RESUMO: O presente texto tem como objetivo a exposição sobre a utilização do incidente da Exceção de pré-executividade no âmbito do processo de execução de título extrajudicial, utilizando-se de métodos de pesquisa descritivos e indutivos. Neste sentido, a apreciação da Exceção de pré-executividade, no que concerne à sua interposição em relação ao processo executivo, não compreende somente considerações inerentes aos meios de defesa que podem ser aduzidos pelo devedor Executado, mas também a abordagem sobre os caracteres da exação e acerca das hipóteses exemplificativas em que a parte poderá suscitá-la no procedimento.
Palavras-chave: Exceção de pré-executividade. Execução. Título Extrajudicial.
ABSTRACT: This paper aims to display on using the incident of pre-execution exception under the extrajudicial execution process, using methods of descriptive and inductive research. In this regard, the assessment of pre-execution exception, concerning the action is brought in the executive process, not only comprises inherent defenses considerations that may be raised by the Run debtor, but also the approach to the characters of the exaction and about the exemplary cases in which the party may raise it in the procedure.
Keywords: Pre-execution exception. Execution. Extrajudicial title.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Hordienamente muito se discute, precipuamente no âmbito doutrinário e jurisprudencial, sobre a utilização no Processo de Execução de título extrajudicial, notadamente na execução por quantia certa em desfavor de devedor solvente, do incidente processual denominado Exceção de pré-executividade, ou como preferem alguns doutrinadores, objeção de pré-executividade.
Em se tratando de Processo de Execução, que visa no interesse do credor, consoante disposto no art. 649 do Código de Processo Civil, expropriar bens do devedor para satisfação do seu crédito, sobrepõe-se atualmente a observação do princípio constitucional da efetividade dos provimentos jurisdicionais. Neste contexto, urge ao interprete sopesar o princípio da efetividade com a utilização de incidentes processuais que visam desconstituir o título executivo, cabendo assim uma notória contraposição com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Apesar de se tratar de um incidente processual que foi se consolidando aos poucos no Direito Brasileiro, hoje é inegável a sua eficiência como meio de defesa para discussões de questões de ordem pública, bem como de outras questões processuais geralmente sujeitas à preclusão processual.
Neste contexto, o presente artigo propõe reflexões sobre a utilização pelos Executados do incidente processual referenciado, tendo em vista os princípios constitucionais ora apontados e as matérias que podem ser deduzidas em juízo, em contraposição ao caráter satisfativo do processo executivo de título extrajudicial.
2 O PROCESSO EXECUTIVO E A DEFESA DO DEVEDOR
O processo de execução, tanto de título judicial ou extrajudicial, surge a partir do inadimplemento voluntário pelo devedor de obrigação líquida, certa e exigível. Neste caso, não assiste necessidade ao órgão judicante em reconhecer o direito do Exequente, uma vez que este é portador de título executivo, o que lhe permite provocar o Estado para a persecução do seu crédito. Tanto é que o art. 580 do Código de Processo Civil vigente estabelece que “a execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo”.
Baseado nesta premissa, Humberto Theodoro Junior afirma com toda razão que “o processo de execução parte justamente da certeza do direito do credor, atestada pelo “título executivo” de que é portador” (THEODORO JUNIOR, 2002, p. 15). Logo, tendo em vista essa certeza, o processo de execução assume caráter eminentemente satisfativo do direito do credor, o que faz incidir sempre a noção de coação do devedor e de constrição patrimonial.
Por tal motivo, a doutrina processualista afirma que o processo de execução é movido no interesse do credor, onde o devedor não é citado para se defender, mas sim para realizar o pagamento da dívida devida. Outrossim, não se trata, destarte, de uma relação processual estabelecida para se discutir o título executivo do credor, mas sim com o fulcro de submeter o devedor à constrição judicial de tantos bens quanto bastem para o pagamento da dívida.
No mesmo sentido citamos o teor do art. 612 do Código de Processo Civil, que afirma claramente realizar-se a execução “no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados”, bem como o teor do art. 646, que dispõe, no caso da execução por quantia certa em desfavor de devedor solvente, que o processo “tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591)”.
Entretanto, não é pelo caráter satisfativo do processo de execução que o devedor é impedido de defender-se. Pode-se dizer que o Executado tem a sua defesa limitada, já que esta é despida de efeito suspensivo (art. 739-A do Código de Processo Civil). Neste contexto, as questões controvertidas que eventualmente podem surgir no processo devem ser tratadas pelo juízo executivo e solucionadas sempre tendo em vista as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Por conseguinte, a própria legislação processual prevê a possibilidade de o devedor oferecer embargos, independentemente de penhora, depósito ou caução (art. 736 do Código de Processo Civil), para assim discutir questões atinentes a nulidades processuais, excesso de execução, entre outras, podendo ainda aduzir qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento (art. 745 do Código de Processo Civil).
