RESUMO: O acesso à justiça é um direito fundamental dos cidadãos. Para que ele fosse efetivado, a Constituição Federal de 1988 trouxe a figura da Defensoria Pública, que pode ser de três tipos: da União, do Distrito Federal e Territórios e dos Estados. Muitos anos após sua criação, essa instituição ainda não está totalmente estruturada no país. Grande parte das pessoas carentes não pode ou tem dificuldade em contar com uma assistência jurídica gratuita. Na Bahia tem-se um exemplo do déficit existente. A Defensoria Estadual da Bahia é anterior à atual Carta Magna, no entanto, apenas uma pequena parte do estado é atendida por ela.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso à justiça. Defensoria Pública. Defensoria Pública do Estado da Bahia. Déficit.
1 INTRODUÇÃO
Para que a justiça ocorra é necessária a criação de mecanismos que propiciem às pessoas o acesso ao judiciário. Assim, neste trabalho busca-se, a partir do entendimento do acesso à justiça como um direito, demonstrar quão fundamental é a instituição da Defensoria Pública enquanto meio para a sua efetivação. Nesse ponto faz-se necessário lançar um olhar sobre a realidade local, analisando o histórico e a situação dessa instituição no estado da Bahia.
De início, investiga-se o desenvolvimento do conceito de acesso à justiça, valendo-se da doutrina e da legislação concernente. Depois, são tecidas considerações acerca da Defensoria Pública, instituição que constitui, por excelência, um mecanismo de assistência judiciária. Por fim, lança-se um olhar sobre a atuação dessa instituição no Estado da Bahia diante da demanda.
2 DO ACESSO À JUSTIÇA
O acesso à justiça é um direito reconhecido atualmente e pode ter duas finalidades, como afirmam Cappelletti e Garth:
A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que, primeiro, deve ser acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (2002, p. 3)
De acordo com esses autores, no Estado Liberal (laissez-faire), mesmo sendo reconhecido esse direito, não era exigida nenhuma ação estatal a fim de efetivá-lo. Tal situação começa a mudar com a ascensão do Estado de Bem-Estar Social (welfare state), no século XX.
No Brasil, segundo Oliveira (2007), as primeiras iniciativas buscando assegurar a igualdade e o acesso à justiça remontam às Ordenações Afonsinas (com as mudanças de 1823). No entanto, um verdadeiro marco nesse sentido foi a Lei nº 1.060/50, chamada Lei da Assistência Judiciária, que garante aos que se declararem necessitados isenção no pagamento das custas judiciais e dos honorários advocatícios (art. 3º), estes que são fatores apontados por Cappelletti e Garth (2002) como barreiras no acesso à justiça.
Na Constituição Federal de 1988 esse direito ganhou mais força, sendo elevado à categoria de garantia individual. O art. 5º, XXXV, que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” garante a inafastabilidade da jurisdição. E, a fim de tornar esse ideal efetivo, complementa o inciso LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Cintra, Grinover e Dinamarco (2012) chamam a atenção para a mudança trazida pela Lei Maior ao falar em assistência jurídica em vez de judiciária, como faz a lei, uma vez que aquela é mais ampla.
Essa assistência jurídica integral e gratuita prometida aos hipossuficientes deverá ser exercida pela Defensoria Pública, como prevê o artigo 134 da CF. E é justamente sobre essa instituição essencial à justiça que se discorre a partir de agora.
3 DA DEFENSORIA PÚBLICA
No caminho da busca pela justiça, as pessoas, principalmente as mais pobres, têm de enfrentar diversos obstáculos. Entre eles estão, segundo Cappelletti e Garth (2002), as custas processuais, os honorários advocatícios, a demora na resolução dos conflitos e a falta de conhecimento sobre como e quando pleitear um direito em juízo.
Foi visando a superação, sobretudo, da falta de recursos financeiros e de conhecimento jurídico por parte da população carente que a Constituição de 1988 estabeleceu a criação da Defensoria Pública, definida pelo art. 134, caput, como:
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal[1]
Sobre isso, observam Cintra, Grinover e Dinamarco (2012, p. 251) que “a institucionalização da Defensoria Pública (Const., art. 134) constitui séria medida direcionada à realização da velha e descumprida promessa constitucional de assistência judiciária aos necessitados”.
A Defensoria Pública como instituição com abrangência nacional é uma criação da atual Constituição, consoante Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2008). No entanto, como demonstra o Mapa da Defensoria Pública no Brasil, da Associação Nacional dos Defensores Públicos - ANADEP (2013), antes disso ela já havia sido criada em sete estados brasileiros.
A organização federal e as diretrizes para defensorias estaduais foram estabelecidas pela Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, como previa o art. 134, §1º, CF. Em seu artigo 2º, a lei afirma, ipsis litteris:
Art. 2º A Defensoria Pública abrange:
I- a Defensoria Pública da União;
II- a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;
III- as Defensorias Públicas dos Estados.
