Resumo: A utilização de instrumentos jurídicos para o controle dos direitos sociais é assunto que se tornou relevante nos últimos tempos. Há quem critique, elogie e dê sugestões quanto à sua efetividade. Diante disso, este artigo visa explicitar sobre a historicidade dos direitos fundamentais, a subjetividade dos direitos sociais, sua inclusão como cláusula pétrea e análise dos institutos utilizados para determinar o momento da aplicação do controle judicial relacionado a tais direitos.
Palavras chave: Direitos sociais; Políticas públicas; Poder Judiciário; Controle judicial.
1. Introdução
A possibilidade do Poder Judiciário condenar a Administração Pública a prover prestações é uma das principais inovações ocorridas no constitucionalismo brasileiro. Ao tempo que surgem os direitos fundamentais em diferentes gerações, ocorre a transformação do entendimento jurídico a respeito do que deve ser garantido ao cidadão.
Conceituando a matéria dentro da ascensão vista no Brasil, tem-se que, no passado não muito longínquo, ainda com a aceitação dos direitos fundamentais em uma escala de primeira dimensão, predominava a percepção de que os juízes deviam se restringir a aplicar as normas editadas pelo legislador.
Em suma, por mais que as prestações sociais já estivessem positivadas no texto constitucional, só seriam judicialmente exigíveis quando o legislador assim determinasse, definindo legalmente os parâmetros segundo os quais o Estado as proveria.[1]
Todavia, este ponto de vista começa a ser superado em meados da década de 1990, a partir de decisões judiciais que passaram a determinar a entrega de medicamentos para portadores do vírus HIV[2]:
Desde então, sucessivas entendimentos a respeito do tema vêm sendo proferidas pelo Poder Judiciário, convalidando a ideia contemporânea de atuação judicial com relação aos direitos sociais.
O ativismo judicial se origina de uma série de fatores: aprovação da Constituição de 1988, considerada ativista e afirmativa da normatividade constitucional; sucessivas crises que atingem o Legislativo e o Executivo; e superação do positivismo no âmbito da metodologia constitucional.
Resta certo que tais fatores acabaram por firmar a concretização judicial de direitos sociais no contexto presente. Contudo, há ainda alguns óbices em grande parte argumentados pelo próprio poder Executivo e Legislativo, quando da busca pela não efetivação da justiciabilidade. Estes não chegam a fazer negar o Instituto, mas são capazes de demonstrar que há certas críticas e ideais contrários à atividade de controle.
Ademais, há discussão, sobre a abrangência do controle judicial, ou seja, quais são os limites para que o Poder Judiciário adentre na matéria social sem que invada a seara legislativa e executiva.
Dessa forma, o presente artigo visa explanar sobre o assunto, a partir da historicidade dos direitos fundamentais, dos direitos sociais como cláusulas pétreas e como direitos subjetivos. Expõe, ainda, sobre os institutos utilizados para se ponderar a atuação judicial.
Posteriormente, examina as críticas quanto à matéria, suas fundamentações, contra-argumentos e a interessante postura que o Poder Judiciário tem assumido. Por fim, explicita sobre certos parâmetros à efetivação do controle judicial, de modo a aperfeiçoá-lo e torna-lo mais racional e sustentável a longo prazo.[3]
2. Desenvolvimento
2.1 BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os textos constitucionais dos Estados de Direito do plano ocidental geralmente são formatados em normas que tratam da organização e limitação do poder do Estado, da divisão das funções estatais e dos direitos fundamentais e suas garantias.
Luísa Cristina Pinto e Netto, quando fala das questões de direitos fundamentais e revisão constitucional, afirma que o tratamento de tais matérias costuma variar de acordo com as peculiaridades e com as tradições histórico-culturais de cada Estado. Entretanto, são nos países ocidentais, que estas questões são trazidas como Núcleo Temático na respectiva Lei Maior.[4]
Os direitos de caráter fundamental são essenciais, ou então, ”peças-chave”, pois ocupam lugar estratégico no texto maior, impondo positiva ou negativamente a atuação estatal. Dessa forma, antes de qualquer discussão acerca da direção e limitação judicial dos direitos fundamentais, mais precisamente dos de caráter social, válido explicitar sobre a trajetória evolutiva desses direitos.
A conceituação contemporânea dos direitos fundamentais se origina de uma sucessão histórica. Estes, de acordo com a necessidade da época e do ordenamento social vigente, foram formulados e “guindados ao cume da ordem jurídica”[5].
Atualmente, conclui-se de que a doutrina os classifica como direitos de primeira dimensão, segunda dimensão, terceira dimensão, e já há explicações mais recentes acerca dos direitos de quarta dimensão.
Os direitos de primeira dimensão envolvem garantias de liberdade e igualdade (também chamadas de liberdades individuais negativas). Surgiram durante a Revolução Francesa, na tentativa de restringir os poderes absolutistas que o Estado possuía. Estabelecem limites às arbitrariedades impostas pelo clero e pela nobreza. É a busca pela racionalização do estado e sua submissão aos direitos.
Ascende, com isso, o Estado Liberal, em superação e oposição ao Estado Absolutista. Nos dizeres da Professora Luísa C. P. e Netto, há aqui a separação entre estado e sociedade, abstendo-se, tal órgão, de “promover intervenções nas searas econômica e social; o Estado podia ser comparado a um “guarda-noturno”, incumbido de zelar pela paz e segurança de forma que a sociedade ficasse livre para se desenvolver.[6]
Contudo, tais conquistas liberais de combate à intervenção do Estado eram tidas como meramente formais, pois não foram usufruídas por toda a população, mas tão somente por uma burguesia em ascensão, que florescia com suas atividades comerciais devido a não mais intervenção do Poder Absolutista. Além do não usufruto pelo restante da sociedade, vê-se uma opressão, pois trabalhadores eram obrigados a trabalhar sem descanso, em locais insalubres, sem uma boa remuneração.
Consequentemente surge, de forma paulatina, um modelo social, atenuando-se a separação do estado e da sociedade, sendo concebida a ideia de que o Estado deve atuar voltado ao bem estar social e ao desenvolvimento econômico.[7] Fala-se, aqui, em segunda dimensão, pois o Estado, que passa a ser social, começa a interpretar os clássicos direitos de liberdade sob a perspectiva da sociabilidade, no sentido de garantir igualdade material e a realização dos objetivos de justiça social. Tais direitos se exteriorizam nos direitos sociais e econômicos.
Esta visão domina, por inteiro, as Constituições do segundo pós-guerra, vindo com destaque, para o Brasil, no Governo de Getúlio Vargas, com a promulgação da CLT.
Ao contrário dos direitos fundamentais de liberdade, que são realizados a partir da menor presença estatal, os direitos sociais se efetivam com a presença e atuação do Poder Público, tendo em vista que se configuram, na maioria das vezes, como direitos a prestações estatais.
Após, os sistemas nazista, fascista, salazarista e demais regimes totalitários ou autoritários, e suas respectivas atrocidades decorrentes, contribuirão para o surgimento os direitos de solidariedade ou de fraternidade no rol dos direitos humanos, também conhecidos como de terceira dimensão.
São eles de titularidade coletiva, pois visam não à proteção dos interesses de um único indivíduo ou de apenas um grupo, mas sim de todo o gênero humano. Dentre tais direitos, pode-se mencionar o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz, à autodeterminação dos povos, de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o de comunicação.
