A vigência da lei 13.105/15 que institui o novo Código de Processo Civil (NCPC), certamente representará um importante marco para todos os envolvidos na prestação da tutela jurisdicional. Os diversos assuntos alterados, substituídos e/ou incluídos, representam a evolução dos temas tratados, que solucionou debates e discussões intensos sobre determinados institutos.
O NCPC nasceu de longas discussões com participação da sociedade na sua elaboração, é fruto de audiências públicas e participação da comunidade jurídica, por isso é considerada a legislação processual mais democrática e participativa até então realizada.
Entre os assuntos tratados, destaca-se, a pretexto do tema proposto para este artigo, o texto do §14, do art. 85, do NCPC, que veda expressamente a compensação dos honorários advocatícios em caso de sucumbência parcial.
Os honorários advocatícios tem origem na prestação de serviços decorrentes de contrato, ou mediante fixação no processo.
Na segunda hipótese, trata-se de honorários de sucumbência, que numa conceituação didática pode-se dizer que decorre do ato de ser vencido. Basicamente, a sucumbência estabelece que a parte que perdeu a ação efetue o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte vencedora.
A competência para arbitra-los é atribuída ao juiz da causa, que o faz no momento que conclui o seu silogismo judiciário sobre a questão posta, sempre de modo a atender ao grau de zelo do profissional, ao lugar da prestação dos serviços, à natureza e importância da causa e ao tempo exigido para o seu serviço.
Já a sucumbência parcial, ou recíproca, é aquela atribuída tanto à parte vencida como a parte vencedora em um processo judicial. Assim, quando a condenação for parcial as despesas se distribuirão proporcionalmente entre os litigantes, por isso, comumente, determina-se a compensação.
Trata-se, atualmente, de tema relevante, alvo de grandes debates que comportam inúmeras interpretações pelos operadores do direito, ensejando diversos posicionamentos divergentes no âmbito da doutrina e jurisprudência.
Essencialmente, trata-se da possibilidade ou não de se compensar os honorários advocatícios nas hipóteses em que há sucumbência recíproca, mesmo diante da natureza da verba destinada à remuneração dos serviços prestados pelo advogado.
Sobre o tema, em 03/11/2004, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 306, determinando que “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”.
Neste contexto, tratando-se de súmula, definida como a condensação das reiteradas decisões daquele Tribunal Superior, teoricamente não caberia mais debates a respeito. Contudo, quando compreendido o assunto mediante a abordagem das leis anteriores que tratam (aram) a matéria, a polêmica continua aflorada.
A partir da orientação constante no enunciado acima transcrito, cada vez mais se difundiu o entendimento judicial no sentido de autorizar a compensação, sem considerar os dispositivos legais e constitucionais que o impedem.
No que tange as previsões legais acerca dos honorários, o Código de Processo Civil ainda vigente (Lei n. 5.869/73), especialmente a parte final do seu art. 21, que previa a possibilidade compensação dos honorários de sucumbência, restou revogado pela Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), conforme a perfeita aplicação do §1° do art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil.
A Lei 8.906/94 é clara ao instituir que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado e não à parte, o que, por disposição da legislação civil, veda eventual compensação.
O artigo 368 do Código Civil dispõe expressamente que, somente, “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra”, e quando essas obrigações forem, conforme disciplina o artigo 369 do mesmo diploma legal “[...] líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”, poderá haver sua compensação.
Em outras palavras, somente quando líquidas e vencidas, portanto, exigíveis, duas ou mais obrigações existentes entre duas pessoas que, ao mesmo tempo, forem credora e devedora uma da outra, é que se poderá cogitar da sua compensação.
Portanto, mesmo que se faça uma leitura do instituto da compensação sob a ótica estrita do direito privado, ainda assim não é possível aplica-lo, basicamente porque não há identidade entre credor e devedor.
Corroborando tal entendimento, o renomado doutrinador Sílvio Rodrigues (2007, p. 209), ao discorrer sobre os mencionados artigos 368 e 369, assevera que:
“Portanto, a compensação aparece como um meio de extinção das obrigações e opera pelo encontro de dois créditos recíprocos entre as mesmas partes. Se os créditos forem de igual valor, ambos desaparecem integralmente; se forem de valores diferentes, o maior reduz a importância correspondente ao menor. Procede-se como se houvesse ocorrido o pagamento recíproco, subsistindo a dívida apenas na parte não resgatada”.
