RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar em breves linhas e mediante a pesquisa doutrinária a importância dos princípios processuais previstos constitucionalmente, bem como suas principais características. Para tanto inicialmente fizemos um breve esboço sobre conceito e relevância dos princípios em geral no nosso ordenamento jurídico, assim como traçamos um paralelo diferenciando princípios e regras. É cediço que os princípios da Inafastabilidade de Jurisdição, do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa não são os únicos previstos constitucionalmente, mas em sua essência possuem caráter basilar e fundamental ao direito processual, motivo que motivou a realização do presente estudo com a finalidade de aprofundar o conhecimento sobre os mesmos e como forma a orientar e auxiliar demais intérpretes e aplicadores do Direito no devido uso dos mesmos.
Palavras-chave: Princípios Constitucionais do Processo. Inafastabilidade do Judiciário. Devido Processo Legal. Contraditório. Legítima Defesa.
INTRODUÇÃO
Para o devido estudo dos princípios basilares do processo civil previstos na constituição, faz-se necessário uma preliminar compreensão do que sejam. Para Miguel Reale (1986, apud, Ana Luiza Berg Barcellos, 2005):
Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.
Vê-se que os princípios motivam as decisões, os pedidos e os pareceres jurídicos, ordenando-os dentro do sistema e dando segurança quanto à validade de seus pressupostos necessários.
O vocábulo princípio ascende etimologicamente do latim, de principium, tendo como significado de origem, começo, ou ponto de partida. Os princípios são preceitos que servem como critério para melhor compreensão, otimização e aplicação das normas.
Assevera o Ministro José Augusto Delgado (2005, p.326):
A essência de um princípio, no campo do direito, é uma diretiva jurídica para que se aplique corretamente uma norma positiva. Em conseqüência, ele não possui uma normatividade própria que se implique se tornar possível a sua aplicação imediata e autônoma. Não há condição, por exemplo, de se receber o pedido de qualquer entrega de prestação jurisdicional invocada em juízo com sustentação, simplesmente, em um princípio. Há de se indicar a norma positiva que clarifique e delimite a pretensão, tornando concreta a atuação jurisdicional estatal.
Segue a mesma linha Celso Antônio Bandeira de Melo (1981, apud, José Augusto Delgado, 2005):
Princípios, já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferente normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá o sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
Compreende-se, assim, que o princípio é apenas um norte a ser seguido pelos estudiosos e aplicadores das leis, não havendo possibilidade de utilizá-lo singularmente como fundamento em decisões ou em pedidos jurisdicionais, uma vez que seu objetivo é de tornar as normas positivas mais claras.
Embora exerçam funções norteadoras possuem caráter normativo como as demais regras jurídicas, e, a este entendimento não há mais o que se discutir, pois já pacificado pela maioria dos doutrinadores dentre eles: Norberto Bobbio, Celso Antônio Bandeira de Melo e Joaquim Gomes Canotilho, entre outros que concluem que os princípios gerais são normas como todas as outras.
Importa ainda fazer pequenas distinções entre regras e princípios. As regras são aplicadas diretamente e necessitam do apoio dos princípios. Ademais as regras possuem determinações normativas definidas, elas impõem, proíbem ou permitem determinados comportamentos, uma vez que exista incompatibilidade entre elas no ordenamento, uma deve excluir a outra necessariamente, pois o nosso sistema não permite a validade simultânea de regras contraditórias.
Enquanto aquelas são aplicadas diretamente, os princípios carecem de intercessão do legislador ou do juiz para sua aplicabilidade, embora, sejam elementos que dão estrutura ao nosso ordenamento jurídico na medida em que são fundamentos das regras. Além disso, os princípios permitem uma ponderação valorativa e de interesses de acordo com seu peso em determinadas situações de conflito, ou seja, não se excluem quando presentes simultaneamente na mesma conjuntura.
O Ministro José Augusto Delgado (2005, p.321) discorre no que se refere às funções dos princípios subdividindo-as em: função ordenadora e função prospectiva. A primeira refere-se aqueles que desempenham papel de linha reguladora para a fixação de critérios interpretativos e que integrem o Direito de forma geral, com o fim de harmonizar o sistema.
