as que dizem respeito à sua configuração e ao cálculo do valor da indenização, questões essas que abordarei sinteticamente a seguir.
Há divergência na doutrina e na jurisprudência sobre a necessidade de comprovação do sofrimento e a dor subjetiva ou sobre a simples necessidade de demonstrar a violação a direito da personalidade e nexo de causalidade, havendo presunção acerca do sofrimento por ela ocasionado. Para a primeira vertente, mais conservadora, há que provar que o fato ocasiona sentimento negativo por parte da vítima, podendo inclusive se realizar prova pericial, através de laudo psicológico, ao passo que para a segunda e mais progressista corrente esse sofrimento é presumível a partir da constatação de que a honra e demais direitos da personalidade foram aviltados, devendo o elemento de prova discutir tão somente a ocorrência de tais fatos e apurar a relação de causalidade, já que apurar a extensão da violação sentimental é tarefa demasiado imprecisa e de difícil comprovação.
É razoável entender que a presunção da dor, presentes o nexo causal e o ato ilícito, é suficiente para se atestar a existência do dano moral, dado que condicionar o seu reconhecimento à comprovação exauriente do sofrimento e à demonstração de seus limites significa, em nível prático, inviabilizar a sua ressarcibilidade. Esse entendimento mais objetivista vem ganhando corpo na jurisprudência pátria[3]. Reforça essa visão o fato de que não há qualquer possibilidade de se comensurar pecúnia e dano moral, dada a impossibilidade de ser quantificar a extensão exata deste. Assim, o objetivo da indenização é atenuar a lesão e não substituí-la, como se faz no dano material, de modo que, além de tarefa impossível em termos objetivos, a definição dos limites da ofensa moral é irrelevante para a fixação do quantum indenizatório.
Uma vez que a indenização do dano moral não tem o condão de reestabelecer o status quo ante dos sentimentos da vítima, em razão da impossibilidade absoluta de fazê-lo por meio de pecúnia, a mesma tem, como dito, dois propósitos essenciais, quais sejam: atenuar a violação perpetrada e sancionar o autor do ato ilícito que descortinou essa lesão. Assim, é exatamente por esses dois pressupostos que passa o balizamento do quantum indenizatório.
Devem ser utilizados como informadores dos limites do dano moral elementos como a extensão do dano e seu grau de reprovabilidade, os elementos subjetivos do autor do ilícito, tais como seu potencial econômico-financeiro, reincidência em práticas similares, posição social e nível de culpa, assim como a posição social e a capacidade econômico-financeira também da vítima.
Há que se ter como pressuposto que não é propósito da indenização gerar enriquecimento por parte da vítima, sob pena de comprometimento e desvirtuação deste importante instituto, já que não se substitui a dor por dinheiro e não se pode avalizar uma eventual “indústria do dano moral”. O fim da indenização é aplicar uma sanção balizada em parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade que desestimulem a reincidência do autor e de outros que podem tomar seu exemplo como pedagógico, assim como provocar uma diminuição no nível de sofrimento moral da vítima, dado que, como dito anteriormente, não há que se falar em ressarcimento substitutivo em sede de dano moral.
Essa intrincada gama de elementos deve ser articulada para que se norteie positivamente os limites da indenização, majorando-o, ou negativamente, limitando-a e adequando seus valores, conforme a capacidade econômica do ofensor e observada a vedação ao enriquecimento da vítima.
Trata-se, sem sombra de dúvidas, de atividade que requer demasiada sensibilidade e senso de equidade e justiça por parte do magistrado e que inviabiliza a formulação de regras específicas a priori que definam a fórmula geral do quantum debentur justo.
Esgotadas as breves ponderações sobre o dano moral, cabe uma breve reflexão sobre o que motiva os comportamentos de ódio, para que se possa justificar a necessidade indiscutível de tutela jurídico-protetiva por parte do Estado com vistas ao combate à homofobia.
Quando se manifesta um comportamento de ódio, a grande força motriz deste evento não se extrai da dimensão individual da ação, mas antes do sentimento conservador que vigora na sociedade, o que dá ainda mais relevo para esta questão. Quando deflagrada uma manifestação de ódio, além de uma falha individual por parte do agressor, está-se diante de uma fragilidade sócio-estrutural que sustenta e legitima o comportamento agressor. Assim, não é exagero dizer que se trata de um fracasso coletivo, na medida em que a solidariedade orgânica da sociedade atua em uma relação de corresponsabilidade com a ação do agressor.
