RESUMO: A preocupação básica deste estudo é refletir sobre a natureza jurídica das medidas protetivas concedidas no âmbito da Lei Maria da Penha e suas implicações nas esferas extrapenais. Este artigo tem como objetivo esclarecer quanto à imprescindibilidade de uma ação penal, para que a Lei nº. 11.340/06 possa ser aplicada, bem como analisar as recentes decisões emanadas pelos Tribunais em relação à natureza cautelar das referidas medidas e suas consequências. Para tanto, realizou-se uma pesquisa tanto jurisprudencial – aos sítios do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – quanto bibliográfica, considerando as contribuições de autores como Rogério Greco, Guilherme de Souza Nucci, Damásio de Jesus, Maria Berenice Dias, dentre outros. Concluiu-se que, hoje, ainda há divergências acerca dos efeitos decorrentes da chamada urgência das medidas, notadamente em relação à ausência recorrente de lastro probatório mínimo exigível para seu deferimento, gerando insegurança jurídica no trato com o tema.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Medidas Protetivas de Urgência. Cautelaridade. Consequências. Lastro Probatório Mínimo.
Introdução
O presente trabalho tem como tema o estudo dos efeitos decorrentes da cautelaridade e urgência das medidas protetivas, assim como apresentar os entendimentos contrários ao seu caráter acessório, ou seja, quando consideradas ações autônomas.
Nesta perspectiva, construíram-se as seguintes questões que nortearam este trabalho:
a) Se as medidas determinadas no âmbito da Lei Maria da Penha seriam, de fato, vinculadas a uma ação penal ou a sua possibilidade de intentá-la e, ainda, se devem prevalecer sobre outras medidas extrapenais.
b) Qual o atual entendimento dos Tribunais Superiores em relação à Lei Maria da Penha e os reflexos das medidas protetivas nela previstas.
A Constituição Federal Brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, prevê como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, bem como, a justificar o interesse estatal na intervenção em caso de violência doméstica e familiar contra as mulheres, veda qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, inciso XLI) e ainda conferiu ao Estado o dever de assegurar a assistência à família – inclusive criando mecanismos hábeis a coibir a violência no âmbito de suas relações, nos termos do artigo 226, § 8º [1].
Em 07 de agosto de 2006, com a publicação da Lei n.º 11.340, em seus artigos 18 a 24, foram elencadas, de forma exemplificativa, medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, afastando-se as infrações penais praticadas no âmbito da Lei Maria da Penha da aplicação da Lei nº. 9.099/95 – a qual, inclusive, previa medida cautelar de afastamento do agressor do lar em seu artigo 69.
A previsão de medidas protetivas foi adotada tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90, artigo 101) quanto no Estatuto do Idoso (Lei nº. 10.741/03, artigo 45), que são aplicadas em relação a crianças, adolescentes ou idosos em razão de sua situação de hipossuficiência. Todavia, estas medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha realmente inovam ao prever medidas que obrigam diretamente ao agressor.
Desde então, doutrina e jurisprudência passaram a apresentar entendimentos tanto no sentido de que as medidas protetivas são ações autônomas, eis que processadas em expediente apartado, quanto apresentaram posicionamentos direcionados a considerá-las de natureza cautelar, vinculando-as à ação penal ou a sua possibilidade de ser intentada.
Destarte, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 106212 / MS, ocorrido em 24 de março de 2011, decidiu ser aplicável a Lei Maria da Penha aos casos em que ocorrer violência doméstica e familiar contra a mulher, alcançando toda e qualquer prática delituosa de gênero, até mesmo quando consubstanciada contravenção penal, denotando que a concessão das medidas protetivas depende da ocorrência de uma infração penal, seja ela um crime ou uma contravenção[2].
Importante gizar que os delitos contra a mulher abrangidos pela Lei nº. 11.340/06 não se encontram descritos em disposição incriminadora autônoma, ou seja, na legislação brasileira, integram vários tipos penais, podendo se apresentar na forma de violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.
Diante da prática de qualquer uma das formas de violência mencionadas e da concessão de medidas requeridas pela vítima, outras questões surgiram, tais como a indeterminação da duração destas, quando não entendidas como cautelares de natureza cível e, portanto, não devem observar o prazo de trinta dias até que seja intentada a ação principal, bem como os casos em que haja incompatibilidade de decisões entre as esferas diversas (cível/família/criminal).
