Resumo: o presente artigo pretende tratar da alteração do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que atribuiu nova competência às Turmas e desenvolver os principais fundamentos que justificaram a sua proposição e posterior aprovação.
Palavras chave: STF – Turmas – Competência – CNJ.
Introdução
O Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou Emenda Regimental[1] que transfere às Turmas a competência para julgar ações contra o CNJ, ressalvada a competência originária do Pleno para apreciar ações contra decisões monocráticas do Presidente do Conselho, por ser também o Presidente do STF. A discussão que levou à proposição da emenda regimental surgiu após o julgamento de quatro Mandados de Segurança (MS 28375, 28330, 28290 e 28477) em que se manteve ato do CNJ sobre regra de concurso para cartórios em Goiás. Durante o julgamento, os Ministros manifestaram preocupação com o fato de terem gasto uma sessão inteira discutindo interesses meramente individuais enquanto inúmeros outros processos aguardavam em pauta para serem julgados. Diante disso foi proposta emenda regimental para transferir a competência para julgar esses processos para as Turmas e desafogar o Plenário.
Dentre as questões suscitadas pelos Ministros durante o julgamento dos Mandados de Segurança está a preocupação, como apontada pelo Ministro Gilmar Mendes, com a disfuncionalidade do Tribunal, explicitada pelo fato de haver mais de 700 processos em pauta, liberados há mais de 10 anos, aguardando julgamento.[2] Nessa linha, em seu voto, o Ministro Ricardo Lewandowski, expôs:
[…] que o Supremo Tribunal se vê debruçado, por toda uma sessão, ou seja, um Poder da República, sobre uma questão que diz respeito a interesses individuais; que vem aqui, no Plenário da Casa, por meio de um mandado de segurança, que já foi examinado exaustivamente por um Conselho da mais alta hierarquia constitucional de nossa República e volta a ser discutido e rediscutido por todos os integrantes da Suprema Corte do País. Algo precisa ser feito para pormos cobro a essa situação. (LEWANDWOSKI, 2013, p. 97)
Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio afirmou também que o STF estaria se tornando órgão revisor do CNJ, função completamente distorcida, principalmente quando se leva em consideração o número de processos que aguardam em pauta para serem julgados. O Ministro Dias Toffoli ressaltou ainda que o fato de o Presidente do CNJ ser também Presidente do STF não é motivo para o Plenário julgar todas as ações contra o Conselho.
Sendo unanimidade a necessidade de transferência do julgamento para as Turmas, a emenda regimental foi consolidada e proposta formalmente para deliberação em sessão administrativa.
Durante a discussão para aprovação da emenda, duas questões se destacaram: (i) a competência do Plenário para julgar as ações de natureza objetiva, sendo as de natureza subjetiva de competência das Turmas; e (ii) a importância de conferir maior agilidade ao julgamento dos processos. A partir de agora, portanto, pretende-se tratar de forma mais aprofundada essas duas questões.
Desenvolvimento
De acordo com o art. 102 da Constituição Federal de 1988, compete ao STF, precipuamente, a Guarda da Constituição. Refletindo a hierarquia do seu parâmetro de julgamento - a Constituição Federal - o Supremo Tribunal Federal é a mais alta Corte nacional e, consequentemente, costuma ser o autor dos julgamentos de maior relevância jurídica, política, social e econômica.
Diante disso, é compreensível a busca do STF por um método de triagem que permita identificar as ações de maior relevância - capazes de refletir e resolver controvérsias de grande repercussão - e concentrar os esforços de julgamento nessas ações. Aparentemente, as ações de natureza objetiva têm sido o alvo do Plenário da Suprema Corte.
Osmar Côrtes, em seu livro Recursos para os Tribunais Superiores: recurso extraordinário, recurso especial, embargos de divergência e agravos, ensina que as ações ditas de natureza subjetiva estão ligadas a uma relação processual concreta, enquanto as ações de natureza objetiva não estão vinculadas ao processo que as originou, tampouco à vontade das partes, servindo ao interesse público. Contudo, há uma forte tendência jurisprudencial nos tribunais superiores de aproximação dessas duas naturezas processuais através, principalmente, da objetivação do processo civil - o qual é intrinsecamente dispositivo.
A partir da proposição de ações, seja em sede de controle de constitucionalidade ou em sede recursal, as partes perderiam a faculdade de dispor de suas ações em nome do interesse público. A função do STF de guardião da Constituição, portanto, justificaria a mitigação do princípio subjetivo.