Nada obstante a previsão legal dos embargos, que podem ser manejados pelo devedor no prazo legal de 15 (quinze) dias, tem-se admitido outro tipo de defesa, nos próprios autos do processo de execução sem a necessidade de garantir o juízo, denominada de Exceção de pré-executividade.
Geralmente, na praxe forense, a Exceção é utilizada pelo Executado em casos específicos, notadamente quando o prazo para oferecimento dos embargos expirou, bem como nos casos onde o Executado não pode manejar nenhuma espécie de defesa ou recurso, desde que presente no caso matéria de ordem pública e não seja necessária dilação probatória, que é admissível apenas nos embargos à execução (art. 745 do Código de Processo Civil), nos embargos de retenção por benfeitoria (art. 745, §1º, do Código de Processo Civil), e nos embargos à arrematação (art. 746 c/c art. 694, §1º, do Código de Processo Civil).
Destarte, a oposição da exceção de pré-executividade no âmbito do processo de execução de título extrajudicial, a despeito dos embargos, é um dos pontos controvertidos acerca do seu ajuizamento, haja vista que se trata de defesa que não pode exigir cognição probatória do juízo executivo, tendo-se em mente o caráter satisfativo do procedimento, que deve se coadunar com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF).
3 ORIGEM E CARACTERES DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE
Nada obstante ter seus maiores contornos abalizados por Pontes de Miranda, em parecer ofertado no ano de 1966 para a Companhia Siderúrgica Mannesmann, que estava sendo executada por diversos títulos executivos nulos, aponta a doutrina majoritária que a Exceção de pré-executividade surgiu em momento anterior no nosso Direito, inclusive tendo previsão legal no ordenamento jurídico pátrio.
A defesa do executado por meio de objeção à execução já era tratada anos antes por José da Silva Pacheco, onde afirmava que a defesa do Executado “poderia revestir-se de defesa imediata com demonstração cabal da impossibilidade do ato executivo, antes de sua concretização” (SILVA PACHECO, 1959, p. 376). A doutrina também costuma apontar o parecer oferecido por Alcides Mendonça Lima, que também se dedicou ao estudo sobre a defesa do Executado no caso Copersucar Ltda., em face da Central Paulista de Açúcar e Álcool Ltda.
No que concerne à sua previsão legal, informa parte da doutrina que sua positivação no Direito Brasileiro ocorreu pela primeira vez através da edição do Decreto Imperial nº 9.885 de 1888, ainda que com denominação diversa da atribuída hodiernamente ao instituto.
Contudo, consoante assinalado, foi mesmo a partir do trabalho de Pontes de Miranda, no ano de 1974, que a teoria da Exceção de pré-executividade adquiriu os fundamentos doutrinários necessários para a sua manifestação processual pela parte Exequente, no intuito de trancar execuções manifestamente nulas, não obstante tratar-se de mera demonstração ao juízo de execução sobre a necessidade de análise dos pressupostos de constituição e desenvolvimento do processo, antes da determinação dos atos de constrição necessários para o adimplemento do crédito do Exequente, uma vez que o reconhecimento de nulidade absoluta poderia inviabilizar todo o procedimento.
Nas palavras do próprio doutrinador processualista (MIRANDA, 1974, p. 132):
Quando se pede ao juiz que execute a dívida, tem o juiz de examinar se o título é executivo, seja judicial, seja extrajudicial. Se alguém entende que pode cobrar dívida que consta de instrumento público, ou particular, assinado pelo devedor e por duas testemunhas, e o demandado – dentro das 24 horas – argüi que o instrumento público é falso, ou de que a sua assinatura, ou de alguma testemunha, é falsa, tem o juiz de apreciar o caso antes de ter o devedor de pagar ou sofrer a penhora. Uma vez que houve alegação que importa oposição de ‘exceção pré-processual’ ou ‘processual’, o juiz tem de examinar a espécie e o caso, para que não cometa a arbitrariedade de penhorar bens de quem não estava exposto à ação executiva.
Atualmente a utilização da Exceção de pré-executividade é instituto amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência pátria, se incorporando definitivamente ao leque de medidas processuais de defesa a serem manejadas pelo Executado no processo executivo, apesar da sua falta de previsão legal no ordenamento processual civil brasileiro.
Neste sentido, a Exceção de pré-executividade tem por finalidade a discussão, no âmbito do processo executivo de títulos extrajudiciais, de questões de ordem pública, no que diz respeito à ocorrência de relevantes eventos fáticos e processuais que impendem a desconstituir, mesmo que em grau de cognição limitada, o desenvolvimento válido e regular do procedimento, ou a certeza, liquidez ou exigibilidade do título executivo extrajudicial.
