INTRODUÇÃO
Trata-se de uma abordagem sobre a natureza democrática da efetivação, por parte do Poder Judiciário, dos direitos fundamentais. São direitos que se revelam, praticamente, sob a forma de princípios e, nesta qualidade, devem ser interpretados, ponderados e aplicados sem desconsiderar a possibilidade dessa aplicação contrariar a vontade majoritária.
Deste modo, verifica-se a importância de analisar o tema com base na relação existente entre os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana e o consequente imperativo em efetivá-la na esfera jurídica dos cidadãos. Portanto, jorram direitos de defesa, de participação e de prestações que, seja por parte do Estado ou dos próprios particulares, devem ser observados na missão de preservar o mínimo que cada pessoa necessita para ter a garantia de uma vida digna.
Para melhor focalizar o tema faz-se necessário pontuar a exteriorização dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico que, em regra, se dá na forma de norma princípio. Por conseguinte, como fenômenos intrínsecos à efetivação dessas espécies normativas, vislumbra-se a acuidade de temas como a teoria dos princípios, ponderação, argumentação, proporcionalidade, razoabilidade etc.
Nessa linha, os princípios são analisados, em harmonia com Alexy, como mandamentos de otimização que devem ser cumpridos na maior medida possível em consonância com as possibilidades fáticas e jurídicas. Portanto, torna-se clara a íntima relação existente entre os direitos fundamentais e a proporcionalidade. Ademais, a argumentação e a fundamentação surgem como métodos justificativos de uma decisão que, diante de algumas soluções possíveis e igualmente razoáveis, com base na proporcionalidade, regulamenta determinando caso concreto.
Assim, diante da cogente concretização de tais direitos, deve-se destacar a importância do papel do Poder Judiciário que, distante do processo político majoritário e detentor de outros mecanismos de legitimação, sem se afastar de uma democracia substantiva, tem o dever de promover os valores constitucionais inclusive em relação a efetivação dos direitos das minorias.
A democracia não pode ser analisada simplesmente em seu aspecto formal. Não deve se limitar à função de garantir a vontade da maioria. É imprescindível uma análise material do processo democrático no sentido de, além da vontade da maioria, compreendê-lo como um meio garantidor de direitos. Por esta forma, deságua o caráter antimajoritário dos direitos fundamentais.
Neste contexto, visto sob um aspecto substancial, atrelado à proteção de direitos, a democracia também brota como um direito fundamental do ser humano. Assim é possível visualizar o caráter democrático de uma decisão judicial que, respeitando a diversidade social, promovendo os valores constitucionais e ponderando os princípios aplicáveis, efetiva direitos no caso concreto (ainda quando esses direitos contrariem a vontade da maioria).
1 BREVE ANÁLISE ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente cumpre fixar a ideia segundo a qual, o núcleo dos direitos fundamentais é a dignidade da pessoa humana. Assim, direitos fundamentais e direitos humanos, não se distanciam em relação ao conteúdo, versam os mesmos valores. A diferença consiste no fato dos direitos fundamentais serem consagrados no plano interno da Constituição Federal e os direitos humanos serem matéria de direito internacional.
José Afonso da Silva (2008) ensina que, a expressão direitos fundamentais assinala as prerrogativas e instituições que, positivadas, garantem a liberdade e a igualdade a todos sempre com o objetivo de proteger o valor supremo da dignidade da pessoa humana[1].
A realização das três dimensões dos direitos fundamentais ou humanos – individuais, políticos e sociais – se relaciona com o conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana (BARROSO, 2006).
Cumpre destacar que, em um primeiro momento, os direitos fundamentais surgiram com a finalidade de conter o arbítrio estatal. Ao consagrá-los, o constituinte pretendeu evitar que os Poderes Públicos atuassem de forma abusiva, irrazoável. De tal modo, é possível justificar que os direitos fundamentais compõem os fatores elementares da defesa do cidadão contra os excessos do Estado. Constitui um tema de especial importância ao Direito Constitucional e à vivência política e judicial de um país (RAMOS e LIMA, 2012).
Entretanto, não se pode olvidar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, uma vez que esses direitos também devem ser respeitados nas relações existentes entre os particulares.
