RESUMO: O presente trabalho trata do controle de constitucionalidade difuso. O objetivo do estudo é demonstrar a importância da realização do controle – facultado a qualquer juiz ou Tribunal – consistindo em uma intervenção necessária, quando as normas derivadas não encontram amparo na Constituição. O mecanismo de controle de constitucionalidade jurisdicional, desempenhado por todos os órgãos do Poder Judiciário busca a compatibilidade vertical. Logo, a norma inferior deve seguir a hierarquia de valores e princípios insculpidos na Lei Maior.
Palavras-chave: Controle de constitucionalidade difuso. Constituição de 1988. Supremo Tribunal Federal. Juiz.
INTRODUÇÃO
O sistema jurídico brasileiro organiza-se de forma hierarquizada, encontrando-se a Constituição Federal no ápice de todo o ordenamento, porquanto é o fundamento de validade a outra norma de verticalidade inferior – é a denominada compatibilidade vertical -, que, todavia, para que seja efetivada, reclama uma jurisdição constitucional, que consiste na revisão judicial dos atos normativos, feita por meio de controle repressivo, que é a regra.
O controle de constitucionalidade é extremamente importante num Estado Democrático de Direito, e tem objetivo solucionar os conflitos de interpretação das leis incorporadas ao nosso ordenamento jurídico com os valores substanciais da Constituição Federal.
CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O Controle de constitucionalidade encontra-se veiculado ao princípio da supremacia da constituição. Tal princípio defende que a Constituição é o vértice do sistema jurídico no país, sendo que todas as normas infraconstitucionais devem respeitar e ser compatível com a carta magna.
O princípio da supremacia hierárquica ou formal da Constituição está relacionado à rigidez das normas constitucionais, fornecendo o ambiente institucional favorável à efetivação do sistema de controle de constitucionalidade.
O controle é exercido pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, através do controle preventivo e repressivo (político e judicial), e consiste em verificar a compatibilidade material e formal entre a norma e a constituição vigente no momento de sua criação.
A Constituição brasileira é do tipo rígida, por exigir um procedimento mais difícil para sua modificação do que aqueles procedimentos exigidos para as normas infraconstitucionais.
Doutrina SILVA:
Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o Governo federal, nem o Governo dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação nacional só serão válidas se conformarem com as normas da Constituição Federal. (2009: p. 926)
A inconstitucionalidade pode ser de natureza formal (dividida em subjetiva e objetiva) e material.
Na inconstitucionalidade formal subjetiva o vício encontra-se no autor que deu iniciativa à edição da norma, ou seja, a lei é criada por pessoa que não tem competência constitucional. Na inconstitucionalidade formal objetiva o vício encontra-se no desrespeito a uma das regras estabelecidas no processo legislativo.
A inconstitucionalidade material ou substancial ocorre quando a matéria tratada na lei está em desconformidade com a Constituição da República.
FUNDAMENTOS PARA A EXISTÊNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Hans Kelsen, jurista e filósofo austríaco, foi quem defendeu que a Constituição Federal ocupa o topo do ordenamento jurídico, fato derivado do princípio da “Supremacia da Constituição”. Logo, todo ato normativo inferior deve estar em concordância com as regras e princípios da norma matriz, é a denominada hierarquia vertical na “Pirâmide de Kelsen”.
O fundamento para a existência do controle de constitucionalidade é retirado de uma norma hipotética situada no plano lógico-jurídico do direito suposto, abstrato, hipotético, ao passo que a Constituição propriamente dita está no plano jurídico-positivo, ou seja, do direito posto.
Assim, o primeiro fundamento para a existência de um controle de constitucionalidade reside na supremacia da Constituição. O segundo fundamento é a rigidez constitucional e o terceiro fundamento para a existência do controle é que exista um órgão com a atribuição de competência para a solução de problemas de incompatibilidades entre normas infraconstitucionais e a Lei Maior, que, no sistema de controle judicial e pelo método abstrato, é realizado, no Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal, consoante estatuído no inciso I do artigo 102 da Constituição Federal, e que, no método difuso, é facultado a todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, ou seja, de qualquer grau de jurisdição, e, em instância derradeira, também ao STF.