Segundo José Afonso da Silva (2007, apud OLIVEIRA, 2011, p. 230):
“Discriminação é o termo que qualifica uma série de situações ou práticas que se consideram radicalmente contrárias à própria dignidade humana, que supõe a negação a determinados indivíduos de sua condição de pessoa humana. A discriminação condenada é a que se funda num preconceito negativo em virtude do qual os membros de um grupo são tratados como seres não já deferentes, mas inferiores. É nesse sentido que a discriminação é de considerar-se atentatória a direito fundamental”.
Assim, é certo que qualquer análise sobre as ações homofóbicas, quaisquer que sejam, sempre carecem de uma análise conjuntural da sociedade, que se identifique, para além dos eventos isoladamente verificados, as ações corretivas demandadas e que trate de forma sistêmica esta inadmissível prática, que se revela sempre ao arrepio das prescrições da ordem jurídica.
Constatado que se trata de um problema que extrapola as ações individuais, é imperativo reconhecer a necessidade de uma atuação corretiva exemplar e enérgica por parte do Poder Judiciário por ocasião de ações que tratem de matérias conexas à discriminação homofóbica, já que é da natureza da sanção, além de retribuir o ato ilícito com a punição correspondente, impactar pedagogicamente aqueles que não são diretamente e especificamente punidos, mas compartilham iguais (anti)valores, para que novas ocorrências antijurídicas de igual teor não ocorram novamente e sua reincidência seja combatida.
O conservadorismo omissivo do Parlamento brasileiro em estabelecer estatutos protetivos às minorias homossexuais e não heternonormativas em geral potencializa as repugnantes práticas discriminatórias em todo o seio da sociedade e, por conseguinte, no ambiente laboral os resultados não são diferentes. Todavia, o Judiciário tem se destacado por seu vanguardismo na efetivação destes direitos historicamente sonegados e já há nos Tribunais brasileiros um suficiente entendimento reiterado de que a dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento da República, e a vedação a qualquer prática discriminatória, como objetivo fundamental, ambos insertos na Constituição de 1988, exigem altiva repreensão e censura por parte da Justiça às práticas discriminatórias na seara trabalhista.
Tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006, de autoria da Deputada Iara Bernardi (atualmente apensado no Projeto de Reforma do Código Penal e sem qualquer previsão de ser votado no âmbito do Senado Federal para, após, sendo aprovado, seguir à sanção presidencial) que, inclusive, vai além nessa missão civilizatória de permitir a convivência entre os diferentes, criminalizando, por exemplo, dispensas arbitrárias de trabalhadores motivadas por discriminação homofóbica.
Cabe ao Judiciário avançar sobre as lacunas deliberadamente não suplantadas pelo Legislativo para que a efetivação de direitos se concretize. Nesse sentido, é elucidativa a fala da ex-desembargadora do TJRS, Maria Berenice Dias, especialista e ativista do tema (DIAS, 2011, p. 250):
O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos. Diante da inércia do Parlamento, é da Justiça o encargo de preencher os vazios da legislação, pois toda violação de direito merece ser trazida a juízo. E quando a jurisprudência brasileira se consolida, o legislador se vê obrigado a transformá-la em normas legais sob pena de perder uma fatia de poder.
Indubitável que a orientação sexual constitui-se direito inviolável de qualquer indivíduo, sendo resultado indissociável de sua expressão enquanto sujeito e juridicamente reconhecida como direito da personalidade, gozando de todas as prerrogativas próprias desta elementar categoria de direitos. Como dito, a Constituição é clara em vedar práticas atentatórias a este direito, que também goza dos atributos próprios dos direitos fundamentais, quais sejam a universalidade, irrenunciabilidade, vedação ao retrocesso, inalienabilidade, indivisibilidade, interdependência, imprescritibilidade e a historicidade.
