OTÁVIO LUÍS SIQUEIRA COUTO: Orientador e Docente da Faculdade Estácio de Macapá,
RESUMO: O presente artigo científico tem o intuito de compreender a relação entre a mídia, sendo este um importante canal de veiculação de noticias, e os seus efeitos nas decisões penais relacionadas ao crime de estupro, visando descrever de que forma a mídia exerce a sua função social, ainda, investigar se o magistrado pode ser influenciado pelo clamor público e como a mídia pode influenciar negativamente na defesa do suposto criminoso. Será analisado ainda, acerca da viabilidade de indenização, em face dos danos morais decorrentes de tais notícias. O artigo fora elaborado através de pesquisas bibliográficas relacionadas ao tema, onde foram tomados como base artigos científicos depositados em banco de dados eletrônicos, além de livros doutrinários de Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual Penal. Em suma, o trabalho visa tratar especificamente da inobservância de princípios constitucionais, quando a mídia não toma cuidados mínimos com a divulgação de notícias ligadas ao crime de estupro.
Palavras-chave: Estupro, Imprensa, Influência, Princípios, Desrespeito.
ABSTRACT: The present paper aims to understand the relationship between the media, and their effects on criminal decisions related to the crime of rape, being an important channel of airing of news, in order to describe how it exerts a social function also investigate how the magistrate can be influenced by public outcry and how the media can influence negatively in the defense of the alleged criminal. Will be analyzed, about the feasibility of compensation, in the face of non-material damage arising from such news. The article was prepared through bibliographic research related specifically to the topic, where they were taken as basis scientific articles deposited in electronic database, as well as doctrinal books on constitutional law, criminal law, criminal procedural law. In summary, the work aims to treat the failure of constitutional principles, specifically, when the media does not take minimal care with the dissemination of news related to the crime of rape.
Keywords:.Rape, Press, Influence, Principles, Disrespect.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o intuito de compreender como a mídia, sendo um importante canal de veiculação de notícias influencia nas decisões penais quando relacionados ao crime de estupro, conduta criminosa prevista no artigo 213, do Código Penal Brasileiro e no artigo 1º, inciso V, da Lei 8.072/90 que dispõe sobre os crimes hediondos, demonstrando ainda, como contribui para a inobservância de princípios basilares da Constituição Federal de 1988.
Visa analisar e descrever como a mídia, sendo uma formadora de opinião pública, pode ter influência sobre as decisões interlocutórias dos magistrados quando relacionadas ao crime de estupro. Importante destacar que essas decisões interlocutórias são aquelas decisões proferidas pelo magistrado no decorrer do processo, possuindo conteúdo decisório, sem, contudo, apreciar o mérito, ou seja, decisão que não põe fim ao processo.
Ao longo do artigo será abordado primeiramente de que forma a mídia exerce a sua função social; investigar se o magistrado pode ser influenciado pelo clamor público; como a mídia pode influenciar negativamente na defesa do suposto criminoso, contribuindo para a inobservância de direitos fundamentais, conforme assegura a Constituição Federal de 1988 e como a justiça brasileira da viabilidade de indenização, em face dos danos morais decorrentes de tais divulgações forem caluniosas.
Destaca-se que ao tratar sobre a relação da mídia e a sociedade brasileira, será feito uma abordagem histórica, comentando-se acerca do período ditatorial, e as conquistas alcançadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde foram consagrados os direitos fundamentais, destacando-se o direito constitucional da liberdade de imprensa, que correspondente ao direito e função social de transmitir e veicular informações, notícias ou opiniões sobre fatos considerados relevantes para a sociedade.
Vê-se, em alguns casos, que direitos amplamente assegurados pela Constituição Federal, por exemplo, a presunção de inocência acabam sendo usurpados pela mídia, que muitas vezes apenas se preocupa em informar, sem buscar a veracidade dos fatos noticiados, o que pode influenciar nas decisões penais dos magistrados..
A metodologia utilizada neste artigo foi a pesquisa bibliográfica além de doutrinas de direito penal, direito processual penal, que tratam de uma forma mais detalhada sobre o delito de estupro, também doutrinas de direito constitucional, para explicitar que direitos constitucionais podem estar sendo lesados pela conduta da mídia, e ainda, utilizou-se a obra de Rafael de Souza Lira, Mídia sensacionalista - o segredo de justiça como regra, que trata especificamente sobre a mídia sensacionalista, sendo o tema discutido no decorrer do trabalho. Sendo assim, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, baseada em legislação, doutrina, publicações acessadas via internet, tendo-se como método a pesquisa qualitativa e parcialmente exploratório.