O surgimento na doutrina do controle de constitucionalidade das leis teve início na Inglaterra, entretanto, foi a jurisprudência norte-americana (common law) que a desenvolveu, pelo método difuso, no primeiro precedente: o julgamento do caso Marbury v. Madison, que, consoante relata LENZA:
John Adams, presidente dos EUA, foi derrotado na eleição presidencial por Thomas Jefferson.
Adams resolveu, antes de ser sucedido por Jefferson, nomear diversas pessoas ligadas ao seu governo como juízes federais, destacando-se William Marbury, cuja “comissão” para o cargo de “juiz de paz” do condado de Washington foi assinada por Adams, sem, contudo, ter-lhe sido entregue.
Jefferson, por sua vez, ao assumir o governo, nomeou James Madison como seu Secretário de Estado e, ao mesmo tempo, por entender que a nomeação de Marbury era incompleta até o ato da “comissão”, já que esta ainda não lhe havia sido entregue, determinou que Madison não mais efetivasse a nomeação de Marbury.
Naturalmente, Marbury acionou Madison pedindo explicações. Sem resposta, Marbury resolveu impetrar writ of mandamus, buscando efetivar a sua nomeação.
Depois de longos anos, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América resolveu enfrentar a matéria. John Marshall, Chief Justice, em seu voto, analisou vários pontos, dentre os quais a questão de se a Suprema Corte teria competência para apreciar ou não aquele remédio de writ of mandamus.
Isso porque, segundo a Constituição dos EUA, “o Supremo Tribunal terá jurisdição originária em todas as causas concernentes a embaixadores, outros públicos e cônsules, e nos litígios em que for parte um Estado. Em todas as outras causas, o Supremo Tribunal terá jurisdição em grau de recurso”.
Ou seja, na prática, pela primeira vez teria a Suprema Corte de analisar se deveria prevalecer a lei (seção 13 do Judiciary Act, de 1789, que determinava a apreciação da matéria pela Suprema Corte) ou a Constituição de 1787, que não fixou tal competência originária, em verdadeiro conflito de normas.
Até então, a regra era a de que a lei posterior revogava a lei anterior. Assim, teria a lei revogado o artigo de Constituição que tratava das regras sobre competência originária?
Depois de muito meditar, inclusive sobre o papel da Constituição escrita, Marshall conclui: “assim, a ‘fraseologia’ particular da Constituição dos Estados Unidos confirma e corrobora o princípio essencial a todas as constituições escritas, segundo o qual é nula qualquer lei incompatível com a Constituição; e que os tribunais, bem como os demais departamentos, são vinculados por esse instrumento”.
Assim, pode-se afirmar que a noção e ideia de controle difuso de constitucionalidade, historicamente, deve-se ao famoso caso julgado pelo Juiz John Marshall da Suprema Corte norte-americana, que, apreciando o caso Marbury v. Madison, em 1803, decidiu que, havendo conflito entre a aplicação de uma lei em um caso concreto e a Constituição, deve prevalecer a Constituição, por ser hierarquicamente superior. (2010: págs. 223/224)
O direito norte-americano – em 1803, no célebre caso Marbury v. Madison, relatado pelo Chief Justice da Corte Suprema John Marshall – afirmou a supremacia jurisdicional sobre todos os atos dos poderes constituídos, inclusive sobre o Congresso dos Estados Unidos da América, permitindo-se ao Poder Judiciário, mediante casos concretos postos em julgamento, interpretar a Carta Magna, adequando e compatibilizando os demais atos normativos com suas superiores normas.
Posteriormente, em 1920, a Constituição austríaca criou, de forma inédita, um tribunal – Tribunal Constitucional – com exclusividade para o exercício do controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos, em oposição ao sistema adotado pelos Estados Unidos, pois não se pretendia a resolução dos casos concretos, mas a anulação genérica da lei ou ato normativo incompatível com as normas constitucionais. (2010: págs. 715/716)
No Brasil, a Constituição de 1934 introduziu o modelo concentrado ou abstrato, e o modelo difuso foi introduzido pela Constituição Federal de 1891.
Atualmente, o modelo adotado é o misto ou híbrido, permitindo o controle na modalidade concentrada e difusa. A Constituição de 1988 permite que os dois tipos de controle convivam harmonicamente, sem se anularem.
Em relação à natureza do controle de constitucionalidade, os doutrinadores dividem em político (exercido por órgão alheio ao Judiciário), jurisdicional (órgão do Poder Judiciário), e por fim, misto, que contem normas reservadas ao controle político, e outras reservadas ao controle jurisdicional.
