SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DO TRABALHO ESCRAVO. 2.1 Dispositivos constitucionais que coíbem o trabalho escravo. 2.2 Convenções, acordos e tratados internacionais que coíbem o trabalho escravo. 2.3 Legislação infraconstitucional. 3 DO TRABALHO DEGRADANTE. DA DIFERENÇA ENTRE TRABALHO ESCRAVO E TRABALHO DEGRADANTE. 4 DAS AÇÕES PROMOVIDAS PARA COMBATER O TRABALHO ESCRAVO OU DEGRADANTE. 5 CONCLUSÃO.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho realizado em condição análoga à de escravo é o principal problema do Direito do Trabalho, pois retira completamente a dignidade do trabalho, que é forçado a trabalhar em condições degradantes, e, muitas vezes, privado de sua liberdade de locomoção. É a “coisificação” do homem.
Esta exploração precária recebe diversas denominações. Este trabalho visa, especialmente, discutir se “trabalho escravo” e “trabalho degradante” são sinônimos, destacando as principais convenções internacionais que regem o tema, bem como analisando a legislação pátria à luz da Constituição Federal e dos princípios gerais do Direito.
Este estudo objetiva, ainda, destacar as principais ações de combate ao trabalho escravo ou ao trabalho degradante, desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e seus auditores.
2 DO TRABALHO ESCRAVO
2.1 Dispositivos constitucionais que coíbem o trabalho escravo
O trabalho escravo entendido, ab initio, como a redução à condição análoga a de escravo, fere vários dispositivos constitucionais, em sua maioria direitos individuais dispostos no artigo 5º da Carta Magna. Encontra embargo, inclusive, em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana (vide art. 1º, III da Constituição Federal).
Já no caput do artigo 5º, a Constituição Federal garante a todos, brasileiros e estrangeiros, o direito à vida e à liberdade, entre outros. Isto é decorrência do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e, por si só, já proíbe o trabalho escravo. Ainda assim, vários outros dispositivos constitucionais impedem esta prática degradante.
Segundo o inciso II do referido artigo, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Certamente, não há na legislação trabalhista nenhum dispositivo normativo que obrigue alguém a trabalhar. O trabalho forçado não é aceito sob nenhuma hipótese. Aqui se encontra mais um impedimento ao trabalho escravo.
Ademais, ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, vide inciso III do mesmo artigo. Portanto, é impossível considerar, desde a vigência da Constituição Federal de 1988, a possibilidade de trabalhadores serem apenados com castigos físicos, torturados, machucados, ou mesmo constrangidos. Além disso, a legislação trabalhista conta com uma vasta normatização a respeito da saúde e segurança do trabalhador, que são normas de ordem pública e devem ser sempre observadas, sendo inaceitável o tratamento desumano ou degradante. Por fim, a jurisprudência, em consonância com as bases legais, tem concedido altas indenizações para o caso de trabalhadores que sofreram dano moral por conta de ato do empregador ou prepostos.
É importante ressaltar, ainda, que, segundo o inciso XLVII, não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; cruéis. Portanto, se nem mesmo o Estado pode, para aqueles que tiveram o devido processo legal e justo julgamento, impor tais penas, não pode o empregador submeter o empregado a condições similares.
2.2 Convenções, acordos e tratados internacionais que coíbem o trabalho escravo
O Brasil é signatário de diversos instrumentos de direito internacionais que firmam o compromisso em combater o trabalho em condição análoga à de escravo. São eles:
a) Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura, de 1926, ratificada pelo Brasil em 1966
Esta convenção visa abolir completamente a escravidão em todas as suas formas. Foi emendada pelo Protocolo de 1953 e pela Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956.
b) Convenção no 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, da Organização Internacional do Trabalho, de 1930, ratificada pelo Brasil em 1957
Segundo o artigo primeiro desta convenção, todo país-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificá-la compromete-se a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível.
A Convenção define a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” como todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente. Estabelece, ainda, um rol de situações que não serão compreendidas como trabalho forçado: qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude de leis do serviço militar obrigatório com referência a trabalhos de natureza puramente militar; qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas comuns de cidadãos de um país soberano; qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pessoa em decorrência de condenação judiciária, contato que o mesmo trabalho ou serviço seja executado sob fiscalização e o controle de uma autoridade pública e que a pessoa não seja contratada por particulares, por empresas ou associações, ou posta à sua disposição; qualquer trabalho ou serviço exigido em situações de emergência, ou seja, em caso de guerra ou de calamidade ou de ameaça de calamidade, como incêndio, inundação, fome, tremor de terra, doenças epidêmicas ou epizoóticas, invasões de animais, insetos ou de pragas vegetais, e em qualquer circunstância, em geral, que ponha em risco a vida ou o bem-esar de toda ou parte da população; pequenos serviços comunitários que, por serem executados por membros da comunidade, no seu interesse direto, podem ser, por isso, considerados como obrigações cívicas comuns de seus membros, desde que esses membros ou seus representantes diretos tenham o direito de ser consultados com referência à necessidade desses serviços.