Neste contexto, vislumbram-se duas espécies de eficácia que a norma de direito fundamental adquire ao entrar no ordenamento jurídico. Primeiramente, tem-se o comando dirigido ao Estado (eficácia vertical) impondo-lhe o dever de se abster (liberdade), de prestar (direito a algo) ou do alargamento do direito de agir do indivíduo através da ampliação de suas liberdades (competências). De outro lado, tem-se que a atuação das pessoas não pode se dá violando direitos fundamentais (eficácia horizontal) (RAMOS e LIMA, 2012).
Importante sopesar que, frequentemente, no caso concreto, os direitos fundamentais se apresentam em confronto com outros direitos igualmente fundamentais como, por exemplo, o conflito entre a vida do feto anencéfalo e a dignidade da pessoa humana da mãe; a liberdade de expressão da imprensa e a privacidade do político etc.
Esses conflitos ocorrem porque os direitos fundamentais não são absolutos, são relativos. Deste modo, conjugando a regra da “máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos” com a sua “mínima restrição”, caberá ao intérprete, ou magistrado, decidir qual direito deverá prevalecer no caso concreto (LENZA, 2008).
Em outras palavras, ao magistrado compete, ao aplicar a norma abstratamente prevista pelo legislador, ponderar qual é o melhor ajustamento desta norma ao caso concreto.
Por fim, acerca da classificação doutrinária ou espécies de direitos fundamentais, Paulo Gustavo Gonet Branco (2010), citando José Carlos Vieira de Andrade, corrobora que os direitos fundamentais podem ser divididos em três espécies[2]: direitos de defesa (direito de se defender contra o Estado), direito de participação (direito de participar da vida pública, de eleger, de votar) e direitos a prestações (pode ser um direito de prestação jurídica ou de prestação material).
2 PONDERAÇÃO COMO MÉTODO DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
Os direitos fundamentais, de forma geral, se exteriorizam através de princípios[3]. Neste ponto, cabe observar o posicionamento doutrinário segundo o qual, dentro do gênero norma jurídica se situam as regras e os princípios.
Os estudos acerca da teoria dos princípios, ponderação de interesses, teoria da argumentação, proporcionalidade, razoabilidade, dentre outros, se desenvolveram como consequência da importância dada aos princípios constitucionais envolvendo o seu caráter normativo e a sua aplicação. Neste contexto, discute-se a eficácia jurídica dos direitos fundamentais com fulcro no debate e na argumentação moral (SARMENTO, 2010).
De acordo com Alexy (2013b), a teoria dos princípios se funda na distinção teórico-normativa entre regras e princípios, motivo pelo qual a inexistência da teoria dos princípios acarretaria a incompletude do sistema do constitucionalismo democrático. Assim, pode-se asseverar a edificação dos direitos constitucionais como princípios, mais do que como regras. Consequentemente, o debate a respeito da construção dos direitos constitucionais é um debate sobre a análise da proporcionalidade (ALEXY, 2013a).
Sobre o tema, citando Ronald Dworkin, Marcelo Novelino (2010) explica que, as regras obedecem a “lógica do tudo ou nada”. São aplicadas por meio da subsunção. Portanto, pode-se afirmar que as regras são “mandamentos de definição”, são normas que ordenam que algo seja cumprido na medida exata de suas prescrições, possuem aplicação automática, impõe resultados.
Assim, se houverem duas regras aplicáveis ao mesmo caso, uma delas deverá ser considerada inválida. Isso significa dizer que as regras não admitem graus diferentes de satisfação, ou seja, se ela é válida e aplicável é exigível que o seu comando seja cumprido, e, de tal modo, a regra queda satisfeita. Caso contrário, a regra não está satisfeita (ALEXY, 2013a).
Já os princípios são “mandamentos de otimização” que podem ser satisfeitos em diferentes graus. São normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Os princípios obedecem a “lógica do mais ou menos”. São aplicados através da ponderação (ALEXY, 2013b).
Destarte, havendo embate entre princípios a solução é o afastamento parcial de um em prol do outro, possibilitando o alargamento do grau de satisfação do princípio conflitante[4].
