RESUMO: O presente trabalho trata da mudança na redação do artigo 155, do CPP, que vedou expressamente o uso das provas colhidas na fase policial como fundamento para condenação. As provas devem ser analisadas de acordo com os princípios do contraditório e da ampla defesa, que ocorre na fase judicial do processo. E como é a aplicação do artigo nos crimes de competência do Júri.
PALAVRAS CHAVES: Provas. Ampla defesa. Contraditório. Pronúncia. Júri.
INTRODUÇÃO
As provas no Direito Penal ocupam um papel extremamente importante. Condenar ou absolver não é apenas resultado da conduta do acusado, mas de como as provas foram obtidas e levadas para julgamento.
Uma prova importante obtida no inquérito policial, mas não confirmada na fase judicial, é desconsiderada, de acordo com a nova redação do art. 155, do CPP. O julgador não pode valorar a prova obtida na fase policial na sentença, se não foi houve o contraditório e a ampla defesa. Exceção são as provas cautelares, as não repetíveis e as antecipadas, que devido a demora ou por não poderem ser refeitas devem ser diferenciadas em sua análise.
DESENVOLVIMENTO
O projeto de lei nº 11.690/08 modificou a redação do caput do artigo 155 do Código de Processo Penal: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
Com a reforma, o legislador vedou a condenação quando baseada exclusivamente em elementos colhidos na investigação criminal. Tal vedação decorre da observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, expressamente previstos na Constituição da República:
"Art. 5º - (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"
O legislador pretendeu que as provas colhidas na fase policial, destituídas de contraditório e ampla defesa, não possam ser usadas para lastrear eventual sentença condenatória.
A doutrina de Guilherme de Souza Nucci se manifesta no tocante à interpretação do art. 155 do Código de Processo Penal, com redação conferida pela Lei nº11.680/08:
[...] a meta é a formação da convicção judicial lastreada em provas produzidas sob o crivo do contraditório, não podendo o magistrado fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos trazidos na investigação, mormente a policial, que constitui a maior parte dos procedimentos preparatórios da ação penal. Em outros termos, não se trouxe grande inovação, mas apenas se tornou expresso o que já vinha sendo consagrado pela jurisprudência pátria há anos. O julgador jamais pode basear sua sentença, em especial condenatória, em elementos colhidos unicamente no inquérito policial. Não era mecanismo tolerado nem pela doutrina nem pela jurisprudência. Porém, o juiz sempre se valeu de provas colhidas na fase investigatória, desde que confirmadas, posteriormente, em juízo, ou se estivessem em harmonia com as coletadas sob o crivo do contraditório. Ora, nesse contexto, a reforma deixou por desejar, uma vez que somente reafirmou o entendimento já consolidado – logo, inócuo faze-lo – de que a fundamentação da decisão judicial, mormente condenatória, não pode calcar-se exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. (...) Portanto, a reforma teria sido ousada se excluísse a ressalva “exclusivamente” do art. 155, caput, do CPP. O juiz não poderia formar sua convicção nem fundamentar sua decisão somente com base nos elementos advindos da investigação.
A partir do trecho destacado, vemos que antes mesmo da modificação no artigo, a legislação proibia a formação do convencimento do magistrado mediante provas obtidas exclusivamente no inquérito policial.
O livre convencimento do juiz na apreciação das provas foi limitado pela modificação na lei, sendo realçada a importância do contraditório. A mudança manteve a jurisprudência já em vigor na época, que defendia que apenas a prova do inquérito não era suficiente para a condenação. Outras provas, que deveriam ser produzidas em contraditório judicial, deveriam confirmar as provas da fase policial.
Vale ressaltar que, a confirmação na fase judicial não será aplicada as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Tal ressalva é exigida para que os elementos não venham a se esvair devido a demora na persecução criminal.
Lima doutrina:
O dispositivo deixa entrever que é possível que o juiz forme sua convicção com base em provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, ainda que estas tenham sido produzidas na fase investígatória. Mas o que se deve entender por provas cautelares, não repetíveis e antecipadas? Provas cautelares são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo, em.relação-às quais o contraditório será diferido. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica.Tal medida investigatória, que tem no elemento da surpresa verdadeiro-pressuposto
de sua eficácia, depende de prévia autorização judicial, sendo, que o investigado só terá conhecimento de sua realização após a conclusão das diligências. Quando estamos diante de medidas cautelares inaudita altera parte, a parte contrária só poderá contraditá-la depois de sua concretização, o que é denominado pela doutrina contraditório diferido, postergado ou adiado. A prova não repetível é aquela que não tem como ser novamente coletada ou produzida, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. Exemplificando, suponha-se que alguém tenha sido vítima de lesões corporais de natureza leve. Caso o exame pericial não seja feito imediatamente, os vestígios deixados pela infração penal irão desaparecer. A produção das provas não repetíveis, ante o perigo de que haja dispersão dos elementos probatórios em relação aos fatos transeuntes, independe de prévia autorização judicial, devendo sua realização ser determinada pela própria autoridade policial imediatamente após tomar conhecimento da prática delituosa.