Foram eles proclamados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, sendo posteriormente incorporados às Constituições de diversos países. A Constituição Brasileira de 1988, por exemplo, é grande referência no que se refere à inserção de normas que visam à proteção do meio ambiente, bem como de outros direitos de solidariedade.
Há quem reconheça um conjunto de direitos e garantias de quarta dimensão, tendo em vista a globalização dos direitos fundamentais. Esta formação, nos dizeres de Paulo Bonavides, deve-se à política neoliberal, que prega a dissolução do Estado nacional e o afrouxamento dos laços da soberania. A despolitização causada pela globalização vai fazer com que surjam direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.[8]
Observa-se que estes direitos coexistem no ordenamento jurídico, cada qual com a sua finalidade, sendo que a existência de um grupo não requer o desaparecimento do outro.
2.2 A INCLUSÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NO NÚCLEO INTANGÍVEL DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Carta Magna de 1988 trouxe novidade em sua composição no que diz respeito à inserção dos direitos e garantias individuais entre as cláusulas pétreas, pois o antigo ordenamento considerava cláusulas intangíveis apenas as formas republicana de governo e federativa de Estado.[9]
Há certa controvérsia quanto ao uso da expressão “direitos e garantias individuas”, presente no art. 60, § 4º, da CF, no sentido de se indagar se estaria ela atrelada ao caráter literal, incluindo tão somente direitos de caráter individual, ou se possui relevância mais abrangente.
Em uma interpretação sujeita somente ao rigor das palavras ali presentes, poderia ser considerado que o dispositivo em questão abrange apenas os direitos arrolados nos incisos do art. 5º, e nenhum outro, tendo em vista veicularem, na forma do capítulo I do Titulo II, da Constituição de 1988, o rol de direitos e garantias individuais eleito pelo constituinte, não cabendo aos poderes constituídos, a pretexto de interpretarem o precitado dispositivo, irem de encontro à decisão previamente tomada pelo titular da soberania.
Contudo, tal fundamentação se revela arcaica, vigorando, contra ela, uma série de argumentos contrários.
Primordialmente, ao fato de que elevar em grande escala o elemento gramatical, a especificidade e a literalidade, acaba por confrontar a moderna hermenêutica jurídica, principalmente neste caso em apreço, em que há fluidez semântica e densidade moral dos “direitos e garantias individuais”, aliado à circunstância de que o próprio constituinte abriu o elenco de direitos expressos na Constituição, conforme se lê no art. 5º, § 2º, em que diz:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Ademais, observando a notável imprecisão terminológica do constituinte no que concerne à positivação dos direitos fundamentais do indivíduo, registra-se que a Constituição emprega diversas expressões quanto ao assunto, ora adotando “direitos e garantias fundamentais”(Título II), ora explicitando “direitos e deveres individuais e coletivos” (capítulo I do Título II), direitos sociais (Capítulo II do Título II), “direitos políticos” (capítulo IV do Título II), “direitos e garantias individuais” (art. 60, §4º, inciso IV, da CF), direitos humanos ( EC 45/2004) e outras denominações.[10]
E, ainda, a adoção dessa literalidade não excluiria do elenco de cláusulas pétreas apenas os direitos sociais, como também os direitos políticos, os direitos à nacionalidade. Faria, ainda, a inclusão de normas de baixa intensidade axiológica, como as referentes à forma de cumprimento de penas privativas de liberdade (XLVIII), espécies de penas criminais (XLVI) e tantas outras.
Sem contar que milita o entendimento de que o sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais se caracteriza pela unicidade, cuja eficácia reforçada se revela na aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §1º), bem como na sua proteção reforçada quanto à ação erosiva do constituinte reformador (art. 60, § 4º, inc. IV). Neste sentido, está o pensamento do Professor Ingo Sarlet.[11]
Resta claro que, em uma leitura sistemática da Constituição de 1988, não se verifica hierarquia jurídica ou mesmo axiológica entre direitos com caráter de defesa ou de prestações, ou de direitos de uma dimensão em prejuízo das demais. “Ao contrário, percebe-se uma fina sintonia entre o constituinte de 1988 e a tese de indivisibilidade e da interdependência das “gerações” ou dimensões de direitos fundamentais, a qual vem gozando de primazia no direito internacional dos direitos humanos”.[12]
Outrossim, em análise do preâmbulo constitucional, resta esclarecido que o Estado Democrático de Direito ostenta uma inequívoca dimensão social, já que se destina a “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (...)”.
Menciona-se, ainda, os variados dispositivos constitucionais que conjugarão os valores da liberdade e da igualdade: o art. 1º, inc. III e IV, em que se arrola a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como fundamentos da República Federativo do Brasil; e art. 3º, inc. I, II, III e IV, o qual insere entre os seus objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução de desigualdades regionais.
Entre as finalidades e os princípios gerais da ordem econômica, encontra-se a valorização do trabalho humano e a busca da existência digna e da justiça social.
Percebe-se, igualmente, que o rol de direitos sociais do art. 6º não faz mais parte do capítulo que trata da ordem econômica e social, como era da tradição antiga. Atualmente, estão inseridos no título pertinente aos direitos e garantias fundamentais, revelando a vontade do constituinte em lhes atribuir caráter jusfundamental.[13]
Entre os defensores desse argumento, está o professor Paulo Bonavides. Em sua obra de Direito Constitucional, Bonavides, ao tratar sobre o problema hermenêutico dos direitos sociais em face da expressão “direitos e garantias individuais”, utilizada pelo conhecido núcleo intangível da Constituição. Explicita no sentido de que adotá-la tão somente pelo caráter literal é fazer com que a nova hermenêutica constitucional, com interpretação voltada para os fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito, se desate de seus vínculos, relegando-os “ao território das chamadas normas programáticas, recusando-lhes concretude integrativa sem a qual, ilusória, a dignidade da pessoa humana não passaria também de mera abstração”.[14]
Em suma, utilizando-se da argumentação da nova hermenêutica, aliada à hegemonia normativa dos princípios e demais fundamentos constitucionais tratados nesta exposição, resta claro que os direitos de segunda dimensão são providos, no ordenamento constitucional brasileiro, da garantia suprema de rigidez do § 4º do art. 60 da CF.
2.3 O DIREITO SOCIAL E O DIREITO SUBJETIVO
A consideração dos direitos sociais como direitos subjetivos está na possibilidade de seu titular, ou seja, a pessoa individual ou coletiva a que é atribuído, fazer valer judicialmente os poderes que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão.
O Professor José Afonso da Silva aponta que os direitos subjetivos individuais relacionados aos Direitos Fundamentais Sociais existem somente na sua vertente negativa. Isto quer dizer que existe a efetiva possibilidade de cobrança somente quando o legislador vier a impor lei que atente contra os princípios sociais garantidos constitucionalmente, o que já explicitado mais acima, quando da discussão acerca da eficácia dos direitos sociais.[15]
Fernando Atria, por sua vez, defende que os direitos sociais não podem ser concebidos como direito subjetivo, pois não possuem as mesmas características dos direitos civis e políticos para uma proteção judicialmente cabível.[16]Diz ele: “os direitos sociais não podem ser completamente exigíveis, porque em uma medida importante estes dependem de sistemas que o juiz não pode, pelo tipo de cargo que ocupa, criar”.[17]
Entende este doutrinador que os direitos sociais não devem ser excluídos constitucionalmente, mas sim entendê-los unicamente em seu sentido político, em outras palavras, que a interpretação de tais garantias deve restringir-se no sentido originário em que foram invocados todos os direitos na modernidade, como objetivos da importância para o Estado, como um “aspecto central da forma em que a comunidade entende sua responsabilidade de assegurar a igual cidadania de cada um”.[18]
Em outro norte, está o entendimento de Bernal Pulido. O doutrinador faz fortes críticas com relação àquele autor, expondo que o problema da perspectiva de Atria consiste em derivar desta crítica uma licença para sustentar a tese segundo a qual os direitos sociais não podem ser considerados de nenhuma maneira como direitos subjetivos e somente podem ter valor enquanto ideais políticos.