A partir daí, embora ainda hoje se encontrem posicionamentos no sentido de que as medidas protetivas de urgência possuem natureza autônoma, passou-se a admitir, como resposta para a solução das questões apresentadas alhures, que elas não só dependem da ocorrência de um crime/contravenção penal, bem como que sua concessão e manutenção dependem, além do requisito da urgência – que é muito mais do que periculum in mora –, da possibilidade de se intentar ação penal, não havendo condição de procedibilidade, caso contrário.
Há, ainda, que condicionar as medidas protetivas ao interesse da vítima, conforme leciona Maria Berenice Dias (2010, p.107), "[...] ainda que a mulher proceda ao registro de ocorrência, é dela a iniciativa de pedir proteção em sede de tutela de urgência".
Recentemente, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais decidiu em sede de Apelação Criminal nº. 1.0024.12.022221-1/001, assim como em decisões anteriores, que não pode o Judiciário eternizar um procedimento criminal onde a própria parte interessada (ofendida) não manifesta interesse aos fins buscados, quais sejam, a concessão das medidas protetivas e o prosseguimento da ação penal[3].
Assim, numa análise superficial da posição doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, verifica-se que tal questão encontra-se longe de apresentar uma solução pacífica, mostrando-se de suma importância um posicionamento definitivo do Supremo Tribunal Federal, a fim de se uniformizar a jurisprudência dos Tribunais Estaduais e garantir segurança jurídica à sociedade.
Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é, pois, investigar se as medidas protetivas possuem natureza acessória ou autônoma, eis que a omissão do legislador tem trazido insegurança jurídica tanto na doutrina quanto nos tribunais, os quais vêm oscilando nas suas decisões.
Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura, artigos científicos divulgados no meio eletrônico e jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Desenvolvimento
Ab initio, a Lei Maria da Penha, resultado de movimento político, constitui ápice da atuação do movimento feminino de busca da igualdade constitucionalmente proclamada, conferindo-lhe a proteção necessária diante da urgência que exsurge da violência doméstica e familiar.
Contudo, pouco tem se discutido na doutrina acerca da natureza processual das medidas protetivas elencadas no artigo 22 da Lei Maria da Penha.
Há que se questionar se essas medidas apresentam o caráter cautelar a exigir a propositura de uma ação principal. Ademais, a Lei apresenta caráter muito mais cível do que penal. Tanto é assim que a Lei não prevê delitos, nem comina penas, razão pela qual não pode ser chamada de norma penal incriminadora.
Insta salientar que os civilistas sustentam que as medidas protetivas de urgência independem da prática de uma infração penal (crime ou contravenção), podendo ser deferidas em expediente apartado, nos termos do artigo 18 da Lei 11.340/2006. Contudo, isso não seria aplicável, posto que tal entendimento denota o afastamento entre polícia judiciária e a mulher vítima de violência doméstica.
Observa-se que dificilmente a polícia levará a cabo uma informação de violência doméstica que não constitua crime ou contravenção, até por ausência de atribuição para tanto, nos termos do disposto no art. 10 da Lei 11.340/2006: “na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a Autoridade Policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis”.
Outro argumento daqueles que defendem a natureza eminentemente cível das medidas protetivas, assim como sua característica de tutela antecipada, é de que, uma vez arquivado o inquérito policial ou extinta a ação penal, não poderiam as medidas protetivas ser extintas, pois, se isso acontecesse, culminaria na ausência da proteção estatal às vítimas.
A 4º Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de Recurso Especial (REsp 1419421/GO), entendeu que as medidas protetivas previstas na Lei nº. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de notícia de crime, inquérito, processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor[4].
A dificuldade de se fazer coro com este entendimento se apresenta na medida em que, extinta a punibilidade do indiciado ou réu, seja pela incidência da prescrição ou porque a ofendida se retratou da representação, não cabe às medidas protetivas continuar com a restrição de direitos do acusado, se este não representa mais um risco à integridade física e psicológica da mulher, havendo hipóteses em que a própria vítima se reconciliou com o acusado, resolveu desistir das medidas protetivas, por qualquer outra razão, ou simplesmente apresentou desinteresse tácito na sua manutenção.