Em relação ao fato de que os princípios, ao contrário das regras, são mandamentos de otimização e devem ser aplicados por meio da ponderação, Robert Alexy expõe que:
Princípios são mandamentos de otimização. Eles exigem que algo seja realizado na maior medida possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas. Sua forma de aplicação é a ponderação. Regras são, ao contrário, normas que obrigam, proíbem ou permitem algo definitivamente. Nesse sentido, elas são mandamentos definitivos. Sua forma de aplicação é a subsunção. (ALEXY, 2013b, p. 25).
Neste ponto, a fundamentar a ideia de que a teoria dos princípios tem o seu foco na esfera dos direitos fundamentais, cabe ressaltar a relação mútua existente entre princípio e proporcionalidade. Assim, tem-se que, de forma cíclica, a máxima da proporcionalidade justifica a natureza de princípios dos direitos fundamentais e vice-versa (ALEXY, 2013b).
De tal modo, a proporcionalidade pode ser vista como um postulado que informa a aplicação de todos os demais princípios da Constituição. De forma que, todo princípio, ao ser aplicado, deve ser aplicado com embasamento na máxima da proporcionalidade.
A proporcionalidade não está expressamente consagrada no texto da Constituição Federal de 1988, trata-se de uma máxima implícita. É dividida em três submáximas ou máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação pode ser entendida como uma relação entre meio e fim. Para que um ato seja considerado proporcional ele tem que ser adequado, o meio utilizado pelos Poderes Públicos tem que ser apto para atingir o fim almejado, do contrário o ato não é adequado e, sucessivamente, não é proporcional.
Contudo, para que um ato seja considerado proporcional não basta ser adequado. A restrição da liberdade só será legítima se entre os meios existentes for utilizado o menos gravoso possível. Para que o Poder Público possa restringir legitimamente a liberdade individual, esta restrição tem que ser justificada, se a restrição não se justificar significa que houve um ato desnecessário, logo um ato desproporcional.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito denota que, para um ato ser considerado proporcional, além de adequado e necessário, os benefícios devem ser maiores que os custos.
Sobre essas três submáximas, Robert Alexy destacou que:
As submáximas da adequação e da necessidade demandam uma otimização relativa às possibilidades fáticas. Não se trata aqui de ponderação, mas de impedir restrições em direitos fundamentais evitáveis sem custos para outros princípios, ou seja, trata-se de uma otimalidade de Pareto (...) A máxima da proporcionalidade em sentido estrito diz respeito à otimização relativa às possibilidades jurídicas. As possibilidades jurídicas são determinadas, afora regras, essencialmente por meio de princípios concorrentes. Esse é o campo da ponderação já que a ponderação consiste em nada mais do que a otimização relativa a princípios concorrentes. A teoria dos princípios é, por isso, uma teoria da ponderação. (ALEXY, 2013b, p. 26).
A proporcionalidade em sentido estrito corresponde a uma lei de ponderação. O conteúdo da lei de ponderação é o seguinte: quanto maior for a intervenção em um determinado direito maiores hão de ser os motivos que justifiquem essa intervenção[5].
A respeito dos estágios em que a ponderação pode ser separada, Alexy procede a julgamentos racionais acerca da intensidade da interferência, dos graus de relevância e, por fim, da relação entre ambos.
A Lei da Ponderação demonstra que a ponderação pode ser separada em três estágios. O primeiro estágio é uma questão de estabelecer o grau de não satisfação, ou de prejuízo, do primeiro princípio. Ele é seguido por um segundo estágio, no qual a importância da satisfação do princípio oposto é estabelecida. Finalmente, o terceiro estágio responde à questão de se a importância da satisfação do princípio opositor justifica, ou não, o prejuízo ou a não satisfação do primeiro princípio. (ALEXY, 2013a, p. 29)
Cumpre observar que, os casos difíceis são aqueles que comportam mais de uma solução possível e razoável. Nesta conjectura, a saída é a ponderação e o controle da racionalidade da decisão se dá por meio da argumentação, ou seja, a criação dessa nova norma jurídica que regulará o problema concreto submetido ao judiciário acarreta o dever de fundamentação. Caso contrário, essa atuação criativa do Poder Judiciário violaria a separação dos poderes, uma vez que ao juiz competiria a aplicação em concreto do enunciado elaborado em abstrato pelo Poder Legislativo[6] (BARROSO, 2006).