c) Convenção no 105 sobre Abolição do Trabalho Forçado, da Organização Internacional do Trabalho, de 1957, ratificada pelo Brasil em 1965
Por força desta Convenção, os países signatários comprometem-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório, e dele não fazer uso como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente; como método de mobilização e de utilização da mão de obra para fins de desenvolvimento econômico; como meio de disciplinar mão de obra; como punição por participação em greves; como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
d) Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidade, de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992
Proíbe, em seu artigo 8º, a escravidão e o tráfico de escravos, em todas as suas formas, e a servidão. Também dispõe que ninguém será obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios.
e) Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, de 1996, ratificado pelo Brasil em 1992
Segundo este Pacto, os Estados Partes reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem, entre outros, a segurança e a higiene no trabalho, o descanso, o lazer, as férias periódicas e a limitação razoável das horas de trabalho.
f) Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992
Este pacto assegura, entre outros, o direito à vida e à integridade pessoal, e proíbe a escravidão e servidão. Segundo a Convenção, ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.
g) Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Declaração de Estocolmo de 1972
Já no primeiro artigo, esta Declaração assegura que o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna de gozar do bem-estar.
2.3 Legislação infraconstitucional
Passa-se a análise da legislação infraconstitucional. O trabalho escravo é crime tipificado pelo Código Penal, em seu artigo 149, que assim dispõe:
Art. 149 – Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou o preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Todas estas situações descritas no tipo - trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes e restrições à liberdade de locomoção - são ofensas direitas à dignidade da pessoa humana. O empregador não poderá, sob hipótese alguma, submeter seus empregados a tais situações, sob pena de incorrer em crime de redução à condição análoga à de escravo, e ainda, nos crimes relativos à violência, como lesão corporal e tentativa de homicídio.
3 DO TRABALHO DEGRADANTE. DA DIFERENÇA ENTRE TRABALHO ESCRAVO E TRABALHO DEGRADANTE
Por todo o exposto, já se percebe que a diferenciação entre “trabalho escravo” e “trabalho degradante” é bastante tênue. O artigo 149 do Código Penal, ao definir o crime de redução à condição análoga de escravo, assevera que, seja o trabalho forçado, a jornada exaustiva, as condições degradantes ou a locomoção restringida, todas estas situações serão enquadradas neste mesmo crime.
Entretanto, a Organização Internacional do Trabalho diferencia o trabalho escravo do trabalho degradante, pois entende que toda forma de trabalho escravo é degradante, mas nem toda forma de trabalho degradante é escravo. O fator principal de diferenciação é a liberdade. Quando há cerceamento da liberdade, fala-se em trabalho escravo: é o caso do trabalho forçado ou da restrição da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Quando não houver afronta à liberdade, mas estiverem presentes condições degradantes, como a jornada excessiva, a falta de segurança e higiene, ou mesmo alimentação adequada, é o caso de trabalho degradante.
Esta diferenciação, entretanto, não gera efeitos importantes, posto que a tipificação legal do crime será sempre a de redução à condição análoga à de escravo. A gravidade da situação influenciará na dosimetria da pena.
Segundo o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo, produzido pelo Ministério do Trabalho e Emprego[1],
Diversas são as denominações dadas ao fenômeno de exploração ilícita e precária do trabalho, ora chamado de trabalho forçado, trabalho escravo, exploração do trabalho, semiescravidão, trabalho degradante, entre outros, que são utilizados indistintamente para tratar da mesma realidade jurídica. Malgrado as diversas denominações, qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos do trabalhador, ou seja, cerceie sua liberdade, avilte a sua dignidade, sujeite-o a condições degradantes, inclusive em relação ao meio ambiente de trabalho, há que ser considerado trabalho em condição análoga a de escravo.
4 DAS AÇÕES PROMOVIDAS PARA COMBATER O TRABALHO ESCRAVO OU DEGRADANTE
As principais ações de combate ao trabalho escravo ou degradante são promovidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério Público do Trabalho (através de ações civis públicas e termos de ajuste de conduta, entre outras ações). Apenas em 1995 o Governo Brasileiro reconheceu oficialmente a existência do trabalho em condição análoga à de escravo no país, segundo o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de escravo, porém, a partir desta data, tem promovido ações para erradicá-lo.