Ora, tendo as medidas protetivas da Lei Maria da Penha natureza cautelar, ou seja, visando a preservação do proveito prático do processo e a garantia da eficácia da decisão final, são marcadas pelas características da urgência, preventividade, provisoriedade e instrumentalidade. Assim, devem ser aplicadas excepcionalmente e em caráter de urgência, no intuito de garantir a integridade física e moral da vítima de violência doméstica e, ainda, assegurar a eficácia do provimento jurisdicional constante da sentença.
Vale transcrever trecho da obra publicada por Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:
As medidas elencadas neste dispositivo são adjetivadas pelo legislador como de urgência, assim como aquelas previstas no art.23 e 24 da lei. Analisando as cautelares em geral, salienta Antonio Scarance Fernandes que 'são providências urgentes com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte, evitando que se realize, assim, a finalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional justa. (Violência Doméstica - Lei Maria da Penha Comentada artigo por artigo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2008)
A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em sede de Apelação Criminal nº. 1.0223.07.232286-8/001, decidiu que as excepcionais medidas protetivas do artigo 22 da Lei 11.340/06, consistentes na proibição de determinadas condutas ao agressor (inciso III), têm natureza cautelar, ou seja, visam assegurar o proveito prático do processo e garantir a eficácia da decisão final, devendo perdurar, pois, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sob pena de desvirtuamento do seu caráter cautelar e de se tornarem mais gravosa para o acusado do que a própria sanção penal[5].
Não se pode olvidar que cada uma destas medidas se comportam de maneira diferente, sendo que as numeradas nos incisos I, II, III, são de natureza penal, e as previstas nos incisos IV e V são de natureza civil, próprias do direito de família.
Apesar de as medidas protetivas apresentarem natureza cautelar, em vista de sua urgência e do caráter acessório, reza o melhor entendimento que não seguem, necessariamente, o rito das cautelares civis, não havendo limite temporal para se intentar a ação principal (penal) – bastando que haja sua possibilidade – podendo perdurar durante a execução da pena enquanto houver a necessidade e interesse da vítima em face do agressor.
Ao discorrer sobre o processamento das medidas protetivas, Maria Berenice Dias aduz que, ao ser encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de medida protetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como medida protetiva de urgência, ou expressão similar que permita identificar sua origem. Assim, o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária, eis que a Lei Maria da Penha prescreve, em seu art. 13, que “ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil”[6].
Impende destacar, quanto à natureza cautelar, que a ratio legis atinge sua máxima efetividade quando as medidas protetivas são consideradas acessórias à prática de uma infração penal e não simplesmente garantidoras do direito material da ação principal (rito processual cível ou criminal), isso porque o inquérito policial, bem como o processo criminal, não depende das protetivas, mas sim o contrário.
A Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, recentemente, na Apelação Criminal nº. 1.0024.10.235577-3/001, ao manter a decisão de revogação das medidas protetivas, consignou que estas possuem caráter cautelar e natureza acessória, não podendo perdurar se não subsistir a ação principal[7].
Mais uma vez, é importante apresentar outra lúcida decisão da Corte Mineira, em sede de Agravo de Instrumento, ao decidir que as medidas protetivas possuem feição cautelar e natureza acessória, não podendo subsistir se a ação principal, que se tem em mira tutelar, se revelar inviável[8].
No mesmo sentido, também não poderia perdurar as medidas protetivas concedidas nos casos em que a vítima deixasse transcorrer in albis o prazo para oferecer a representação ou que dela se retratasse, na forma do art. 16 da Lei Maria da Penha.
De se gizar que, para que as medidas protetivas de urgência não sejam revogadas, como se infere do nomen juris, necessária a atualidade das agressões e a persistência do risco e urgência.
Contudo, no que tange à duração das medidas protetivas, Sérgio Ricardo de Souza[9], destacou que a medida aplicada deve perdurar durante toda a vigência da ação penal, caso não seja constatada sua desnecessidade (interesse da ofendida). E, verificando o magistrado, por ocasião da sentença condenatória penal, que a medida de natureza predominantemente penal continua sendo necessária, poderá prorrogá-la por tempo razoável, dentro do período de execução da pena imposta.
A Terceira Câmara Criminal, nos Embargos de Declaração nº. 1.0319.11.001491-1/002, acolheu parcialmente o recurso, fundamentando que as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha têm natureza cautelar e, portanto, devem perdurar durante o inquérito policial e a ação penal, todavia, se extinguem com o trânsito em julgado da sentença condenatória, somente podendo ser mantidas de forma excepcional e fundamentada[10].
