RESUMO: O presente estudo trata das concepções de entidade familiar nos assentamentos da reforma agrária. É evidente que a família base da sociedade, atualmente passa por algumas discursões no que diz respeito a sua forma de constituição. Com o advento da Constituição Federal de 1988 juntamente com o Código Cível de 2002 (manteve o modelo tradicional), ocorreu uma ampliação/pluralidade da sua concepção, pois até então o conceito que se tinha era totalmente restrito, ou seja, só era considerado família, aquela que fosse proveniente/constituída pelo matrimônio. Hoje, percebe-se vários tipos de famílias, inclusive de pessoas do mesmo sexo, fato que gera várias discursões no cenário brasileiro, sobre a legalização do casamento entre homossexuais, que se deu a partir de decisão do STF, através da “ADIN 4277 e ADPE 132 dos “gays”. O presente trabalho tem como objetivo identificar as entidades familiares identificadas nos assentamentos do Projeto Integrador realizado pelos alunos do 9º período do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – AGES, com ênfase a compreender o fundamento que o Estado possui, em direcionar sua proteção diante das entidades familiares existentes nos assentamentos, bem como sobre qualquer espécie de família constituída pelo afeto.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Sociais; Entidade Familiar; União Estável; Casamento; Reforma Agrária; Constituição Federal.
ABSTRACT: This study deals with the family entity conceptions in agrarian reform settlements. Clearly the family foundation of society, is currently undergoing some dialogues with regard to its form of incorporation. With the advent of the Constitution of 1988 with the Civil Code of 2002 (kept the traditional model), there was an expansion / plurality of their design, because until then the concept had was completely restricted, ie, it was only considered family , that it was from / constituted by marriage. Today we can see many kinds of families, including same-sex, a fact that generates several dialogues in Brazilian society, on the legalization of marriage between homosexuals, which occurred from the Supreme Court decision, by "ADIN 4277 and ADPE 132 of the "gay". This study aims to identify the family entities identified in the settlements Integrator Project carried out by students of the 9th Law Course of the period of the Faculty of Humanities and Social Sciences - AGES, with emphasis on understanding the rationale that the State has, in directing his protection under existing family entities in the settlements, as well as any kind of family constituted by affection.
KEYWORDS: Social rights; Family entity; Stable Union; marriage; Agrarian Reform; Federal Constitution.
I. INTRODUÇÃO
Ao compreender a importância da família para com a sociedade, enquanto base do Estado. Faz-se necessário elucidar a sua concepção sobre a família, pois a mesma ganhou uma ampla visão sobre o seu conceito, adotando o afeto como medida propulsora da constituição da entidade familiar.
Logo para DALARI (1998), a família é a base da sociedade e, um exemplo a ser mencionado é o surgimento das “Cidades-Estados gregas”, pois o seu processo histórico mostra que a família proporcionou o surgimento dos clãs, depois as tribos e por fim as póles (cidade-estado).
Desde os primórdios a humanidade, o entendimento sobre a família vem se transformando, tendo a mesma agregada influências dos ambientes, da política, dos direitos sociais e religiosos.
Atualmente, existem vários tipos de entidades familiares que são diferentes dos padrões que existiam há séculos. Partindo desse pressuposto, o presente trabalho pretende discutir as concepções de entidade familiar existentes nos assentamentos rurais, particularmente na cidade de Ribeira do Pombal/BA, na comunidade da Fazenda Marcação, objeto de pesquisa do Projeto Integrador realizado pelos alunos do 9º período do Curso de Direito da Faculdade Ages, no semestre de 2015.1.
Assim, pretende-se compreender o fundamento que o Estado possui, em direcionar sua proteção diante das entidades familiares existentes nos assentamentos, bem como sobre qualquer espécie de família constituída pelo afeto.
II. UMA BREVE ANÁLISE HISTÓRICA E LEGISLATIVA SOBRE A FAMÍLIA
A família, como realidade sociológica, apresenta, sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a família capitalista/industrial contemporânea, estando esta a mercê das transformações/evoluções da sociedade.
Modernamente, a família recebe uma nova roupagem, com característica pluralista, aberta, multifacetária, susceptível às influências da nova sociedade, que traz consigo necessidades universais, independentemente de línguas ou territórios.