Sendo assim, muito embora serem os Embargos (do devedor, de arrematação, de retenção por benfeitorias, ou de terceiros) meios próprios de defesa na Execução de título extrajudicial, é pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a Exceção de pré-executividade pode ser manejada nas situações em que não se faz necessário dilação probatória, como também quando as questões possam ser conhecidas de ofício pelo juiz, questões cuja natureza a doutrina processualista denomina de “ordem pública”.
No que se refere à jurisprudência pátria, precipuamente do colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), fixou-se entendimento pacífico das características acima referidas[1], e especificamente sobre sua aplicação no processo de execução de título extrajudicial, conforme orientação contida nos diversos acórdãos proferidos e abaixo transcritos:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - CABIMENTO - REQUISITOS - DISCUSSÃO DE QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA E DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - CONHECIMENTO EM QUALQUER TEMPO E GRAU DE JURISDIÇÃO - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS E PROVIDOS.
1. Hipótese. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada pela casa bancária julgada extinta pelo Tribunal de origem que, no bojo de exceção de pré-executividade, entendeu nulo o título executivo porque ausente assinatura de 2 (duas) testemunhas. Decisão reformada pela eg. Terceira Turma, sob entendimento da ocorrência de preclusão porquanto a exceção de pré-executividade foi ajuizada após a penhora de bem imóvel.
2. Mérito. A orientação assente da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de que a exceção de pré-executividade é cabível em qualquer tempo e grau de jurisdição, quando a matéria nela invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz e a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória.
3. Embargos de Divergência conhecidos e providos. (EREsp 905.416/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/10/2013, DJe 20/11/2013).
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ARGUIÇÃO DE PRESCRIÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. É possível em exceção de pré-executividade a arguição de prescrição do título executivo, desde que desnecessária dilação probatória. Precedentes.
2. Recurso conhecido e provido. (REsp 570.238/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 17/05/2010).
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. SÚMULA 223/STJ. OPOSIÇÃO DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE APÓS O JULGAMENTO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO FUNDADO EM TEMA DIVERSO. CABIMENTO. PROCURAÇÃO. CÓPIA NÃO AUTENTICADA. IRREGULARIDADE. ANULAÇÃO DE SENTENÇA FUNDADA EM PETIÇÃO POTENCIALMENTE NULA. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DE CARÁTER PÚBLICO, PASSÍVEL DE SER CONHECIDA DE OFÍCIO PELO JUIZ. CONVERSÃO DE EXECUÇÃO EM AÇÃO MONITÓRIA APÓS A CITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo. Súmula nº 233/STJ.
2. Admissível o questionamento sobre as condições da ação mediante exceção de pré-executividade, se o tema não foi objeto de discussão nos embargos do devedor já opostos.
3. A cópia de instrumento de mandato sem autenticação caracteriza irregularidade da representação processual. Na hipótese, contudo, mesmo sendo inválida a petição assinada pelo patrono irregularmente constituído, a matéria versada no documento podia ser suscitada de ofício pelo juiz, razão pela qual não há de se cogitar a nulidade da sentença.
4. Eventual anulação de petição que traga ao conhecimento do juízo a existência de irregularidade de ordem pública, como aquelas relativas às condições da ação e aos pressupostos processuais, não conduzem à nulidade da sentença, posto que tais matérias devem ser declaradas de ofício pelo juiz.
5. Após a citação do devedor, não é possível a conversão do processo de execução em processo de conhecimento pelo rito monitório.
6. Recurso especial não conhecido. (REsp 705.352/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 353).
PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - AÇÃO EXECUTIVA - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - CABIMENTO - TÍTULO EXTRAJUDICIAL INEXIGÍVEL - ALONGAMENTO DA DÍVIDA RURAL NOTICIADO PELO EXEQÜENTE - NULIDADE DA EXECUÇÃO - AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU OBSCURIDADE - REJEIÇÃO.
1. Constando, expressamente, no acórdão embargado que o título extrajudicial (confissão de dívida oriunda de crédito rural, com garantia hipotecária) deixou de ser exigível após o alongamento do lapso temporal para o pagamento da dívida rural, obtido via mandado de segurança e noticiado, nos presentes autos, pelo próprio exeqüente, sendo nula a execução (art. 618, I, do CPC), inexiste omissão ou obscuridade que venha a justificar o caráter infringente do julgado, uma vez que este só é aceito pela jurisprudência quando encontra eco no primado da exceção.
2. Embargos rejeitados. (EDcl no REsp 663.874/DF, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 304)
Cita-se ainda, tratando sobre o cabimento da Exceção de pré-executividade na execução de títulos extrajudiciais, as decisões proferidas pelo mesmo Tribunal[2] no julgamento do REsp nº 663.874/DF, REsp nº 419.376/MS, REsp nº 442.448/SP, REsp nº 215.127/RS, REsp nº 124.364/PE, REsp nº 160.107/ES, REsp nº 187.195/RJ, REsp nº 220.100/RJ.