Cumpre destacar que este artigo não visa censurar o exercício do direito da mídia de informar, mas sim, demonstrar que é possível a sua responsabilização diante de danos que possa causar aos direitos de outrem.
O tema a ser apresentado no trabalho é de suma importância para o âmbito jurídico, uma vez que quando deixados de lado os direitos assegurados pela Constituição Federal, grandes malefícios são gerados, de forma que impossibilitam a realização da mais lídima justiça.
Diante do que fora explanado, pretende-se responder a seguinte problematização: a mídia manipula ou exerce o seu papel de informar quando na veiculação de noticias ligadas ao crime de estupro?
Faz-se mister, inicialmente, estabelecer a relação entre a mídia e a sociedade brasileira, o que será detalhado no capítulo a seguir.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 RELAÇÃO MÍDIA E A SOCIEDADE BRASILEIRA
Há um divisor de águas entre a mídia e a história da sociedade brasileira é a Constituição Federal de 1988, posto que foi através desta Carta Magna, que houve a consagração de vários direitos.
Antes da instituição da Constituição Federal, o Brasil passou por um período ditatorial, onde era governado por militares, período de 1964 a 1985.
Segundo a autora Maria José de Rezende (2013, p.113), em sua obra destacou que nesse período, “só restava um caminho a seguir: aceitar as regras que o regime impunha”, onde destacou que o governo alertava que não aceitaria nenhuma espécie de crítica ao governo.
Conforme destaca Lira (2014, p.21):
(...) vários momentos sangrentos da história do Brasil, principalmente aqueles relacionados ao exercício da liberdade de expressão, pensamento, reunião e tantos outros valores, hoje consagrados como direitos fundamentais, mas que no passado eram considerados, pelos militares, como afrontas à manutenção do governo autoritário, ainda são fortes entraves à criação de uma legislação infraconstitucional para regular o exercício da imprensa.
Importante destacar que a liberdade de expressão era quase inexistente durante este período, uma vez que qualquer tipo de manifestação contrária ao Estado eram censuradas, e mais, aqueles que não fossem a favor da ditadura sofreram punições, até mesmo ao ponto de serem expulsos do país.
Segundo Lira (2014, p.26) ao tratar sobre a censura, destaca:
(...) os textos censurados eram substituídos por espaços em branco. Algumas vezes, os editores dos periódicos substituíam os textos censurados por outros que destoavam completamente do assunto tratado naquele espaço, como forma de protesto à censura e para mostrar aos leitores que ali tinha um texto que fora censurado. Exemplo disso era a oposição de um classificado em meio às noticias sobre a guerra.
Portanto, toda noticia que fosse considerada como inadequada aos olhos dos governantes era censurada.
No entanto, com a promulgação da Constituição Federal Brasileira em 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã” deu-se o início ao Estado Democrático de Direito, conforme prevê em seu artigo 1º, dando origem a direitos, deveres e garantias fundamentais.
Um importante direito fundamental implementado no ordenamento jurídico brasileiro, com a Constituição Federal de 1988, foi o direito à liberdade de manifestação de pensamento, criação, de expressão e informação, estabelecido no artigo 220.
Pelo mencionado artigo, presume-se garantido toda e qualquer manifestação do pensamento, da criação, da expressão, e informação sobre qualquer forma, processo ou veículo de comunicação, não podendo, portanto, sofrer qualquer restrição. Ainda, proíbe qualquer tipo de censura ideológica, política e artística.
Neste diapasão, Saraiva (2006, p.27) destaca que “ (...) a Constituição proíbe qualquer restrição ou qualquer embaraço ao direito de informação, erigindo esta condição como uma das prerrogativas do Estado Democrático de Direito.”, ou seja, o direito de informação não pode sofrer qualquer tipo de restrições, em razão da garantia constitucional.
Assim, é importante destacar como esse direito que é assegurado constitucionalmente é desenvolvido e aplicado na prática.
Segundo Hernandes (2013, p.83) “(...) em um canal de notícias, algumas unidades noticiosas são consideradas de maior interesse do que outras. Cada jornal aperfeiçoou mecanismos que “comunicam” o que é mais importante, o que merece mais ou menos atenção”, ou seja, com base em mecanismos, a mídia consegue selecionar o que é mais interessante, o que mais chama atenção do público.