A função prospectiva, por sua vez, abrange os princípios capazes de atribuir recomendações como forma de adotar novas formulações ou regras jurídicas mais atuais, com o intuito de aperfeiçoar o direito aplicado.
Canotilho denomina estas funções respectivamente de sistemática, que influencia e ordena todo o sistema, e de normogenética que motiva as regras jurídicas.
É sabido que o direito processual é um ramo do direito público e, em consequência, tem suas balizas projetadas pela Constituição Federal que é norma maior do Estado de Direito e que estabelece, dentre outras normas e preceitos, alguns princípios processuais.
Muitas vezes é possível identificar a presença dos mesmos princípios nos dois ramos do direito (Constitucional e Processual), em geral, por trás dos princípios que informam as normas processuais sempre está um comando constitucional.
A Constituição rodeia o sistema processual de princípios e garantias, que por sua vez é utilizado para a atuação dos preceitos traçados constitucionalmente, sob esta óptica é claro o entrelace, a interligação entre as disciplinas.
É evidente a importância e a superioridade dos princípios na medida em que servem de fontes para o Direito e no momento em que são encarados como norteadores da atuação legislativa e condutores de interpretação das normas positivas.
Além disso, os princípios processuais foram recepcionados expressa e implicitamente pela nossa Carta Magna e têm grande relevância, em decorrência da sua atuação no âmbito processual como protetores das garantias fundamentais, garantindo, ainda, a rigidez do sistema jurídico ao determinar patamares de hierarquia entre as normas e impondo colocações preliminares diante de discussões doutrinárias sobre determinadas matérias.
1. Princípio da Inafastabilidade de Jurisdição
O presente princípio também pode ser encontrado sob as seguintes denominações: princípio da garantia de acesso a via judiciária, princípio da ubiquidade da Justiça, princípio do livre acesso ao judiciário ou até mesmo direito de ação.
Encontra-se disposto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXV, da seguinte forma: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Consagra, este princípio, em sede constitucional, o direito de acesso ao Poder Judiciário por todos sem distinção e, em contrapartida, estabelece dever do Estado em prestar adequadamente a jurisdição.
Acontece que nem sempre foi assim, tivemos momentos na nossa história recente, à época da ditadura militar (Constituição anterior), em que se tentou excluir da apreciação do Judiciário os atos administrativos praticados pelo Golpe Militar de 1964, por meio do Ato Institucional número 5, o AI 05, este que foi constitucionalizado pela Emenda Constitucional 01/69.
A amplitude do princípio em exame implica considerar a existência de meios processuais que protejam os cidadãos de todos os atos do poder público quer legislativos, atos da administração ou jurisdicionais.
Num primeiro momento observa-se que este princípio se destina ao Poder Legislativo, na medida em que não poderá aprovar leis que de qualquer forma restrinjam o acesso à via judiciária. Ora, se a Lei Maior do Estado permite o amplo acesso ao judiciário, não merecerá atenção disposições ordinárias que contraponham este preceito.
Leciona Nelson Nery (2006, p. 103):
O direito de ação é um direito público subjetivo exercitável até mesmo contra o Estado, que não pode recusar-se a prestar tutela jurisdicional. O Estado-juiz não está obrigado, no entanto, a decidir em favor do autor, devendo, isto sim, aplicar o direito ao caso que foi trazido pelo particular. O dever de o magistrado fazer atuar a jurisdição é de tal modo rigoroso que sua omissão configura causa de responsabilidade judicial.
Conforme já mencionado o direito de ação pertence a todos quantos aleguem ter sofrido lesões aos seus direitos, ou que estejam na iminência de sofrê-las. Nesta linha, devem se compreender pessoas físicas, jurídicas ou até mesmo entes despersonalizados, tais como espólio, massa falida, condomínio, que possuem personalidade judiciária, ou seja, podem ser parte ativa ou passiva em ação judicial.
Depreende-se também do ensinamento acima que o princípio da inafastabilidade da jurisdição não significa que o autor terá necessariamente razão, será vencedor da ação, mas que ele tem o direito de buscar do estado solução para sua pretensão. Como o objeto do direito subjetivo de ação é a obtenção da tutela jurisdicional do Estado, deve entender-se por concretizado no momento em que pronunciada a sentença, que pode ser em benefício do autor ou do réu.