4 HIPÓTESES DE CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE NO PROCESSO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL
No âmbito do nosso Código de Processo Civil, é lícito ao interprete vislumbrar hipóteses onde a parte Executada, tendo em vista as peculiaridades de cada caso concreto e a presença dos caracteres que autorizam a interposição da exação, possa utilizar-se da Exceção de pré-executividade no intuito de desconstituir o título executivo extrajudicial, ou o próprio processo executivo.
Como acima salientado, sem dúvida a primeira hipótese de cabimento da Exceção é o questionamento da validade do próprio título executivo, uma vez que é permitido ao credor apenas ajuizar a execução de título extrajudicial quando este seja líquido, certo e exigível. Neste caso, na falta de qualquer dos três elementos do título, a execução extrajudicial passa a ser passível de nulidade.
Com a declaração judicial de nulidade do título executivo extrajudicial, o próprio processo executivo é nulo e deve ser extinto, tendo em vista o disposto no art. 580 do Código de Processo Civil. Logo, faltando o inadimplemento da obrigação consubstanciada em título executivo extrajudicial, ou não sendo esse líquido, certo, e exigível, ao juízo da execução é defeso prosseguir nos atos de expropriação de bens, devendo extinguir o processo judicial ante a falta de pressuposto processual (princípio nulla executio sine titulo).
Quanto ao requisito relacionado ao inadimplemento do devedor, afirma Humberto Theodoro Junior (THEODORO JUNIOR, 2002, p. 41) ser “evidente que sem o vencimento da dívida, seja normal ou extraordinário, não ocorre a sua exigibilidade. E não sendo exigível a obrigação, o credor carece da ação executiva”. Neste caso, verificada a carência da ação pela falta de inadimplemento da obrigação fixada no título do executivo extrajudicial, compete ao Executado o ônus da prova da inocorrência do inadimplemento referenciado, que poderá ser alegado tanto em embargos do devedor, quanto em Exceção de pré-executividade. No transcurso do prazo, todavia, só resta ao Executado manejar a Exceção em última hipótese.
No mesmo sentido, a mesma lição sobre carência de ação e ônus da prova pode ser aplicada aos requisitos elementares do título executivo, que deve ser baseado na liquidez, certeza, e exigibilidade (art. 586 do Código de Processo Civil), elementos que tem o condão de estabelecer limites objetivos e subjetivos ao processo, e na sua falta, fulmina de nulidade o procedimento.
Consoante os ensinamentos de Carnelutti (CARNELUTTI, 1956, p. 164), fundamentados na doutrina de Calamandrei, “ocorre certeza em torno de um crédito quando, em face do título, não há controvérsia sobre sua existência (an); a liquidez, quando é determinada a importância da prestação (quantum); e a exigibilidade, quando o seu pagamento não depende de termo ou condição, nem está sujeito a outras limitações”.
Transpondo os ensinamentos transcritos ao nosso sistema jurídico vigente, é fácil perceber que a validade do título executivo extrajudicial (art. 585 do Código de Processo Civil) depende da perfeição formal em face do diploma legal que regula a sua instituição, notadamente no que se refere aos títulos de crédito, bem como da falta de reserva legal à sua eficácia, para que seja dotado de força executiva.
Neste contexto, controvérsias sobre a certeza do título, que deve levar em conta a legislação específica que trata do título extrajudicial em questão, sobre o quantum debeatur, ou sobre a sua exigibilidade, que diz respeito à verificação de termo ou condição, pode ser deduzida em juízo pelo Executado através de Exceção de pré-executividade, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento dos embargos do devedor.
Uma segunda hipótese que fundamenta o ajuizamento da Exceção de pré-executividade é a impenhorabilidade, atribuída pela legislação processual civil, a certos bens móveis ou imóveis. No sistema vigente, o rol de bens considerados absolutamente impenhoráveis está disposto no art. 649 do Código de Processo Civil, dando-se certo destaque, no âmbito doutrinário e jurisprudencial, à impenhorabilidade do bem imóvel que serve de residência para os Executados, denominado usualmente de bem de família.
Nos termos da Lei Federal nº 8.009/90, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, compreendendo o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem na casa, desde que quitados.
Em se tratando de impenhorabilidade do bem imóvel usado como residência por entidade familiar, pode aquela ser oponível em qualquer processo de execução civil, inclusive de título extrajudicial, salvo se presentes as hipóteses que impedem ao Executado suscitar a medida, descritas no art. 5º da Lei Federal nº 8.009/90. Sendo imponível em qualquer processo e em qualquer fase, a impenhorabilidade é passível de alegação em sede de Exceção de pré-executividade quando a penhora eventualmente recair no bem resguardado, uma vez ser patente se tratar de matéria de ordem pública.