Em relação ao momento, o controle pode ocorrer antes da promulgação da lei, chamado de controle preventivo, prévio ou a priori, e é realizado durante a tramitação do projeto de lei. O controle preventivo pode ser exercido por qualquer um dos três poderes
O controle que ocorre depois da promulgação da pena é o repressivo, e normalmente é exercido pelo Poder Judiciário, por meio dos controles difuso e concentrado, o controle repressivo pode ser feito, excepcionalmente, também pelos Poderes Legislativo e Executivo.
Em relação ao Poder Legislativo, o controle repressivo admite duas exceções à regra geral: a primeira verifica-se na competência exclusiva atribuída ao Congresso Nacional para “[...] sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa [...]” (inciso V do artigo 49 da CF/88), e, a segunda, é que, conforme LENZA:
[...] está prevista no art. 62 da CF/88. [...] em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (poder legislativo). Entendendo-a inconstitucional (vejam: as medidas provisórias têm força de lei), o Congresso Nacional estará realizando controle de constitucionalidade. Trata-se de exceção à regra geral, haja vista que, nessa hipótese, o controle não é exercido pelo Judiciário (lembrem: o Brasil adotou o sistema de controle jurisdicional misto), mas sim pelo Legislativo. (2010: págs. 218/219)
O Supremo Tribunal Federal admite o controle jurisdicional sobre este controle feito pelo Legislativo, por ser o Poder Judiciário brasileiro dotado de definitividade.
O Tribunal de Contas, na sua competência de fiscalização e como órgão auxiliar do Poder Legislativo, pode realizar também o controle repressivo, de acordo com a Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal, que enuncia: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.
MÉTODOS DE CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE ADOTADOS PELO BRASIL
O controle jurisdicional é realizado por um juiz e/ou por um Tribunal do Poder Judiciário. O controle em face da Constituição Federal compete apenas ao Supremo Tribunal Federal. A ofensa à Constituição Estadual compete ao Tribunal de Justiça estadual, que também será competente, no controle difuso, em defender a Constituição Federal.
O controle difuso exige uma ação específica ou uma petição para que ocorra a análise da inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo infraconstitucional, uma vez que pode ser realizado em qualquer ação em trâmite e a qualquer tempo pelo juiz singular ou pelo Tribunal, mesmo não sendo invocado pelas partes.
O controle concentrado de constitucionalidade exige uma ação específica. São cinco os meios de se proceder ao controle de constitucionalidade. Vejamos:
1) Adin – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (Lei 9.868/99) – tem por princípio discutir, abstratamente, a validade de uma lei (federal ou estadual) em face da Constituição da República.
2) Adin por Omissão – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão (Lei 9.868/99) – tem por finalidade suprimir lacuna que, por força de comando contido na Constituição, já deveria ter sido preenchida;
3) ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade (Lei 9.868/99) – tem como objeto decidir acerca de controvérsia judicial existente em torno de uma lei ou de um ato normativo do Poder Público;
4) ADPF – Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei 9.882/99) – de acordo com o artigo 1º da Lei 9.882 de 1999, “[...] tem por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental”, sendo que o fundamento para a sua propositura é a existência de “controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”, nos termos do artigo 10 de supracitado dispositivo legal.
É usada em caráter residual, quando não existir outro meio para a solução da controvérsia.
5) Ação Declaratória Interventiva (artigo 36 da Constituição da República de 1988) tem como objetivo dar início ao processo de intervenção em algum ente da federação, que venha a desrespeitar os denominados “princípios constitucionais sensíveis” dispostos nos artigos 34 e 35 da CR/88.
Nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal o Procurador-Geral da República será ouvido previamente.
Quando o STF apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo, o Advogado-Geral da União será previamente citado. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se consolidando no sentido de que o Advogado-Geral da União pode manifestar-se livremente, não estando obrigado a defender o ato impugnado em Ação Declaratória de Inconstitucionalidade.
No presente trabalho, focaremos no controle jurisdicional na modalidade difusa.
Método de controle de constitucionalidade jurisdicional difuso
A Constituição Federal de 1981 inseriu o controle de constitucionalidade difuso, e a cada nova Constituição, o tema foi se aperfeiçoando. Em 1988, a Constituição nova trouxe inovações que misturam características das duas modalidades, cujo resultado tem sido denominado pelos doutrinadores de “objetivação”, “dessubjetivação” ou “abstrativização” do controle concreto, aberto, difuso.
