Resumo: As Súmulas Vinculantes, importante instrumento de uniformização de jurisprudência, tem processo de criação previsto em Lei. Este artigo analisa este verdadeiro processo. Palavras-chave: Súmula-Vinculante-Processo de Criação.
Introdução
Os enunciados das Súmulas Vinculantes são, até a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a única fonte indireta proveniente da jurisprudência, realmente vinculantes. A par da sua inegável importância e aplicação, faz-se necessária análise do processo legal de criação, modificação ou cancelamento de tais enunciados, previsto na Lei 11.417/06. Este artigo propõe-se ao estudo de tal procedimento.
Desenvolvimento
As Súmulas Vinculantes passaram a ter previsão no ordenamento jurídico brasileiro na Constituição de 1988, com a promulgação da Emenda Constitucional 45 e a criação do artigo 103-A da Carta Magna.
Assim dispõe a Constituição:
“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”.
De acordo com José Tarcízio de Almeida Melo[1], a criação de entendimentos vinculantes já era defendida há algumas décadas:
“Haroldo Valadão apresentou, em 1961, anteprojeto de lei que se transformaria na Lei de Aplicação das Normas Jurídicas. Propunha que, “uma vez afixada interpretação da lei federal pelo Tribunal Pleno, em três acórdãos, por maioria absoluta, torná-la-ia pública, na forma e nos termos determinados no Regimento, em resolução que os tribunais e os juízes deveriam observar enquanto não modificada segundo o mesmo processo, ou por disposição constitucional ou legal superveniente”. Essa tentativa não prosperou.
Por ocasião da elaboração do Anteprojeto do Código de Processo Civil, em 1964, Alfredo Buzaid propôs, em seu art. 518, que a decisão tomada pela maioria dos membros efetivos que integram o tribunal seria obrigatória. Acrescentou, no art. 519, que o presidente do tribunal, em obediência ao que ficou decidido, baixaria um assento. Quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicado, o assento teria força de lei em todo o território nacional. A corrente que reputava inconstitucionais súmulas com caráter obrigatório foi vencedora. Assim, a Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil, sucumbiu à supremacia absoluta da lei, já inserida no texto constitucional (art. 5º, II).”.
De qualquer forma, nos termos da Constituição Federal, prevaleceu o conceito de que as Súmulas Vinculantes devem ter por fundamento reiteradas decisões, de matéria controversa.
Referido artigo foi, então, regulamentado pela Lei 11.417/06 que, além dos legitimados ativos previstos na redação do artigo 103-A da Constituição Federal, estabeleceu legitimidade para a propositura de edição, revisão ou cancelamento de Súmulas Vinculantes , “os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares”, bem como “O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo”, conforme artigo 3º, XI e § 1º.
Devido à repercussão das Súmulas Vinculantes, não só para o próprio Poder Judiciário, mas também para os órgãos da Administração Pública, prevê o § 2º a possibilidade de participação de manifestação do “amicus curiae”, denominado na lei de “terceiros na questão”, a fim de auxiliar a Corte na tomada de decisão.
O quórum para aprovação, revisão, ou cancelamento, nos termos do que prevê a Constituição é qualificado (2/3). Este mesmo quórum pode, nos termos do artigo 4º da Lei, retirar a aplicação imediata da Súmula, restringindo os efeitos vinculantes, ou mesmo decidir que a eficácia passe a ocorrer apenas a partir de determinado momento, se o interesse público assim recomendar. [2]
Interessante previsão traz o artigo 5º. A questão relativa a Súmula Vinculante deve ser sempre apoiada em interpretação legal, até para o cumprimento e obediência do previsto no § 1º do artigo 103-A da Constituição Federal. Isso significa dizer que, revogada ou alterada a Lei, também deve o ser a Súmula nela baseada (texto expresso do artigo 5º), contudo, quer dizer também que não pode o Supremo Tribunal Federal editar Súmulas que não tenham fundamento legal, ou que, ainda, não encontrem amparo no texto da lei que as embasa, não cabendo ao Poder Judiciário a função estritamente Legislativa, dada o vício de inconstitucionalidade formal.[3]
Enquanto há proposta de edição, revisão ou cancelamento, prevê o artigo 6º que tal fato não autoriza a suspensão dos processos que tratem sobre a questão jurídica controvertida. Tal fato, com a devida vênia, nos parece discutível, na medida em que imagine-se a possibilidade do STF editar Súmula a respeito de processos em fase de execução e o prejuízo que poderia advir de alteração de posição jurisprudencial.