Continua:
Este raciocínio seria plausível se a concepção socialista fosse a única fonte da qual pudesse emanar uma fundamentação para os direitos sociais, ou a única fonte verdadeira (...). A reconstrução de Atria sobre o surgimento dos direitos sociais como estratégias do socialismo para fazer valer suas reivindicações no contexto da sociedade liberal não é a única maneira de entender a razão de ser destes direitos.(SOUZA NETO; SARMENTO, 2008, p. 142-144)
Continua seu texto abordando a visão de Tungendhat dos direitos sociais como fim em si mesmo, no sentido de que ditas normas têm a finalidade própria de oferecer a todos os indivíduos as condições mínimas para satisfazer suas necessidades e para ter uma existência digna.[19]
Em conclusão, assevera Pulido:
A tese da fundamentação independente defendida por Tungendhat não resulta contraditória, senão complementar, com a ideia de uma fundamentação instrumental dos direitos sociais. Este nexo de complementaridade se produz em razão de que o âmbito dos direitos sociais tem um conteúdo bastante amplo, que abarca não somente as disposições tendentes a garantir um mínimo existencial para o indivíduo, mas também as normas que conformam a dimensão prestacional das liberdades e dos direitos políticos. (SOUZA NETO; SARMENTO, 2008, p. 149)
No intuito de buscar uma solução à questão squi tratada, Clemerson Mèrlin Clève expõe duas dimensões existentes para os Direitos sociais. Uma dimensão subjetiva forte, relacionada aos direitos prestacionais conhecidos como originários, que seriam aqueles que permitem ao intérprete utilizar desde logo a disposição constitucional, eis que são usufruíveis por si próprios, não necessitam de uma regulamentação para serem reclamados ao Poder Judiciário. E uma dimensão subjetiva fraca, ligada aos direitos prestacionais derivados, que necessitam de uma atuação do legislador para a efetiva implementação da criação do direito.[20]
Desta feita, expõe, a título de exemplificação, o direito à proteção das pessoas com deficiência, que inclusive possuem o direito a perceber um salário, caso sua família não seja capaz de se sustentar e não tenha uma determinada renda. A mesma situação é vivenciada no direito ao ensino fundamental, pois não importa se há ou não escola, se há ou não orçamento, é evidente que qualquer cidadão pode reclamar via judicial este direito.
O professor Canotilho faz uma diferença entre a norma que garante um direito subjetivo de tipo definitivo, ou seja, que “fornece fundamento imediato para uma norma individual de decisão”, e uma norma que garante “prima facie”, à primeira vista, um direito subjetivo, assim dizer “uma norma que contém fundamento para justificar o direito a prestações, mas que não tem obrigatoriamente como resultado uma decisão individual”[21].
Neste último caso, não há a possibilidade de resolver a norma com base somente nela perante o Judiciário. Não há que se falar em auto executoriedade, pois os direitos subjetivos de caráter “prima facie” não estão atrelados a um resultado definitivo, situações que podem vir a ser deslocadas em razão de outras opostas.
Cita o exemplo da saúde, entendido como direito “prima facie”, que vale como razão a favor da realização do seu conteúdo normativo, que pode ser o mais amplo possível, mas que pode ser deslocada por princípios opostos.[22]
Assim, por mais que não sejam dotados de caráter auto-executório, tratam-se de direitos de prestações constitutivas do âmbito normativo de um direito fundamental que deve o Estado “prima facie” efetivar.[23]
Daniel Sarmento, além de expor que, no Brasil, nada obsta “que os argumentos relacionados aos direitos individuais sejam empregados para reforçar a tutela dos direitos sociais – como tem ocorrido com freqüência nas ações envolvendo prestações de saúde, através da invocação do direito à vida”, vai defender que “os direitos sociais não são meras proclamações políticas ou exortações desprovidas de força vinculante dirigidas ao legislador”.[24]
Defende o autor que os direitos sociais não podem ser vistos como meras normas programáticas, visto que, na falta de proteção às omissões estatais, não se compatibilizaria, então, com o texto constitucional que consagrou a aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais, nem com a importância destes direitos para a vida das pessoas.
Ademais, Sarmento afirma que os direitos sociais não podem ser vistos como direitos subjetivos definitivos, pois além de ter que se levar em conta a escassez de recurso, há a existência de diferentes formas de realização de tais normas prestacionais, bem como a “primazia do legislador para adoção das decisões competentes sobre o que deve ser priorizado e sobre como deve ser concretizado cada direito.[25]
Conclui, dessa forma, que os direitos sociais devem ser interpretados como direitos subjetivos garantidos “prima facie”, ou seja, “os direitos sociais são direitos subjetivos, que, contudo, possuem natureza principiológica, sujeitando-se a um processo de ponderação no caso concreto, anterior ao seu reconhecimento definitivo.”[26]
Acrescenta o autor que esta proteção não é justificada apenas pela liberdade material, mas também em objetivos como o atendimento das necessidades humanas básicas, a viabilização da democracia, entre outros.[27]
Assim como explica o Professor Sarmento, este artigo aduz a opinião de que adotar o entendimento de que os direitos sociais são direitos subjetivos “prima facie”, levando-se em conta apenas o critério da proporcionalidade para a aplicação da tutela judicial da norma prestacional, é pouco, pois apenas baseando-se em tal princípio pode o intérprete “sacar quase qualquer solução, convertendo-se num rótulo pomposo para o mais deslavado decisionismo”. [28]
Por conseguinte, junto ao critério da proporcionalidade, devem ser estudados outros elementos que estruturarão e limitarão a ponderação da tutela judicial, bem como da necessidade da efetivação dos direitos sociais pelos Poderes Públicos.
2.4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Ao se falar em direitos fundamentais de caráter social, bem como na necessidade de sua prestação positiva por parte do Estado, necessário considerar as limitações sofridas, tendo em vista as restrições de caráter material, principalmente envolvendo fatores econômicos ligados à condicionalidade institucional, organização da Administração Pública e dos recursos financeiros.
O que ocorre, também, é que tais limitações vão esbarrar no cumprimento dos direitos sociais. Necessário, assim, um sopesamento, o prevalecimento de um em relação ao outro, diante do caso concreto.
A Corte Constitucional Alemã passou a utilizar o princípio de proporcionalidade como critério de aferição da validade de limitações aos direitos fundamentais. O princípio é também adotado no Brasil. É considerado princípio implícito, pois, embora não se configure como norma geral de direito escrito, pode ser inferido de normas constitucionais esparsas ou, até mesmo, do princípio da igualdade.