Segundo Frazão Neto (2006, p.60) “O objetivo desses mecanismos é a “audiência”, que no mercado publicitário, a palavra, além de transmitir a dimensão do canal de comunicação, expressa também a quantidade de espectadores envolvidos com este veiculo publicitário (...)”.
Vale dizer, esta audiência é extremamente valiosa para todo o mercado publicitário, pois quanto maior a divulgação, mais pessoas terão acesso ao que está sendo veiculado, consequentemente a geração de lucro através de “pontos de audiência” estará sendo alcançado.
Diante disto, percebe-se que a forma em que é empregada pela imprensa as noticias ligadas a fatos criminosos é capaz de fazer com que a sociedade se sinta atraída pela dramatização, situação esta que fica muito evidente, principalmente, na veiculação de noticiais relacionadas à crimes contra a dignidade sexual.
2.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DA MÍDIA
A mídia exerce um papel fundamental na sociedade, na informação, educação e entretenimento ao público, possuindo ainda vários direitos previstos pela Constituição Federal de 1988, inclusive possuindo um Capítulo próprio (Capítulo V), que trata da “Comunicação social”.
Sobre o papel da mídia na sociedade Oliveira (2010, p.14) destaca:
(...) a mídia televisada, sem dúvida, representa o mais eficiente elemento de aculturação de nosso tempo. No Brasil, ela chega aonde a escola não chega. Com o crescimento da criminalidade, a mídia passou, no cumprimento de sua missão de informar, a desempenhar um papel de grande relevância, pois é nítida a sua influência na própria distribuição da justiça penal.
Não há dúvidas de que a mídia televisada é um dos meios de comunicação mais eficientes, uma vez que é o meio mais utilizado e consegue atingir o seu objetivo de informar ao maior número de pessoas, assim, na divulgação de fatos criminosos é nítida a sua influência na sociedade.
Acerca do seu papel, na veiculação de fatos criminosos, Oliveira (2010, p.14) ressalta:
Alguns agentes do sistema penal se tornam presas fáceis das câmeras. Razões ligadas à própria natureza humana os deixam vulneráveis à exposição midiática e, com isso, deixam de ter presentes responsabilidades e deveres inerentes às suas funções de juiz, advogado, promotor e delegado.
Portanto, em razão da atividade exercida pelos agentes do sistema penal, sendo advogados, delegados, promotores e juízes, acabam sendo foco da mídia, uma vez que estes tratam diretamente com o crime, assim, possuem informações relevantes acerca dos fatos destes.
Observa-se que é através da mídia que os atos processuais chegam ao conhecimento do povo, utilizando-se da linguagem simples, concisa, para que todos possam entender o que fora noticiado. Portanto, quando o seu papel é realizado de forma objetiva, alcança a sua finalidade, e seus efeitos tornam-se positivos.
Entretanto, tem o seu lado negativo, pois quando os fatos são noticiados de forma leviana, sem os cuidados mínimos referentes à sua verdade, em um contexto criminológico, podem acarretar diversos malefícios para todo o sistema penal.
Com base nisso, percebe-se o quanto a mídia utiliza-se do sensacionalismo, ou seja, a mídia divulga informações sem os devidos cuidados com a veracidade dos fatos, com o intuito apenas de ganhar audiência, desrespeitando o que é assegurado pela Constituição Federal.
Lira (2014, p.4) destaca:
O sensacionalismo que planta ideia de que a criminalidade aumenta a cada instante ; que a polícia prende e o judiciário solta, o que não é verdade, mas que é capaz de banalizar o fenômeno crime; minimizar a solidariedade; aumentar o punitivismo social e, principalmente, eliminar direitos e garantias fundamentais conquistadas com tanto sangue derramado por aqueles que lutaram pela democracia.
Portanto, percebe-se que o sensacionalismo, sendo um mecanismo utilizado pelas empresas midiáticas acabam contribuindo para que haja a criação de um sentimento de insegurança por parte do Estado e principalmente que este não faz nada diante dos crimes praticados, porém ao contrário do que se pensa, o direito e garantias fundamentais estão previstas pela Constituição Federal de 1988, ou seja, o Estado deve assegurar ao suposto criminoso.