Todavia, o que parece ser possível, no caso, é a suspensão dos processos envolvidos em função da repercussão geral e não porque há a possibilidade de edição de Súmula Vinculante.
Aliás, aqui, importante observação deve ser feita. O Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 927, que obriga os Tribunais a observarem, nos incisos II e IV, tanto os enunciados de Súmula Vinculante, como também “os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional”. Assim sendo, a partir da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, o que ocorrerá em Março de 2016, para o Poder Judiciário (não para os órgãos da Administração Publica), estabelecido que a tese jurídica da Súmula e do caso a julgar sejam os mesmos e, entendendo o julgador que o entendimento dos Tribunais Superiores ainda se mantém (ou seja, não reconhecendo distinção de casos ou superação do entendimento), pouco importará se o enunciado da Súmula for vinculante ou não, já que haverá a necessidade de observância da mesma forma.
Portanto, a observância das Súmulas serem editadas como Vinculantes passará a dizer respeito, exclusivamente, aos órgãos da Administração Pública direta ou indireta.
Por outro lado, quanto ao Ministério Público prevê a Lei 11.417/06 a sua participação obrigatória, através do Procurador Geral da República, quando não for sua a iniciativa de edição da Súmula (artigo 2, § 2º).
Por fim, a reclamação, tanto na Lei supra citada, como no Novo Código de Processo Civil, surge como o “recurso” adequado para a não aplicação dos enunciados. Se procedente o pedido, “o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso” (artigo 7º, § 2º).
Conclusão
A Edição das Súmulas Vinculantes possui regulamentação específica, havendo verdadeiro processo específico para sua edição, revisão ou cancelamento.
A não observância de qualquer dos requisitos legais ou constitucionais, por certo, provoca a ilegalidade dos enunciados, quando não a inconstitucionalidade formal.
Entretanto, é certo que a análise dessas hipóteses é feita pelo próprio Supremo Tribunal Federal, o que dificulta o reconhecimento de tais hipóteses.
De toda forma, a regulamentação trazida pelo Novo Código de Processo Civil, conforme exposto, provocará verdadeira “revolução” na aplicação dos enunciados, na medida em que os enunciados, sejam eles de sumulas vinculantes ou não, serão todos obrigatórios.
Bibliografia:
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STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no direito brasileiro, eficácia, poder de função: ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Liv. Do Advogado, 1998.
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MENDES, Gilmar Ferreira. Passado e Futuro da Súmula vinculante: considerações à luz daEC n° 45/04 in Reforma do Judiciário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
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[1] Súmula vinculante: aspectos polêmicos, riscos e viabilidade, palestra proferida na Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
[2] Há, assim, a previsão de que possa existir uma espécie de “vacatio legis” para a aplicação da Súmula, ou mesmo a restrição de seus efeitos vinculantes, como também prevê o parágrafo 3º do artigo 927 do Novo Código de Processo Civil.
[3] Como exemplo, podem ser citadas duas Súmulas. Em primeiro lugar, a Súmula Vinculante nº 11, que trata de proibição do uso de algemas, exigindo fundamentação escrita, algo que o Código de Processo Penal, em seu artigo 284, não exige. Em segundo lugar, a Súmula Vinculante nº 5, que dispõe sobre a possibilidade de não haver advogado no processo administrativo disciplinar. Tal Súmula, com a devida vênia das opiniões em contrário, nos parece afrontar diretamente o artigo 5º, LV da Constituição Federal, bem como o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8906/94).
Juiz de Direito, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em Direito Civil-Direito Comparado, Doutorando em Direito Processual Civil. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARREY, José Guilherme Di Rienzo. Sumulas Vinculantes - Processo de Criação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45666/sumulas-vinculantes-processo-de-criacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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