RESUMO: A Defensoria Pública é um órgão público que representa a garantia de todos aqueles que se enquadrem na categoria de necessitado e que, por se enquadrarem nessa categoria, encontram óbices os mais diversos ao acesso à justiça. Por intermédio de serviços inteiramente gratuitos e de qualidade, é a principal expoente na tutela dos menos favorecidos, assegurando-lhes uma existência mais digna e condizente com a sua qualidade de pessoa humana. Elevada ao nível de instituição constitucional em 1988, obteve autonomia administrativa, funcional e financeira, no âmbito estadual, com o advento da Emenda Constitucional 45/04 e, posteriormente, no plano federal e do distrito federal com o advento da Emenda Constitucional 74/13. Hodiernamente, vivenciamos um movimento de expansão de sua atuação em todo o território nacional, tendência que se revela duradoura.
PALAVRAS-CHAVE: DEFENSORIA PÚBLICA. EXPANSÃO. SERVIÇOS. PRINCÍPIOS. CONSTITUIÇÃO DE 1988. “PEC DEFENSORIA PARA TODOS”.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 134, incumbiu a um órgão específico a prestação de orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, inciso LXXIV, que trata da assistência jurídica integral e gratuita prestada pelo Estado aos que comprovarem insuficiência de recursos. Esse órgão é a Defensoria Pública.
Essa previsão, inédita na história das Constituições Federais brasileiras, representou verdadeira alteração do paradigma até então adotado. O que se observa é que as Constituições de 1934, 1946, 1967/1969, de modo expresso, previam a prestação de assistência judiciária aos que dela necessitassem, enquanto que a Constituição Federal de 1937, apesar de omissa, não vedou a implantação desse serviço pela União e pelos Estados.
A assistência judiciária se resumia ao ato de assistir alguém judicialmente, amparar alguém em uma relação estritamente jurídico-processual. Esse amparo deveria ser prestado por “órgãos especiais”, mas não houve a efetiva previsão e normatização desse órgão por um ato federal.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 houve a previsão e criação de um órgão específico, cuja atribuição é a de prestar o serviço estatal de assistência, que é a Defensoria Pública. Houve, ainda, a expansão do serviço prestado pelo Estado: ao invés de “assistência judiciária”, cabe à Defensoria Pública prestar “assistência jurídica”, isto é, atuar perante o Judiciário, prestando assistência judiciária, mas também perante instâncias administrativas, prestar serviços de consultoria, promover a composição extrajudicial, exercitando a assistência extrajudicial também.
Feitas tais considerações, é necessário expor as características desse órgão, bem como em que consistem as suas atribuições e as prerrogativas de seus membros. Ademais, serão analisadas as medidas que estão sendo tomadas para assegurar a expansão do serviço estatal prestado pela Defensoria Pública. Em sede de conclusão, há de se verificar os avanços obtidos por esse movimento de expansão, sempre em busca de aprimorar a assistência jurídica estatal àqueles que dela necessitam.
ASPECTOS GERAIS
A Defensoria Pública, além de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, é um órgão permanente. Enquanto instituição permanente, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas. Por “instituição permanente” entende-se a instituição que não pode ser extinta, havendo limitação material implícita da Constituição Federal ao seu extermínio. Essa limitação material decorre do fato de que a Defensoria Pública tem como função institucional a proteção aos direitos fundamentais (Art. 4º da LC 80/94: “São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”) e, ao assegurar os direitos fundamentais, implicitamente se assegura a existência de mecanismos que possam efetuar a proteção e realização desses direitos fundamentais, inclusive os seus órgãos de defesa (no caso, a Defensoria Pública). Como consequência lógica, a existência e manutenção da Defensoria Pública se revela como verdadeira cláusula pétrea, insuscetível de reforma constitucional tendente a aboli-la, como órgão, ou tendente a abolir a independência funcional de seus membros (art. 60, §4º, IV, da CF).
O Legislador infraconstitucional, buscando viabilizar a continuidade e qualidade do serviço, instituiu como princípios institucionais desse órgão a indivisibilidade, a unidade e a independência funcional de seus membros. A indivisibilidade permite a substituição, quando de sua atuação, de um defensor público por outro sem que haja prejuízo ao exercício das funções do órgão de assistência jurídica. Pelo princípio da unidade os defensores públicos integram um só órgão, a Defensoria Pública, e a manifestação de qualquer membro vale como posicionamento de toda a instituição. Por fim, o princípio institucional da independência funcional preceitua que cada membro da Defensoria Pública tem autonomia integral quando de sua atuação, não se sujeitando a ordens de superior hierárquico do próprio órgão ou de outra instituição. Este princípio confere à Defensoria Pública a possibilidade de autogoverno, evitando que ingerências externas influenciem os trabalhos do órgão, já que veda a hierarquia diante dos demais agentes do Estado, como magistrados, membros do Ministério Público ou agentes políticos.
O Constituinte, por sua vez, por intermédio da Emenda Constitucional n. 45, em 2004, reconhecendo a importância social atribuída à Defensoria Pública, dotou as Defensorias Públicas, no plano Estadual, de autonomia funcional e administrativa, bem como de iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º da CF/88, acrescentando ao art. 134º o seu parágrafo 2º.