As duas primeiras são de responsabilidade da União; já a implantação da terceira cabe a cada um dos Estados, que devem respeitar a autonomia funcional e administrativa de suas instituições (art. 134, §2º, incluído pela EC nº 45, de 8-12-2004). Às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal e Territórios tal autonomia fora concedida apenas em 2013, com a Emenda Constitucional nº 74, que acrescentou o §3º ao referido artigo[2].
Os Defensores Públicos Federais (ou seja, da União) atuam frente à Justiça Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar (as chamadas Justiças da União), bem como aos Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União (art. 14, LC nº 80/94). Já os defensores estaduais devem atuar em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado, além de interpor recursos aos Tribunais Superiores, quando cabíveis (art. 106, LC nº 80/94).
Hoje, mais de 26 anos após a promulgação da Constituição Cidadã, todos os estados já criaram por lei suas instituições. No entanto, conforme a ANADEP (2013), as defensorias de Amapá[3], Goiás[4], Paraná[5] e Santa Catarina[6], na ocasião do estudo, ainda não haviam concluído ou realizado concursos públicos para a carreira de defensor, como manda o art. 134, §1º, CF.
Mesmo com a instalação dessas instituições nos estados, existe um déficit enorme no atendimento às pessoas necessitadas de assessoria jurídica, mesmo onde as defensorias já estão atuando há muito tempo. Como mostra o Mapa da Defensoria Pública no Brasil (ANADEP, 2013), das 2.680 comarcas existentes no país, apenas 754 (28%) possuem defensoria. Há um saldo negativo de 10.758 defensores públicos no país.
Diante dessa situação, é pertinente entender de forma melhor a importância dessa instituição essencial à justiça.
3.1 DA IMPORTÂNCIA DA DEFENSORIA PÚBLICA
Como já aduzido, a instituição da Defensoria Pública constitui uma tentativa de resolver o problema do acesso à justiça, principalmente em relação aos obstáculos das custas judiciais, honorários advocatícios e falta de conhecimento. A fim de possibilitar uma melhor compreensão dessa dificuldade usaremos de alguns exemplos.
As custas judiciais são estabelecidas pelos estados, variando de um para outro. Na Bahia, por exemplo, quem pretende pleitear uma causa com valor de até R$ 1.000,00, deverá pagar uma taxa de R$ 243,92, conforme a Tabela de Emolumentos do TJBA (2015). Para aqueles que não têm condição de arcar com tais despesas sem prejudicar seu sustento e o de sua família, a Lei 1.060/50[7], em consonância com o princípio da isonomia, garante a gratuidade no acesso ao Judiciário.
Apesar disso, persiste a barreira dos honorários advocatícios. Seguindo a demonstração prática, conforme a Tabela de Honorários da OAB-BA (2015), nos processos contenciosos em geral o advogado deve receber 20% do valor da causa ou do seu proveito, se este for maior, não podendo seu pagamento, nessa hipótese, ser inferior a R$ 500,00. Tal circunstância desencoraja uma pessoa hipossuficiente a propor uma ação e buscar por justiça.
Entretanto, essa dificuldade demonstra-se maior se analisarmos tal questão na área criminal, campo em que o Estado interfere de forma mais profunda na vida das pessoas, cerceando a liberdade. Nessa seara é extremamente decisiva a atuação de um advogado, ocorrendo várias injustiças decorrentes do fato de as pessoas não terem condições de contratar um advogado e nem contarem com a Defensoria Pública, que, quando existe, está sobrecarregada.
Tomemos como exemplo uma situação comum, na qual uma pessoa necessitada furta um objeto. Para ter sua defesa feita por um advogado particular, ela ou seus familiares deveria desembolsar, segundo a Tabela de Honorários da OAB-BA (2015), a quantia de R$ 3.200,00.
E, caso alguém queira uma informação sobre um direito, uma consulta verbal custa, em regra, R$ 230,00. Com relação à falta de conhecimento, Cappelletti e Garth afirmam que “na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa” (2002, p. 12).
Vale ressaltar que a intenção não é criticar os valores da OAB, mas demonstrar que é caro contar com um advogado particular, depreendendo-se disso o mérito da Defensoria Pública.
4 DA DEFENSORIA PÚBLICA E A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA NO ESTADO DA BAHIA
De acordo com sua página na internet (http:// www.defensoria.ba.gov.br), a Defensoria Pública do Estado da Bahia é anterior à Constituição de 1988. Foi criada em 1985 pela Lei Estadual nº 4.856. Sua autonomia veio apenas em 2005, com a Emenda à Constituição Estadual de nº 11, adequando-se à mudança feita na Lei Maior. A DPE é regulamentada pela Lei Complementar Estadual nº 26/2006 (Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado da Bahia).
A Constituição do Estado prevê, no art. 144, §4º, que a DPE contará com a assistência da Ordem dos Advogados do Brasil, que, segundo a Lei Orgânica da DPE, prestará auxílio na realização dos concursos. Além disso, para ser defensor público é exigida inscrição na OAB.
De acordo com o estudo apresentado no Mapa da Defensoria Pública no Brasil (ANADEP, 2013), apenas 24 comarcas baianas são atendidas pela defensoria, restando 254 sem atendimento. Para piorar a situação, existem 583 cargos de defensor, no entanto, apenas 224 estão ocupados.
