Com o passar dos anos, houve uma revolução comportamental do ser humano. Modificou-se profundamente seu modo de pensar e agir e, infelizmente, essas modificações não se deram de forma positiva.
Os tempos atuais mostram uma alienação comportamental que a psicologia de Skinner tenta explicar há tempos, porém, nem sempre consegue lograr êxito.
Foi-se a época em que valores pessoais (morais e sociais) imperavam como se soberanos fossem.
Tais valores, nos dias atuais, deram lugar ao egoísmo, ao sarcasmo, à destreza de prejudicar o seu semelhante pelo simples fato de, somente, prejudicá-lo.
Valores que antes eram tidos como sinônimos de idoneidade foram ceifados pela nefasta evolução inculcada (com nossa inerte conivência) nos seres humanos como sendo “a evolução moderna”.
A evolução das coisas é inevitável, tendo em vista que o momento que vivemos hoje é diferente de anos, décadas atrás, porém, a grande questão a ser respondida é de que forma essa evolução é aplicada no cotidiano de cada um de nós.
Essa alienação reflete, de forma inconteste, nas relações pessoais e familiares, ainda mais quando estas não são/estão presentes de forma harmoniosa.
A coisa complica, ainda mais, quando envolve o nosso amor maior. Nossos filhos.
Com a LEI Nº 13.058, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2014 (guarda compartilhada), surgiram muitas discussões em vários ramos de sua aplicação, porém, vamos discorrer sobre uma delas que, infelizmente, está em evidência a todo vapor causando sérios danos a muitas pessoas.
Trataremos da questão criminal envolvendo a guarda compartilhada.
Quando um relacionamento chega ao fim, é certo que muitas pessoas sintam-se rejeitadas, feridas sentimentalmente, machucadas na alma enfim, com a sensação de que o chão desaparecera para sempre.
Com essa sensação, nem sempre todos conseguem lidar com a situação de forma sensata e não deixar que emoção prevaleça sobre a razão.
Um casal que rompe sua relação afetiva, que possuam filhos em comum, e que durante a discussão acerca da guarda da prole optam pela guarda compartilhada, dependendo das circunstâncias, podem dar cabo à inúmeras consequências. Inclusive de ordem criminal.
Muitos pais (leia-se pai e mãe), no mais absurdo ímpeto de ter a guarda somente para si, estão levando a situação ao extremo, não medindo o prejuízo que isso pode causar ao outro.
No cenário jurídico atual não são raros os casos de abuso sexual inexistentes, onde, para aquele que tal crime é imputado o mal causado quase nunca é reparado (vide o caso da escola BASE).
Isso quando não tem a sua vida interrompida por “justiceiros sociais” que acreditam que a justiça feita com as próprias mãos (art. 345 do Código Penal) é a mais eficaz.
No âmbito da guarda compartilhada, muitos pais que não se conformam com a decisão de terem de compartilhar seu filho com o outro par, acabam por romper as barreiras do inimaginável.
Tragicamente são muitos os casos de imputação criminal a quem não cometeu nenhum crime, pois quem os imputa o faz pelo simples fato de querer para si, e somente para si, a guarda do filho sem medir as consequências do ato praticado.
Ter uma acusação de qualquer crime sexual é, antes de mais nada, uma sentença de morte. Sim, de morte!
Sabemos que não é admitida, nem pelo mais vil dos criminosos, a prática de crime sexual, ainda mais contra um filho. Sendo assim, ter uma acusação pairando sobre a pessoa de qualquer crime sexual, esta se torna um alvo ambulante.
O que muitos pais talvez não saibam é o fato de que o mal causado para o acusado, ou seja, aquele que todos nós estamos cansados de saber como rejeição pela sociedade, exposição de quase sempre ser taxado de estuprador, sensação de linchamento a qualquer momento e ter a morte como companhia 24 horas por dia, seja solto ou preso, é que existe um crime cometido e que deve ser apurado. E tendo sido comprovada a sua culpabilidade, deve ser responsabilizado e pagar por ele.
Não pode o pai ou a mãe, em seu egoísmo, imputar um fato criminoso falso ao outro e depois dizer que o fez por impulso e que não tinha a intenção de causar prejuízo. Ou pior, dizer que o fez por amor ao filho.