O Constituinte de 1988 deu importância ao controle concentrado, ampliando a legitimação para a propositura da ação direta de constitucionalidade e a permitir que todas as controvérsias constitucionais de relevância sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal.
A atuação dos juízes monocráticos e dos tribunais inferiores no controle difuso não foi anulada, por ser de grande relevância para o Direito brasileiro.
Os legitimados ativos no controle difuso são às partes no processo em que a questão constitucional surgir como incidental/prejudicial de mérito, terceiros interessados e o Ministério Público, atuando como fiscal da Lei. Caber acrescentar, que o juiz ou o tribunal não está restrito a solicitação das partes, por ser a questão constitucional de ordem pública. Logo, pode agir no caso concreto quando reconhecer uma lei que viole da Carta Magna.
O Supremo Tribunal Federal realizará, além do controle concentrado, o controle de constitucionalidade na modalidade difusa, por meio do Recurso Extraordinário.
Princípio da reserva de plenário ou cláusula de reserva de plenário
Quando durante o andamento de algum processo, o juiz verificar que existe a argüição de inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo do Poder Público como prejudicial de mérito, deverá sobrestar o julgamento e determinar a remessa para o Pleno ou para o Órgão Especial, para que, por maioria absoluta dos membros do tribunal, possa decidir acerca da inconstitucionalidade alegada. É chamado de cláusula de reserva de plenário.
Doutrina MORAES:
A inconstitucionalidade de qualquer ato normativo estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do tribunal ou, onde houve, dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (turma, câmara ou seção), em respeito à previsão do art. 97 da Constituição Federal.
Esta verdadeira cláusula de reserva de plenário atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para todos os tribunais,via difusa, e para o Supremo Tribunal Federal, também no controle concentrado. (2010: pág. 723)
Corroborando com o disposto no artigo 97 da CR/99, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.º 10, que enuncia:
Viola a cláusula de reserva de Plenário (CF, artigo 97) a decisão do órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
A inobservância do princípio da reserva de plenário gera a nulidade absoluta da decisão judicial colegiada.
Exceção a essa regra é o artigo 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que prevê que “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.
A declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo do Poder Público, declarada na questão incidental, atinge apenas as partes daquele processo, e tem efeito ex tunc (retroativos).
Entretanto, de acordo com art. 97 da CF/88, o Supremo Tribunal Federal pode decidir, em controle concreto e por maioria de seus membros (art. 97 da CR/88), acerca da inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo do Poder Público. Para os efeitos atingirem terceiros estranhos ao processo, o Senado Federal pode editar uma Resolução prevista no inciso X do artigo 52 da Constituição da República. De competência privativa do Senado Federal, a edição da Resolução não é obrigatória.
E, por não ter o Senado Federal a obrigatoriedade para editar a Resolução suspensiva da eficácia da lei ou do ato normativo do Poder Público (ficando o sistema jurídico nacional indefinidamente com leis inconstitucionais), foi incluído, pela Emenda Constitucional 45/2004, o artigo 103-A, no texto constitucional, que preceitua no caput e no § 1º:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
No que diz respeito as decisões em controle difuso de constitucionalidade nos Tribunais estaduais, destacaremos algumas decisões. Vejamos:
1) Controle difuso referente ao artigo 27 da Lei nº 8.987/95 – a Primeira Instância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal julgou procedente ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade do artigo 27 da Lei 8.987/95. Tal artigo não exigia a prévia licitação para a transferência de concessão e de permissão de prestação de serviços públicos.
Com declaração de inconstitucionalidade do artigo, foram anuladas diversas transferências de permissão de linhas de transporte rodoviário interestadual, determinando a realização de licitação para a exploração das permissões anuladas.
2) Controle difuso referente ao artigo 2º, §1º, da Lei nº 8.072/90 - No julgamento do Hábeas Corpus nº 111840/ES, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.464/07, afastando a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crime hediondos e equiparados. Trecho do aresto de relatoria do Ministro DIAS TOFFOLI:
“[...]