É evidente também que a manifestação dos caracteres decorrentes da identidade de gênero permeiam na integralidade as funções sociais do indivíduo, não se admitindo assédio ou coerção moral dirigida aos cidadãos homossexuais no sentido de indicar-lhes quais comportamentos sexuais são aceitáveis e mais inadmissível ainda que se intentem ofensas, exposição vexatória ou qualquer outra atitude que tenha como propósito menosprezar o indivíduo em razão de sua orientação sexual. Assim como é cristalino que não se pode destratar um trabalhador pela sua dimensão social de mulher, é também evidente que não se admite o mesmo raciocínio quando se tem em tela trabalhadores homossexuais, muito embora a obviedade desta vedação não impeça que ambos sejam vitimados pela violência de gênero, geralmente de franca orientação machista.
Apesar da grande discussão que ainda gira em torno da homossexualidade, é uníssono dentre a comunidade científica estudiosa da temática que em hipótese alguma se trata de uma questão volitiva, sendo inadequado, inclusive, falar-se em opção sexual. Assim, não se pode dizer que a homoafetividade esteja no nível da escolha individual, pois se tratam de fatores biológicos, sociais e absolutamente externos à vontade social e individual, de modo que a marginalização destes indivíduos deve ser combatida com todo rigor, já que é guiada pela mesma lógica que sustenta outras perversas manifestações de ódio, tal como o racismo.
Como dito, os parâmetros para a fixação do quantum indenizatório passam necessariamente pela razoável, proporcional e moderada[4] identificação da gravidade da ofensa e dos impactos causados ao ofendido. Assim, o magistrado deve dar especial relevo às consequências da repercussão do ato discriminatório, ao grau de sofrimento da vítima, aos contornos da humilhação e constrangimento ocasionados e a todos os demais elementos que possam ser estatuídos dos autos que tenham afetado a dignidade do trabalhador, sua imagem e honra subjetiva.
A vítima geralmente conta em seu favor fundamentalmente com prova testemunhal para a comprovação dos fatos alegados, mas também pode se utilizar de outros elementos que atestem e qualifiquem o seu sofrimento psíquico, podendo juntar aos autos laudos psicológicos e médicos, de modo a clarificar o juízo a respeito da extensão do dano e qualificar a robustez de suas alegações.
O magistrado, por sua vez, deve emprestar um olhar equilibrado sob a divisão do ônus da prova, na medida em que o sofrimento decorrente de um ato discriminatório (e, portanto, ilícito) se presume, bastando para que reconheça a ocorrência de dano moral a configuração do ato discriminatório na constância da relação trabalhista ou em razão dele. É certo que a indenização concedida não pode estar nos patamares ordinários dos danos morais trabalhistas mais usuais, na medida em que a motivação homofóbica tem origem no ódio e merece repreensão majorada, em face de sua aumentada repulsividade.
Ao empregador, por outro lado, cabe demonstrar o elemento modificativo, extintivo ou impeditivo da pretensão do autor, sendo que o princípio da proteção trabalhista demanda certa presunção em face do trabalhador, perante a dificultada missão de demonstrar o elemento constitutivo do direito por parte do autor da reclamatória, na medida em que uma das terríveis facetas da homofobia é constranger suas vítimas a não darem publicidade às aviltantes circunstâncias a que são submetidos e ao sentimento de envergonhamento que ocasiona o menosprezo coletivo por sua subjetividade afetivo-sexual, que decorrem da lógica e invisibilização das identidades não-heteronormativas.
Imperativo que se pondere também que o sentimento de envergonhamento devido à identidade sexual, enquanto resultado mais frequente e devastador da opressora cultura da superioridade heteronormativa, certamente agrava a exposição vexatória do trabalhador, na medida em que o comportamento discriminatório do empregador geralmente se faz percebido pela soma dos demais empregados, potencializando o sofrimento moral da vítima. Evidencia-se, pois, a necessidade de se ponderar o nível da exposição vexatória da vítima para a delimitação dos contornos do dano moral, como se pode estatuir da seguinte decisão:
INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. OPÇÃO SEXUAL.
Situação em que a prova oral deixou evidente que a autora foi vítima de ofensas verbais praticadas pela empregadora, por meio de seu preposto que, ao tomar conhecimento de sua homossexualidade e de relacionamento estreito, mantido com uma colega de trabalho, passou a insultá-la quanto à sua opção sexual, passando a atribuir-lhe os piores serviços, resultando, por fim, na sua despedida. Comprovada a repercussão do dano, na medida em que todos os colegas de trabalho do setor de costura, cerca de 400 (quatrocentas) pessoas, ficaram sabendo que a reclamante e sua companheira haviam sido despedidas em função do relacionamento amoroso que mantinham. Indenização por dano moral que se defere. Recurso da reclamante a que se confere provimento parcial no item.