O julgamento do RE 388.830/RJ[3] confirmou essa orientação ao afirmar que o recurso extraordinário “deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva”
Conforme apontado por José Miguel Medina, institutos como a Repercussão Geral e a modulação de efeitos no controle difuso consolidam esse processo de objetivação, pois os julgamentos de recursos extraordinários deixam de interessar apenas ao recorrente e ao recorrido e passam a ser de interesse de “todos aqueles que se envolvem em situação jurídica em que a tese firmada pelo STF será, muito provavelmente, aplicada” (MEDINA, 2013).
Diante da importância atribuída aos julgados do STF, principalmente aos do órgão plenário, a tentativa de seleção de ações que de fato possuam maior relevância jurídica, política, social e econômica se mostra arrazoada e condizente com a busca por maior funcionalidade e agilidade do Tribunal.
Contudo, ao se mencionar funcionalidade e agilidade, outra questão se mostra relevante: a grande importância e atuação do STF acarreta alguns problemas. Dentre os principais desafios enfrentados pelos Ministros está julgar, em tempo razoável, o enorme número de processos autuados e pautados na Suprema Corte.
O princípio da razoável duração do processo é previsto pela Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica - em seu art. 8º, 1, e pelo Tratado de Roma em seu art. 6º, 1. Ambos tendo sido recepcionados pelo direito pátrio com força constitucional, como explica Flávia Piovesan:
A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais, de que o Brasil é parte, conferindo-lhes hierarquia de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previsto, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais (PIOVESAN, 2000, p. 79-80)
A razoável duração do processo também encontra previsão no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal de 1988: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Fredie Didier Junior postula que “processo devido é, pois, processo com duração razoável” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 58) fazendo, contudo, a reflexão de contraponto de que “não existe um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido/célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional” (DIDIER JUNIOR, 2010 p.59).
Diante do apresentado, percebe-se que o princípio da razoável duração do processo é de grande importância, sendo alvo de atenção tanto da legislação nacional quanto internacional, assim como da doutrina. Esse princípio visa, principalmente, efetividade da prestação jurisdicional, combinando celeridade e devido processo legal.
Ao aprovarem a emenda regimental em questão, os Ministros do STF tinham por objetivo, como já destacado, desafogar a pauta do plenário e, consequente, permitir que (i) tanto as questões de competência originária do órgão plenário recebessem a atenção devida, por se tratarem de ações de natureza objetiva e relevância jurídica, política, social ou econômica mais ampla (ii) quanto as ações de caráter meramente subjetivo fossem julgadas de forma mais célere e eficaz pela condição das Turmas de oferecer análise e julgamento mais ágeis dos casos.
Como bem colocado por Humberto Theodoro Júnior: “não basta, outrossim, preocupar-se com a perseguição da solução de mérito, é indispensável que ela seja quanto antes alcançada, evitando-se procrastinações incompatíveis com a garantia de pleno acesso à Justiça prometida pela Constituição (CF, art. 5º, XXXV)” (THEODORO JÚNIOR, 2013, p. 34).
Uma breve análise do número dos processos em pauta no Plenário do Supremo Tribunal Federal explicita quão preocupante é a situação da Corte e torna mais clara a necessidade de mudanças. De acordo com estatística do site do próprio STF, há 640 processos na pauta do Plenário. Dos 640 processos, 216 foram autuados em 2004 ou antes (ou seja, há 10 anos ou mais), sendo o mais antigo de 1988. Os dados quanto ao ano de inclusão na pauta estão relacionados na tabela a seguir:
Ano de inclusão |
Quantidade |
2014 |
133 |
2013 |
105 |
2012 |
140 |
2011 |
119 |
2010 |
32 |
2009 |
38 |
2008 |
34 |
2007 |
15 |
2006 |
9 |
2005 |
1 |
2004 |
1 |
2003 |
8 |
2002 |
4 |
2000 |
1 |
Soma: |
640 |
Fonte: site do STF[4]
Percebe-se que a alteração regimental era necessária para garantir maior agilidade, efetividade e até razoabilidade à prestação jurisdicional desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal. A ampliação da competência das Turmas do STF é na realidade um fenômeno que parece ganhar força e que já foi comprovado possuir bons resultados. Em relação a isso o Ministro Celso de Mello cita a mudança regimental que transferiu às Turmas a competência para julgar casos de extradição, alteração que foi demonstrada “exitosa” devido à efetiva capacidade das Turmas em julgar os casos com maior agilidade.