3 Legitimidade do papel criativo do Poder Judiciário na aplicação dos princípios
Inicialmente, de forma sucinta, cabem algumas observações acerca do constitucionalismo e sua relação com a democracia e os direitos fundamentais.
Em linhas gerais, o professor Marcelo Novelino (2010) infere que, em sentido amplo, o constitucionalismo se confunde com todo Estado que existe ou existiu uma constituição. Contudo, o termo constitucionalismo hoje, utilizado em sentido estrito, corresponde a algumas ideias como a separação de poderes, a garantia de direitos e o princípio do governo limitado.
Desta forma, além da vontade da maioria, a democracia também deve ser entendida como garantia de direitos. Isso porque, atualmente, democracia não é um termo compreendido apenas no aspecto formal, simplesmente a vontade da maioria. De tal modo, como já analisado anteriormente, a democracia é vista em um caráter substancial: vontade da maioria e garantia de direitos.
O constitucionalismo se preocupa, sobretudo, em garantir direitos (não só os direitos da maioria, mas também os direitos da minoria). Por isso, não se pode dizer que é antidemocrático, às vezes é um mecanismo antimajoritário, mas não antidemocrático.
Neste ponto, oportuno trazer ao debate a abordagem dos direitos fundamentais como “antimajoritário”, termo oriundo da adaptação realizada à tradução literal de “antidemocrático” utilizado por Alexy. Nas palavras de Dalton Santos Morais:
O termo empregado por Alexy é “antidemocráticos”. Preferimos, entretanto, empregar o termo “antimajoritários” para evitar questionamentos desnecessários à tradução literal do termo empregado pelo autor Alemão, eis que essa caracterização “antidemocrática” atribuída aos direitos fundamentais por Alexy deve ser, na verdade, considerada como uma metáfora a indicar a função antimajoritária dos direitos fundamentais, eis que, apesar de contrária à vontade da maioria ocasional, a posição baseada em direitos fundamentais caracteriza-se como verdadeiramente democrática por proteger os compromissos humanistas feitos durante o consenso democrático constitucional. (MORAIS, 2013)
Por essa forma, o entendimento segundo o qual o constitucionalismo pode entrar em colisão com a democracia porque se interessa em assegurar direitos, mesmo que estes não sejam expressões da vontade da maioria não é tecnicamente adequado. Isso porque, o que se pretende defender não é o caráter antidemocrático do constitucionalismo, mas sim a função antimajoritária dos direitos fundamentais.
Diante da questão exposta, importante ressaltar que, a supremacia da constituição, uma das bases do constitucionalismo, envolve a constitucionalização dos direitos fundamentais que, sendo protegidos pelo Poder Judiciário, são imunes em relação ao processo político majoritário (BARROSO, 2006).
Em linhas gerais, como já abordado ao norte, para os fins deste trabalho, direitos fundamentais devem ser entendidos como direitos humanos positivados no texto constitucional. Contudo, deve-se lembrar que não são direitos absolutos, pois poderão se chocar com outros direitos fundamentais e, nesse caso, deverá haver uma ponderação diante de cada caso. Na visão de Alexy (2013b, p. 21), “são direitos morais de tipo universal, essencial e prioritário”[7].
Para Luís Roberto Barroso, no constitucionalismo contemporâneo, o conflito de normas constitucionais é inevitável, uma vez que os textos modernos são dialéticos e tutelam bens jurídicos contrapostos, os quais devem ser solucionados por meio da ponderação em uma atividade criativa do intérprete. Assim, o citado autor segue com os seguintes exemplos:
Há choques potenciais entre a promoção do desenvolvimento e a proteção ambiental, entre a livre iniciativa e a proteção do consumidor. No plano dos direitos fundamentais, a liberdade religiosa de um indivíduo pode conflitar-se com a de outro, o direito de privacidade e a liberdade de expressão vivem em tensão contínua, a liberdade de reunião de alguns pode interferir com o direito de ir e vir dos demais. (BARROSO, 2006, p. 28).