(TRT 4ª Região, RO 01383-2006-382-04-00-0, 3ª T., Rel. Des. João Alfredo Borges Antunes de Miranda, j. 01/10/2008).
A dispensa que tenha como pano de fundo a discriminação homofóbica também merece especial olhar da Justiça Trabalhista, na medida em que a liberalidade de que dispõe o empregador para admitir ou demitir seus empregados não pode se revestir de abusivos critérios balizadores como o preconceito por orientação sexual.
Justificações genéricas por parte do empregador para motivar dispensas, tais como a insuficiência de resultados ou corte de gastos, devem ser exaustivamente comprovados e apreciados com extrema diligência pelo magistrado, já que uma das perversidades da discriminação homofóbica é a dificuldade da vítima em comprová-lo, quer seja pelo sentimento de evergonhamento, pela dominância da cultura preconceituosa ou mesmo pelo desequilíbrio material existente entre patrões e obreiros, o que demanda uma balanceada divisão do ônus da prova.
Importante que se diga que é possível falar em cabimento de indenização compensatória inclusive quando a vítima sequer integra os quadros da empresa de que faz parte o empregador ou preposto ofensores, já que a utilização de critérios discriminatórios para não contratar um candidato é suficiente para que se ajuíze a ação própria, embora o acervo probatório seja ainda mais precário nesta hipótese e, por conseguinte, a possibilidade de êxito do autor seja diminuta. Neste sentido, colacione-se o seguinte julgado:
APELAÇÃO. DANO MORAL. DISCRMINAÇÃO HOMOSSEXUAL. BUSCA POR EMPREGO. PROVA TESTEMUNHAL. VALOR DA INDENIZAÇAO.
Comprovando a prova testemunhal que a demandante foi vítima de discriminação por ser homossexual, ao pretender vaga de trabalho, sofrendo constrangimento diante de outras pessoas, é caso de condenação por danos morais. Indenização fixada em 20 salários mínimos que se mostra ajustada ao caso dos autos, considerando a capacidade econômica dos demandados. Apelação e recurso adesivo desprovidos.
(Apelação Cível Nº 70013234752, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em12/04/2006)
É possível a responsabilização do empregador inclusive por atos que sequer foram diretamente executados por ele, pois a postura omissiva do mesmo em face de práticas discriminatórias perpetradas por seus subordinados dirigidas a um empregado homossexual na constância da relação trabalhista é inapropriada em face do seu poder-dever diretivo. Ora, se o empregador permite conscientemente que um trabalhador seja discriminado por seus pares, essa omissão é ensejadora de responsabilidade civil, na medida é que é um poder-dever do patrão zelar pelo respeito a seus obreiros, ainda que essa violação não decorra diretamente de sua conduta.
Para tanto, é necessário que a vítima comprove as ofensas a que foi submetida e que as práticas eram ou deveriam ser de conhecimento por parte do empregador ou preposto, além de que nenhuma atitude concreta fora adotada para sanar os abusos cometidos. Neste sentido, é ilustrativo o seguinte julgado:
DANOS MORAIS. HOMOFOBIA. Há prova robusta de que o autor sofreu humilhações e constrangimentos homofóbicos, atentatórios ao artigo 3º, IV, da Constituição Federal. Da omissão das reclamadas, quando era imperativo o exercício do poder diretivo, resulta sua responsabilidade pela contaminação do ambiente de trabalho pelo vírus da aversão à liberdade de orientação sexual e à identidade de gênero, atualmente equiparada aos demais preconceitos já contemplados na Lei nº. 7.716/89, que define o crime de racismo (do qual a homofobia é um subproduto).
(TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: 1010200807802009 - SP - 01010-2008-078-02-00-9, Relatora Wilma Nogueira De Araujo Vaz Da Silva – Publicação: 23/04/2010)
Neste mesmo diapasão, há julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, de cuja ementa reproduzo o trecho abaixo:
[...] mesmo que não pudesse o empregador impedir que parte de seus empregados desaprovassem o comportamento do reclamante e evitassem contato para com ele, não poderia permitir a materialização de comportamento discriminatório grave para com o autor, e menos ainda omitir-se diante de agressão física sofrida pelo reclamante no ambiente de trabalho; mormente se esta agressão fora presenciada por agentes de segurança do reclamado, os quais não esboçaram qualquer tentativa de coibi-la.[...]