Sendo assim, a impenhorabilidade do bem de família decorre de norma de ordem pública, o que afasta a intempestividade de qualquer medida interposta pelo devedor. Se houver transcurso do prazo de embargos do devedor, ou a penhora sobre o bem considerado impenhorável for posterior ao ajuizamento dos embargos, a alegação jamais poderá ser considerada intempestiva, uma vez se tratar de matéria passível de ser suscitada em Exceção.
Destarte, a natureza jurídica da impenhorabilidade do bem impede a sua alienação em hasta pública, já que consoante aduzido pela doutrina de Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, 1991. p. 311), “o instituto da impenhorabilidade é uma forma de afetação de bens a um destino especial”. Porquanto tratar-se de uma afetação legal cogente, sua impenhorabilidade é oponível erga omnes, em vista de constituir instituto de direito público que, sob a ótica processual, nas palavras de Ricardo Arcoverde Credie (CREDIE, 2004. p. 96), “deve ser acolhido independentemente de cânones procedimentais por sua própria função e natureza, cabendo, inclusive, conhecimento de ofício pelo magistrado”.
Caso a questão controvertida sobre a impenhorabilidade do bem ocorrer em sede de Exceção de pré-executividade, não pode ser rejeitada sob o argumento de intempestividade ou preclusão. Essa questão já foi a tempo consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisprudência remonta ao julgamento do REsp nº 262.654/RS, abaixo transcrito:
PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. BEM ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEL. CPC, ART. 649-VI, CPC. NULIDADE ABSOLUTA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA. RENÚNCIA DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Em se tratando de nulidade absoluta, a exemplo do que se dá com os bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649), prevalece o interesse de ordem pública, podendo ser ela arguida em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício.
2. O executado pode alegar a impenhorabilidade de bem constrito mesmo quando já designada a praça e não tenha ele suscitado o tema em outra oportunidade, inclusive em sede de embargos do devedor, pois tal omissão não significa renúncia a qualquer direito, ressalvada a possibilidade de condenação do devedor nas despesas pelo retardamento injustificado, sem prejuízo de eventual acréscimo na verba honorária, a final. (REsp nº 262.654/RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 5/10/2000, DJ 20/11/2000, p. 302).
Outra hipótese de cabimento da Exceção de pré-executividade é a que diz respeito aos pressupostos de constituição do processo de execução, no que se refere à legitimidade ativa (art. 566 do Código de Processo Civil), legitimidade passiva (art. 568 do Código de Processo Civil), e competência (art. 576 do Código de Processo Civil). Ainda no tema pressupostos processuais, do mesmo modo é passível de alegação pelo Executado matérias elencadas no art. 301 do Código de Processo Civil, que trata das preliminares a serem arguidas pela parte Requerida antes de discutir o mérito da lide no processo de conhecimento.
Deve-se olvidar ainda sobre o disposto no art. 618 do Código de Processo Civil, que dispõe ser nula a execução se o título executivo extrajudicial não corresponder à obrigação certa, líquida e exigível (art. 586), se o devedor não for regularmente citado na forma do art. 219 do mesmo diploma, ou se instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrido o termo, na forma do art. 572 do mesmo diploma.
Neste contexto, tendo em vista os fundamentos supracitados, é cediço afirmar que a falta de pressupostos processuais impede o desenvolvimento válido e regular do processo executivo, constituindo, destarte, matéria de ordem pública a ser alegada pelo Executado, caso necessário, em sede de Exceção.
Não é só a falta de citação regular que causa a nulidade do processo de execução de título extrajudicial, mas também a falta de mera intimação de alguns sujeitos processuais que o legislador determina ser obrigatório integrar a relação processual, mesmo que por mero interesse processual. Neste caso, como salientado, a legislação não trata de citação, mas sim de intimação, já que a função é tão somente levar ao conhecimento de terceiro que ocorre a tramitação de determinado processo de execução em desfavor do devedor, ou a constrição de determinado bem.
Neste caso, quando a legislação processual determina a intimação e esta não ocorre, estamos diante também de uma nova hipótese de cabimento da Exceção, que não poderá ser oferecida pelo Executado, mas sim pelo terceiro detentor do interesse na relação processual que deixou de ser intimado, quando assim a Lei determinava. Podemos relacionar, na situação aludida, a falta de intimação pelo credor Exequente dos credores pignoratícios, hipotecários, ou anticréticos, ou usufrutuários, quando a penhora recair sobre bens gravados por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto (art. 615, III, do Código de Processo Civil).