Contudo, essa discriminação estatuída pelo parágrafo 2º do art. 134, concedendo apenas às Defensorias Públicas estaduais autonomia, foi corrigida em 2013, por intermédio da Emenda Constitucional n. 74, que estendeu também à Defensoria Pública da União e à Defensoria Pública do Distrito Federal autonomia funcional, administrativa e financeira.
A título de esclarecimento, autonomia é o poder de autogoverno, de se guiar de acordo com a CF e com as leis, sem subserviência a ninguém, a nenhum órgão e a nenhum dos Poderes.
Autonomia funcional é o poder de desempenhar seus deveres profissionais submetendo-se apenas à sua consciência e aos limites imperativos da lei. Por essa razão, a Defensoria Pública deve conduzir suas atividades na forma da lei, visando à plena realização das suas atribuições institucionais, sem subordinação alguma a qualquer dos Poderes (notadamente, sem subordinação ao Executivo), ou a qualquer outro órgão ou entidade.
Autonomia administrativa é o poder de que dispõe o órgão de exercer suas atividades ou serviços e gerir seus bens e recursos.
Autonomia financeira se traduz na “iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”. Assim, cabe à Defensoria Pública indicar os recursos financeiros sem os quais o desempenho de sua atividade se torna inviável, elaborando sua proposta orçamentária, de gestão e de aplicação desses recursos. Observe que, após a EC 74/13, que introduziu o §3º do art. 134, além das Defensorias Públicas Estaduais, a DPU e a DP/DF também são detentoras de autonomia financeira, assim como administrativa e funcional.
Essas reformas e alterações, bem como a concessão de garantias e prerrogativas aos Defensores Públicos, como inamovibilidade, prazos diferenciados, intimação pessoal com remessa dos autos para vistas, dentre outras, demonstram a valorização do órgão e do serviço por ele prestado. E essa valorização é uma tendência que gera frutos diuturnamente.
“PEC DEFENSORIA PARA TODOS”
Recentemente, tramitou junto ao Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição objetivando alterar o Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV – Da Organização dos Poderes, e acrescentar artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Essa Proposta de Emenda, cujo início da tramitação ocorreu na Câmara dos Deputados e foi autuada com o número 247/2013, foi aprovada, em uma votação histórica, por 425 votos favoráveis e apenas um contra.
De autoria dos deputados Mauro Benevides (PMDB-CE), Alessandro Molon (PT-RJ) e Andre Moura (PSC-SE), a denominada “PEC Defensoria para Todos” dá prazo de oito anos à União, aos estados e ao Distrito Federal para que todas as unidades jurisdicionais do país contem com defensores públicos. Após ser aprovada por dois turnos na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição foi encaminhada ao Senado Federal, onde foi autuada com o número 04/2014.
Aprovada também no Senado Federal, acrescentou ao artigo 134 da Constituição Federal o seu §4º, com a seguinte redação: “São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal”, alçando os princípios institucionais já previstos na Lei Complementar 80/94 ao patamar constitucional e conferindo ao defensor público foro privilegiado junto à segunda instância, nos crimes comuns e de responsabilidade (ressalvada a competência da Justiça Eleitoral).
Acrescentou, ainda, ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o seu artigo 98, com a seguinte redação:
“Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.
§1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo.
§2º Durante o decurso do prazo previsto no §1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.”
Essa Emenda tem previsão expressa de entrada em vigor na data da sua publicação, operando efeitos a partir deste marco inicial (4 de junho de 2014).
CONCLUSÃO
Transcorridos mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da consequente criação da Defensoria Pública, este órgão ainda não está devidamente instalado e aparelhado em todos os Estados da Federação. Em alguns casos, sequer houve a realização do primeiro concurso para o cargo (como no caso do Amapá), ou houve a sua recente realização e provimento de cargos, por vezes de forma imposta aos próprios governos Estaduais por meio de decisão judicial, como no caso do Estado de Santa Catarina (Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4270).
Na maioria dos Estados e inclusive no âmbito da União, há elevado número de cargos criados e ainda não providos nos quadros da Defensoria Pública, seja para a carreira de membro da instituição, seja para as carreiras de apoio.
Com vistas a suprir esse quantitativo e acabar com o déficit existente, o movimento de expansão da Defensoria Pública, no qual se encontra a Emenda Constitucional n. 80/2014 (oriunda da chamada “PEC Defensoria para Todos”), visa assegurar a todos os necessitados, em suas mais variadas vertentes (do ponto de vista econômico, jurídico ou organizacional), sejam eles nacionais ou estrangeiros residentes ou não no Brasil, o acesso aos serviços da Defensoria Pública.
REFERÊNCIAS
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 11 de abril de 2014.
LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp80.htm> Acesso em: 11 de abril de 2014.
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 4/2014, de 13/03/2014, do Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=146507&tp=1> Acesso em: 11 de abril de 2014.
Servidor Público do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Direitos Indisponíveis (Faculdade Projeção) e em Direito Constitucional Aplicado (Instituição Faculdade Damásio de Jesus). Professor de Princípios institucionais da Defensoria Pública no curso preparatório para concursos GranCursos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Mathews Francisco Rodrigues de Souza do. O direito à assistência jurídica integral e gratuita prestada pelo Estado: a Defensoria Pública em expansão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 nov 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45452/o-direito-a-assistencia-juridica-integral-e-gratuita-prestada-pelo-estado-a-defensoria-publica-em-expansao. Acesso em: 23 dez 2024.
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