O fato da concessão de tutela liminar, neste caso, ainda que não previsto em lei, não pode se considerar como falha no direito de ação, ao contrário, pois, se cabe ao Estado a prestação de tutela adequada e, se no caso concreto for necessária a concessão de liminar, só estará atendendo a garantia constitucional do direito de ação quando da concessão da medida.
Do mesmo modo, ao constituírem convenção de arbitragem, as partes não estão insultando o princípio, primeiro porque o direito em composição é disponível, podendo as partes optar pela decisão de um árbitro, o que não implica que lhes foi negada a prestação jurisdicional. E depois as partes podem recorrer às vias judiciárias mesmo que subsequente à utilização de um juízo arbitral.
Igualmente, não existe a exigência de esgotamento de outras vias extrajudiciais para que se possa buscar a guarda jurisdicional, ou seja, mesmo com a existência de outros tribunais administrativos não é obrigatório que deva se exaurir todas as formas de solução de litígios nos mesmos para que só então se busque o Judiciário. A única exceção se dá em relação às questões desportivas, as quais devem primeiro esgotar as possibilidades da justiça desportiva, e só após serem avaliadas pelo Judiciário. Ressalte-se que esta ressalva está prevista na Constituição, em seu artigo 217 §1º.
Decorre, ainda, do princípio da Ubiquidade o dever de fornecer assistência jurídica gratuita aos necessitados,
2. Princípio do Devido Processo Legal
A primeira alusão a este princípio foi na Magna Charta Libertatum, também conhecida como Magna Carta de João Sem Terra, outorgada pelo Rei John Lackland em 1215 , e que fazia referencia ao law of the land. Apenas no reinado de Eduardo III é que houve a incorporação do termo due process of law em substituição ao law of land como reflexo do desenvolvimento à proteção jurídica.
A idéia do devido processo legal veio para a América do Norte em seguida por influência do direito inglês, haja vista que os legisladores e doutrinadores norte-americanos estudaram em escolas inglesas, e ali foi consagrado constitucionalmente em 1787.
No Brasil este princípio só foi previsto expressamente na recente Constituição de 1988, em seu artigo 5º, LIV, onde afirma que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”, embora estivesse presente implicitamente entre artigos de constituições anteriores.
Em primeiro lugar, a palavra processo deve ser interpretada em sentido amplo, quer dizer, sob qualquer modo de produção normativa jurídica, seja ela jurisdicional, administrativa, legislativa ou negocial.
O devido processo legal possui grande abrangência e não há em nosso corpo normativo definição do mesmo, por isso, será feito uso de entendimentos de juristas e doutrinadores para o aprofundamento devido.
Para o Ministro Luiz Fux (2001, p.229):
[...] o devido processo legal está encartado no direito ao processo como direito ao meio de prestação da jurisdição, que varia conforme a natureza da tutela de que se necessita. O direito a jurisdição não é senão o de obter uma justiça efetiva e adequada [...].
Em complemento a essa ideia Alexandre de Morais (2005, p.93) expressa:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).
Observa-se que este princípio tem o fim de equilibrar as partes dentro do processo, é a chamada isonomia processual pela qual, as partes tem oportunidades iguais de influenciar a convicção do juiz, assim como o de protegê-las tendo em vista que é assegurada a prestação jurisdicional e a proteção à liberdade do indivíduo.
Ao mesmo tempo, nota-se que o devido processo legal está subdividido em dois aspectos que devem ser respeitados conjuntamente, sob pena da norma ou ato jurídico serem considerados inconstitucionais. São eles o aspecto substancial e o formal.
A teria do substantive due process, aspecto substancial que abrange o direito a liberdade, ou seja, ponderando a razoabilidade, a finalidade e a justiça da norma nos atos administrativos e judiciários de maneira a impedir a arbitrariedade no exercício de atividades legislativas e jurídicas. Partilha deste entendimento Cândido Rangel Dinamarco (2004, p.245):
o devido processo legal substancial constitui um ‘vínculo autolimitativo do poder estatal como um todo, fornecendo meios de censurar a própria legislação e ditar a ilegitimidade de leis que afrontem as grandes bases do regime democrático (substantive due process of law)’.