O princípio da proporcionalidade é composto por três elementos, conteúdos parciais ou subprincípios.[29] O primeiro é a adequação. Diz respeito à pertinência ou aptidão, ligado à ideia de que a medida deve constituir meio adequado para se chegar a um fim baseado no interesse público.[30]
O segundo tem relação com a necessidade, ou seja, a medida adotada não pode ultrapassar os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja. Neste caso, analisa-se o meio empregado, sendo escolhido o meio mais suave e menos oneroso ao cidadão para se chegar ao fim almejado.[31]
O terceiro, por fim, consiste na proporcionalidade “stricto sensu”, na escolha de um meio que no caso concreto leve mais em conta o conjunto de interesses em conflito. Aqui, há análise da a providência, se está de acordo com o necessário, pois não pode ela ficar aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido.[32]
Paulo Bonavides vai ressalvar que o emprego inadvertido e abusivo do princípio da proporcionalidade poderá comprometer e abalar o equilíbrio entre o legislativo e o judiciário. Na utilização desse princípio, não se pode chegar ao extremo, ao “estado de juízes”, em que o remédio limitador da ação do Estado frente a direitos fundamentais seja utilizado de modo a cercear a ação do poder, também constitucionalmente previsto e conferido ao legislador, de elaboração das leis.[33]
Vale ressaltar, também, que este princípio não pode ser invocado solitário ou abstratamente, mas sim diante de posições jurídicas concretas”.[34]
2.5 A GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL
As limitações ligadas à possibilidade econômica de efetivação das políticas prestacionais por parte do Poder Público, adicionadas à necessidade da concretização dos direitos sociais, fazem surgir dois critérios ou princípios: o da Reserva do Possível e o da Garantia do Mínimo Existencial.
O Estado deve buscar um mínimo existencial para cada indivíduo. Um mínimo que garanta um atendimento básico e eficiente no tocante à saúde, alimentação, vestimentas, educação e moradia. Está diante da garantia do mínimo existencial.
Tal princípio veio para o direito brasileiro importado da dogmática constitucional alemã. Diante do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à integridade física, a Corte Alemã, mediante interpretação sistemática junto ao princípio do Estado Social, passou a determinar uma espécie de ajuda social, um valor mínimo que o Estado está obrigado a pagar a cidadãos carentes.[35]
Para os adeptos da teoria interna dos direitos fundamentais, não tem sentido o mínimo existencial, já que não visualizam limites concernentes aos direitos sociais. Estas normas estariam insuscetíveis de ponderação. Os limites são imanentes, ou seja, abrangem todo o sistema constitucional de valores.[36]
O entendimento sobre o núcleo essencial está na teoria externa das restrições dos direitos fundamentais. “Os direitos fundamentais são restringíveis por intervenções exteriores ao seu conteúdo essencial”. Dessa forma, explicam que o conteúdo essencial, por ser um núcleo irredutível dos direitos fundamentais, vai coincidir com um mínimo existencial, ou seja, a parcela indisponível dos direitos fundamentais, que deve ser respeitada.[37]
Na ADPF 45/DF, decisão célebre sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal se utilizou da conceituação do mínimo existencial, juntamente com a reserva do possível, para basear decisão que tornou suscetível os direitos sociais à apreciação jurídica. Estabeleceu o STF que, embora não seja possível, sob uma primeira visão, ao Judiciário, a formulação e implementação de políticas públicas, faz-se praticável tal interferência se a Administração Pública comprometer a eficácia e a integridade dos direitos individuais e coletivos constitucionalmente consagrados.[38]
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”, NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO).
2.6 A Reserva do Possível
O instituto em questão surge para salientar as limitações dos recursos disponíveis à efetivação dos direitos sociais. Explicitando sobre o assunto, Ricardo Lobo Torres diz que foi o termo cunhada pelo Tribunal Constitucional Alemão no julgado em que decidiam sobre a possibilidade do Judiciário criar novas vagas para estudantes na Faculdade de Medicina.[39]
O Supremo Tribunal Federal, em despacho do Ministro Celso de Mello, concernente à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de n. 45, define que a reserva do possível é formada pelo binômio da “razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público” e da “existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas”.[40]
Salienta, ainda, que:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se de cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como procedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
Doutrinariamente, divide-se a questão em reserva do possível fática e jurídica. Daniel Sarmento conceitua a reserva do possível fática como “a razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos existentes”. Devendo o Estado ter em mente que “não deve conceder a um indivíduo aquilo que ele não tiver condições de dar a todos os que se encontrarem na mesma posição”.[41]
Com relação ao conceito de reserva do possível jurídica, explica Sarmento sobre sua identificação:
(...)com a existência de embasamento legal para que o Estado incorra nos gastos necessários à satisfação do direito social reclamado. A questão nodal, aqui, diz respeito à existência de previsão orçamentária para a realização de determinada despesa.(SARMENTO In SOUZA NETO; SARMENTO, 2008, p. 573)
Todavia, há na doutrina quem não entenda a possibilidade de transposição do conceito de reserva do possível para o Direito Constitucional Brasileiro. Andreas Krell, em sua obra sobre o tema do controle judicial dos direitos sociais, registra uma forte crítica à recepção desta teoria no Brasil, pois que se está aqui diante de características sócio-econômicas diferenciadas.
Para este autor, o emprego da ideia da reserva do possível criada no primeiro mundo, quando transportada para a realidade ainda grave brasileira, em que muitas necessidades humanas básicas ainda não são atendidas, poderia recair em um completo esvaziamento dos direitos sociais.
Utiliza toda esta argumentação, em oposição àqueles que aderem à efetivação do instituto da Reserva do Possível, visto que adere à possibilidade do controle dos direitos sociais por parte do Poder Judiciário.
Modernamente, e até se embasando em decisões já ofertadas por parte do Supremo, pode-se falar na legitimidade e necessidade de intervenção judicial na seara dos direitos sociais cumulado com a incidência da reserva do possível para tal aplicação. Não se faz mais necessário a visão separada de tais conceituações, até mesmo porque o uso da reserva do possível auxiliará o magistrado no seu limite decisório, atuando, nas palavras de Sarmento, “como um critério importante para a sua parametrização”.
2.7 CORRENTES QUE COLOCAM ÓBICE AO SISTEMA DA JUSTICIABILIDADE.
1) A Teoria Tripartite e a Justiciabilidade
Uma das críticas mais vorazes à atuação judiciária na esfera social está ligada ao entendimento de que tal atividade entraria na seara do legislativo e executivo, representando uma usurpação da competência dos poderes a quem a questão é devida, sobressaindo a atuação judiciária, que é a de “apenas aplicar as normas legais que disciplinam o modo como os direitos sociais devem ser providos pelo Estado”[42], desrespeitando, assim, o princípio da separação dos poderes.
Vale ressaltar que esta teoria baseia-se, principalmente, em um sistema político inglês por volta de meados do século XVIII, em que imperava o Regime Absolutista, e a ideia de que o juiz era um simples “boca da lei”[43].
Assim, resta certo que o sistema brasileiro de democracia presidencialista pouco tem a ver com o modelo inglês, sendo preocupante transladar de maneira tão rígida e estanque a teoria da separação dos poderes para o momento atual, quem dirá embasar-se tão somente nele para fundamentar a não aplicação da justiciabilidade dos direitos sociais.
Em suma, não se quer dizer que a teoria tripartite não é aplicável ao sistema jurídico brasileiro, mas sim que em uma visão contemporânea, a separação de poderes nada mais é do que uma separação de funções, em que o poder é considerado uno, necessária sua divisão apenas para viabilidade das funções e possibilidade de administração.