Deste modo, verifica-se que democrática não é aquela decisão fruto da soma da vontade da maioria. Existem outros valores presentes na ordem jurídica que precisam ser concretizados para legitimar a decisão. Neste ponto, a título de ilustração, pode-se afirmar que, uma lei formalmente aprovada, em tese, manifesta a vontade da maioria através de seus representantes. Contudo, se esta lei afrontar a ordem jurídica ela poderá ser afastada.
Oscar Vilhena Vieira, citado por Dalton Santos Morais infere que:
É evidente que a regra da maioria desempenha papel de destaque nesse processo de decisão coletiva entre indivíduos iguais; porém, a decisão democrática não depende de um simples fato aritmético. Essa decisão deve resultar de um processo de formação livre e racional da vontade – e, portanto, a manutenção de certos direitos é tão essencial à democracia como a própria regra da maioria. (MORAIS, 2013).
Assim, imperioso destacar que, direitos fundamentais e democracia são as duas exigências básicas colocadas por Alexy (2013b), em sua teoria do discurso, para o conteúdo e para a estrutura do sistema jurídico. Portanto, o constitucionalismo democrático passa pela teoria do discurso[8].
Em relação ao Poder Legislativo, o núcleo do tema se encontra na representação. Isso porque, a democracia representativa foi a solução ofertada à impossibilidade de todos participarem do processo legislativo. Já no que tange ao Poder Judiciário, sua representação se dá por meio da argumentação (RAMOS e LIMA, 2012).
O ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais ganha espaço, na atualidade, a partir de uma leitura neoconstitucional do princípio da separação de poderes. Assim, tendo em vista a importância de se efetivar uma democracia substantiva, com base nos direitos fundamentais e proteção das minorias, justifica-se restrições ao legislador e uma maior atuação por parte do Judiciário (SARMENTO, 2010).
3.1 Democracia como direito fundamental
Em consonância com a classificação adotada pelo professor Paulo Bonavides (2005), a democracia é um direito fundamental do ser humano, qualificada, ao lado do direito à informação e do direito ao pluralismo, como direito fundamental de quarta geração – direitos de pluralidade.
O citado autor acrescenta que, “deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência” (BONAVIDES, 2005, p. 525).
Nesta acepção, a democracia não deve ser vista apenas sob um aspecto formal (vontade da maioria), mas também sob um aspecto substancial, que corresponde a proteção de direitos fundamentais, inclusive os das minorias.
Em relação a essa discussão cumpre destacar que, em consonância com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o debate constitui uma das etapas do processo legislativo ordinário, a essência do parlamento é o debate. Portanto, verifica-se que os debates e as discussões são inerentes à democracia. Assim, a maioria vence respeitando os direitos da minoria (NOVELINO, 2010).
De tal modo, ao lado dos direitos das maiorias, a Constituição deve proteger os direitos das minorias. Neste sentido, o Poder Judiciário recebe um importante papel, uma vez que lhe cabe ser mais atuante na proteção das minorias. Trata-se do papel contramajoritário ofertado ao Poder Judiciário.
Assim, diferenciando cidadão de eleitor e governo do povo de governo do eleitorado, Barroso (2006) destaca que, a noção de democracia não se resume ao governo da maioria (princípio majoritáro). Por esta forma, ressaltando que os direitos da minoria devem ser respeitados, o mencionado autor argumenta que a coerência da democracia se inspira em valores que devem ser preservados pelo Poder Judiciário.
A sociedade tem uma diversidade que deve ser respeitada. Assim sendo, cabe ao Poder Judiciário, protegendo o processo democrático, promover os valores constitucionais.
Essa possibilidade do Poder Judiciário concretizar os valores constitucionais, em especial os direitos fundamentais, a proteção das minorias e a própria democracia, se justifica a partir da transgressão de direitos por parte de determinados setores da sociedade e da forte crise de representatividade instaurada no Legislativo (SARMENTO, 2010).