Como dispõe o art. 6a, inc. VII, do CPP, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá, dentre outras diligências, determinar que se proceda a exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias.
Portanto, em relação às provas não repetíveis, o contraditório também será diferido. Para que essas provas não repetíveis possam ser utilizadas no curso do processo, imperiosa será a observância do contraditório sobre a prova, permitindo que as partes possam discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade.
Bom exemplo disso, aliás, é o quanto previsto no art. 159, § 52, inc. I, do CPP, que permite às partes, durante o curso do processo judicial, requerer a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para responderem a quesitos. Provas antecipadas, por sua vez, são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação .de urgência e relevância. E o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP: "Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, Jngpirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento". Supondo-se, assim, que determinada testemunha presencial do delito esteja hospitalizada, em grave estado de saúde, afigura-se possível a colheita antecipada de seu depoimento, o que será feito com a presença do juiz, e com a participação das partes sob contraditório. Caso ainda não haja uma pessoa formalmente apontada como suspeita da prática do delito, deve o magistrado diligenciar para que a defesa técnica seja patrocinada por um advogado dativo. Nesse caso, o depoimento ficará integrado aos autos com o mesmo valor legal que teria caso fosse prestado no curso da instrução. Outro exemplo de prova antecipada é aquele constante do art. 366 do CPP, em que, determinada a suspensão do processo e da prescrição em relação ao acusado que, citado por edital, não tenha comparecido nem constituído defensor, poderá ser determinada pelo juiz a produção antecipada de provas urgentes, nos termos do art. 225 do CPP. Nesse caso, para que se imponha a antecipação da prova urgente, deve a acusação justificá-la de maneira satisfatória (v.g., ofendido com idade avançada), valendo ressaltar que, segundo os Tribunais Superiores, a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera referência aos limites da memória humana não é suficiente para determinar a medida excepcional.
Observa-se que as provas colhidas na fase policial não devem ser desprezadas durante o processo judicial. O que é exigido que se encontre ressonância na prova produzida em Juízo. Do contrário, em inúmeros processos, a condenação seria impossível. Exemplo é o que ocorre no delito de tráfico de drogas, nos quais os testemunhos de civis favoráveis a condenação são modificados na fase judicial, em decorrência do medo impingido pelos traficantes. Em juízo, os únicos depoimentos são dos policiais, que segundo pacífica jurisprudência do STJ, são dotados de significativo valor probatório, podendo, sem sombra de dúvidas, servir de fundamento a um édito condenatório. A propósito:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO E CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO-OCORRÊNCIA. REGIME INTEGRAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/90 PELO STF. ORDEM DENEGADA. WRIT CONCEDIDO DE OFÍCIO, PARA FIXAR O REGIME INICIAL FECHADO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA.
2. O depoimento de policiais pode servir de referência ao juiz na verificação da materialidade e autoria delitivas, podendo funcionar como meio probatório válido para fundamentar a condenação, mormente quando colhido em juízo, com a observância do contraditório.
[...]”.
(HC 109.300/SP – Quinta Turma – Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima – data do julgamento: 18.09.2008 – DJe 03.11.2008 – grifo nosso)
Conclui-se que a existência de prova colhida em juízo, sob o crivo do contraditório, confirme os elementos produzidos extrajudicialmente, e que sustente a versão apresentada pela acusação, sendo, portanto, suficiente para condenação.
A propósito, este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS – PEDIDO QUE EXTRAPOLA O CONTIDO NA DECISÃO AGRAVADA – IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO – FURTO QUALIFICADO – CONDENAÇÃO QUE SE BASEOU EM ELEMENTOS DE CONVICÇÃO COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL – NULIDADE DO ÉDITO CONDENATÓRIO – INOCORRÊNCIA – PROVAS COLHIDAS EM JUÍZO QUE CORROBORARAM A VERSÃO APRESENTADA PELA ACUSAÇÃO – AUSÊNCIA DE AFRONTA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO – ORDEM DENEGADA – AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NEGO PROVIMENTO.
1. O agravo regimental se presta unicamente para discutir os fundamentos da decisão monocrática agravada, motivo pelo qual não é dado ao agravante nele inovar, deduzindo pedidos não relacionados com os fundamentos daquela decisão.