Como dito anteriormente, é possível observar a influência da mídia, principalmente, em casos ligados à crimes contra a dignidade sexual, por exemplo, no crime de estupro, cuja análise será feita a seguir.
2.3. ESTUPRO E SUA HEDIONDEZ
O crime de estupro está tipificado no artigo 213, do Código Penal Brasileiro, que resulta na conduta “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Sobre o crime, Cezar Roberto Bitencourt (2014, p.969) trata da alteração advinda da Lei 12.015/2009, onde alterou a terminologia “crimes contra os costumes”, onde passou a tutelar a dignidade sexual, diretamente vinculada à liberdade e ao direito de escolha de parceiros.
Cumpre esclarecer que a Lei mencionada acima revogou o artigo 214, do Código Penal, que tratava do atentado violento ao pudor, no entanto, não houve a “abolitio criminis”, ou seja, o crime não foi abolido, mas sim, foi incorporado ao citado artigo 213, do Código Penal por força do artigo 2º da referida Lei.
Desta forma, depreende-se que a intenção do legislador ao unificar os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, foi garantir uma maior tutela jurisdicional ao direito da liberdade sexual.
Sobre o bem jurídico protegido a partir da redação determinada pela lei supracitada, Bitencourt (2014, p.969) enfatiza ser “a liberdade sexual da mulher e do homem, ou seja, a faculdade que ambos têm de escolher livremente seus parceiros sexuais, podendo recusar inclusive o próprio cônjuge, se assim o desejarem.”.
Importante destacar que este crime está elencado na Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), onde no artigo 1º, inciso V da referida lei, traz um rol taxativo de crimes considerados hediondos.
Os crimes hediondos são aqueles crimes que aos olhos dos legisladores, merecem maior reprovação do Estado, em razão da sua complexidade e gravidade quando comparados com os outros crimes.
2.4. INOBSERVÂNCIA DE PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS
Um dos princípios mais desrespeitados quando ocorre a divulgação dos fatos criminosos é o principio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que estabelece: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Novelino (2012, p.561), acerca do princípio da inocência, destaca que “depreende-se que o legislador constituinte está se referindo ao princípio constitucional doutrinariamente conhecido como princípio da presunção de inocência ou princípio da não-culpabilidade”.
Assim, conclui-se que até que seja provada a culpabilidade do individuo, a sua inocência será mantida.
Sobre o assunto, Novelino (2012, p.561) destaca que o “principio da presunção de inocência, enquanto instrumento de proteção da liberdade, tem por finalidade de evitar juízos condenatórios precipitados.”.
Portanto, diante de um ilícito cometido por um individuo, o Estado deverá dar todas as garantias constitucionais a este, permitindo-o que se defenda em conformidade com a lei, e não tenha a sua liberdade cerceada. Desta forma, sendo necessário um processo. Assim, antes do trânsito em julgado deste, o individuo deverá ter a sua inocência mantida.
Távora (2012, p.55) segue no mesmo sentido, aponta que “o reconhecimento de autoria de uma infração criminal pressupõe sentença condenatória transitada em julgado”.
Portanto, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, todos são considerados presumivelmente inocentes, ou seja, através da presunção de inocência o Estado será impedido de tratar como culpado antes de uma sentença definitiva.
A Carta Magna de 1988, também traz uma série de garantias constitucionais, cita-se, por exemplo, a garantia da ampla defesa e do contraditório, delineada nos termos do artigo 5º, LV, ao asseverar que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Desta forma, estas garantias pode-se inferir que não há porque se condenar ou retirar a presunção de inocência de alguém, sem que haja uma sentença condenatória transitada em julgado, e principalmente que todos merecem utilizar-se da ampla defesa e do contraditório, para defender-se de imputações direcionadas a si.
Assim, com toda a influência exercida pela mídia sobre a sociedade e sobre os procedimentos penais, verifica-se que na prática estes direitos fundamentais do indivíduo acabam sendo deixados de lado, nesse mesmo sentido, Oliveira (2010, p.14) aponta que “(...) a dignidade e os direitos do culpado devem ser respeitados, para que o sejam os do inocente. Não se esquecendo que qualquer um pode ser atingido por uma acusação infundada”, ou seja, em razão de ser um conduta humana, ninguém poderá afirmar que jamais cometerá um crime.