(TRT 10ª Região, RO 00919-2002-005-10-00-0, 3ª T., Rel. Juiz Paulo Henrique Blair, publicado em 07/05/2003).
Como se depreende dos julgados acima transcritos, obviamente não compete ao empregador gerenciar os sentimentos e convicções pessoais de seus empregados no que tange às suas vidas privadas, mas é inadmissível que o mesmo tolere, ainda que na modalidade omissiva, que seus subordinados aviltem um par, na constância das atividades laborais, por sua identidade de gênero ou por sua orientação sexual não convencional, já que o mesmo detém o poder diretivo e tem o dever de zelar pela dignidade de seus obreiros, sob pena de responsabilização na medida de sua culpabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos julgados da Justiça Trabalhista sob a égide da Carta Magna de 1988 permite concluir que o cabimento de dano moral em razão de discriminação é suficientemente pacífico no Direito pátrio, ainda que ocorra sob total ausência de dispositivo legal que reconheça taxativamente a punibilidade de práticas tão censuráveis, por pressão dos setores conservadores da sociedade brasileira. Essa ainda tímida postura tutelatória sinaliza na irrevogável direção de repreensão à violência homofóbica em diversos segmentos, sobretudo no ambiente laboral, à luz dos diretos fundamentais e da Constituição.
Sob o aspecto da forma do ato ilícito, pode se perceber que o mesmo pode se revestir sob as modalidades comissiva ou omissiva, praticado pelo empregador diretamente, por preposto ou por pessoas que estejam sob responsabilidade daquele, podendo inclusive se dirigir contra pessoas que sequer figuram nos quadros da empregadora, mas que tão somente objetivavam fazê-lo e foram frustradas pelo veto preconceituoso em uma entrevista admissional.
A desfaçatez do preconceito requer da Justiça do Trabalho uma interpretação ampla acerca da discriminação homofóbica no âmbito das relações trabalhistas, na medida em que a vulnerabilidade da dignidade do trabalhador, além de ser potencialmente violável pela já existente desigualdade material entre patrões e obreiros torna-se maximizada pelo preconceito quem vem a reboque da violência de gênero, de modo que se trata de dano de contornos especialmente graves em razão da motivação odiosa que permeia o comportamento homofóbico.
Daí também se verifica a indiscutível necessidade de que a definição do dever de indenizar se dê em um contexto de equilibrada repartição do ônus probatório, em que a constatação do ato ilícito seja suficiente para se presumir o resultado de sofrimento moral por parte do trabalhador.
Imperativo também que a indenização seja fixada em conformidade com extensão do dano, sendo que as manifestações de ódio têm o condão de, por si só, majorarem os patamares de partida do “quantum” indenizatório, na medida em que ofendem, além da honra do obreiro, a sua própria humanidade.
E, embora o Poder Público ainda seja reticente em promover os ajustes legislativos necessários para proteger a cidadania homossexual dos abusos perpetrados pelos intentos homofóbicos, o Judiciário já possui entendimento suficientemente consolidado para punir empregadores que exerçam suas prerrogativas em desrespeito à dignidade dos trabalhadores homossexuais.
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[1] Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943).
[2] Art. 5º, X, CFRB de 1988.
[3] Vide REsp nº 23.575-DF, Relator Ministro César Asfor Rocha, DJU 01/09/97, e REsp nº 86.271-SP, Relator Ministro Carlos A. Menezes, DJU 09/12/97.
[4] A moderação aqui se insere numa perspectiva de que o dano moral não se presta a gerar enriquecimento da parte ofendida, mas antes diminuir-lhe o sofrimento e retribuir o agressor por seu ato ilícito.
Analista Legislativo do Senado Federal, na especialidade Administração, graduando em Direito pela Universidade de Brasília e especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Danilo Morais dos. Dano moral trabalhista e discriminação homofóbica na jurisprudência brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44949/dano-moral-trabalhista-e-discriminacao-homofobica-na-jurisprudencia-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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