Já que a própria legislação processual determina, como consequência, que a falta de intimação dos credores com alguma espécie de garantia real torna a eventual alienação do bem aforado ou gravado por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto, ineficaz em relação ao senhorio direto, ou ao credor pignoratício, hipotecário, anticrético, ou usufrutuário, que não houver sido intimado (art. 619 do Código de Processo Civil), nada mais justo que referidos credores possam utilizar-se da Exceção de pré-executividade para a defesa dos seus direitos em juízo.
Da mesma forma, o incidente da Exceção de pré-executividade pode ser instaurado nos casos em que não se verificou a condição ou de ocorrido o termo, na forma do art. 572 do Código de Processo Civil. Entretanto, verificando o disposto no próprio dispositivo, quanto ao disposto no art. 614, III, do mesmo códex, o ônus da prova de que se verificou a condição ou ocorreu o termo compete ao credor Exequente. Por conseguinte, caso o credor não demonstre na sua petição inicial a ocorrência da condição ou termo, pode o Exequente se opor a execução através do manejo do incidente em questão.
Ainda no tópico sobre intimação, não é só a falta de intimação de terceiros que causa a nulidade no procedimento. Em certas situações, a falta de mera intimação do próprio Executado sobre atos processuais pode causar a nulidade do procedimento. E o caso, por exemplo, da falta de intimação do Executado da penhora realizada pelo oficial de justiça, que conforme determina o art. 652, §4º, do Código, deve ser feita na pessoa de seu advogado, e não o tendo, será intimado pessoalmente. É cediço afirmar que a falta de intimação, neste caso específico, causa a nulidade do procedimento até a realização dos atos de constrição, constituindo assim matéria de ordem pública passível de alegação em sede de Exceção.
Outra falta de intimação que acarreta a nulidade do procedimento é a que se deve realizar nos casos em que a penhora recair sobre bens imóveis, oportunidade em que deve ser intimado também o cônjuge do Executado (art. 655, §2º, do Código de Processo Civil). Na falta de intimação, tanto o Executado como o seu cônjuge podem se manifestar em desfavor da formalização da penhora através de Exceção de pré-executividade, o que acarretará a declaração de invalidade da constrição.
Ainda no que se refere à penhora, podem ser impugnada através de Exceção de pré-executividade a constrição judicial realizada sem obediência à ordem legal estabelecida pela legislação, que é preferencial (art. 655 c/c art. 656, I, do Código de Processo Civil), quando a penhora não recair sobre a coisa dada em garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, ou sobre os bens designados em Lei, contrato ou ato judicial (art. 655, §1º, c/c art. 656, II, do Código de Processo Civil), ou quando incidir sobre bens de baixa liquidez, oportunidade em que não se levará a efeito a penhora nos casos em que seja evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução (art. 656, VI, c/c art. 659, §2º, do Código de Processo Civil).
Outra hipótese em que pode haver o manejo da Exceção antes da expropriação dos bens é quando estão em execução títulos executivos extrajudiciais consubstanciados em contratos bilaterais. Neste caso, o próprio direito substantivo estabelece que nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir do outro o adimplemento da sua (art. 476 do Código Civil).
Na seara processual, conforme lição de Humberto Theodoro Junior (THEODORO JUNIOR, 2002, p. 43), “trata-se de aplicação ao processo de execução, da exceptio non adimpleti contractus, que é de natureza substancial e que terá lugar sempre que o credor pretender executar o devedor, sem a prévia ou a concomitante realização da contraprestação a seu cargo. Por força dessa exceção, a execução se frustrará, dada a ausência de um dos seus pressupostos indeclináveis - o inadimplemento - já que a recusa do devedor ao pagamento será justa e, por isso, o credor, enquanto não cumprida sua contraprestação, apresentar-se-á como carente da ação de execução”.
Neste sentido é que estabelece o art. 581 do Código de Processo Civil, onde “o credor não poderá iniciar a execução, ou nela prosseguir, se o devedor cumprir a obrigação; mas poderá recusar o recebimento da prestação, estabelecida no título executivo, se ela não corresponder ao direito ou à obrigação; caso em que requererá ao juiz a execução, ressalvado ao devedor o direito de embargá-la”. Obviamente que na referência efetuada pelo legislador aos embargos do devedor Executado, devemos compreender a interposição da própria Exceção, haja vista que a regra incide sobre a exigibilidade do título executivo extrajudicial.
Tendo em vista o disposto no art. 581, a legislação atribui o ônus da prova de que a contraprestação foi adimplida ao credor Exequente, que deve demonstrá-la na petição inicial, ou que Ihe assegura o cumprimento, se o executado não for obrigado a satisfazer a sua prestação senão mediante a contraprestação do credor (art. 615, IV, do Código de Processo Civil).