Segundo Scartezzini (2006, p.567), os danos decorrentes da comunicação social, em geral, têm origem na colisão entre direitos fundamentais:
A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação não é absoluto, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos á honra e á imagem dos indivíduos, em ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Importante destacar que esta colisão entre direitos fundamentais, obrigatoriamente precisam ser dirimidas por um juiz, para identificar limites dos direitos envolvidos, aplicando o uso da proporcionalidade, objetivando solucionar a questão.
Segundo Lira (2014, p. 33) ao tratar da colisão entre direitos fundamentais aponta:
a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, diante da colisão entre a garantia do exercício da liberdade de imprensa e a proteção dos direitos de personalidade dos cidadãos, entendeu que a melhor forma de equalizar a questão seria aplicar o processo de ponderação em dois blocos de proteção, sendo que um se sobreporia ao outros em um momento e, posteriormente, o outro se sobreporia ao primeiro, se acaso houvesse violação a algum direito individual de personalidade.
Portanto, com esses ensinamentos fica evidente que os Tribunais Superiores, apontam que há esta colisão de direitos fundamentais, os quais merecem ser analisados com cautela pelo poder judiciário.
2.5 PREJUÍZO NA DEFESA DO SUPOSTO CRIMINOSO
Quando a mídia utiliza-se de mecanismos sem os mínimos cuidados com a veracidade dos fatos, mesmo com a defesa técnica de um advogado ou defensor público, a defesa do suspeito de cometer a prática delituosa, pode sofrer prejuízos.
A defesa técnica tem por objetivo conceder ao réu o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da acusação, visto que é a parte mais fraca da relação jurídica, ante a força do Estado.
O Código de Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 261 traz em seu caput “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. Portanto, a sua ausência é vedada.
Lira (2014, p.11) destaca:
(...) ainda que o referido cidadão - suspeito ou acusado formalmente de cometer um crime- disponha de defesa técnica combativa, é bem possível que com a “mistura de informações de facto e de juízos de valor ele [veja] a sua vida, sua família, as suas atitudes interiores dissecadas perante a nação”. No fim ele estará civicamente morto, vítima de assassínio da honra (Rufmord)
Portanto, é possível que em razão das informações prestadas, a sua vida em um todo pode ser dissecada perante a sociedade.
Nesse sentido, Lira (2014, p.12) aponta que “nesse sentido, a despeito da desigualdade de armas entre a imprensa e o investigado/réu, força é convir que a mídia sensacionalista propaga o medo travestido em noticia”. E ainda, destaca que:
(...) medo sentido pelo investigado/réu que vê sua dignidade, como pessoa humana, aniquilada diante das telas de TV, nas capas de jornais, blogs, etc. Medo que se eleva à potência infinita se considerada a velocidade com que a informação é transmitida atualmente, sobretudo com uso da internet.
Cumpre destacar que não são apenas pelos meios de comunicação tradicionais (TV, jornais, rádio, etc.), mas também pelas redes sociais, que são estruturas que inter-relacionam pessoas, que estão conectadas pelas mais diversas relações. Cada qual se relaciona de acordo com as suas preferências e particularidades.
Importante destacar que essas redes sociais tem transformado a forma de se comunicar das pessoas, tamanha a capacidade do seu alcance, influenciando opiniões e trazendo informações em questão de segundos.
O artigo 20, do Código de Processo Penal Brasileiro estabelece que incumbe a autoridade policial assegurar, no inquérito, o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse social.
No entanto, não é o que se vê na prática, uma vez que a mídia muitas vezes utiliza-se do sensacionalismo para chamar atenção, divulgando informações, imagens e depoimentos no calor dos acontecimentos, no intuito da majoração de sua visualização e no ponto de vista financeiro.
Oliveira (2010, p.14) destaca que “a mídia, em geral, noticia o fato e passa a exigir a prisão do mero suspeito, onde muitas vezes nem sequer inquérito ainda foi instaurado. Com isso, despreza o devido processo legal, constituído pelas fases legalmente previstas, que devem ser vencidas até a sentença”, ou seja, com esta exigência de cárcere do suposto criminoso, contribui para que haja a inobservância do devido processo legal.
Segundo Lira (2014, p.2):
Definitivamente, a facilidade de transmitir informações colocou em xeque os direitos fundamentais de personalidade, de modo a implodir, dentre outros, o clássico bem jurídico honra, transformando suas partículas em novos e independentes bens jurídicos (...).
Ora, em razão dessa facilidade com a divulgação de informações, direitos fundamentais, conforme já fora mencionado acabam sendo inobservados, de forma que vão de afronta à norma constitucional.