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina também já decidiu que as medidas protetivas de urgência fixadas em determinada ação não podem ser estendidas por tempo indeterminado. Assim, no momento da prolação de sentença condenatória ficam superadas as medidas protetivas de caráter predominantemente penal, esgotando-se a sua validade, salvo no caso de comprovada necessidade de prorrogação por tempo razoável, dentro do período de execução da pena imposta. Conclui-se, por consequência, que as medidas protetivas não podem ser eternas, pois, apesar de serem satisfativas, são medidas cautelares emergenciais que visam proteger a mulher pelo tempo necessário à satisfação de sua segurança[11].
Destarte, sobretudo quando se tratar de medidas protetivas de natureza penal, o tempo de duração é limitado pela situação de violência sofrida pela mulher, ou seja, ela vigorará enquanto perdurar a situação que ensejou sua concessão, contudo, uma vez extinto o processo criminal, restarão prejudicadas.
Noutro giro, outro questionamento acerca do tema está relacionado às medidas protetivas de caráter eminentemente cível, como a prevista no artigo 22, inciso IV, da Lei n.º 11.340/06 (suspensão ou restrição do direito de visitas) quando analisadas pelo Juízo Criminal.
A cautela exigível na situação mencionada acima é que só ocorra a concessão de tais medidas mencionadas acima quando há indícios da prática de violência doméstica e, mesmo assim, sempre dentro dos razoáveis limites ditados pelo próprio escopo da Lei Maria da Penha. Com isso, pretende-se afastar qualquer ingerência excessiva, tão indevida quanto não recomendável, em demanda que, por essência, ostenta natureza cível.
Registre-se en passant que a regulamentação do direito de visitas, por exemplo, não deve constituir objeto de feitos em que se discute a necessidade das medidas protetivas, não só pelo limitado espectro de cognição invariavelmente observado em processos dessa natureza, mas também pela existência de via própria e adequada, no juízo cível, para o exame da importante questão.
Sendo a medida protetiva de caráter cível e havendo contrariedade entre esta e uma posterior proferida pelo juízo cível, prevalecerá esta última, já que a primeira atende apenas a uma situação de urgência, exigindo apenas um lastro probatório mínimo, enquanto a segunda exige uma cognição suficiente a análise do pleito.
Destarte, em qualquer caso, deve ser observado um mínimo de comprovação, tanto da situação de violência, quanto da necessidade das medidas protetivas. Ipso facto, a constatação do fato previsto na norma só é possível mediante um mínimo suporte probatório. Caso contrário, o indeferimento das medidas protetivas de urgência se impõe, sob pena de violação ao direito de terceiros. Com efeito, não se pode olvidar que o réu também é sujeito de direitos, e possui diversas salvaguardas constitucionais, dentre as quais a presunção de inocência, a ampla defesa e o direito ao devido processo legal.
A missão do intérprete, no caso da Lei Maria da Penha, deve pautar-se pela busca da conciliação entre todos esses princípios, pois, se por um lado, a Carta Magna desejou assegurar especial proteção e assistência à família, por outro, também determinou coibir a violência no âmbito de suas relações.
Conclusão
Diante do exposto, nota-se que, tendo o legislador sido omisso quanto à natureza cautelar/acessória e satisfativa/autônoma das medidas protetivas de urgência, ainda persiste divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.
Deve-se, em cada caso concreto, atentar-se aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade de aplicação das medidas protetivas e, principalmente, ao fim pretendido pela legislação especial, qual seja, a existência de uma situação de violência que demanda urgência na proteção, já que considerando unicamente as declarações da ofendida não se pode inferir que seja necessária a aplicação destas, sob pena de afronta aos princípios da presunção de inocência e do devido processo legal.
Para tanto, nada mais coerente do que considerar as medidas protetivas acessórias à ação penal, condicionada à demonstração de sua efetiva urgência e necessidade, em face de violência atual ou iminente. O que deve existir é o fumus commisi delicti, uma situação de risco para a vítima, que necessita de proteção do Estado, uma vez que está presente o requisito da medida cautelar criminal, o periculum libertatis, traduzido no risco à integridade física ou psicológica da vítima de violência doméstica.