Vale dizer que no seu aspecto substancial este princípio atua no que diz respeito ao direito material, podendo se manifestar em todos os campos do direito, não aponta apenas uma tutela processual como poderia se pensar a primeira vista.
Sob o ponto de vista formal, procedural due process, Fredie Didier Júnior (2007, p.37) proclama:
[...] o devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito a ser processado e a processar de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção deve respeitar aquele princípio.
Assim sendo, no aspecto formal, seria a possibilidade concreta de a parte ter direito ao acesso a justiça, defendendo-se da maneira mais ampla possível e subtraindo a pretensão da parte contrária.
O sentido formal permite o tratamento uniforme das partes de maneira que o cidadão tenha a oportunidade de ser ouvido e apresentar suas razões antes de sofrer privações de seus direitos, evitando decisões arbitrárias.
Tamanha a importância e a abrangência do princípio em comento que é considerado para muitos doutrinadores como norma-mãe do nosso sistema jurídico, tido como princípio basilar, em que toda ordem jurídica constitucional ou infraconstitucional é construída.
Nelson Nery Júnior (2002, p.32) descreve a sua magnitude com limpidez:
Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantissem aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais são espécies.
Assim é que a doutrina diz, por exemplo, serem manifestação do “devido processo legal” o princípio da publicidade dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo prova obtida por meio ilícito, assim como o postulado do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular.
Partindo desta premissa entende-se o porquê da conotação norma-mãe para o devido processo legal, pois é dele se desmembram os princípios garantidores de todo um processo judicial justo, efetivo e lícito.
Para os doutrinadores Ada Pellegrini, Antônio Carlos de Araújo e Cândido Rangel Dinamarco (2000, p.82) a sua dimensão é ainda maior, haja vista que classificam o devido processo legal como um conjunto de garantias constitucionais que preservam além do interesse das partes a prática jurisdicional legitimada no processo. Declaram:
Entende-se, como essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.
De fato, para que exista um processo justo, que é o principal fundamento deste princípio faz-se necessário a defesa de outros, daí porque há o desdobramento do devido processo legal em um leque repleto de garantias específicas, tais como a dúplice garantia do juiz natural, a igualdade processual das partes, a obtenção de provas por meios lícitos, a publicidade e o dever de motivar as decisões judiciárias, bem como o contraditório e a ampla defesa os quais serão aprofundados logo em seguida.
Neste sentido pode se considerar o due process of law desempenha a função de super princípio na medida em que coordena, alicerça todos os demais princípios que fundamentam o processo e o procedimento, sempre com a idéia de torná-los justos. Além disso, as garantias fundamentais decorrentes assim como os preceitos desdobrados devem orientar também a Administração Pública, o Legislativo e o Judiciário.
Destarte, deduz-se que cumprir o devido processo legal é observar os preceitos fundamentais impostos e previamente estabelecidos em nossa Constituição Federal, concretizando o Estado Democrático de Direitos que não pode prescindir do respeito ao conteúdo Daquela.
3. Princípio do Contraditório
O contraditório é um dos corolários do devido processo legal, considerado para muitos doutrinadores um dos mais relevantes, chegaram a afirmar que com a ausência deste também não existiria processo.
A nossa Carta Magna consagrou este princípio em seu artigo 5º, LV colocando da seguinte forma: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados, em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
É garantia constitucional à parte o direito de contrapor o que foi alegado pela parte oposta, sejam pessoas físicas ou jurídicas e, diferentemente da Constituição revogada, a de 1988 ampliou o alcance desta garantia para os âmbitos administrativo e do processo civil.
Assevera Nelson Nery (2002, p.137) que:
Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos de processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis.
Nesta linha pondera Eduardo Cambi (2001, p.126):
Trata-se de conferir oportunidades razoáveis para que cada uma das partes realize, dentre os vários atos juridicamente admissíveis, aquele que considere o mais apropriado para neutralizar o movimento contrário, tirando o melhor proveito possível.
A garantia do contraditório deve significar a efetiva possibilidade de as partes agirem em juízo. A dinâmica processual e a efetivação do contraditório, ao longo do procedimento, são constatadas a partir da análise do conjunto das situações jurídicas, ativas e passivas (poderes, faculdades, direitos, deveres, ônus e sujeição), atribuídas a cada um dos sujeitos processuais vinculados à relação jurídica processual.
