“O direito é posto de lado, a justiça se mantém afastada, a boa-fé tropeça na praça pública e não pode ali entrar a retidão.
Desaparecida a boa-fé, fica despojado aquele que se abstém do mal”.[1]
Sumário: 1. Resumo; 2. Colocação do tema; 3. Introdução; 4. O texto da lei; 5. Os atos atentatórios à dignidade da Justiça; 6. As penas impostas ao litigante de má-fé; 7. A relação advogado-cliente e a litigância de má-fé; 8. Considerações gerais. 9. Inaplicabilidade de sanções por litigância de má-fé no processo criminal; 10. Responsabilidade civil da parte ou de seu representante. 10. Conclusões.
1. Resumo.
O presente estudo se propõe a abordar as formas de inter-relacionamento existente entre os atores “aquele que tem papel ativo em algum acontecimento”[2] nos processos civil e penal, bem como analisar como a jurisprudência superior tem entendido a existência de eventual responsabilidade pela prática dos mesmos, se direta e exclusivamente da parte, ou do advogado que a representa, expondo ainda a hipótese de responsabilidade solidária. Palavras-chave: responsabilidade, advogado, parte, solidariedade.
2. Colocação do tema.
O processo, tal como sabido, tanto o civil como o penal, constituindo verdade a não ser por demais repetida, em momento algum serve a si mesmo.
Destinam-se a possibilitar, dentro da respectiva lei de regência ou Código de Processo Civil e Código do Processo Penal, a manifestação concreta da vontade da lei.
Seguem, ambos, determinados modelos ou procedimentos pré estabelecidos na legislação, na clássica distinção entre Prozess e Verfahren este último vocábulo correspondendo a procedimento, técnica ou ritualística a ser seguida, que se não confunde com o processo em si.
Logo, o processo segue determinado regramento, prevalecendo no rigor da Constituição da República, as garantias da ampla defesa – ou seja de uma defesa desataviada, que não sofra qualquer limitação não prevista em lei, e do devido processo legal, a saber o procedimento ou técnica a ser seguida em cada caso.
3. Introdução.
Sendo o processo um instrumento, é necessário desde logo fazer manifesto nosso pensamento de que deva ser breve.
Como sabem e pensam os operadores do Direito, uma decisão tardia deixa de ser justa, contemplando no mais das vezes verdadeira injustiça.
Afora casos especiais em que uma pluralidade de interessados poderá conduzir a multiplicada pluralidade de provas, testemunhas, etc. e por isso mesmo, a um processo de cunho mais demorado, tal a dificuldade inerente à análise e atribuição valorativa de quanto se constitua o material probatório, de maneira geral todos os operadores do Direito estão vinculados a uma obrigação legal e acima de tudo, a nosso sentir, de natureza ética, para que o processo se desenvolva com a rapidez que puder ser possível em cada caso.
Logo e como se principiou por salientar, devem ser evitadas atitudes gratuitas, destinadas a ganhar tempo, pura e simplesmente.
Vivemos em um momento especial, com o conhecido de todos e assim denominado, processo do “mensalão”.
É claro que aqui, em trabalho estritamente jurídico e atinente a princípios gerais de conduta dos atores dos processos não teria cabimento discutir o caso em si.
Serve entretanto, de exemplo ímpar, tal a especialidade do ocorrido e gravidade da afirmativa, o momento em que notável Ministro, nada menos que o Exmo. Sr. Presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal, fez referência à existência, naquele caso, de “chicana” na sua condução.