Destarte, defendendo a superação do déficit de legitimidade do judiciário por meio da promoção desses valores, Barroso assevera que:
O papel da corte constitucional é assegurar que todos estes elementos convivam em harmonia, cabendo-lhe, ademais, a atribuição delicada de estancar a vontade da maioria quando atropele o procedimento democrático ou vulnere direitos fundamentais da minoria. (BARROSO, 2006, p. 99)
Como já afirmado anteriormente, a argumentação e a fundamentação[9] da decisão são alguns dos fatores que legitimam democraticamente as escolhas realizadas pelo Poder Judiciário. Neste sentido, considerando a motivação como uma função extraprocessual, Didier Júnior (2006) explica que a fundamentação é uma técnica que permite qualquer do povo controlar o exercício jurisdicional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo exposto, infere-se que o cerne dos direitos fundamentais é a dignidade da pessoa humana. São direitos individuais, políticos e sociais que, dirigidos ao Estado e aos particulares, objetivam concretizar a dignidade, a liberdade e a igualdade entre as pessoas. Assim, diante de tamanha relevância, os direitos fundamentais precisam ser efetivados substancialmente e não apenas em seu aspecto formal.
Neste ponto não se pode afastar do caráter de relatividade dos direitos fundamentais. Isso porque, esses direitos podem entrar em choque com outros direitos também fundamentais e, desta feita, abre espaço à interpretação do magistrado a quem caberá ajustar a norma ao caso concreto.
De tal modo, considerando a relação dos direitos fundamentais com a teoria dos princípios, ou melhor, a exteriorização dos direitos fundamentais através de princípios tem-se que, ao contrário das regras que devem ser cumpridas na exata medida de sua determinação por meio da subsunção, os princípios admitem diferentes graus de satisfação e são aplicados por meio da ponderação.
Portanto, conforme a doutrina de Robert Alexy, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas, os princípios (normas que tem sua aplicação informada pelo postulado da proporcionalidade) devem ser realizados na maior medida possível. Perante tal premissa, tem-se a autorização para, mediante a ponderação, um dos princípios conflitantes ser afastado parcialmente permitindo a expansão de satisfação do outro.
Diante desse panorama, cabe ao Poder Judiciário ponderar e resolver esses casos em que mais de uma solução se apresenta como possível e razoável, inclusive para efetivar direitos das minorias.
Isto porque a democracia, analisada nesse trabalho também como um direito fundamental, não se legitima apenas em relação a vontade da maioria, mas igualmente quando os demais valores jurídicos são observados.
Por este motivo, a jurisdição inova no ordenamento jurídico adequando a norma prevista abstratamente pelo legislador ao caso concreto. Tal atividade criativa, mesmo quando afasta uma norma que expressa a vontade da maioria nos termos da democracia representativa, se legitima democraticamente com espeque no debate, na argumentação e na fundamentação embebida por outros valores também tutelados como direitos fundamentais, ainda que contrário à vontade da maioria.
REFERÊNCIAS
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_____, Robert. Principais elementos de uma teoria da dupla natureza do direito. Tradução de Fernando Leal. Hauptelemente einer Theorie der Doppelnatur des Rechts, v. 95, n. 2, p. 151-166, abr. 2009b. Disponível em: <bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/8041/6835+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 15 de Setembro de 2013b.
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª, ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2012.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 6ª, ed. V. I. Salvador: Juspodivm, 2006.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª, ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 5ª, ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAIS, Dalton Santos. Democracia e Direitos Fundamentais: propostas para uma jurisdição constitucional democrática. Disponível em: <www.osconstitucionalistas.com.br/democracia-e-direitos-fundamentais-propostas-para-uma-jurisdição-constitucional-democrática >. Acesso em: 19 de Setembro de 2013.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Método, 2010.
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa; LIMA, Diogo Diniz. Direitos Fundamentais na Teoria de Robert Alexy: aspectos teóricos, a questão da democracia na atuação do Poder Legislativo e técnica de resolução de conflitos de direitos fundamentais. Cad., Pesq., UFMA. São Luís, v. 19, n. especial, junho de 2012.
SARMENTO, Daniel. Por um Constitucionalismo Inclusivo: história constitucional brasileira, teoria da constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2008.
[1] “Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais”. (SILVA, 2008, p. 178).