Diante disso, é importante que haja cautela nas divulgações de fatos criminosos, uma vez que estas podem trazer prejuízos para a defesa do suposto criminoso, acarretando na inobservância de direitos constitucionais.
Vale dizer, tais evidências relacionadas ao desrespeito aos direitos fundamentais ocorre quase que diariamente, em razão da publicidade que é dada aos fatos criminosos.
Vê-se que, os magistrados mesmo tendo que tomar decisões imparciais, acabam sendo influenciados, mesmo que de forma indireta, nas suas decisões, pois em algumas situações acabam sendo proferidas em razão do clamor público, consequência da influência exercida pela mídia sobre a sociedade.
Neste ponto, cabe enfatizar que no Direito brasileiro é plenamente cabível a reparação pecuniária decorrente do dano moral sofrido por àquele injustamente acusado.
2.6 DA REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO
Em razão do crime de estupro ser considerado um crime hediondo e veemente repudiado pela sociedade, muitas vezes certos cuidados não são tomados com a sua divulgação, contribuindo mesmo que de forma indireta em alguns “atropelos” processuais.
Oliveira (2010, p.14) destaca:
Com a exagerada exposição do suspeito, a imprensa televisada impõe-lhe uma pena cruel e perpetua, pois a sua imagem terá sido para sempre destruída. A sanção da desmoralização publica não se restringe ao suspeito, uma vez que atinge todos os que lhe são próximos, porque ninguém é poupado do perverso posicionamento da sociedade perante o crime.
Um exemplo desses atropelos processuais é a decretação da prisão preventiva, pois para que esta seja decretada pelo magistrado devem-se preencher os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, sendo: garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal, garantia de aplicação da lei penal, garantia da ordem econômica e descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares. E ainda, esta deve ser fundamentada, conforme prevê o artigo 315 do mesmo código.
No entanto, verifica-se que a decisão proferida não deve ser negligenciada por conta da gravidade do crime, ou seja, em razão do crime de estupro ser considerado como hediondo, não podendo servir como indicador de periculosidade, mas na prática não é o que ocorre na maioria das situações, que em razão do clamor público gerado, os magistrados acabam tomando decisões contrárias a norma legal.
Ainda, com a grande exposição dos suspeitos, a sociedade é instigada a condenar o indivíduo antes mesmo que haja um processo criminal, tornando uma condenação prévia, podendo causar prejuízos físicos e morais.
Assim, a justiça brasileira, através do seu poder jurisdicional, tomam atitudes em relação a estas irregularidades, uma vez que provado a inocência do suposto criminoso, o agente causador da exposição arbitrária dos fatos, será obrigado a repará-lo, através de indenização por dano moral.
O dano moral caracteriza-se como a ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, que se referem à sua honra e a sua saúde (mental). De forma que tal violação poderá acarretar em indenização, conforme é assegurado pela Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
(...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (GRIFO MEU)
No mesmo sentido, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 186, estabelece que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente mora, comete ato ilícito”.
Sobre a reparação do dano, o Código de Processo Penal é claro, o artigo 630 aponta que “O Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) na súmula 221 assegura que “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”.
Assim, com o intuito garantir o direito da vítima, entende-se que pode também integrar no pólo passivo da demanda, além da empresa junto com o jornalista responsável pela divulgação danosa, à pessoa que fora responsável pelo fornecimento das informações prestadas ao meio midiático.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - LEI DE IMPRENSA (n. 5.250/67, art. 49, § 2º) - DANOS MORAIS - PÓLO PASSIVO - PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA - POSSIBILIDADE - Escolha do autor, tanto contra a empresa titular do veículo de comunicação, como ao jornalista ou contra aquele que a tanto deu margem - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
Desta forma, a imprensa não pode atuar de forma abusiva, causando prejuízos ao particular ou a sociedade em geral, pois, se assim fizer, será imputado o dever de ressarcimento do dano causado.
Neste mesmo sentido, Lira (2014, p.33) destaca:
(...) a maioria da composição do STF entendeu que, em um primeiro momento, a imprensa deveria ser livre e plural, sem o que não poderia munir os cidadãos de informações para que esses pudessem fiscalizar os Poderes do Estado. No entanto, se no exercício da liberdade de imprensa fossem violados direitos individuais de personalidade do cidadão, surgiria a esse o direito subjetivo de socorrer-se ao Poder Judiciário para reclamar as respectivas responsabilizações dos agentes de imprensa.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal aponta que quando houver a violação do direito individual de personalidade do cidadão, este poderá procurar o Poder Judiciário com o intuito de responsabilizar o agente causador do dano.