De acordo com os ensinamentos de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008), em sua obra titulada “Direito das Famílias”, a concepção que se tem hoje com o código Civil de 2002 e a Carta Magna, em relação ao entendimento de família, difere das noções conceituais do direito de família que possuía com o Código Civil de 1916, em que a família era exclusivamente matrimonializada, e dizer: só era admitido família pelo casamento e nada mais.
Atualmente, a definição de família encontra-se em um sentido mais amplo, em que o direito de família abrange um conjunto de normas jurídicas que regulamentam as múltiplas entidades familiares.
Em sentido amplo, a ciência jurídica entende a família a partir de uma abrangente relação, interligando diferentes pessoas que compõe o mesmo núcleo afetivo.
Assim, a família é tão somente que um conjunto de pessoas unidas pelo afeto, pelo casamento, união estável ou sua eventual prole.
A Constituição Federal de 1988, também contribuiu ao entendimento da família sob uma concepção múltipla e aberta, conforme o entendimento do artigo 226, haja vista que o disposto invocado permite a formação da família pelas mais diferentes formas, tendo sobre todas elas a proteção do Estado.
Em decorrência da amplitude que a concepção de família adquiriu, em busca da realização pessoal dos seus membros, a família passa a servir como um verdadeiro elemento da afirmação da cidadania e da dignidade humana.
Baseado em tais princípios, existe atualmente várias espécies de família, de acordo com DINIZ (2007), existem 04 (quatro) espécies de família, sendo elas; matrimonial, baseada no casamento; não-matrimonial, oriunda de relações extra conjugais; adotivas, estabelecida por adoção, que, juntamente com a guarda e tutela, configura a família substituta e por último a monoparental, formada por um dos genitores e a prole.
Em sentido mais amplo sobre entidades familiar, FARIAS e ROSENVALD (2008), apresentam outros institutos familiares, tais como: As famílias reconstituídas, que são entidades formadas por pessoas que anteriormente compunham outras famílias; as famílias homoafetivas, fundamentada pelo afeto, caracterizando um modelo familiar autônomo, como a comunidade entre irmãos, tios e sobrinhos, avós e netos.
Ainda, destaca-se também, muitos avanços que estão relacionados às diversas nomenclaturas de famílias existentes na atualidade, que vem tendo suas fundamentações legais através de várias decisões jurisprudenciais, como também através de decisões favoráveis determinadas pelo Supremo Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal Federal.
Nessa Contextualização, LAKATOS (1990) e MARIA BERENICE DIAS (2008), tratam e ampliam os diversos tipos de institutos familiares, em concepções sociológicas e jurídicas que surgiram no decorrer das décadas até os tempos atuais.
Diante da nossa Constituição Federal, através do art. 226, § 4º, consolida-se a família parenteral, que é constituída por qualquer um dos pais e seus descendentes. Já que, a monoparentalidade denota-se como um fenômeno social com uma maior intensidade nas últimas décadas, partindo da prática dos inúmeros casos de divórcios que se realizam.
As famílias anaparental, que são referenciadas como aquelas que não existem a presença dos pais, e cuja convivência das crianças depende da relação entre os parentes ou por pessoas que não tenha nenhum vínculo familiar.
Contudo, também, com as mutações da contemporaneidade surgiram as famílias com as mais diversas classificações, a exemplo das reconstrutivas, pluriparental, heterogênea, sequenciais, recompostas, em rede ou englobadas na denominação de “mosaico”, que nada mais é que aquelas que são constituídas por pessoas divorciadas ou que são solteiras com filhos, com realização de afetividade ou em novas relações de conjugalidade.
No mesmo sentido, com frequência, doutrinas e jurisprudências se deparam com as conceituadas famílias paralelas e de contextualização peculiar, quanto a sua composição que se dá com pessoas que tem participação em mais de um relacionamento, com características que são semelhantes as da união estável.
Outro tipo de família é a unipessoal, que surge através da constante busca de pessoas solteiras, viúvas e separadas na luta pela garantia da impenhorabilidade que lhes são conferidas ao bem de família.