Observa-se que o contraditório é o direito conferido as partes de manifestação em todos os atos do processo. Para isso é preciso prévio conhecimento de que há uma demanda contra ela e sobre o que se trata, bem como que ofereçam meios adequados à participação no processo.
Visa atribuir oportunidades para que durante a prática dos atos processuais os litigantes rebatam o lado oposto com o fim de negar aquilo que foi pleiteado ou pelo menos de torná-lo neutro, sem valia para a convicção judicial.
O contraditório está inseparavelmente ligado aos litigantes, contudo também poderá ser invocado por todos que tiverem direito a ser depreciado no processo, quais sejam: litisdenunciado, opoente, chamado ao processo.
Também são legitimados para o uso do mesmo o Juiz, na medida em que pode ordenar determinada produção de provas de ofício, e o Ministério Público, ainda que esteja atuando como fiscalizador da lei.
Cândido Rangel Dinamarco (2004, p.214) destaca que “o juiz tem deveres e poderes no processo, e não faculdades. E que a garantia do contraditório lhe impõe a participação no processo com atos de direção, de prova e de diálogo”.
De fato o processo civil tem início por iniciativa privativa da parte, mas o seu desenvolvimento ocorre por meio do impulso oficial, que não é uma faculdade, mas um dever do juiz, assim como o de ter iniciativas probatórias em determinados casos onde convir necessário.
A idéia da bilateralidade do contraditório leva a refletir a respeito da igualdade, da isonomia que deve existir entre as partes, ou seja, a equivalência de armas, dar as mesmas chances e os mesmos instrumentos para que possam fazer valer seus interesses.
Para o professor Delosmar Mendonça (2001, p.37):
A norma emerge como consectário da igualdade, o princípio que domina o processo civil, impondo que ambas as partes da lide possam desfrutar, na relação processual, de iguais faculdades e devam se sujeitar a iguais ônus e deveres. O contraditório é o principal fator do tratamento igualitário das partes.
Vê-se que neste sentido o contraditório acaba se confundindo com a isonomia, já que ambos primam pelo tratamento mais igualitário possível, embora tenham os seus fundamentos, seus conceitos diferentes, no fim, convergem e geram as mesmas conseqüências.
Para que o processo ocorra de forma justa, é necessário que se combine o contraditório com a isonomia, devendo dar mais oportunidades, para a participação ativa das partes, carecem estas oportunidades, de equivalência entre si. Deste modo, estará se assegurando o devido processo legal com o efetivo contraditório equilibrado.
Diversos doutrinadores apontam elementos que compõem o contraditório. Neste trabalho, será utilizado o entendimento do professor Delosmar Mendonça (2001, p.38) que elenca a informação, a participação e a paridade, estas foram discutidas acima. Para ele a informação é:
[...] inerente ao contraditório, acima de qualquer dúvida. Sem conhecimento da existência da demanda, não há possibilidade de defesa de direitos. Por outro lado, sem a ciência da atitude de um parte a outra não pode participar. Vê-se que a informação é pressuposto da participação. Para haver informação, é preciso que a comunicação seja idônea. A manifestação desse elemento se dá pelas citações, intimações e notificações.
É inconteste a afirmação de que não se pode contrapor sem as devidas informações, uma vez que se prima pela uniformidade no tratamento das partes, pela equivalência de forças, e é através da transparência nas informações dos atos processuais que se atinge esse fim.
Além do mais, é de se reconhecer o valor da citação para o contraditório, visto que ela é primeiro ato de informação do processo, é por dela que se dá conhecimento ao réu de que foi ajuizada uma pretensão contra ele. Sem a mesma, não estaria completa a relação processual (autor - juiz - réu), impedindo a defesa do réu, e criando uma desproporcionalidade na relação processual.
É nesta linha que surge para o réu revel, citado fictamente, a necessidade de nomeação de curador especial, pois houve apenas a presunção de que o réu foi devidamente informado da existência de uma demanda contra ele, devendo o curador especial contestar por ele, para que não haja o cerceamento de defesa.