Para os léxicos, [3]
“termo jurídico. Dificuldade criada, no curso de um processo judicial, pela apresentação de um argumento com base num detalhe ou num ponto irrelevante
Rubrica: termo jurídico.
dificuldade criada, no curso de um processo judicial, pela apresentação de um argumento com base num detalhe ou num ponto irrelevante
Rubrica: termo jurídico.
abuso dos recursos, sutilezas e formalidades da justiça
Rubrica: termo jurídico. Uso: pejorativo.
o processo judicial
Rubrica: termo jurídico.
contestação feita de má-fé
Derivação: por extensão de sentido.
manobra capciosa; trapaça, tramoia
O vocábulo “chicana”, a seu turno, de utilização recente, é de conteúdo bastante gravoso em seu significado axiológico, importando como diz, pleno da melhor autoridade, DE PLÁCIDO E SILVA[4]:
“É expressão vulgarizada na linguagem forense, para indicar os meios cavilosos de que se utiliza o advogado para protelar ou criar embaraços ao andamento do processo ajuizado.
Caracteriza-se a chicana, que se revela em abuso de direito, nos ardis postos em prática pelo advogado de uma das partes litigantes, seja pela apresentação ou provocação de incidentes inúteis, seja pelo engenho com que se arquiteta outros meios protelatórios ou embaraçosos ao andamento da ação, criando figuras jurídicas que não encontram amparo em lei ou na jurisprudência, ou tramando toda espécie de obstáculos para o pronunciamento célere da justiça.
Qualquer embaraço ao andamento do processo, seja por que meio for, mostra-se chicana, que ela se integra, segundo a técnica de nossa lei processual, em qualquer manejo protelatório da ação, ou na resistência injustificada a seu regular andamento”.
Do eminente jurista ora trazido à colação, ressaltam pela oportunidade e firmeza as colocações alusivas a abuso de direito e à resistência injustificada ao regular andamento do processo.
Veja-se bem.
Este estudo se limita a discutir o processo, que implica, de maneira geral a existência de um procedimento, um rito e da respectiva demora, costumeiramente, atribuída ao Poder Judiciário.
Neste passo, rejeitamos firmemente tal afirmativa.
Em primeiro lugar o Juiz é um servo da lei e não seu senhor e desenvolve o processo de conformidade com as suas características peculiares, aquilo que lhe é próprio, a necessidade da realização de perícias, ouvida de testemunhas de terra e de fora etc.
Então, é falaciosa a afirmativa de que determinado Juiz “atrasará” o processo, cabendo recordar que para por cabo à alteração tumultuária de atos e termos do processo, cabe a chamada “Correição Parcial”, medida de caráter administrativo e juridicialiforme, destinada a fazer voltar o feito a seus termos, a qual, apenas para constar se processa como o Agravo de Instrumento, é endereçada ao Egrégio Tribunal de Justiça e julgado por uma de suas Colendas Câmaras isoladas, respeitada a competência que lhes for própria.
A primeira conclusão que submetemos a nosso leitor é a acima já adiantada, no sentido de que todos são responsáveis pela pronta prestação jurisdicional, assim os ilustres Magistrados, os dignos membros do Ministério Público e os honrados membros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fique claro e auto evidente, que aqui se discute uma fenomenologia jurídica.
Em momento algum se está atribuindo responsabilidades senão a todos aqueles que interagem e praticam atos de seus ofícios no andamento dos processos.
Questão diversa será a eventual responsabilidade de natureza ética atribuída a quem quer que seja que atue nos processos judiciais.
4. O texto da lei.
Inovando de maneira substanciosa em relação ao Código anterior, o vigente Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, disciplinou os deveres e punições de natureza civil aplicáveis àquele que seja tido como improbus litigator ou litigante de má fé.
Constituem deveres das partes, dentre outros, de acordo com o que prevê o artigo 14 do Código de Processo Civil, os seguintes:
“I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – proceder com lealdade e boa-fé”.
Nota-se, assim, que antes mesmo da propalada boa-fé objetiva, introduzida no Direito Civil brasileiro com a reforma do respectivo Código desde 2003, o Código de Processo Civil já previa a boa-fé processual, instrumento indispensável para a descoberta da verdade e, por consequência, para a paz social derivada da pacificação das lides.