Considerando o que decidido pelo Plenário deste Supremo Tribunal, parece-me que não se poderia, em hipótese de tráfico de entorpecentes, sustentar a cogência absoluta de que o cumprimento da reprimenda carcerária decorrente da prática do crime de tráfico se dê em regime inicialmente fechado, tal como preconizado no art. 1º da Lei nº 11.464/07, que alterou a redação do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90.
Há de se considerar que a própria Constituição Federal contempla as restrições a serem impostas àqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei nº 8.072/90. Dentre elas não se encontra nenhuma que verse sobre a obrigatoriedade de imposição do regime extremo para o início de cumprimento da pena.
[...]
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, deferiu a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90 com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, vencidos os Senhores Ministros Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que a indeferiam. Votou o Presidente, Ministro Ayres Britto. Plenário, 27.06.2012.
[...] (STF, HC 111.840/ES, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, julgamento: 27/06/2011)
3) Declaração incidental de inconstitucionalidade da parte final do artigo 44 da Lei nº 11.343/06 e da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritiva de direitos” contida no § 4º do artigo 33 de sobredito diploma legal – no julgamento do Hábeas Corpus nº 97.256/RS, o Plenário do STF declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da parte final do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O processo
O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individualizados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.
2. [...]
3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas., pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas sequelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.
4. [...]
5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.
[...] (STF, HC 97256, Rel. Ministro AYRES BRITTO, julgamento: 01/09/2010)
Com a decisão, o Senado Federal editou a Resolução nº 05/2012, suspendendo, tão somente, a parte final do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” contida no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, silenciando sobre a vedação prevista no art. 44 do referido dispositivo legal. Confira-se:
[...] Faço saber que o Senado Federal aprovou, e eu, José Sarney, Presidente, nos termos do art. 48, inciso XXVIII, do Regimento Interno, promulgo a seguinte
RESOLUÇÃO SENADO FEDERAL N. 5, DE 2012
Suspende, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução de parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.
O Senado Federal resolve:
Ar. 1º É suspensa a execução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 967.256/RS.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Senado Federal, em 15 de fevereiro de 2012.
Senador JOSÉ SARNEY
Presidente do Senado Federal.
[...]”
(destaques nossos).
Como o artigo 44 da Lei 11.343/2006 não foi atingido pela Resolução do Senado, ele continua em vigor.
Súmula vinculante
Inserida pela emenda Constitucional n.º 45, a Súmula vinculante, prevista no artigo 103-A, prevê a possibilidade do Supremo Tribunal Federal editar, de ofício ou por provocação dos legitimados para propositura da ação direta de inconstitucionalidade, editar súmula com efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração direta e indireta em todas as esferas. A súmula será editada quando, em casos concretos, o Supremo analise inúmeras decisões sobre normas constitucionais idênticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com as grandes transformações sociais, o Poder Judiciário passou a interpretar a lei de acordo com os princípios constitucionais e com os direitos fundamentais insculpidos na Lei Maior. Qualquer juiz ou tribunal, no controle repressivo-difuso, pode afastar a aplicação de uma determinada lei contrária à Constituição Federal, numa questão incidental surgida num processo principal.
Na atualidade, o Judiciário tem também o dever de defender a Constituição, sendo-lhe imposto garantir a coerência do ordenamento jurídico em relação à Lei Maior.
Por fim, o controle difuso de constitucionalidade levado a efeito por todos os órgãos do Poder Judiciário possibilita ao cidadão não legitimado o controle concentrado a impulsionar o afastamento de uma lei que entende estar em confronto com a Constituição da República.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Editora Método. 25ª edição: 2012.
BRASIL, Constituição da República Federativa. Site: www.planalto.gov.br/ccivil-03/constituiçao/constituição htm, acesso em 21/05/2014, às 08:45 horas
BRANDÃO, Guilherme. Da Constitucionalidade e Legitimidade da Iniciativa Popular para a Reforma da Constituição Brasileira. Senado Federal, 2011.
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição: 2010.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Editora Saraiva. 16ª edição: fev. 2012.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Atlas. 26ª edição: 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. Ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2012.
HTTP://WWW.TJMG.JUS.BR. Acesso diário
HTTP://WWW.STJ.JUS.BR. Acesso diário.
HTTP://WWW.STF.JUS.BR. Acesso diário.
Analista do Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Patrícia Gomes. O controle de constitucionalidade difuso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45130/o-controle-de-constitucionalidade-difuso. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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