Muitas vezes o prejuízo não poderá ser revertido, pois o ser humano não é gato e, segundo crença popular, somente este possui 7 vidas.
Alguns tipos criminais, previstos no Código Penal, merecem destaque para o que aqui se discute. Vamos a eles.
Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000).
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.
Este crime configura-se quando o sujeito ativo der causa a qualquer uma das figuras tipificadas na redação do artigo, seja na forma oral, escrita, por telefone etc.
Ressalta-se que a falsa imputação deve ser determinada, ou seja, que tenha a característica da prática de um ilícito penal e de pessoa determinada.
Também há de se destacar que a acusação esteja em contradição com a verdade dos fatos e que o agente ativo tenha a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática do crime.
Comunicação falsa de crime ou de contravenção
Art. 340. Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Consuma-se o crime quando provocada a ação da autoridade, ainda que não vá além de indagações preliminares, não se instaurando o inquérito policial.
Distingue-se do crime de Denunciação caluniosa pelo fato de que neste há a indicação expressa de pessoa determinada como autoria da infração e no delito de Comunicação falsa de crime ou contravenção não há essa indicação.
Se um dos pais comunica, falsamente, que o filho foi molestado sexualmente logo após retornar da casa do outro, houve uma comunicação de crime sem citar pessoa determinada.
Como no crime de Denunciação caluniosa, é indispensável que o agente ativo saiba da inocência de quem é imputado o crime e, também, que haja o fim de provocar a autoridade, ou ao menos se assuma o risco.
Calúnia
Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
Para que se caracterize a Calúnia, deve haver uma falsa imputação de fato definido como crime (não se admitindo fato definido como contravenção penal, que poderá ser tipificado em outro dispositivo) de forma determinada e específica, onde, outrem toma conhecimento.
Não basta simplesmente ser uma afirmação vaga sem nenhuma descrição do fato criminoso como, por exemplo, dizer que tal pessoa é um ladrão.
Deve haver uma “narrativa” do fato falsamente imputado, com o mínimo de entendimento que tal fato tenha “começo meio e fim” (ainda que de forma não detalhada).
Exemplo a ser dado, tomando por base o nosso contexto, é o de uma pessoa imputar a outra, falsamente, a seguinte situação: “A” (pai) abusou sexualmente de “B” (filho), pois estavam dormindo juntos, onde, “A” prevalecendo-se de sua condição de pai, praticou tal ato.
A narrativa, ainda que breve, teve começo: “A” abusou sexualmente de “B”; meio: “pois estavam dormindo juntos”; e fim: “sendo que “A” prevalecendo de sua condição de pai, praticou tal ato”.
Os três tipos penais citados são os mais comuns e corriqueiros no dia-a-dia, porém, o que se deve levar em conta é o estrago moral e psicológico de quem recai a imputação.
Não podemos admitir, em hipótese alguma, que a mera suspeita de uma acusação leviana se torne verdade absoluta.
Pode até parecer absurdo para algumas pessoas que isso venha ocorrendo em pleno século XXI, mas deixará de ser quando a situação for consigo.
Nada é mais nojento, impuro, nefasto do que um crime contra a dignidade sexual e devemos, sempre, repudiá-lo em todas as suas formas, mas utilizá-lo, falsamente, para anseios próprios e de forma ardilosa é tão reprovável quanto quem o comete de verdade.
Por isso, o cuidado na apuração dos fatos deve sempre prevalecer antes de qualquer atitude impulsiva, seja por parte da sociedade, polícia, judiciário, respeitando o princípio constitucional da presunção de inocência.
Advogado; Consultor jurídico; Vice-Presidente da Comissão de Direito Penal e Direito Processual Penal da OAB/SP-Subseção Lapa; Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP-Subseção Lapa; Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal; Pós-graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil; Autor de diversos artigos jurídicos publicados em sites, revistas e jornais especializados; Colunista e orientador jurídico do projeto Prodigs - Ação Pró-dignidade sexual; Palestrante.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VENTURA, Denis Caramigo. As falsas imputações criminais que envolvem alguns casos de guarda compartilhada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45254/as-falsas-imputacoes-criminais-que-envolvem-alguns-casos-de-guarda-compartilhada. Acesso em: 23 dez 2024.
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