É nesta visão contemporânea, baseada no entendimento de ser a função institucional uma só, que se dá a inclusão do princípio da separação de poderes, visto de certa maneira reformado, no sentido de que “envolve uma complexa trama de implicações e de limitações recíprocas e prevê a possibilidade de um poder exercer competências que tipicamente caberiam a outro.”[44]
Explicado de forma didática por Ileana:
Por motivos organizacionais, determinadas atividades são precipuamente cometidas a determinados órgãos, mas o dever de eficiência do Estado pode determinar que atos da esfera de atribuição de um órgão sejam realizados por outro, pois a ação estatal deve ser uma e a divisão de funções (ou de Poderes) é meramente instrumental, para a melhor consecução dos fins do Estado. No modelo jurídico-político brasileiro, o Legislativo julga o presidente, o vice-presidente da República e os ministros do STF nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, I e II); o Judiciário administra, quando promove a organização dos seus serviços (CF, art. 96 e incisos e art. 125); o Executivo legisla, quando edita medidas provisórias (CF, art. 59, V, e art. 62); vê-se que a separação estanque das funções estatais não existe. (MOUSINHO, 2006, p. 147)
Assim, quando do julgamento de ação civil pública em que há determinação para que se implemente uma política pública, ou até mesmo correção de uma política mal formulada, não está o Judiciário invadindo a espécie funcional Legislar, mas conhecendo do que dito em inicial e em posterior contestação, para, respeitando a seara do que ali tratado, impor a validade do ordenamento jurídico, ou seja, determinar que se execute algo que já fora imposto pela Constituição e posteriormente já fora tratado em lei infraconstitucional.[45]
Por conseguinte, dada a grande produção legislativa do Estado Social, onde poucos são os temas de direitos fundamentais sociais que já não tenham recebido densificação normativa infraconstitucional (aqui, cita-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, leis que abrangem a preocupação para com o deficiente físico, o idoso, o índio, a assistência social e etc.), o que falta realmente é a efetiva implantação dessas políticas, que pode ser concretizada através da atuação do Poder Judiciário, quando diante, óbvio, de pedido judicial para cobrança da atuação dos Poderes Legislativos e Executivo, decide sobre o caso, deixando de lado ou ponderando os óbices apresentados, como o da reserva de poderes.[46]
Ademais, com relação à argumentação de que não pode o Poder Judiciário se imiscuir em questões políticas, sob o argumento de que a implementação de uma política pública é um ato político, não há a caracterização de tal situação.
Além de não haver, na ordem constitucional vigente, amparo algum para defender-se que os atos políticos não estão sujeitos ao controle judicial, pois no Estado Democrático de Direito torna-se inadmissível atividade administrativa isenta de controle judicial, a natureza de uma política pública não é a de um ato político originado da atuação tão somente dos titulares de mandatos eletivos, mas de um ato administrativo complexo, que passou pelo crivo dos Conselhos de Direitos, ou seja, fora articulado entre o Poder Público e sociedade civil.[47]
Igualmente, sendo as políticas públicas necessárias para a concretização dos direitos sociais a prestações e, tendo tais direitos aplicabilidade imediata, conforme explicita o art. 5º, § 1º, da CF, não há discricionariedade do administrador, pois onde há dispositivo determinando um proceder, há atuação vinculada e não discricionária.
Pelo exposto, o poder público tem o dever de agir para alcançar os objetivos e metas previstos nas normas constitucionais e infraconstitucionais.
Portanto, vendo-se que no Estado contemporâneo há a interação de funções estatais, não vale se utilizar da simples referência à separação de poderes para deslegitimar a garantia de efetivação dos direitos sociais pelo controle judicial, pois, na interação de funções estatais, o Estado contemporâneo propicia que, na criação de uma política pública, já não se conceba que o Legislativo, isoladamente, a crie, e o Executivo a execute e, muito menos, que o Judiciário não exerça nenhum controle sobre sua implementação.
2) O Controle Judicial frente ao aspecto democrático
Há, também, certa objeção ao controle jurisdicional dos direitos sociais sob o argumento de que tal concretização seria antidemocrática pelo fato de ser conduzida por agentes que não passaram pelo crivo do voto popular. Assim, ao invés de autogoverno do povo, haveria um governo de juízes.
Ou ainda, sustentado sob o crivo de que a concretização dos direitos sociais via judiciário só agravaria a apatia política existente por parte dos cidadãos.
Na verdade, o que se observa desde as primeiras decisões mais tímidas relacionadas à efetivação social, até o peso que a discussão sobre tal atuação tomou nos dias de hoje, é a maior participação da sociedade na busca de ver seus direitos implementados, pois é óbvio que a garantia dos direitos sociais desenvolve no cidadão a capacidade para exercer “real influência” sobre os destinos da comunidade.
Sem direito à educação, por exemplo, o cidadão, em geral, possui menores capacidades reais para influenciar a vida pública. “Quando o judiciário o garante, não viola o princípio democrático: afiança a conformação de um contexto adequado à manifestação efetiva da vontade popular”[48].
Explicita Souza Neto que, “no plano conceitual, é pertinente o contra-argumento de que a garantia de direitos sociais, ao invés de enfraquecer a atuação cidadã, pode fomentá-la, ao capacitar o cidadão para atuar politicamente.”[49]
Aduz, ainda, o autor que a atribuição desta competência ao Poder Judiciário não é justificada no fato de que possam estar mais aptos para tomar decisões racionais e informadas (já que não derivam de um sistema eletivo, vindo a fazer certos compromissos de caráter impeditivo para a consecução dos direitos sociais), mas sim na questão de que pode a atuação judiciária exercer papel importante “na garantia das condições para que a deliberação pública se instaure adequadamente.”[50]
Dessa forma, em uma avaliação genérica, sobre como a judicialização da política tem repercutido na mobilização cidadã, há casos em que a atuação junto ao Judiciário tem sido utilizada de modo coordenado a estratégias mais amplas dos movimentos sociais.
Exemplificando, expõe o citado autor o caso da luta contra o vírus HIV, em que as decisões determinantes da distribuição de medicamentos para portadores do vírus acabaram provocando a gana pela busca de demais garantias, o que ensejou a alteração da política formulada para o setor (leis passaram a determinar a distribuição gratuita de remédios, produção de medicamentos genéricos, influenciando, até mesmo, a atuação do Governo no plano internacional, que passou a rescindir patentes), e ao invés de desmobilizar a cidadania, o que se vê é que o Judiciário contribuiu para que a atuação cidadã efetivamente acontecesse.[51]
3) O Controle Judicial mediante a utilização de certos meios que possibilitam a análise técnica da questão Social
Está a argumentação no sentido de que o Judiciário não tem o conhecimento técnico imprescindível para verificar, no campo das políticas públicas, qual é a providência adequada, visto que estas deliberações são complexas, não podendo ser determinadas em um processo judicial em que há a participação apenas formal das partes legitimadas.
A situação seria melhor ponderada pelo Executivo, pois são capazes de lidar com a sociedade e de considerar informações mais complexas e variadas.
Neste sentido, encontram-se os autores americanos Eric Christiansen e Marius Pieterse, citados por Cláudio P. de Souza Neto, em seu texto sobre a justiciabilidade dos direitos sociais.[52]
Apesar de ser uma crítica importante, que demonstra as limitações do Poder Judiciário quanto à sua atuação, os argumentos consistentes para superá-las são ainda de maior valia. Isso porque pode o Judiciário se valer de certos meios como a perícia e com o pronunciamento do “amicus curiae”. Além do que, pode promover audiência pública da qual participem especialistas na matéria.
Uma decisão judicial debatida, que seja o resultado de múltiplas informações e influências, é preferível a uma decisão que, embora se apresente como técnica, seja incapaz de se justificar publicamente. A Administração pode levar ao Judiciário seus argumentos técnicos, e ao juiz cabe tê-los em conta quando profere sua decisão. Para que o juiz decida em sentido contrário, basta que busque as informações técnicas necessárias para justificar sua decisão.