Também, nos tipos de famílias, começam a denominar as relações de afetos, solidariedade e de cooperação. Assim, denominando-se as famílias endonomistas, que busca valorizar as funções afetivas da família, ou seja, não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento que existem para o desenvolvimento pessoal.
Logo, pode-se mencionar que, a família não se estagna ou paralisa-se, mas encontra-se em constante transformação, de forma que seu conceito deve ter sua adequação a cada momento histórico, partindo dos elementos que são considerados indispensáveis para a grande maioria dos doutrinadores, a mesma deve ser compreendia, juridicamente, como o conjunto de indivíduos que estão unidos através de laços afetivos e com propósitos em comum e que buscam de forma conjunta e solidária a felicidade de todos seus membros e do grupo como um todo.
III. ENTIDADES FAMILIARES NOS ASSENTAMENTOS
De acordo com as informações coletadas pelas visitas, relatórios e discussões do Projeto Integrador 2015.1, sobre os vários aspectos, inclusive os familiares dos assentamentos, foi possível perceber que uma parte das pessoas assentadas constitui entidades familiares de modo informal, pela união estável, conforme fragmentos do relatório transcrito abaixo:
“Diante dos dados levantados na pesquisa, foi constatado que grande parte das famílias que ali habitam já eram constituídas quando tomaram posse das terras, e 40% dos entrevistados possuem união estável, outros 40% são casados no religioso/civil e 20% somente no civil”. (Relatório do Projeto Integrador 2015.1 – Assentamento da Fazenda Marcação, município de Ribeira do Pombal/BA).
Com o advento da Constituição Brasileira de 1988, a partir do § 3º do artigo 226, é possível observar a união estável, como sendo uma entidade familiar constituída pelo afeto entre duas pessoas, de sexos diferentes e desimpedidas para casar, que vivem juntas como se fossem casadas (FARIAS e ROSENVALD, 2008).
Acrescentando esse entendimento, o artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro reconhece a união estável como uma entidade familiar, in verbis:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Assim, a união estável, trata-se de um casamento de fato, ligado pelo afeto entre um homem e uma mulher, que poderiam realizar o matrimônio, mas por livre e espontânea vontade optam em viver juntas desprovidas de solenidades formais.
Para que a entidade família seja formada pela união estável, é necessária a presença de alguns elementos fundamentais, sendo elas: diversidade de sexo; estabilidade; publicidade; continuidade; ausência de impedimentos matrimoniais e o elemento principal, que é o ânimo (vontade) de constituir família.
Mesmo a união estável sendo uma entidade familiar constituída informalmente, a nossa Carta Magna atribui especial proteção à família, seja ela qual for, casamentaria ou não. Seu intuito é promover a dignidade da pessoa humana, pois o que constitui a família é o afeto. Logo, é dever do Estado à proteção jurídica de todos aqueles que compõem uma família, seja ela de qualquer modalidade.
É relevante assinalar que, no assentamento em estudo, foi possível perceber o casamento (espécie de família – religioso/civil e civil), como a maioria entre os casais, de acordo com a notificação do projeto integrador 2015.1, da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Fazenda Marcação – município de Ribeira do Pombal/BA, transcrito abaixo, que passamos a observar:
Dos oito entrevistados, 03 (três) possuem como regime de bens a União estável. 03 (três) são casados no religioso e civil ao mesmo tempo e 02 (dois) são casados apenas no civil.
O casamento é uma das formas de constituir família, sendo essa pratica mais antiga quanto o próprio homem. Adão e Eva, simbolicamente, representam a origem do casamento.
Como já foi visto anteriormente o casamento não é a única forma de constituir casamento, mas sim uma delas, formada pela união formal, solene entre pessoas que se unem afetivamente.
Em suma, o casamento é uma comunhão de vidas, de afetos, através de uma plena integração fisiopsíquica.
Desta forma, percebeu-se que nos assentamentos em análise existem duas espécies de entidade familiar, sendo elas: a união estável e o casamento. Portanto a primeira espécie de entidade familiar apresenta maior número quanto à segunda.