Para que se deixe de tratar no abstrato de conceitos jurídicos os mais relevantes, veja-se o quanto, sobre a boa e a má-fé, salienta o ilustre jurisconsulto RIPERT:
"157. A transformação dos deveres morais em obrigações legais não basta para fazer reinar a justiça na sociedade. O dever de não prejudicar outrem não pode, com efeito, ser sancionado senão quando uma vontade culpável ou negligente causou um prejuízo por um ato culposo. Em todos os casos em que esta vontade esteja inserta num ato jurídico regular, bastará a legalidade do ato para impedir qualquer discussão sobre a culpabilidade da intenção?
Poder-se-ia julgá-lo pela razão de que o direito civil se deve ocupar dos atos e não das intenções e de que o próprio direito penal não pune a intenção desde que não haja um princípio de execução. O direito civil põe à disposição dos contraentes formas técnicas às quais eles adaptam as suas vontades. O emprego regular da forma técnica cobre a intenção do autor. A distinção entre a moral e o direito não permite a anulação dum ato regular sob o pretexto da culpabilidade do autor. O homem hábil sabe viver à margem do Código.
Contra uma separação tão absoluta da concepção jurídica e da concepção moral, é fácil responder mostrando o lugar que ocupa no nosso direito a consideração da boa-fé. Quer se trate da aquisição de frutos, do pagamento de dívidas, de transmissão da propriedade mobiliária, de usucapião sobre os imóveis, de construções erguidas pelo possuidor, da validade de atos cumpridos pelo proprietário aparente, e noutros casos, ainda, a lei ou os tribunais distinguem entre aquele que age de boa-fé e aquele que, conhecendo o vício da sua situação ou do seu título, deve em virtude da sua má fé, ser mais desfavoravelmente tratado.
Tem-se, é certo, apresentado os efeitos da boa-fé como uma recompensa, concedida àquele que julgou agir conforme ao direito, e prefere-se esta idéia de recompensa a uma pena que atingiria a pessoa de má fé. A distinção é bastante sutil, porque recompensar um é punir o outro, e não é exata porque aquele que reclama os direitos ligados à boa fé, não tem, contrariamente, à regra normal, nenhuma prova a fazer: a boa-fé presume-se.
... omissis
Aquele que reclama os efeitos jurídicos ligados pela lei à boa fé não tem nenhuma prova a fazer quanto ao caráter da sua vontade e ao valor dos seus sentimentos. É contra ele que é preciso estabelecer a má fé".
Fica evidenciado, destarte, que nosso Direito tem como um de seus pontos mais relevantes de sustentação, a boa-fé, que se presume e não precisa ser demonstrada, contra quem do inverso for acusado, aí sim, preciso estabelecer prova bastante.
E, ainda uma vez externando nosso pensamento, é necessário ter presente que o prêmio da boa-fé reside em seu próprio exercício.
Aqui, nada obstante, se cuida de analisar os comportamentos de má-fé, notadamente no âmbito processual.
A não observância dos referidos princípios importa na prática de atos de litigância de má-fé, artigo 17 do Código de Processo Civil, cabendo àquele que os pratica as sanções previstas no artigo 18 do mesmo Código.
A questão que se propõe debater neste artigo corresponde ao papel dos diferentes atores no processo, na prática dos atos de má-fé processual e sobre a eventual possibilidade de responsabilização direta.
2 – As hipóteses do artigo 1`` do Código de Processo Civil
O citado artigo estabelece que “reputa-se litigante de má-fe aquele que:”
“I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso”.
É sabido que a solução das lides passa pela aplicação do direito material ao caso concreto, sendo o processo um meio para a correta aplicação da lei processual.
Ora, deduzir pretensão contra texto expresso de lei representa pretensão inócua, a qual certamente será objeto de improcedência.
Não trata o referido inciso, evidentemente, de casos em que há discussão sobre o alcance da norma, ou sobre a incidência ou não de determinado dispositivo legal.
O que proíbe o dispositivo ora em comento são os chamados pedidos juridicamente impossíveis, causas até mesmo de indeferimento da petição inicial como, por exemplo, postular para que determinado credor seja forçado a receber prestação diversa daquela estipulada em contrato.
“II – alterar a verdade do fatos”
Litigar conforme a verdade dos fatos constitui, senão o principal, um dos maiores deveres das partes.