O segundo elemento é a participação que nas palavras do doutor Delosmar (2001, p.39):
Com a participação, há o contínuo acompanhamento das atividades processuais, ensejando manifestações de colaboração com a descoberta da verdade, do direito e também da reação, confrontação, contraposição e contrariedade aos atos desfavoráveis.
Participar é atuar em todas as atividades processuais, protegendo suas razões, apresentando seus argumentos, produzindo provas e intervindo nas atividades da parte adversa, pois a participação não se restringe à mera oitiva de uma parte, mas dá-la a oportunidade de repelir e responder o alegado pelo outro litigante.
A participação no processo vai além do aumento das possibilidades de vitória na lide, tendo em vista que é com ela que se aproxima da verdade real, que é o fim do Estado e do juiz da lide. Destarte, participar é colaborar para a melhoria da função jurisdicional.
Vale ressaltar que o princípio do contraditório não impede a adoção de medidas de caráter urgente, ainda que sem prévia informação e participação da parte contrária. O indispensável é que esta medida está prevista em lei e que a parte prejudicada tenha a oportunidade de impugnar a decisão logo em seguida ao seu deferimento.
É o que ocorre com o deferimento das liminares inaudita altera parte (sem ouvir a outra parte), que não fere a bilateralidade do contraditório, porque há aqui o interesse superior da justiça, vendo que em certos casos, quando se dá ciência dos atos processuais à outra parte, há a demora na efetivação de medida solicitada, quando não a depreciação do bem jurídico pretendido, resultando numa potencial ineficácia da prestação da atividade jurisdicional.
Assim sendo, não há nesses casos exceção ao princípio, mas uma peculiaridade de sua aplicação de forma que a tutela de urgência não fique por ele prejudicada. O que aparenta contradição com o sentido de isonomia, por que prima o princípio, é justamente uma preservação da igualdade das partes, quando se tem em mente a antiga fórmula constitucional: tratar desigualmente os iguais na medida de suas desigualdades.
4. Princípio da Ampla Defesa
A ampla defesa assim como o contraditório é uma garantia fundamental prevista na Constituição também no mesmo artigo 5º, LV. Por serem previstos no mesmo dispositivo legal, muitos doutrinadores referem-se ao contraditório e a ampla defesa como sendo um só princípio, outros fazem referência à ampla defesa colocando o contraditório como seu elemento.
Horácio Wanderley Rodrigues (1997, apud, Delosmar, 2001, p.54) faz distinção entre essas duas figuras:
Embora tratada constitucionalmente junto com o contraditório, com ele não se confunde. Aquele se refere à garantia da efetiva participação no processo, em nível da ação ou da defesa; essa à amplitude do exercício dessa participação [...].
Do mesmo modo Alexandre de Moraes (2005, p.93) ressalta:
Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe permitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se se entender necessário, enquanto que o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa impondo a condução dialética do processo (pars conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito de defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.
Vê-se, pois a existência de diferenças entre os princípios, sendo o contraditório uma espécie de ferramenta que assegura o direito a ampla defesa, ou seja, esta se realiza através do contraditório, uma vez que é exteriorizada com aplicação deste, na medida em que se impõe a condução dialética do processo, onde é oportuno à parte expor sua defesa.
O contraditório e a ampla defesa são conexos, sendo que ela abrange e qualifica o segundo, ficando impossível de se imaginar a existência de um sem que haja decorrência do outro, pois não há defesa sem que se viabilize os devidos instrumentos para a sua concretização.
Destarte, a ampla defesa consiste em assegurar ao réu meios suficientes para trazer ao processo todos os elementos que possibilitem esclarecimentos acerca da verdade, assim como possibilita que ele se omita ou se mantenha calado.
Tanta proximidade justifica o raciocínio de inúmeros doutrinadores que afirmam que a nossa Carta Magna contempla apenas um princípio no artigo supracitado, o contraditório adequado às necessidades impostas pela ampla defesa.
A ampla defesa funda-se nos mesmos elementos do contraditório: a informação, participação e a paridade. O seu raio de aplicação assim como no contraditório, não atinge apenas o réu, mas todas as partes litigantes, quais sejam: autor, réu, opoente, chamado ao processo, litisdenunciado, enfim todos os que tiverem pretensão a se discutir no âmbito processual.