2. É vedado ao Magistrado proferir sentença condenatória baseada exclusivamente em elementos de convicção colhidos nos autos do inquérito policial. Inteligência do artigo 155 do Código de Processo Penal (com redação dada pela Lei 11.690/2008).
3. Por outro lado, a existência de provas colhidas em juízo, sob o crivo do contraditório, que corroborem a veracidade dos elementos produzidos extrajudicialmente, sustentando a versão apresentada pela acusação, é suficiente para autorizar a manutenção da integridade do édito condenatório.
4. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, nego provimento.
(AgRg no HC 118.761/MS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009).
No mesmo sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: "os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo" (RE - AgRg nº 425.734/MG, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 28.10.05).
APLICAÇÃO DO ARTIGO 155, DO CPP NOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA DO JÚRI
Nos processos de competência do Tribunal do Júri, por vigorar o sistema da livre convicção, o disposto no art. 155, caput, do CPP deve ser interpretado com reservas.
Na pronúncia, os elementos de prova colhidos na fase extrajudicial, mesmo que não ratificados em juízo, são suficientes para uma decisão de pronúncia, que, quanto à autoria delitiva, não exige certeza, mas tão-somente indícios. Isto porque a pronúncia é uma decisão de natureza interlocutória mista terminativa, encerrando a primeira fase do processo penal nos crimes de competência do Júri. Não é um juízo de certeza, e sim de fundada suspeita.
Dessa forma, se para condenação nos crimes comuns, o julgador não pode se basear apenas em elementos colhidos no inquérito policial, na decisão de pronúncia é exigido, tão somente, a presença de indícios de autoria, além de prova da materialidade do delito. Os indícios podem derivar de provas colhidas durante o inquérito policial, mesmo que não sejam ratificadas em Juízo.
A jurisprudência vem se manifestando no sentido da desnecessidade da prova judicial para a prolação da sentença de pronúncia, a qual também pode assentar-se em prova extrajudicial. Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. INDÍCIOS DE AUTORIA EXTRAÍDOS DA ETAPA POLICIAL. POSSIBILIDADE DE QUE OS ELEMENTOS FUNDAMENTEM A PRONÚNCIA. EXAME DE PROVAS. DESNECESSIDADE.
1. A pretensão recursal não demanda o revolvimento de prova. Cuida-se apenas de estabelecer, a partir das premissas fáticas firmadas pelo aresto a quo, a possibilidade de que a pronúncia possa ser lastreada em elementos colhidos no inquérito.
2. Nos termos do que dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal, o julgador formará a sua convicção pela livre apreciação da prova colhida em contraditório judicial, não podendo basear sua decisão somente nos elementos extraídos da investigação.
3. Tal regra, porém, deve ser aplicada com reservas no tocante à decisão de pronúncia, pois tal manifestação judicial configura simples juízo de admissibilidade da acusação.
4. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte Superior admite que os indícios de autoria imprescindíveis à pronúncia defluam dos elementos de prova colhidos durante a fase inquisitorial.
5. No caso, registra o acórdão a quo que tanto a vítima quanto seu irmão afirmaram em sede policial que foram os recorrentes que efetuaram os disparos em sua direção, havendo a suspeita de que ambos somente se retrataram em juízo em virtude das ameaças que sofreram.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ – AgRg no REsp 1309425/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 14/10/2014)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, INCISOS II C/C ART. 14 II E ART. 129, § 6º TODOS DO CÓDIGO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRONÚNCIA. PROVAS. IN DUBIO PRO SOCIETATE.
[...]
II - Ainda que ultrapassado este óbice, a tese sustentada pelo impetrante não merece prosperar pois diferente do que ocorre em relação à sentença condenatória, a decisão que pronuncia o acusado exige, tão somente, a presença de indícios de autoria, além de prova da materialidade do delito. Indícios estes que, por sinal, podem derivar de provas colhidas durante o inquérito policial. (Precedente do STF e desta Corte).
[...]
(STJ – HC 85077/DF – Quinta Turma – Relator: Min. Felix Fischer – data do julgamento: 23.08.2007 – DJ 12.11.2007 p. 265 – grifo nosso)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INCONFORMIDADE MINISTERIAL. PROVA DA MATERIALIDADE E SUFICIENTES INDÍCIOS DA AUTORIA DO CRIME IMPUTADO AO RÉU. PRONÚNCIA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA.
Tendo em vista os indícios da existência do crime e da autoria, decorrentes da prova oral produzida na fase do inquérito, a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal Popular é medida que se impõe. Sentença reformada, para pronunciar o réu como incurso nas sanções do artigo 121, parágrafo 2º, incisos II e IV, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. Inteligência do artigo 408 do Código de Processo Penal. Na fase da pronúncia incide a regra do brocardo in dubio pro societate.