[2] (...) podem-se decalcar as espécies de direitos fundamentais mais frequentemente assinaladas – direitos de defesa (ou direitos de liberdade) e direitos a prestações (ou direitos cívicos). A essas duas espécies alguns acrescentam a dos direitos de participação (MENDES, 2010).
[3]De acordo com Alexy (2013b, p. 27), a teoria dos princípios conecta a teoria dos direitos fundamentais.
[4]Em estudo realizado sobre os direitos fundamentais na teoria de Robert Alexy, Paulo Roberto Barbosa Ramos e Diogo Diniz Lima, ao abordarem que os princípios e as regras são dotados de um distinto caráter prima facie, fixaram que: “os princípios não possuem extensão do conteúdo determinável inicialmente, as regras o possuem. Deste modo, a concepção primária que se faz de um princípio, no que toca a possibilidade de sua aplicação ao caso concreto, é revestida de grande incerteza. As regras, em razão da extensão do conteúdo estar bem determinada o que exige a satisfação do imperativo deôntico que contém, expõem um grande grau de certeza em relação ao seu objeto e a sua concretização”. (RAMOS e LIMA, 2012, p. 76)
[5] “Tentei abranger, na “teoria dos direitos fundamentais”, compreensivamente a estrutura da ponderação com a ajuda de duas leis: a lei de colisão e a lei de ponderação. Aqui interessa apenas a última. Ela prescreve o seguinte: “Quanto maior é o grau de não realização ou restrição de um princípio, maior deve ser a importância da realização do outro””. (ALEXY, 2013b, p. 26).
[6]Sobre a fundamentação como meio apto a legitimar a atividade criativa do Poder Judiciário, Luís Roberto Barroso assevera que, “para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretação nessas situações, o intérprete deverá, em meio a outras considerações: (i) reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento – a legitimidade de uma decisão judicial decorre de sua vinculação a uma deliberação majoritária, seja do constituinte ou do legislador; (ii) utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas; (iii) levar em conta as conseqüências práticas que sua decisão produzirá no mundo dos fatos”. (BARROSO, 2006, p. 28/29).
[7] “Direitos fundamentais são direitos que foram acolhidos no âmbito de uma constituição para positivar direitos humanos. Direitos humanos são direitos morais de tipo universal, essencial, abstrato e prioritário. Como tentativa de positivação de direitos morais, os direitos fundamentais exteriorizam de forma especialmente significativa a natureza dupla do direito”. (ALEXY, 2013b, p. 21).
[8] “Se o processo de formação da vontade política tem êxito, a maioria parlamentar respeitará e concretizará tanto os direitos fundamentais quanto também as regras da democracia deliberativa. O que acontece, porém, quando leis violadoras de direitos fundamentais ou incompatíveis com os princípios da democracia são promulgadas? Pode-se ou confiar na força autocurativa da democracia deliberativa, ou estabelecer uma jurisdição constitucional. A última opção merece prioridade. Cada jurisdição constitucional, por certo, encerra o perigo de um paternalismo incompatível com a ideia de autodeterminação democrática (...). Mas ele pode ser impedido se a jurisdição constitucional é conceituada como representação argumentativa dos cidadãos e tem êxito (...). Isso torna claro que o constitucionalismo democrático é possível apenas como constitucionalismo discursivo (...)”. (ALEXY, 2013b, p. 23).
[9] Importante ressaltar que a fundamentação da decisão judicial é um dever imposto pelo art. 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, segundo o qual “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
Delegado de Polícia (PCMG). Pós-doutorando em Direito (Universidad Las Palmas, Espanha). Doutor em Direito (UNESA, RJ). Mestre em Direito (UNESA, RJ). Especialista em Direito do Estado (UFBA, BA). Graduado em Direito (IESUS, BA). Professor permanente no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito (UNIFG/BA). Professor de Processo Penal (FAVENORTE, MG). Professor no curso de pós-graduação em criminologia (ACADEPOL, MG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Eujecio Coutrim Lima. Democracia e efetivação dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45154/democracia-e-efetivacao-dos-direitos-fundamentais-pelo-poder-judiciario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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