Ora, não podem as partes mentir dolosamente em juízo, para a tentativa da obtenção de direito que sabidamente não possuem.
Quando assim agem, tentam induzir o juiz a erro, vendo-se este em posição extremamente difícil, já que nem sempre, mesmo com a produção de todos os meios de prova adequados para o fato concreto, é possível apurar qual das partes diz a verdade.
Entretanto, não é isso que se verifica em grande parte das demandas de natureza civil, as quais certamente poderiam ser mais rapidamente solucionadas se uma das partes não ousasse defender fato que sabe ser falso.
Prova da referida prática pode ser facilmente encontrada na maioria das demandas tendentes sobre acidentes de trânsito, nas quais, no mais das vezes, as partes apresentam versões diametralmente opostas.
De qualquer forma, a alteração da verdade, ou ainda a omissão de fatos relevantes, deve ser sempre dolosa para o reconhecimento da má-fé.
“III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal”
Trata-se de hipótese genérica, para os casos em que, embora não deduza prestação contra texto expresso de lei, pretende a parte alcançar algo proibido pela lei.
Exemplo de referida situação é a demanda que pretende ver reconhecida validade de contrato de compra e venda, quando se trata em verdade de tentativa das partes, autor e réu, de esconder a ocorrência de doação, praticando assim simulação.
Outra hipótese em que pode surgir a tentativa de obtenção de fim ilegal ocorre nos contratos de retrovenda, em que o contrato de compra e venda encobre contrato de mútuo.
Trata-se de situação em que o suposto vendedor obteve dinheiro emprestado do alegado comprador que, como garantia do empréstimo, exige a realização de contrato de compra e venda, com cláusula de retrovenda. Não obtido o pagamento do empréstimo, o agiota se torna proprietário do bem imóvel. Em caso contrário, a cláusula de retrovenda protege e garante a propriedade do suposto vendedor-devedor.
“IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo.”
Pratica referida conduta aquele que, por exemplo, se oculta para não ser citado, ou ainda postula produção de provas absolutamente desnecessárias.
Como já dito, o processo é um instrumento para aplicação da lei material ao caso concreto, com o fim de compor a lide e restabelecer a paz social.
A conduta daquele que retarda o andamento do processo afronta a própria finalidade da existência deste, sendo portanto, considerada de litigância de má-fé.
Vale ressaltar, aqui, que relativamente ao processo de execução existem os chamados “atos atentatórios à dignidade da justiça” (artigo 600), dentre os quais está o do devedor que se “opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos” (inciso II).
“V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo”
O Código de Processo Civil não prevê o conceito de lide temerária. Justamente por isto, a hipótese do inciso V pode ser também tida como alteração da verdade dos fatos ou, ainda, com a provocação de incidentes manifestamente infundados, hipótese prevista no inciso VI e que será adiante comentada.
Assim é que, por exemplo, apresentar o réu exceção de incompetência para se ver processado em foro contratualmente eleito, quando a demanda foi proposta no foro de seu domicílio, ou impugnações ao valor da causa ou aos benefícios de gratuidade de custas e despesas, serem consideradas, dependendo do intérprete e, claro, como dolosamente propostos, a configurar a litigância de má-fé com base neste inciso, ou ainda, naquela do inciso VI.
“VI – provocar incidentes manifestamente infundados”
Pune a lei os atos procrastinatórios, ou seja, a utilização de meios que, embora previstos em lei, não sejam, de forma absoluta, adequados para o caso concreto, como, por exemplo, a utilização de impugnações e exceções manifestamente infundadas.
Fato é que, de toda forma, a nosso ver, os incisos V e VI poderiam estar contidos dentro da previsão genérica do inciso IV (oposição injustificada ao andamento do processo), já que essa trata de hipótese genérica.
“VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.
O duplo grau de jurisdição constitui direito e garantia fundamental, implicitamente previsto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal.
Recorrer é, assim, mais do que uma atuação natural daquele que não se conforma com o resultado da demanda, um direito constitucionalmente garantido.