Portanto, tendo em vista as tarefas que vem o Judiciário assumindo modernamente, do juiz são exigidos novos tipos de formação, muito além da restrição tão somente do conhecimento dos textos legais. Para desempenhar esse papel contemporâneo, dando efetividade às decisões complexas que envolvem não só os direitos sociais, mas tantas outras questões. O juiz deve ser capaz de analisar relatórios técnicos, de interpretar dados econômicos, sociológicos e políticos, ou seja, deve poder lidar com um conhecimento multidisciplinar, não esquecendo que poderá ser auxiliado por especialistas da área, conforme explicita os ordenamentos legais.
Neste sentido, entenda-se que, por mais que auxiliado, tem o juiz o papel de conseguir verificar, ainda que por alto, qual a melhor atuação para o caso, e é aqui que se afirma a necessidade do conhecimento multidisciplinar. “Decidir sobre políticas públicas exige a superação da formação bacharelesca que ainda predomina no ensino jurídico brasileiro”.[53]
Destarte, apesar das críticas à Resolução n. 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre o ingresso na magistratura, fez ela acertadamente a inclusão, em suas provas, de questões relativas a noções gerais de Direito e formação humanística (aqui se referindo à Sociologia do Direito, Filosofia Jurídica e Teoria Geral do Direito e da Política), pois o juiz contemporâneo deve, sobretudo, saber aprofundar o diálogo com a sociedade e com as demais instituições, evitando se restringir às partes formalmente legitimadas, bem como saber lidar com questões novas e situações ainda não enfrentadas pelo Poder Judiciário.
4) A alegação de insuficiência de recursos e de necessidade de reserva orçamentária
Não se pode olvidar da crítica econômica, lastreada no argumento da insuficiência de recursos e da reserva orçamentária.
Com relação ao primeiro argumento, o embate é certo. A alegação do ente político de que há insuficiência de recursos para o cumprimento de determinada política pública só será aceito mediante apresentação de provas concretas sobre o alegado.
Pois, se assim não fosse, poderíamos recair no que diz Luís Roberto Gomes:
(…) se a simples alegação de dificuldade financeira ou orçamentária sempre prevalecesse, não haveria como restaurar a ordem jurídica violada pela omissão administrativa diante de tamanha carta branca de que se valeria o administrador para fugir a qualquer controle judicial ou extrajudicial, situação inadmissível num Estado Social e Democrático de Direito.( GOMES, 2003, p.126 apud MOUSINHO, 2006, p. 143)
Resta óbvio que surgirão vezes em que o Estado não poderá cumprir positivamente a política pública, diante da incapacidade financeira, contudo, não poderá postergar indefinidamente a concretização dos direitos sociais.
Frente a esta situação, surgem soluções como a possibilidade da concessão de prazo pelo Juiz, valendo-se da prova técnica, de modo a compatibilizar a necessidade de concretização dos direitos sociais com as limitações reais, fazendo cessar, em prazo razoável, a inércia administrativa.
Com relação ao segundo argumento, que tenta contrariar a justiciabilidade, há o entendimento de que não pode o Judiciário entrar nessa seara, tendo em vista que a previsão orçamentária para o tratamento da questão cabe ao Poder Administrativo.
Contra esta argumentação, explicita Ileana Neiva que:
O óbice da vedação de realização de despesas sem previsão orçamentária somente é oponível ao administrador, não ao Poder Judiciário, que diante da recalcitrância do administrador pode – e deve – determinar a realização de políticas públicas. Quando a Constituição dispõe que a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais, é objetivo fundamental da República, seria ridículo sustentar que essa norma constitui mera exortação aos Poderes Públicos, podendo, portanto, ser afastada perante a aplicação de regras de nível infraconstitucional, como aquelas referentes ao equilíbrio orçamentário, enunciadas na mal denominada Lei de Responsabilidade Fiscal. (MOUSINHO, 2006, p. 144)
Corroborando o entendimento da Procuradora do Trabalho, tem-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, onde, em seu art. 9º, § 2º, estabelece que “não serão objeto de limitação as despesas que constituem obrigações constitucionais e legais do ente”. Incluindo-se nesta expressão, conforme assevera Luis Roberto Gomes, “as obrigações impostas pelo Poder Judiciário, diante do caso concreto”[54]
Assim, não se quer dizer que as regras orçamentárias não devam ser respeitadas, mas sim que não pode ser admitido que o Poder Estatal se apegue a tal motivação para o não cumprimento das políticas públicas. As leis orçamentárias são normas destinadas em primeiro lugar ao administrador, para que não se desvie do seu dever de honestidade e eficiência, não para que sirva de obstáculo à possibilidade de realização do controle judicial dos fatores sociais.
Por conseguinte, resta esclarecido que, apesar de tais correntes constituírem um certo óbice à efetivação jurisdicional dos direitos sociais, não são elas páreo para negar e impedir o movimento contínuo que vem fortalecendo a aplicação desta justiciabilidade. Porém, de certa forma, contribuem, através de suas críticas, para que sejam repensados os limites do controle jurisidicional das políticas públicas, bem como quais podem ser os parâmetros para o embasamento da questão.
2.8 CERTOS PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL
Apesar de se ter verificado a necessidade de uma atuação efetiva do Judiciário em prol da materialização dos direitos sociais, cabe mencionar que sua consolidação deve ocorrer de forma moderada, quando verdadeiramente for necessária para a sua concretização, sob pena do uso arbitrário de competência.
Tem-se, também, que a atuação do Poder Judiciário na concretização de direitos sociais desorganiza a Administração Pública, que deixaria de se devotar ao planejamento e à execução de políticas públicas, para se dedicar ao atendimento de demandas individuais decorrentes de decisões do Poder Judiciário, que têm se proliferado nos últimos anos.
Decisões judiciais que não vislumbram problemas de organização administrativa podem gerar consequências contrárias aos próprios valores que pretendem promover. Tal objeção, como dito, não deve ser o fundamento justificável para a não atuação judicial. Contudo, deve ser levada em conta para criar parâmetros que balizem os limites do citado controle.
Neste sentido, também se critica que a atuação judiciária no campo social tem favorecido, predominantemente, a classe média, sendo que os mais pobres continuam excluídos do acesso à justiça.
Alguns dados disponíveis sobre isto são apresentados por Souza Neto, relacionados ao Estado de São Paulo, onde uma pesquisa, que examinou todas as ações ajuizadas entre 1997 e 2004, verificou que, em 67,7% dos casos, os autores eram representados por advogados particulares – o que sugere a possibilidade de arcarem com os custos dos processos -, nada obstante, em 23,8%, possuíssem apoio de associações.[55]
Esta crítica acaba por utilizar a desigualdade de acesso para negá-lo a todos, não só à classe média, mas também aos que não possuem qualquer condição de custeio do processo.
Resta certo que a solução está em outras medidas: aumento do acesso à justiça dos menos abastados, melhorando a participação da Defensoria Pública e do Ministério Público; fomento da advocacia representativa da sociedade civil organizada.
Mesmo que seja considerado que tal pesquisa revela uma tendência nacional, a crítica não é consistente a ponto de afastar a atuação judiciária, pois será um dos fundamentos do parâmetro segundo o qual devem ser priorizadas as ações de cunho coletivo, que levam as decisões aplicáveis a todos que se encontrem nas mesmas condições.
A crítica também é importante para justificar o critério da hipossuficência, garantindo-se entrega imediata de bens e serviços primordialmente para os que não possam provê-los com recursos próprios.