No entanto, verifica-se que há a falta de lei que regulamente o exercício de imprensa, de forma que contribui para que haja tanto desrespeitos aos direitos fundamentais.
Segundo Lira (2014, p.20):
No Brasil, a falta de lei regulamentadora do exercício de imprensa contribui para a realidade até aqui exposta. Não se trata de censura, pois a imprensa deve continuar a ser livre, como atividade fundamental própria de um Estado de Direito. No entanto, a imprensa deve ser regulada, a fim de que seus profissionais conheçam e respeitem seus limites, sob pena de se outorgar caráter absoluto à liberdade de imprensa, privilégio que nem a vida detém.
Assim, percebe-se que através de uma norma infraconstitucional seria de grande utilidade para equilibrar esta colisão de direitos fundamentais, ainda, essa legislação regulamentadora não teria o intuito de censurar o exercício da imprensa, mas sim, estabelecer limites que possam garantir que os direitos fundamentais de imprensa, bem como as dos cidadãos sejam devidamente respeitados.
3 CONCLUSÃO
Conclui-se que a mídia sendo uma formadora de opinião tem sido determinante para decisões interlocutórias ilegais, nas quais sua influência tem prejudicado mesmo que de forma indireta na imparcialidade dos magistrados.
Tal fenômeno se dá em decorrência da forma em que as informações são prestadas ao público, onde os meios midiáticos divulgam de forma leviana, não se atentando com a veracidade dos fatos, onde no calor da situação, passam a informar, divulgar imagens, declarações e nomes de supostos criminosos, sem os devidos cuidados.
Assim, em decorrência dessa mídia sensacionalista, que tem o intuito que a notícia divulgada tenha repercussão, acabam contribuindo para inobservância do direito fundamental do indivíduo assegurado pela Constituição Federal de 1988, onde ninguém será considerado culpado antes de sentença penal condenatória transitado em julgado, ou seja, antes de uma sentença irrecorrível o indivíduo não poderá ser considerado culpado, tendo assim, até esta fase processual a sua presunção de inocência ou de não-culpabilidade mantida.
Diante disto, é sabido que os magistrados mesmo tendo que tomar suas decisões com imparcialidade, não podendo ser influenciado por opiniões de terceiros, muito menos por influência do clamor público, gerado pela comoção social, no entanto, percebe-se que ao tratar de fatos criminosos, a mídia amparada pelo seu direito de liberdade de imprensa, através de uma mídia sensacionalista, instiga a sociedade a criar um repúdio por aquele suposto criminoso, e assim, mesmo que de forma indireta, levado pelos seus valores ou preconceitos, gerados pela mídia ou até mesmo pela sua índole, o magistrado inevitavelmente acaba tomando decisões contrárias à lei penal, como por exemplo, a decretação da prisão preventiva sendo fundamentada com o clamor público, e em conformidade com o ordenamento jurídico tal medida é manifestamente inconstitucional.
Portanto, diante da pesquisa que fora realizada, verifica-se que a mídia exerce um papel fundamental na sociedade, sendo de divulgar informações sobre assuntos relevantes socialmente, no entanto, verifica-se muitas vezes esta função social não é empregada com esta finalidade, e sim apenas para alcançar os pontos de audiência, visando o lucro.
Acontece que, os meios de comunicação não mais se preocupam com a essência do fato que se noticia, uma vez que todos os esforços dos jornalistas e todos aqueles que fazem parte deste mundo, têm se encaminhado a “enfeitar” as notícias, como se fosse criado um enredo de uma estória, com o intuito de torná-la mais interessante ao público.
Assim, em face do crime de estupro ser considerado como um crime hediondo, sendo um crime repudiado pela sociedade, cria-se a imagem que aquele que for suspeito deste crime, deve ser logo punido, sem ao menos respeitar os procedimentos legais, gerando assim, um desrespeito ao que prevê a lei penal e constitucional.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGO FRANÇA, . A influência midiática nas decisões penais e seus efeitos no crime de estupro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45637/a-influencia-midiatica-nas-decisoes-penais-e-seus-efeitos-no-crime-de-estupro. Acesso em: 01 nov 2024.
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