Entretanto, isso não implica na possibilidade do abuso de direito. Os recursos possuem claros requisitos de admissibilidade (sucumbência, preparo, adequação, motivação e tempestividade), sendo os de adequação e motivação os mais importantes para a hipótese em estudo.
O ajuizamento de recurso sem fundamento legal é manobra que atrasa o processo, seja porque impede muitas vezes a solução da lide e, assim, a própria distribuição da justiça -- seja porque é garantia constitucional – e algumas vezes o recurso é utilizado apenas para “ganhar tempo” para o ajuizamento de outro, como algumas vezes ocorre com os embargos de declaração.
Aliás, sobre os embargos que sejam considerados manifestamente protelatórios, é necessário lembrar que o Código de Processo Civil já traz disposição específica, no parágrafo único do artigo 538, segundo o qual “Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo”.
5. Os atos atentatórios à dignidade da Justiça.
As hipóteses de litigância de má-fé não se constituem nas únicas sanções processuais previstas no Código de Processo Civil.
Para o processo de execução prevê a Lei, no artigo 600 os chamados atos atentatórios à dignidade da Justiça, nos quais incorre o devedor que:
“I- frauda a execução;
II – se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos;
III – resiste injustificadamente às ordens judiciais;
IV – intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.”.
A punição para tais atos encontra previsão legal no artigo 601, o qual dispõe que:
“Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo das outras sanções de natureza processual ou material, multa esta que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução.
Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticas qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros despesas e honorários advocatícios.”.
Fácil notar, assim, a semelhança dos institutos que, se não exatamente iguais, visam a punir a parte desleal, dirigindo-se a atuação, no campo específico do processo de execução, ao devedor.
Aliás, as hipóteses do incisos II e III do artigo 600 são, claramente, manobras protelatórias, as quais já se acham previstas no artigo 17, incisos IV e VI.
As demais, contudo, são específicas para a execução (os casos de fraude a execução, referidos no inciso I do artigo 600 estão previstos no artigo 593), nascendo daí tormentosa questão: é possível a cumulação de multas por litigância de má-fé e por ato atentatório à dignidade da Justiça?
A questão pode ser solucionada buscando princípio multi secular do Direito Penal, a proclamar que ne bis in idem.
Quer isso dizer que ninguém será duplamente punido pelo mesmo fato ou conduta (idem, ne bis in idem).
Entretanto se convencido da prática de infração penal, quer o Código Penal e assim determina ao Juiz em seu artigo 59, que “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, e prossegue, as penas, a quantidade de penas, etc.
Ninguém se engane!
Em momento algum se está propugnando pela aplicação de critérios penais a infrações civis.
Todavia, há uma clara distinção entre a litigância de má fé e aos denominados atos atentatórios à dignidade da Justiça.
São figuras distintas, condutas diversas, que atingem a valores, no sentido jus filosófico, diversos.
Dependendo de quanto se depare em cada caso, não estará o Magistrado impedido de aplicar mais de uma sanção a determinado autor do processo.
6. As penas impostas ao litigante de má-fé.
As sanções previstas para o litigante de má-fé estão previstas no artigo 18 do Código de Processo Civil:
“O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou
§ 1o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º. O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.”.
Note-se, em primeiro lugar, que a litigância de má-fé – bem enfatizando o quanto acima exposto sobre o conceito, finalidade e importância dos processos civis ou criminais -- é questão colocada no mesmo patamar dos direitos indisponíveis, ou dos pressupostos processuais e das condições de ação, já que autoriza a lei expressamente que a sanção seja aplicada de ofício.
Em segundo lugar, percebe-se que há duas penas, cujas naturezas são completamente distintas.
A primeira, de multa, de caráter portanto puramente sancionatório, cujo valor é certo, de 1% do valor da causa.
A outra, de caráter indenizatório, a título de reparação dos danos causados pela parte que litigou de má-fé, que não ultrapassará 20% do valor da causa, ou deverá ser liquidada por arbitramento.