O mesmo doutrinador, na referida obra, enumera os pressupostos do instituto da compensação, a saber: “a) reciprocidade das obrigações; b) liquidez das dívidas; c) exigibilidade atual das prestações; d) fungibilidade dos débitos”. (p. 215)
Neste contexto, obviamente que o legislador não visa incluir o advogado como litigante, ou tampouco confundi-lo com a parte, o que afasta a tese da compensação de honorários, pois, como visto, a compensação só pode ocorrer em relação a obrigações recíprocas, de uma parte ante a outra, não se incluindo obrigações de terceiros.
A respeito, também merece destaque a doutrina de Yussef Said Cahali (1997, p. 844/845):
“Realmente, na vigência do novo Estatuto da Ordem, ainda que promovida a execução pelo cliente, tendo por objeto a totalidade da condenação incluindo os encargos processuais, a verba concernente aos honorários de sucumbência restará incólume de qualquer compensação pretendida pelo executado (...) sendo nula (art. 24, §3º) qualquer cláusula contratual que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários da sucumbência, daí decorre que o direito próprio do patrono não se sujeita, em nenhum caso, à exceção da compensação de crédito do executado oponível à parte vencedora. Exequente pois é terceiro estranho às relações obrigacionais existentes entre os demandantes”.
Portanto, pertencendo os honorários sucumbenciais ao advogado, não há que se falar em compensação, porque o direito do mesmo em relação a prestação de serviços não é objeto do processo. Ou seja, a sucumbência recíproca não pode retirar do advogado o direito de receber os honorários fixados na sentença, pois admitir a compensação neste caso é transmitir responsabilidade pessoal ao advogado pelo ônus do vencido na causa, o que emerge como injusta supressão de direitos.
Neste ponto, há flagrante controvérsia entre as decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, pois rotineiramente julga que "no direito brasileiro, os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado, [...]” (AgRg na Ação Rescisória nº 3290/SP, rel. Min. Castro Meira; julgado em 25/05/2011), ao mesmo tempo que decide, reiteradamente, que havendo sucumbência reciproca, os respectivos honorários devem ser compensados.
Neste contexto de instabilidade, a doutrina sustenta que resta afrontado o princípio constitucional da segurança jurídica, uma vez que a manifesta injustiça verificada, abala a confiança no direito.
Por outro lado, indiscutivelmente, os tribunais reconhecem também o caráter alimentar dos honorários advocatícios.
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou, inclusive, editando recentemente Súmula Vinculante no sentido de garantir a natureza alimentar dos mesmos.
Diante disso, os operadores jurídicos questionaram como poderiam os honorários sucumbenciais, com natureza alimentar, serem passíveis de compensação com dívidas das partes, se a legislação traz a verba alimentar como exceção ao instituto da compensação, conforme texto do art. 373, II do Código Civil.
A resposta, sem imprecisões, é que os honorários, sejam eles sucumbenciais ou contratuais, também por possuírem natureza alimentar, não podem ser compensados.
Assim, partindo das premissas acima apontadas, o NCPC corrige tal injustiça, vedando a compensação dos honorários advocatícios mediante a incubação do art. 85, §14: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.
Portanto, a norma materializada pelo NCPC fulminou a Súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça, eis que, como visto, a mesma nasceu com entendimento ultrapassado, demonstrando-se contrária à lei especial, pois negava vigência ao art. 23 da Lei n. 8.906/94, o que constituía um retrocesso no ordenamento jurídico pátrio.
A doutrina trata o tema como uma evolução do direito processual civil, onde o advogado tem a sua importância reconhecida nos exatos termos do art. 133 da Constituição Federal, que o elege como “indispensável à administração da justiça”.
Ao vedar a compensação, o NCPC assegura ao advogado o direito de receber honorários outrora negados pela Súmula 306 do STJ, o que representa uma grande conquista para a classe, já que a justa valorização ao trabalho do advogado é necessária no intuito de compreender a natureza das suas funções, na qual o art. 2°, §1 da Lei n. 8.906/94 dispõe: “o advogado presta serviço público e exerce função social”.
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RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral das Obrigações. 30° ed. São Paulo: Saraiva, 2007
Graduada em direito pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci - Uniasselvi; Pós-graduada latu sensu em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - LFG; Pós-graduada latu sensu em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera Uniderp em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - LFG; Possui formação para magistério superior; É advogada militante no estado de Santa Catarina, inscrita na OAB/SC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HELLMANN, Glaucia. O novo Código de Processo Civil e o fim da compensação dos honorários de sucumbência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45179/o-novo-codigo-de-processo-civil-e-o-fim-da-compensacao-dos-honorarios-de-sucumbencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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