Como dito nos capítulos 05 e 06, o princípio da proporcionalidade, a garantia de um mínimo existencial e a reserva do possível são os meios mais empregados pelo Judiciário para poder mediar a utilização do controle jurisdicional de políticas públicas.
Portanto, cabe ponderar que tal atuação ainda apresenta seus impasses, que não se prestam a fundamentar a não atividade do Judiciário, mas tão somente suscitar falhas e justificar parâmetros que a tornem mais racional.
Daí porque, a seguir, são delineados alguns destes parâmetros:
1) Priorizar a atuação Judiciária ao titular incapaz de arcar com os seus custos, sem inviabilizar a garantia de outras necessidades básicas
O atendimento irrestrito de toda a coletividade pode ser um ideário admirável, contudo é surreal para os patamares financeiros do Brasil. Deve a universalidade da efetivação dos direitos sociais ser considerada pelo Poder Judiciário como um objetivo a ser alcançado eventualmente, mas na prática, deve ser priorizada a garantia dos direitos sociais aos hipossuficientes.
A hipossuficiência deve ser verificada no caso concreto, de forma a incluir qualquer pessoa que demonstre não possuir recursos para arcar com as prestações sociais sem tornar inviável o atendimento de outras necessidades básicas.
Nada impede que o legislador opte por conceder de maneira universalizada a prestação não apenas para os hipossuficientes, mas para toda a população. Como exemplo, a gratuidade nas universidades públicas, estabelecida pelo próprio constituinte.
Isso pode ocorrer por diversas razões, dentre elas, a de que “a universalização abrangente da prestação social se justifica pelo propósito de promover a adesão republicana ao interesse público”.[56]
2) Prioridade para a opção técnica da Administração
É certo que as opções técnicas oferecidas pelo Poder Executivo e Legislativo devem ser priorizadas sobre a que proposta pelo demandante. Assim, se o Estado oferece procedimento médico para determinada patologia, o Judiciário não deve determinar que tais poderes arquem com os custos de outro procedimento desenvolvido para a mesma patologia, por ter sido prescrito pelo médico privado. Se o Estado inclui em sua lista medicamento para o tratamento de determinada doença, o magistrado não pode determinar que adquira outro, da preferência do médico demandante.
O assunto até pode ser discutido no Judiciário, mas há prioridade para a adoção da solução técnica apresentada pela Administração Pública. Apesar do Judiciário ter meios para qualificar tecnicamente suas decisões, a Administração dispõe de capacidades institucionais mais apropriadas para tanto.
3) Prioridade para a solução mais econômica
Diante dos institutos da proporcionalidade, garantia do mínimo e reserva do possível, que visam traçar parâmetros para a atuação judicial, nada mais coerente de que dentre as soluções eficazes, o Judiciário deve optar pela solução mais econômica.
Neste sentido, o autor acima citado traz como exemplo que, havendo requisição da entrega de medicamento fabricado por determinado laboratório, sendo que há tal propriedade farmacológica produzida de forma genérica, o Judiciário deve optar por este último.[57]
A limitação e escassez de recurso público cria essa obrigação para tal Poder, até para que a medida possa ser universalizada. Ademais, o administrador pode normalmente considerar outros critérios, estabelecendo padrões mais estritos e específicos de qualidade, tendo em vista todas as características técnicas que possui, dando-lhe efetividade e confiabilidade para assim atuar.
O Judiciário, por mais que possa se valer de peritos para avaliação da lide, é, de certa forma, desprovido de capacidade técnica para análise da questão. Outrossim, atua abalizado por certos critérios, sendo um deles o econômico, devendo priorizar, então, a solução que depreende menos gastos.
4) Intensidade do Controle Judicial atrelado aos níveis de investimentos em Políticas Públicas
A atuação judicial deve estar interligada ao grau de execução efetiva do orçamento que a Administração Pública aplica no campo social. Isso leva a crer que a intensidade do controle judicial é inversamente proporcional à atuação administrativa nos direitos sociais.
Assim, se há investimentos consistentes, o Judiciário deve intervir de modo mais moderado. “Os governos que priorizam, no orçamento e em sua execução, a garantia de direitos sociais têm reforçada a presunção de constitucionalidade de suas opções orçamentárias”[58].
Entretanto, se os investimentos da Administração Pública estão atrelados a obras sem qualquer ligação com o caráter social, tendentes à exuberância e ao aspecto faraônico, resta claro que o rigor do controle jurisdicional deve ser mais intenso.
5) Prioridade para as ações coletivas
A ideia de dar prioridade à ação coletiva se deve a vários fatores. Primordialmente, as decisões proferidas em ação coletiva atendem não apenas aos que estão envolvidos diretamente na lide, mas, também, a todos aqueles que se encontram nas mesmas condições, o que garante a universalidade da prestação.
Assim, tais decisões desorganizam menos a Administração Pública, quando comparadas às de interesse tão somente individual.
Ademais, nas ações coletivas, é possível discutir, com a devida cautela, os aspectos técnicos envolvidos. Isso, porque, no caso do Ministério Público, por exemplo, antes de ajuizar ação civil pública, pode instaurar inquérito civil para exame dos aspectos técnicos pertinentes ao caso.
Outrossim, quanto à crítica ao aspecto democrático do controle judicial, resta claro que há maior participação da comunidade, a partir da ocorrência de concessões de efetivação dos direitos sociais por parte do Judiciário.
Dessa forma, a priorização das ações coletivas estimula que o cidadão se mobilize para a atuação política conjunta, sobretudo através de associações da sociedade civil.
Sem contar que a priorização das ações coletivas evita que apenas cidadãos que possuam um acesso qualificado à justiça sejam efetivamente destinatários de prestações sociais.
Ainda, nas ações coletivas, é possível analisar, de modo mais preciso, o impacto da política pública no orçamento. Grande parte das objeções acima formuladas perde densidade quando as decisões judiciais são proferidas em ações coletivas.
O parâmetro de priorização das ações coletivas não abomina a ocorrência de litígios individuais, apenas traça ideias para que o meio coletivo seja priorizado.
A atuação judiciária em litígios individuais é especialmente legítima quando a não garantia do direito social tender a causar prejuízos irreversíveis. Certos direitos são imprescindíveis como, por exemplo, a concessão do ensino pré-escolar na idade própria e a entrega de medicamentos a tempo de preservar a saúde.
Há hipóteses, contudo, em que a atuação judiciária em litígios individuais é legítima mesmo que não haja risco de dano irreversível, como ocorre no caso do administrador que deixa de cumprir a lei ou de entregar as prestações que se comprometeu a fornecer em seus próprios programas.
Quando, por exemplo, a Administração elabora uma lista de medicamentos e deixa de entregá-los à população, é adequado que o cidadão, individualmente, ajuíze ação tendo em vista obter imediatamente a prestação. Nesses exemplos, as objeções acima não prevalecem, pois se está diante da contrariedade na atuação governamental, que não cumpre o que elaborado em seu programa.
6) Ampliação do diálogo institucional
Por fim, vale trazer como parâmetro o que já observado anteriormente. Decisões judiciais que não observem mais detidamente suas consequências na vida prática podem acabar por produzir efeitos contrários aos valores que lhes inspiraram. Souza Neto argumenta que decisões que levam à retirada da UTI de paciente que se encontra em estado mais grave para que seja internado paciente que está em estado menos grave são injustas e irracionais, tratando desigualmente os cidadãos e impedindo a realização de outras finalidades também positivamente valoradas pela Constituição.[59]
Por conseguinte, faz-se necessário que haja não só uma interação formal entre Poder Judiciário e o restante da sociedade, mas que os juízes tenham sensibilidade para a consecução de tal diálogo.