A condenação a despesas e custas, mencionada no “caput” do artigo 18 não contém, em si, qualquer novidade, já que já se trata de verba derivada da sucumbência.
7. A relação representante-cliente e a litigância de má-fé.
Observadas as hipóteses de má-fé processual, em termos gerais, faz-se necessária a análise da questão central do presente trabalho: quem deve ser o responsável pelo pagamento das penas por litigância inadequada, o cliente, ou o representante, como tal habilitado, que o representa?
A questão é tormentosa porque, como se sabe, de um lado, o advogado e/ou o ator que postula no processo, salvo hipóteses específicas, não atua em nome próprio.
Recebe poderes para o caso ou institucionalmente e tem capacidade postulatória para agir e atuar em nome da parte.
Portanto, quem age no processo, quem provoca os atos processuais, de forma adequada ou não, é o cliente, não o seu representante no processo, nesse sentido indo, expressamente, nosso entendimento a respeito.
Os defensores dessa corrente que, desde já, ressalta-se, é amplamente majoritária, inclusive no E. Superior Tribunal de Justiça, lembram ainda que a relação cliente-advogado é constituída através de um contrato de mandato, no qual o pressuposto básico é de que o mandatário age em nome do mandante.
Nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.
CONDENAÇÃO DO PATRONO DA PARTE. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DA CONCLUSÃO DO TRIBUNAL A QUO BASEADA NO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. INVIABILIDADE NA VIA RECURSAL ELEITA. SÚMULA 7/STJ.
1. Nos termos da jurisprudência do STJ, os embargos declaratórios, em determinadas circunstâncias, podem ser recebidos como agravo regimental, mormente quando se objetiva a rediscussão dos termos do julgamento da causa.
2. "Os danos eventualmente causados pela conduta do advogado deverão ser aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo vedado ao magistrado, nos próprios autos do processo em que fora praticada a alegada conduta de má-fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18, do Código de Processo Civil" (Resp 1173848/RS, 4.ª Turma, Rel. Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/05/2010).
3. No entanto, é preciso destacar que as alegações expostas pela parte ora recorrente são de todo despropositadas uma vez que a simples leitura do acórdão recorrido, que foi prolatado pelo Tribunal a quo revela que a penalidade da litigância de má fé foi mantida em relação à parte apelante e não ao patrono da mesma.
4. Em face do óbice previsto na Súmula n.7/STJ, descabe a esta Corte apreciar as razões que levaram o Tribunal a quo a aplicar a multa por litigância de má-fé prevista nos artigos 17 e 18 do CPC.
Precedentes.
5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental e, no mérito, negado provimento à insurgência.
(EDcl no AgRg no AREsp 217.865/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012).”.
Assim, a condenação ao pagamento das sanções pela litigância aqui tratada devem ser impostas à parte, não a seu representante legal.
É certo, entretanto, que há casos em que a discussão sobre a responsabilidade por tais penas pode se tornar bastante acirrada.
Exemplo do ora tratado pode ocorrer com a pena pela interposição de recurso manifestamente protelatório.
De quem teria sido tal iniciativa? Da parte, que teria decidido pela interposição do recurso, ou direta e exclusivamente do seu representante no processo?
Para a resolução desta e de outras questões semelhantes, como se faz imprescindível ampla dilação probatória, o caminho a ser adotado seria a de ação regressiva da parte prejudicada contra seu anterior representante nos autos.
Por outro lado, há decisões que sustentam que o advogado pode ser responsabilizado diretamente, quando as sanções decorrerem de situações eminentemente técnicas, como no caso acima trazido por hipótese.
Para esses, a presunção é de que a parte não tem o conhecimento técnico necessário para discernir entre o que seriam, por exemplo, embargos de declaração regulares daqueles manifestamente protelatórios.
Em consequência, caberia ao advogado a propositura de ação regressiva contra seu cliente, não o contrário.