[...]
(TJRS – Recurso em sentido estrito 70023697618 – Relator: Des. Jaime Piterman – DJ. 26.08.2008 – grifo nosso)
Fernando Capez defende:
Na fase da pronúncia vigora o princípio do in dubio pro societate, uma vez que há mero juízo de suspeita, não de certeza. O juiz verifica apenas se a acusação é viável, deixando o exame mais acurado para os jurados. Somente não serão admitidas acusações manifestamente infundadas, pois há juízo de mera prelibação[1].
Logo, o art. 155 do Código de Processo Penal não tem aplicação na fase de pronúncia.
Ademais, em relação a condenação no Tribunal do Júri, a decisão se funda, exclusivamente, na íntima convicção dos jurados, não sendo possível identificar quais elementos foram considerados pelo Conselho de Sentença para condenar o acusado. Logo, é inviável analisar se o veredicto popular baseou-se exclusivamente nos elementos de prova colhidos na fase inquisitorial.
No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO COM BASE EM ELEMENTOS COLETADOS EXCLUSIVAMENTE DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1. SIGILO DAS VOTAÇÕES. PRINCÍPIO DA ÍNTIMA CONVICÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS UTILIZADOS PELOS JURADOS PARA CONDENAR A PACIENTE. (...).
1. A Lei n.º 11.690/2008, ao introduzir na nova redação do art. 155 do Código de Processo Penal o advérbio "exclusivamente", permite que elementos informativos da investigação possam servir de fundamento ao juízo sobre os fatos, desde que existam, também, provas produzidas em contraditório judicial. Noutras palavras: para chegar à conclusão sobre a veracidade ou falsidade de um fato afirmado, o juiz penal pode servir-se tanto de elementos de prova - produzidos em contraditório - como de informações trazidas pela investigação. Apenas não poderá se utilizar exclusivamente de dados informativos colhidos na investigação.
2. Os jurados julgam de acordo com sua convicção, não necessitando fundamentar suas decisões. Em consequência, é impossível identificar quais elementos foram considerados pelo Conselho de Sentença para condenar ou absolver o acusado, o que torna inviável analisar se o veredicto baseou-se exclusivamente em elementos coletados durante a investigação criminal ou nas provas produzidas em juízo. [...]
(HC 173.965/PE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 29/03/2012 – grifos nossos).
HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI. DECISÃO FUNDAMENTADA EM PROVA TESTEMUNHAL COLHIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. SOBERANIA DO VEREDICTO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. Não há falar em ausência de fundamentação, nem em decisão manifestamente contrária à prova dos autos, em hipótese em que o Conselho de Sentença, acolhendo uma das versões apresentadas no julgamento, concluiu pela autoria do crime, com base nas provas testemunhais colhidas na fase investigatória. O Tribunal de Apelação somente poderia anular o julgamento do júri se a decisão do Conselho de Sentença, distanciando-se da prova dos autos, fosse absurda, arbitrária, teratológica, o que não ocorreu na espécie.
(HC 44374/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES DE LIMA, QUINTA TURMA, DJe 10/12/2007 – grifos nossos).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, verifica-se que a obrigatoriedade da prova que passou pelo crivo do contraditório atinge apenas a sentença de mérito. O julgador pode usar as provas produzidas no inquérito, desde que confirmadas na fase judicial.
Exceção a aplicação do artigo 155 do Código de Processo Penal é a decisão de pronuncia. Por ser mista terminativa, a pronúncia não comina em sanção, os indícios de autoria delitiva e materialidade podem ser as provas do inquérito policial.
O artigo 155 do Código de Processo Penal não se aplica também na decisão do Júri, por não ser possível a identificação dos elementos utilizados pelos jurados para condenação.
Diante do que foi visto pode se concluir que as provas devem passar por uma análise mais apurada, que ocorre na fase judicial. Nos crimes dolosos contra a vida, de acordo com as peculiaridades do rito, a aplicação do artigo 155 do CPP deve ser visto com ressalvas.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa. Editor Antônio de Paulo. 19ª edição. Rio de Janeiro: 1.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14.ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 652
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 1ª Ed. 2011
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª Ed. 2008. p.341
HTTP://WWW.STJ.JUS.BR. Acesso diário.
HTTP://WWW.STF.JUS.BR. Acesso diário.
HTTP://WWW.TJMG.JUS.BR. Acesso diário.
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14.ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 652.
Analista do Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Patrícia Gomes. O Artigo 155 do CPP e os crimes de competência do júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45235/o-artigo-155-do-cpp-e-os-crimes-de-competencia-do-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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