Toda essa interação se faz necessário, pois o que se conclui é que modernamente a judicialização das políticas sociais depende de decisões refletidas, tratadas antecipadamente, através da interlocução entre magistrados, Poder Executivo e Legislativo, pessoas com capacidade técnica no assunto, associações da sociedade civil e outros.
3. Considerações finais
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a inserção dos direitos sociais dentre aqueles necessários de efetivação, o que se vê, após as primeiras decisões neste sentido, é uma crescente tendência para tal atuação.
Este aspecto não surge de questões esparsas, mas de um conjunto de pensamentos e construções debatidas sobre a abrangência e eficácia dos direitos sociais, aliado ao fato de estarem eles dentre os de caráter fundamental, que devem ser prioritariamente tratados pelos poderes públicos como um todo.
Assim, há a possibilidade de controle judicial dos direitos sociais. Entretanto, faz-se necessário o respeito a certos critérios para que esta judicialização não se transforme de solução dos problemas em uso arbitrário do poder.
Neste sentido, explicita-se que, dentre tantos aspectos limitadores ao poder de atuação judicial, imprescindível a priorização da justiciabilidade ao titular incapaz de arcar com os custos da efetivação de seus direitos sociais.
Ademais, que tal atividade prime pela opção técnica oferecida pelo Poder Administrativo, bem como pela solução mais econômica ao caso. Além do que, o controle judicial deve estar atrelado aos níveis de investimentos em Políticas Públicas fornecidos pela Administração, fazendo com que a efetivação judicial aconteça na medida em que os outros Poderes deixam de oferecer aplicações no campo social.
Por fim, há que acontecer, ainda, a priorização às ações coletivas, pois além de todos os argumentos expostos, garantem a universalidade da medida, não se esquecendo da necessidade da ampliação do diálogo entre Poder Judiciário, os outros Poderes e sociedade, realizando, dessa forma, o controle judicial das questões sociais que realmente necessitam de tal atuação.
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[1] NETO, Cláudio Pereira de Souza. A Justiciabilidade dos Direitos Sociais: Críticas e Parâmetros. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Org.) Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008. p. 515.
[2] Disponível na Internet: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=((271286.NUME.%20OU%20271286.DMS.)(CELSO%20DE%20MELLO.NORL.))%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas> . Acesso em 17.03.2010.
[3] SOUZA NETO; SARMENTO, op. cit., p. 516
[4] NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Os Direitos Sociais como limites materiais à revisão constitucional. Salvador: Juspodvim, 2009. p. 17
[5] Ibid., p. 19
[6] NETTO, op. cit., p. 20
[7] NETTO, op. cit., p. 23
[8] Ibid., p. 572
[9] BRANDÃO, Rodrigo. São os Direitos Sociais Cláusulas Pétreas? Em que Medida? In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Org.) Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008. p. 461.
[10] SOUZA NETO; SARMENTO, 2008, op. cit., p. 462-463.
[11] SARLET, op. cit., p. 273 et seq.
[12] SOUZA NETO; SARMENTO, 2008, op. cit., p. 464
[13] SOUZA NETO; SARMENTO, 2008, loc. cit.
[14] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24 edição. Malheiros: São Paulo, 2009. p. 657
[15] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998 apud KRELL, Andreas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 39
[16] ATRIA, Fernando. ?Existen Derechos Sociales? Disponível na internet no endereço: http://www.cartapacio.org.ar/viewarticle.php?id=39. Acesso em 17.03.2010.
[17] ATRIA, loc. cit.
[18] ATRIA, loc. cit.
[19] Ibid., p. 147.
[20] CLÉVE, Clemerson Mèrlin. Desafio da efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 20.03.2010.
[21] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Tomemos a Sério os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Número Especial, Coimbra, 1991, p. 1840-1841 apud ROCHA, Rosalia Carolina Kappel. A eficácia dos direitos sociais e a Reserva do Possível. Disponível na Internet: <http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_V_novembro_2005/rosalia-eficacia.pdf> . Acesso em 20.03.2010.
[22] KAPPEL, loc. cit.
[23] KAPPEL, loc. cit.
[24] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Org.) Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2008. p. 566.
[25] SOUZA NETO; SARMENTO, op. cit., p. 567
[26] SOUZA NETO; SARMENTO, loc. cit.
[27] SOUZA NETO; SARMENTO, op. cit., p. 568
[28] SOUZA NETO; SARMENTO, loc. cit.
[29] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 396-398.
[30] BONAVIDES, 2009, loc. cit.
[31] BONAVIDES, 2009, loc. cit.
[32] BONAVIDES, 2009, loc. cit.
[33] BONAVIDES, op. cit., p. 420-425
[34] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5 ed. Coimbra, 2002, p. 476 apud ROCHA, Rosalia Carolina Kappel. A eficácia dos direitos sociais e a Reserva do Possível. Disponível na Internet: <http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_V_novembro_2005/rosalia-eficacia.pdf> . Acesso em 20.03.2010.
[35] KRELL, Andreas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p 61
[36] TORRES, Ricardo Lobo. O Mínimo Existencial como Conteúdo Essencial dos Direitos Fundamentais. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Org.) Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2008. p. 319.
[37] SOUZA NETO; SARMENTO, op. cit., p. 317-18
[38] ADPF 45/DF e RE 436.996/SP – Relator Ministro Celso de Mello.
[39] SOUZA NETO; SARMENTO, op. cit., p. 324.
[40] ADPF 45, Despacho do Min. Rel. Celso de Mello, de 29/04/2004. Disponível na Internet: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=reserva%20e%20poss%EDvel&processo=45>. Acesso em 18.03.2010.
[41] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Org.) Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2008. p. 572.
[42] MOUSINHO, Ileana Neiva. A necessidade de políticas públicas para tornar efetivos os direitos sociais. In O MPT como promotor dos direitos fundamentais. Juliana Vignoli Cordeiro, Sebastião Vieira Caixeta, coordenadores. – São Paulo: LTr, 2006. p. 146.
[43] SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as Políticas Públicas: entre Transformação Social e Obstáculo à Realização dos Direitos Sociais. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Org.) Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008. p. 589
[44] SOUZA NETO, SARMENTO, op. cit, p. 520
[45] MOUSINHO, op. cit, p. 148.
[46] MOUSINHO, loc.cit.
[47] Ibid, p. 132-133.
[48] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A justiciabilidade dos Direitos Sociais: Críticas e Parâmetros. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Org.) Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008. p. Sarmento, p. 524.
[49] Ibid., p. 525.
[50] Ibid., p. 523.
[51] Ibid., p. 525.
[52] Ibid, p. 530
[53] SOUZA NETO; SARMENTO, op. Cit, p. 531.
[54] MOUSINHO, op. cit, p.145
[55] SOUZA NETO; SARMENTO, op. cit, p. 533-534.
[56] Ibid., p. 540
[57] Ibid., p. 542.
[58] Ibid, p. 543
[59] Ibid., p. 546
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, especialista em Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e servidora do Ministério Público do Trabalho - MPT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Ludmila Pereira. Ativismo judicial como forma de assegurar os direitos sociais: possibilidade e parâmetros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45397/ativismo-judicial-como-forma-de-assegurar-os-direitos-sociais-possibilidade-e-parametros. Acesso em: 23 dez 2024.
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