Apesar de não ser constatada nos assentamentos a união de pessoas do mesmo sexo, talvez pelo aspecto cultural familiar das comunidades, é de suma importância discuti-la, haja vista que, de todas as espécies de família, a homoafetiva é a que mais gera discursão no Brasil, pois muitos tradicionalistas e religiosos são contra esta união.
IV. UM OLHAR PSICOLOGICO SOBRE A UNIÃO HOMOSSEXUAL
Atualmente existe uma discussão em torno da homossexualidade, ao que concerne a sua gênese. Muitos políticos, com pensamentos tradicionalistas e religiosos ao extremo, consideram o homossexualismo como uma doença.
Até o século XIX os desvios sexuais eram considerados como uma patologia, ou seja, uma doença. Somente em 1973 o homossexualismo foi retirado da lista de transtornos mentais.
Para a psicologia, a homossexualidade é um distúrbio de identidade, ela não é hereditária, muito menos uma opção/escolha. De acordo com CABALI e MIRANDA (2010), o homossexual tem aceitação do seu próprio corpo e deseja uma pessoa do mesmo sexo.
É imprescindível esclarecer que, a homossexual é diferente do transexual, pois, o primeiro tem aceitação do seu corpo, já o segundo possui um repúdio por seu corpo e deseja modifica-lo anatomicamente.
O certo é que, não devemos tratar o homossexualismo como uma doença, como muitos consideram atualmente. Em que, muitos políticos tradicionalistas, fundamentados pelo dogma religioso asseveram que a homossexualidade é uma doença e chegam a um nível de afirmar que existe uma “cura” para o homossexualismo.
É inconcebível tal realidade, apesar de vivermos em um Estado democrático, onde devemos respeitar as opiniões das pessoas, a “cura gay” é um discurso repleto de preconceitos e vai de encontro a liberdade que todos nós brasileiros temos assegurados com a nossa Constituição Federal.
O fato é que, a Constituição abomina qualquer tipo de discriminação ou preconceitos sobre origem, raça, cor, sexo e dentre outras (artigo 3º IV CF/88). Além de abominar tais praticas a nossa Carta Magna possui como principio a dignidade da pessoa humana previsto em seu artigo 1º.
Com o objetivo de promover à dignidade da pessoa humana, atualmente, a união de pessoas do mesmo sexo é reconhecida como entidade familiar. Assim, a união homoafetiva, também é considerada uma espécie de entidade familiar.
CONCLUSÃO
Por consequência das transformações que vem acontecendo na sociedade, a concepção de família que se tem atualmente é muito diferente da que existia há 50 anos.
Atualmente existem várias formas de entidade familiar, dentre elas podemos citar a “união estável e o casamento” que foram objetos de estudo desse trabalho, por consequência da presença dessas concepções nos assentamentos em análise.
Diante da pesquisa em apreço, pode-se observar que na maior parte dos assentamentos a união estável é a forma de constituição familiar que mais ocorre e em segundo o casamento.
O fato é que independente da espécie de família, união estável, casamento, união homoafetiva, a nossa Constituição protege qualquer espécie de família, ela visa garantir a dignidade humana de seus membros, independente de qualquer forma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANALI, Elenice Buda e MIRANDA Fernando Silveira Melo Plentz. Uniões Homoafetivas: Alguns Aspectos Sociológicos, Psicológicos e Jurídicos. Revista Eletrônica Direito, Justiça e Cidadania – Volume 1 – nº. 1 – 2010.
DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
DINIS, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de família. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
LAKATOS, Eva Maria, Maria de Andrade Marconi, colaboradora. Sociologia Geral. 2ª ed. ver. e ampl. São Paulo: Atlas, 1990.
LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1985.
Graduado em ciências sociais e graduando do curso de direito. Especialista em epistemologia e filosofia das ciências sociais. Especialista em antropologia visual. Cursando Pós-graduação em direito administrativo. Funcionário público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Cléverton José Silveira. Concepções de entidade familiar nos assentamentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45343/concepcoes-de-entidade-familiar-nos-assentamentos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: João Carlos Parcianello
Por: OTAVIO GOETTEN
Por: Anna elisa Alves Marques
Por: Bruna Barbosa Vieira
Por: Bianca Reitmann Pagliarini
Precisa estar logado para fazer comentários.