Há decisões, ainda, que sustentam, pelos mesmos fundamentos já apontados, que a responsabilidade deve ser solidária, já que se de um lado há inegavelmente o contrato de mandato, de outro, a responsabilidade técnica é do advogado.
Confira-se, a respeito:
0153781-61.2008.8.26.0002 Embargos de Declaração
Relator(a): Souza Lopes
Comarca: São Paulo
Data do julgamento: 23/02/2011
Data de registro: 29/03/2011
Outros números: 99010281711350000
Ementa: *EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Ausência das hipóteses previstas no art. 535 do CPC - Pretensão de rediscutir o que já foi decidido - Intuito protelatório - Má- fé caracterizada - Via inadequada para prequestionamento - Embargos rejeitados, com aplicação de sanção solidária à advogada”.
Sob outro aspecto, não exclusivamente da responsabilidade no processo, mas sim sob o enfoque dos preceitos éticos que devem reger a atuação do advogado, prevê o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em Capítulo VIII, mais uma vez a responsabilidade solidária, nos exatos termos do seu artigo 32:
“Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.”.
Em seguida, já no Capítulo IX, prevê referida Lei que constitui “infração disciplinar”:
“VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;
XIV - deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa;”.
8. Considerações Gerais.
Tal como se procurou expor, o processo, instrumento destinado a possibilitar em cada caso, a manifestação concreta e individuada da vontade da lei, não é campo para espertezas, reações injustificadas, suscitação de incidentes despidos de veracidade e de utilidade, sempre protraindo o momento final do diccere jus, a sentença, quando, salvo recursos, o conflito de interesses estará solucionado.
Agir com lealdade, dentro do processo ou em atos comuns da vida, constitui inegável dever de civilidade e de comportamento cristão.
Nas demandas em geral, tal dever aumenta, na medida em que uma das partes pode saber, conscientemente, que age para atrasar ou dificultar, e.g., em hipótese banal, o recebimento daquilo que é devido em favor da parte contrária, ou seja, para a satisfação dos direitos desta.
Quando o advogado que patrocina a causa se vê envolvido em situações como a alteração da verdade dos fatos, em princípio, a responsabilidade é, e assim deve ser, exclusivamente do cliente, já que cabe a este narrar com sinceridade e correção os acontecimentos, a fim de não prejudicar a defesa dos seus interesses.
Todavia, quando se excogitar de que o advogado ou o representante processual da parte for o responsável direto pela conduta inadequada, a solução legal apontada é a da responsabilidade solidária, a que de fato se adequa melhor, uma vez que a responsabilidade direta da litigância de má fé deve ser apurada em ação própria.
9. Inaplicabilidade de sanções por litigância de má-fé no processo criminal.
Aqui se mencionou sem distinção o processo civil e o processo penal, pela razão de que entendemos estender-se aos processos criminais os mesmos imperativos éticos de que vimos tratando.
Além disso ambos têm em comum o mesmo escopo: permitir a manifestação válida e concreta da vontade da lei, obrigados os atores que neles intervirem a respeitar os mesmos princípios éticos de probidade e de vinculação com o melhor encaminhamento do processo até seu final.
Nesse sentido, se discorreu com base em princípios axiológicos mais elevados, inclusive Bíblicos, como se lê no pequeno texto do Profeta Isaías.
A questão, portanto, foi a de identificar, sob o prisma valorativo ambos os processos, mercê dos elementos que a ambos são comuns.
Todavia, é de se ter bem presente, como tem proclamado o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sua elevada missão Política, enquanto ciência da Administração, encarregado pela Constituição da República de zelar pela unidade de interpretação e pela garantia de vigência da lei federal em todo o País, que descabe a aplicação de sanções por litigância de má-fé nos processos criminais:
"Dessa forma, muito embora na esfera penal não seja permitida a fixação de multa por litigância de má-fé, é perfeitamente possível a baixa dos autos, independentemente da publicação do acórdão ou de
eventual interposição de outro recurso, para que inicie o cumprimento da pena que lhe foi imposta. Precedentes do STJ e do STF" (EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp nº 151.508/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, DJe 29/04/2013).
EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 275225 / RJ |
Relator(a) |
Ministro JORGE MUSSI (1138) |
Órgão Julgador |
T5 - QUINTA TURMA |
Data do Julgamento |
06/02/2014 |
Data da Publicação/Fonte |
DJe 12/02/2014 |
EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1425305 / SP |
Relator(a) |
Ministro JORGE MUSSI (1138) |
Órgão Julgador |
T5 - QUINTA TURMA |
Data do Julgamento |
06/02/2014 |
Data da Publicação/Fonte |
DJe 12/02/2014 (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ DECIDIDA). STJ - EDcl no HC 133187-PR, EDcl no AgRg no Ag 1276131-PA (BAIXA DEFINITIVA DOS AUTOS - INDEPENDENTEMENTE DE PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO) STJ - EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 151508-DF, EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1141088-RS STF - HC 88500-RS (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE VÍCIO A SANAR) STJ - EDcl no HC 12084-SP EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRIME DE EXTORSÃO. CONDENAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS COM NÍTIDO CARÁTER PROTELATÓRIO. AMPLA DEFESA. ABUSO DO DIREITO. CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO.EMBARGOS REJEITADOS. 1. Nos limites estabelecidos pelo art. 619 do Código de Processo Penal, os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição ou ambiguidade eventualmente existentes no julgado. 2. A insistência do embargante diante das sucessivas oposições de embargos de declaração revela não só seu exagerado inconformismo, como também o seu nítido caráter protelatório, no intuito de impedir o trânsito em julgado da ação penal, constituindo verdadeiro abuso dodireito à ampla defesa. 3. "Dessa forma, muito embora na esfera penal não seja permitida a fixação de multa por litigância de má-fé, é perfeitamente possível a baixa dos autos, independentemente da publicação do acórdão ou de eventual interposição de outro recurso, para que inicie o cumprimento da pena que lhe foi imposta. Precedentes do STJ e do STF" (EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp nº 151.508/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, DJe 29/04/2013). 4. Por outro vértice, não é demais reafirmar que "o julgador não está obrigado a se manifestar acerca de todas as alegações suscitadas pelas partes, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão". 5. Embargos rejeitados, com a determinação de imediata execução da sentença condenatória, independentemente da publicação desse acórdão ou de eventual interposição de qualquer recurso, devendo ser certificado o seu trânsito em julgado da decisão que negou seguimento ao Agravo de Instrumento. (EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1425305/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI,QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 12/02/2014) |
10. Conclusões.
O que se procurou demonstrar é que o socorro ao processo, direito público subjetivo, tem por escopo permitir a manifestação tão célere quanto possível da vontade concreta da lei.
Posto a serviço da lei, alçado a garantia constitucional da mais alta expressão, socorrendo a todo e qualquer cidadão, a Lei Maior submete expressamente ao crivo do Poder Judiciário, Constituição da República, art. 5º. Inc. XXXV toda e qualquer lesão ou ameaça a direito.
Nessa ordem de ideias um País será tão mais civilizado quanto suas instituições jurídicas forem sólidas, lastreadas em princípios axiológicos e que garantam a efetiva aplicação de seus princípios fundantes, inscritos na Lei Maior.
É o que se submete à consideração e debate de nossos leitores.
[1] Isaías, Lv. 59, 14 e 16
[2] HOUAISS, Dicionário Eletrônico, verbete “ator”.
[3] HOUAISS, Dicionário Eletrônico, 1ª. ed., verbete “chicana”.
[4] VOCABULÁRIO JURÍDICO, 26a. edição, atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, Edit. Forense, RJ, 2006, pg. 288.
Juiz de Direito, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em Direito Civil-Direito Comparado, Doutorando em Direito Processual Civil. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARREY, José Guilherme Di Rienzo. As boas práticas, sob o prisma ético e legislativo, dos diferentes atores no processo civil e penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45642/as-boas-praticas-sob-o-prisma-etico-e-legislativo-dos-diferentes-atores-no-processo-civil-e-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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