De todo modo, não há como perder de vista o fato de que, retirar a natureza cautelar e acessória das medidas protetivas, poderia resultar em medidas inócuas, conflitantes com demais searas, indeterminadas temporalmente, bem como ofensivas aos princípios constitucionais acima mencionados.
É cediço que as medidas cautelares de urgência têm caráter provisório, visando assegurar a efetiva proteção que a Lei promete à mulher, logo, embora a Lei nº 11.340/06 não fixe prazos, só devem perdurar enquanto houver ação penal em curso, até porque sua manutenção por prazo indefinido e sem justificativa geraria ônus excessivo e desproporcional ao indiciado/acusado.
Importante observar, ainda, que a competência dos juízos criminais se limita a decidir acerca dessas medidas urgentes de violência, diante da prática de um delito desse jaez, que antes eram processadas nas varas de família. As ações principais e demais medidas cautelares de natureza eminentemente cível, devem manter-se no juízo de família.
A violência doméstica praticada contra a mulher é fato que não pode ser desprezado e, muito menos, banalizado. Resultado de uma sociedade desenvolvida sobre alicerces patriarcais, a situação de hipossuficiência das mulheres, ainda presente em nosso país, é justificativa suficiente à defesa da legitimidade da técnica legislativa adotada. No entanto, o tratamento diferenciado por razões de gênero, com a consequente aplicação das medidas aqui tratadas, somente deve ser admitido naqueles casos em que encontre a violência externada na forma da infração penal, com todos os seus contornos, restando claro, ainda, o interesse da vítima e a existência da urgência da situação (risco atual ou iminente).
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica - Lei Maria da Penha Comentada artigo por artigo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2008
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei nº. 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 2ª ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
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LAVIGNE, Rosane Maria Reis. Lei Maria da Penha: o movimento de mulheres chega ao Poder Judiciário. José Ricardo Cunha (org.). Direitos Humanos e Poder Judiciário no Brasil: Federalização, Lei Maria da Penha e Juizados Especiais Federais. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, Centro de Justiça e Sociedade, 2009.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 17. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2008.
http://www.tjsc.jus.br
[1] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
[3] TJMG - Apelação Criminal 1.0024.12.022221-1/001, rel. Des. Sálvio Chaves, 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/05/2015, publicação da súmula em 15/05/2015.
[4] REsp 1419421/GO, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 11/02/2014, DJe 07/04/2014.
[5] TJMG, AP n.º 1.0223.07.232286-8/001(1) Relator: Renato Martins Jacob, data da publicação: 09/01/2009.
[6] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 140.
[7] TJMG - Apelação Criminal 1.0024.10.235577-3/001, Relator: Des.Rubens Gabriel Soares , 6ª Câmara Criminal, julgamento em 05/05/2015, publicação da súmula em 15/05/2015.
[8] TJMG - Agravo de Instrumento 1.0024.10.254016-8/001, Relator: Des. Furtado de Mendonça; 6ª Câmara Criminal, julgamento em 24/04/2012, publicação da súmula em 01/06/2012.
[9] SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. 2.ed. Curitiba:
Juruá, 2008. p. 139.
[10] TJMG - Embargos de Declaração-Cr 1.0319.11.001491-1/002, Relator: Des. Antônio Armando dos Anjos, 3ª Câmara Criminal, julgamento em 13/08/2013, publicação da súmula em 23/08/2013.
[11] Habeas Corpus n.2008.028250-3, de Garopaba, rel. Des. Torres Marques.
Pós-graduada em Direito Público pela ANAMAGES (Associação dos Magistrados Estaduais) - Newton Paiva -, em Direito Ambiental pelo CAD (Curso de Atualização em Direito) - Universidade Gama Filho -, bem como em Direito Penal e Processo Penal além de Direito da Criança, do Adolescente e do Idoso, ambos pela UCAMPROMINAS - Universidade Cândido Mendes. Já trabalhou como Oficial Judiciária no Tribunal de Justiça de Minas Gerais de agosto de 2003 a dezembro de 2010, quando foi nomeada para exercer funções de Analista de Direito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Laura Maria Machado. A cautelaridade das medidas protetivas da Lei nº. 11.340/06 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45043/a-cautelaridade-das-medidas-protetivas-da-lei-no-11-340-06. Acesso em: 22 nov 2024.
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