Já na fase de expropriação dos bens penhorados, podemos verificar, da mesma forma, outras hipóteses de cabimento da exação. Na prática forense, a hipótese mais comum de manejo da Exceção de pré-executividade diz respeito a questões atinentes ao valor atribuído ao bem penhorado, tanto na avaliação quanto na reavaliação, suscitada sempre pelo decurso de prazo excessivo entre a penhora e a adjudicação, a alienação por iniciativa particular, ou da praça ou leilão do bem.
A necessidade de nova avaliação, que pode ser suscitada em sede de Exceção de pré-executividade, tem sentido prático que influencia diretamente a adjudicação, a alienação por iniciativa particular, ou em hasta pública, bem como interfere diretamente na esfera dos Executados, já que conforme estabelece o art. 686, VI do Código de Processo Civil, o lance mínimo será o preço da avaliação do bem estabelecido pelo oficial de justiça avaliador. Neste caso, no processo comum, não será possível a arrematação de bens em praça, por valor inferior ao preço da avaliação, devendo ser respeitado este valor como o lance mínimo aceitável.
A única hipótese aceitável de arrematação abaixo do valor de avaliação é quando o imóvel vai à hasta pública em 2ª praça, sendo que neste caso ainda é mais imperiosa a necessidade de se reavaliar o imóvel, uma vez que caso vá para praça com valor fixado em avaliação acobertada pelo excessivo decurso de prazo, incide sobre a situação concreta a configuração da arrematação a preço vil (art. 692 c/c art. 694, §1º, V, do Código de Processo Civil).
Sobre este tema, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento acerca da necessidade de nova avaliação quando a hipótese se enquadrar nas alíneas do art. 683, principalmente no caso de majoração ou diminuição do valor do bem, e do mesmo modo não tiver incorrido nas hipóteses do art. 684, ambos do Código de Processo Civil. Como salientado, essa jurisprudência é firme a respeito, como podemos vislumbrar no âmbito do julgamento do REsp nº 1.358.908/RS, cuja ementa encontra-se abaixo transcrita:
PROCESSUAL CIVIL. AVALIAÇÃO DE BEM PENHORADO. DECURSO DE TEMPO. REAVALIAÇÃO. CRITÉRIOS. ARTS. 683 E 684 DO CPC.
1. A recorrente, por meio de Embargos, se insurgiu contra adjudicação deferida ao recorrido por valor deficitário (R$ 4.275.342,00), dado que realizada quatro anos e sete meses após a última avaliação. Aduz que a prova da defasagem não foi oportunizada porque não houve licitante interessado em adquirir o imóvel pelo valor da avaliação. Aponta que, à época da avaliação, o imóvel valia aproximadamente R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais).
2. A sentença de improcedência foi mantida pelo Tribunal de origem com amparo no seguinte fundamento: "Em que pese em outros feitos tenha reconhecido a necessidade de uma reavaliação de imóveis, uma vez que realizado o primeiro leilão não compareceram interessados a aquisição pelo valor da avaliação, tendo a empresa Maxxibolt Indústria de Autopeças Ltda. ofertado lance de 60% da avaliação para pagamento parcelado em 60 (sessenta) vezes, o que foi recusado pelo credor. Pois bem, se o imóvel vale mais do que avaliado, mas não conseguiu obter licitando interessado na sua aquisição sequer pelo valor a que foi avaliado é porque o valor da avaliação está mais próximo do que o alegado pela parte recorrente. Mesmo que pareça ter ficado congelado o valor da avaliação, esta circunstância é melhor do que permitir a arrematação por R$ 2.565.210,00".
3. A nova avaliação se dá porquanto "um valor subestimado evidentemente cria para o executado o risco de uma adjudicação lesiva a seu patrimônio. Já um valor acima das cotações de mercado inibe o exequente de exercitar o direito de adjudicação, ou somente o permite em bases que lhe acarretam prejuízos" (Humberto Theodoro Junior, Curso de direito processual civil, vol. II, 47ª ed., 2012, p; 337).
4. Os arts. 683 e 684 do CPC têm a seguinte redação: Art. 683 - É admitida nova avaliação quando: I - qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador; II - se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem; ou III - houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 668, parágrafo único, inciso V). Art. 684 - Não se procederá à avaliação se: I - o exequente aceitar a estimativa feita pelo executado (art. 668, parágrafo único, inciso V); II - se tratar de títulos ou de mercadorias que tenham cotação em bolsa comprovada por certidão ou publicação oficial.
5. Em perspectiva literal, a ausência de lanço não está prevista como regra do 684/exceção ao 683 do CPC.
6. É frágil a fundamentação do acórdão recorrido quando afirma que o congelamento do valor é melhor que a arrematação com desconto. Eventual majoração não teria reflexo na proposta de arrematação parcelada, mas sim na representação pecuniária da adjudicação, feita pelo valor da avaliação (art. 685-A do CPC), que, se concretizada, acarretaria abatimento maior da dívida obtido por meios legítimos. Legitima a pretensão do recorrente.