O citado estudo usou como metodologia a proporção de um defensor público para cada 10 mil pessoas acima de 10 anos com até 3 salários mínimos. Assim, na Bahia existem 18.911 pessoas necessitando de assistência judiciária por cargo existente e 49.218 por cargo provido, estimando-se uma carência de 1.015 defensores públicos no estado, que ocupa a 3ª colocação nacional entre os com maior déficit.
Ante essa deficiência, nas comarcas não atendidas, grande maioria, haja vista a concentração dos existentes em grandes centros, na prática os juízes, mesmo sabendo que a resposta será negativa, oficiam a Defensoria Pública para que nomeie algum defensor para o caso concreto, ou seja, o fazem por mera formalidade. Advinda a resposta negativa, nomeiam um advogado dativo, que deverá ser remunerado pelo Estado, algo que geralmente demora a acontecer.
5 À GUISA DE CONCLUSÃO
Os cidadãos brasileiros têm como garantia individual a assistência jurídica gratuita, que inclui orientação tanto judicial quanto extrajudicial, como forma de efetivação do direito de acesso à justiça. Para tanto, foi criada a Defensoria Pública, instituição essencial à justiça.
A partir disso, poder-se-ia dizer que o problema do acesso à justiça estaria resolvido no Brasil se essa instituição tivesse sido efetivamente atuando. Mas falta por parte dos agentes políticos o interesse de ver o déficit de defensores suprido, interferindo de maneira significativa na vida das pessoas, como é o caso do estado da Bahia, que tem um alto número de pessoas hipossuficientes para um número reduzido de defensores em atuação.
Não é possível ter um pleno acesso à justiça sem que seja dada à população carente meios de pleiteá-la.
REFERÊNCIAS
ANADEP. Associação Nacional dos Defensores Públicos. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. 1ª ed. Brasília, 2013.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002.
CINTRA, Antônio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
DEFENSORIA Pública do Estado da Bahia. Histórico. Disponível em: <http://www.defensoria.ba.gov.br/portal/index.php?site=1&modulo=eva_conteudo&co_cod=402>. Acesso em: 19 mai. 2013.
OAB-BA. Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Bahia. Tabela de Honorários. Disponível em: < http://www2.oab-ba.org.br/Template.asp?nivel=00040010&identidade=174>. Acesso em: 29 ago. 2015.
OLIVEIRA, Simone dos Santos. Defensoria pública brasileira: sua origem. Revista de Direito Público, Londrina, v. 2, n. 2, p. 59-74, mai/ago. 2007.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 3ª ed., rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008.
TJBA. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Tabela de Custas. Disponível em: < https://www.tjba.jus.br/tabeladecustas/tabela_custa.pdf >. Acesso em: 01 ago. 2015.
[1] Redação dada pela EC nº 80/2014. A redação original do art. 134 dizia: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
[2] Art. 134 § 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.
A referida emenda é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.296, ajuizada pela Presidente da República, que alega ser a matéria de inciativa do Executivo, e, portanto, inconstitucional a concessão de autonomia.
[3] Na ADI 5.286, ajuizada contra a Lei Complementar 86/2014 do Amapá, que reorganiza a Defensoria Pública no estado, a ANADEP questiona artigos que violariam a independência garantida pela Constituição, bem como o fato de ainda não ter sido realizado concurso público (ver STF. Associação questiona norma que regulamenta Defensoria Pública no Amapá. 27 abr. 2015. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290265. Acesso em 29 ago. 2015, às 22h40.
[4] Criada em 2005, a Defensoria Pública de Goiás teve seu primeiro concurso público realizado em 2010, mas passou três anos parado por discussão no Judiciário. O segundo foi realizado em 2014, com nomeações em 2015 (ver Defensoria pública de Goiás está defasada e não há nomeação de aprovados. Migalhas. 15 mai. 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI220567,61044-Defensoria+publica+de+Goias+esta+defasada+e+nao+ha+nomeacao+de. Acesso em: 29 ago. 2015.)
[5] No Paraná, o primeiro concurso público para defensor foi concluído em maio de 2013, com posterior convocação, e o segundo está em andamento (ver http://www.defensoriapublica.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=114).
[6] A primeira nomeação de defensores públicos do Paraná ocorreu apenas em março de 2013 (http://www.defensoria.sc.gov.br/index.php/component/docman/cat_view/7-concurso-publico?Itemid=525).
[7] O Novo Código de Processo Civil, no artigo 1.072, III, revogou vários artigos da referida lei, passando a gratuidade da justiça, com a sua vigência, a ser regulada pelos seus artigos 98 a 102.
Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário AGES - UniAGES, em Paripiranga-BA. Estagiário do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia com lotação na Vara Cível da Comarca de Paripiranga-Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, José Alisson Sousa dos. Acesso à justiça e Defensoria Pública: um olhar sobre a assistência judiciária na Bahia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2015, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45281/acesso-a-justica-e-defensoria-publica-um-olhar-sobre-a-assistencia-judiciaria-na-bahia. Acesso em: 23 dez 2024.
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