O Ministério do Trabalho e Emprego, órgão do poder Executivo, é responsável por receber denúncias relativas a casos de trabalho escravo, e averiguá-las. Estas denúncias são feitas, normalmente, ao próprio Ministério. Entretanto, este órgão conta com diversos parceiros, como a Comissão Pastoral da Terra, o Ministérios Público Federal, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal, entre outros, que também recebem denúncias.
Para averiguar as denúncias, o Ministério do Trabalho e Emprego conta com um Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que, juntamente com as Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego, desenvolvem as fiscalizações necessárias. De acordo com o manual supracitado,
À ação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM se soma a atuação dos grupos especiais de fiscalizacão das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE). A iniciativa reforçou a presença da Inspeção do Trabalho nas atividades em que se verifica maior incidência de irregularidades indicadoras de prática de trabalho análogo ao de escravo. A intensificação da fiscalização nessas atividades estimula o cumprimento voluntário da legislação trabalhista e contribui para inibir a prática de reduzir trabalhadores à condição análoga à de escravo.
O trabalho dos auditores fiscais responsáveis por averiguar a ocorrência de redução à condição análoga à de escravo consiste em ações fiscais. Caso haja a ocorrência de irregularidades, o fiscal poderá apreender documentos, equipamentos, armas de fogo, bem como promover à interdição imediata dos estabelecimentos.
É importante ressaltar que o Grupo Móvel trabalha arduamente para liberar de maneira imediata os trabalhadores submetidos a trabalhos forçados ou degradantes, e, ainda, buscar a satisfação das obrigações trabalhistas.
O Ministério do Trabalho e Emprego desenvolve ainda outras ações para o combate ao trabalho escravo. Conta, por exemplo, com uma lista de empregadores que mantinham empregados em condições degradantes, ou mesmo restringindo a liberdade de locomoção. A atualização deste cadastro é feita semestralmente. O empregador que se encontra nesta “Lista Suja” poderá ter, inclusive, o cancelamento de financiamentos por bancos públicos. Portanto, este cadastro é bastante importante no que diz respeito ao combate preventivo do trabalho escravo.
O Ministério Público do Trabalho também realiza diversas ações para o combate ao trabalho escravo, especialmente promovendo ações judiciais para punir os empregadores. Segundo a “Cartilha do Trabalho Escravo”, produzida pelo Ministério Público do Trabalho[2],
Atento à vocação institucional para expurgar o trabalho escravo definitivamente da nossa sociedade, o Ministério Público do Trabalho criou em 12 de setembro de 2002, por meio da portaria 231/2002 a atualmente denominada Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. [...]
Desde então, a CONAETE integra e protagoniza ações de repressão, interinstituicionais e próprias, vem implementando medidas que atacam o tráfico de pessoas configurado na origem do problema e projetos que visam a inserção dos trabalhadores em cursos de qualificação profissional e, consequentemente, no mercado de trabalho, para evitar a reincid6encia e transformar a anterior hipossuficiência extrema do ser humano escravizado em nova realidade social, efetivamente libertadora.
O Ministério Público do Trabalho pode promover, ainda, inquéritos civis, para colheita de dados que embasarão uma futura ação civil pública e termos de ajuste de conduta.
5 CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que, penalmente, não há diferença entre o trabalho degradante e o trabalho escravo. Ambos retiram a dignidade do trabalhador e constituem o tipo penal da redução à condição análoga à de escravo. Entretanto, costuma-se associar ao trabalho escravo aquelas situações em que é retirada a liberdade do trabalhador. Já o trabalho degradante seria aquele realizado sem observância das normas de saúde e segurança, ou sem a promoção das condições mínimas de bem estar.
No Brasil, o trabalho escravo ou degradante ainda é bastante comum. Sendo assim, o Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho não medem esforços para combatê-los, sendo as principais ações as fiscalizações do Grupo Móvel do MTE, e as ações civis públicas promovidas pelo MPT.
BIBLIOGRAFIA
CASSAR, V. B. (2011). Direito do Trabalho. Niterói, RJ: Impetus.
DELGADO, M. G. (2004). Curso de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: Ltr.
Ministério do Trabalho e Emprego. (2011). Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília.
Ministério Público do Trabalho. Cartilha do Trabalho Escravo.
SILVA, M. R. (2010). Trabalho análogo ao de escravo rural no Brasil do século XXI: novos contornos de um antigo problema. Goiânia.
[1] Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC88201350B7404E56553/combate%20
trabalho%20escravo%20WEB.PDF
[2] Disponível em: www.pgt.mpt.gov.br
Graduada em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina - CEUT; Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci; Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Camilla Holanda Mendes da. Trabalho escravo e degradante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45236/trabalho-escravo-e-degradante. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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