Nesse mesmo sentido, durante o debate para aprovação da Emenda Regimental, foi proposta ampliação da emenda para que pudesse abarcar também ações contra atos individuais do Presidente da República e dos Presidentes da Câmara e do Senado, assim como casos de conflitos entre União, Estados federados e DF, entre uns e outros ou entre os respectivos órgãos da Administração Indireta. O almejado pelos Ministros é aumentar a agilidade dos processos decisórios e a funcionalidade do plenário.
O Ministro Celso de Mello defendeu, ainda, que o Plenário deve se restringir a um número mínimo das ações mais relevantes, em outras palavras, como colocado pelo Ministro Barroso, o Plenário tem de cuidar de Repercussão Geral e processos objetivos, isso daria racionalidade e funcionalidade à atuação dos ministros do STF. O Ministro Celso de Mello, contudo, apresentou a possibilidade de determinados casos serem deslocados para o Plenário a pedido das partes ou por afetação dos próprios juízes.
Conclusão
O objetivo dos juízes, longe de se negligenciar as ações meramente individuais, é na realidade conferir a essas ações julgamento em tempo mais razoável. A transferência dessas ações às Turmas traz benefícios também ao Plenário ao desafogar sua pauta e permitir que os Ministros possam analisar de maneira mais eficiente aquelas ações que possuem maior relevância.
A busca pelo julgamento de ações de natureza objetiva reflete a tentativa de se concentrar em ações que resolvam controvérsias de grande repercussão ou que representem julgados de importância para além das partes dos processos. Em última instância, a procura pela objetividade das ações destinadas ao julgamento do Plenário reflete a função do STF de guardião da Constituição.
A completa e eficiente prestação jurisdicional pressupõe uma boa organização judiciária, portanto, a discussão de propostas que visem a maior funcionalidade do órgão julgador, como a emenda regimental em questão, vão de encontro aos princípios constitucionais de razoável duração do processo e acesso à justiça. A procura por soluções que proporcionem uma boa atuação da Suprema Corte é bastante relevante, principalmente quando se tem em mente a quantidade de processos pautados no Plenário do STF aguardando julgamento.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
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CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Recursos para os Tribunais Superiores: recurso extraordinário, recurso especial, embargos de divergência e agravos. 2ª edição. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2014.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 12ª edição. Bahia: JusPodivm, 2010.
Direto do Pleno. Pleno - STF aprova emenda regimental que acrescenta competências às Turmas. STF. 2014. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=a2J12fRxoRY> Acessado em: 17 de jun. de 2014, às 20h.
Estatísticas STF. Pauta do Plenário. Supremo Tribunal Federal. <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pautapleno> Acessado em: 17 de jun. de 2014, às 20h20.
MEDINA, José Miguel Garcia. Deve caber repercussão geral sempre que houver divergência. Conjur. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-nov-11/processo-caber-repercussao-geral-sempre-houver-divergencia> Acessado em: 03 de jul. de 2014, às 23h23.
PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ª ed. São Paulo, SP: MaxLimonad, 2000.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2013.
Notícias
Ações contra atos do CNJ serão de competência das turmas do STF. Migalhas. 2013. Disponível em:<http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI191819,61044-Acoes+contra+atos+do+CNJ+serao+de+competencia+das+turmas+do+STF> Acessado em: 17 de jun. de 2014, às 20h.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF: Turmas do Supremo tiveram competências ampliadas nos últimos anos. Supremo Tribunal Federal. 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=258362> Acessado em: 17 de jun. de 2014, às 20h.
[1] Processo nº 353.117 julgado na sessão administrativa do dia 28 de maio de 2014
[2] Dados apresentados pelos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio no julgamento dos MS
[3] 2.ª Turma., rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.02.2006
[4] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pautapleno acessado em 17 de junho de 2014, às 20h20. O site do STF disponibiliza ainda uma relação dos processos na pauta autuados antes de 1995 em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pautapleno1995
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Caroline de Lima. Racionalidade e funcionalidade no Supremo Tribunal Federal: novas competências para as Turmas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 set 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45101/racionalidade-e-funcionalidade-no-supremo-tribunal-federal-novas-competencias-para-as-turmas. Acesso em: 23 dez 2024.
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