Assim como os demais direitos fundamentais, a ampla defesa possui eficácia absoluta, quer dizer, são intangíveis, contra elas não há sequer o poder de emendar, por isso contem força de paralisar toda legislação que explícita ou implicitamente dispuser contra ela.
Em outras palavras, por ter força constitucional possui também aplicação direta e independente de conformação legislativa, aplicando-se imediatamente ao caso concreto, ou, em havendo regra, servirá como baliza na interpretação da mesma.
O vocábulo “ampla” utilizado pela Constituição nos remete à ideia de que a descoberta da verdade dos fatos necessita de tempo ilimitado. Contudo, a esta palavra deve-se interpretar que os atos processuais da defesa devem decorrer tempo suficiente para demonstrar os fatos e direitos alegados, sem dilações indevidas.
Conforme pondera Delosmar Mendonça (2001, p.82):
[...] A defesa ampla é aquela suficiente para demonstrar o fato e o direito alegado, obedecendo-se ao procedimento. É aquela ampla o bastante para instruir a causa (instrução no sentido lato), compreendendo a alegação de fatos e conseqüências jurídicas decorrentes (matéria de direito), dilação capaz de provar a inexistência ou existência do fato constitutivo ou a existência e inexistência das exceções substanciais argüidas, tudo dentro de um procedimento previsto em norma legal.
Destarte conclui-se que a amplitude da defesa está intimamente relacionada com a complexidade do direito material a ser tutelado, e da necessidade da complexidade de condutas para influenciar na formação da convicção do juiz. Ora, temos que o procedimento e o contraditório se agrupam compondo uma unidade empírica, e se o processo funda-se no contraditório, implica afirmar que o procedimento do processo é elaborado de maneira a atender, a possibilitar a ampla defesa, ou seja, os procedimentos são construídos a partir do núcleo essencial da ampla defesa, prevendo um rito maior ou menor conforme a complexidade do direito material envolvido.
Nesta linha é que foram instituídos os procedimentos sumários especiais que abarcam direitos materiais com baixa complexidade e têm seus prazos diminuídos, sem que isto prejudique a defesa ampla permitindo um equilíbrio entre a adequação, tempestividade e eficácia no devido processo legal.
Vale ressaltar que a defesa do réu não pode ser abusiva, com o fim de protelar o processo indevidamente, quando ocorrer o abuso deste direito caberá ao juiz tomar providências que bloqueiem o intuito protelatório.
CONCLUSÃO
Diante do todo exposto conclui-se que princípios funcionam um norte a ser seguido pelos estudiosos e aplicadores das leis, não havendo possibilidade de utilizá-los singularmente como fundamento em decisões ou em pedidos jurisdicionais, tendo vista que possuem o objetivo principal tornar as normas positivas mais claras.
Em detrimento da função norteadora que exerçam, é certo que os princípios constitucionais possuem, outrossim, caráter normativo como as demais regras jurídicas, e, a este entendimento não há mais o que se discutir, pois já pacificado pela maioria dos doutrinadores como esboçado acima, bem como é o que vem sendo demonstrado nas decisões dos nossos Tribunais Superiores, que cada vez mais vem concluindo pela normatividade dos princípios.
Demonstrou-se a evidente importância e a superioridade dos princípios destes princípios no que tange ao direito processual civil, ainda mais que atuam como verdadeiras fontes do Direito no momento em que são encarados como norteadores da atuação legislativa e condutores de interpretação das normas positivas.
Finalmente, ressalta-se que estes princípios processuais foram recepcionados expressa e implicitamente pela nossa Carta Magna e possuem extrema relevância, visto que além de atuarem como protetores das garantias fundamentais, e garantem a rigidez do sistema jurídico ao determinar patamares de hierarquia entre as normas e impondo colocações preliminares diante de discussões doutrinárias sobre determinadas matérias sobretudo no que tange ao processo civil.
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NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
Pós-graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública pela FIP - Faculdades Integradas de Patos. Pós-graduação em Direito Processual Civil e Bacharelado em Direito pela UNIPÊ - Centro Universitário de João Pessoa. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GADELHA, Mariana Zenaide Teofilo. Dos princípios constitucionais basilares ao processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45328/dos-principios-constitucionais-basilares-ao-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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