8. Recurso parcialmente provido para cassar o acórdão recorrido e determinar nova avaliação. (REsp 1358908/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2013, DJe 23/05/2013)
Como visto, o Tribunal Superior trata diretamente da configuração da arrematação a preço vil, uma vez que a falta de reavaliação do imóvel pelo decurso excessivo de prazo leva à incidência do disposto nos arts. 692 c/c art. 694, §1º, V, do Código de Processo Civil, já mencionados, que em caso de violação, abre ao Executado a possibilidade da interposição da Exceção de pré-executividade.
Esse mesmo entendimento jurisprudencial se aplica no caso de imóvel de incapaz que não alcançar em praça pelo menos 80% (oitenta por cento) do valor da avaliação (art. 701 do Código de Processo Civil), oportunidade em que o juiz deve conferir a guarda e administração a depositário idôneo, adiando a alienação por prazo não superior a 01 (um) ano. Caso esse procedimento legal seja desobedecido, é possível que haja impugnação, do mesmo modo, através de Exceção.
Ainda no âmbito da expropriação, as intimações do Executado e dos terceiros que não integram o processo ganham relevo especial, já que o cerceamento do contraditório e da ampla defesa, mesmo no âmbito do processo executivo, pode levar à nulidade e deduzida através de Exceção de pré-executividade. Pode-se citar, por conseguinte, a falta de ciência do devedor proprietário do dia, hora e local da alienação judicial por intermédio de seu advogado ou, se não tiver procurador constituído nos autos, por meio de mandado, carta registrada, edital ou outro meio idôneo (art. 687, §5º, do Código de Processo Civil), como também a impossibilidade de adjudicação ou alienação do bem do Executado sem que da execução seja cientificado, por qualquer modo idôneo e com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência, o senhorio direto, o credor com garantia real ou com penhora anteriormente averbada, que não seja de qualquer modo parte na execução (art. 698 do Código de Processo Civil).
Destarte, as principais nulidades que podem ocasionar o desfazimento da arrematação judicial de um imóvel em praça, e em sede de Exceção, são as nulidades que envolvem ofensa do ao direito de ampla defesa e contraditório, precipuamente no que diz respeito à falta de intimação do Executado, em despeito aos atos de constrição realizados no processo. Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é fundamentada, a respeito da nulidade do processo de execução pela falta de intimação do devedor:
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL (LEILÃO E ARREMATAÇÃO) - NULIDADE - MANUTENÇÃO DA POSSE - INTIMAÇÃO NÃO-PESSOAL E EM LOCALIDADE DIVERSA DA INDICADA PELO DEVEDOR. Não tendo a intimação do devedor acerca do leilão se efetivado no mesmo endereço em que havia sido encontrado anterior e pessoalmente para a intimação quanto à purgação da mora, é nula a execução extrajudicial. É necessária a intimação pessoal do devedor, no local em que reside, para a alienação forçada do bem. Precedentes. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no Agravo de Instrumento nº 1.057.486/SP - 2008/0127736-1 - Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 11/11/2008, T3 - TERCEIRA TURMA).
AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. ARREMATAÇÃO. PRAÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL. FALTA. NULIDADE. RECURSO ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO. CONCESSÃO.
1. É nula a arrematação, caso o executado não seja regularmente intimado da praça.
2. É possível conceder efeito suspensivo a recurso especial quando o acórdão recorrido contraria a jurisprudência do STJ e existe periculum in mora. (AgRg na MC 11.569/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2006, DJ 27/11/2006, p. 271).
Sobre a utilização da Exceção na fase de expropriação, podemos ainda ressalvar as alegações do Executado com fulcro no art. 649, §1º, do Código de Processo Civil, que permitem tornar sem efeito a arrematação do bem por vício de nulidade, se não for pago o preço ou se não for prestada a caução, e quando o arrematante provar, nos 05 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital, a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art. 746, §§1º e 2º).
Por final, saindo do âmbito do processo de execução por quantia certa em desfavor de devedor solvente, podemos citar a utilização da Exceção de pré-executividade para a revisão e redução de multas, quando reveladas excessivas, no âmbito dos processos de execução de títulos extrajudiciais consistentes em entrega de coisa (art. 621, parágrafo único, do Código de Processo Civil), e em obrigações de fazer ou não-fazer (art. 645, parágrafo único, do Código de Processo Civil).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pretendeu com esse texto encerrar, ou até mesmo esgotar o assunto, mas sim suscitar novas posições sobre a utilização da própria Exceção de pré-executividade pelo Executado, nada obstante os pontos controvertidos serem debatidos e restringidos ao contexto do processo de execução de título extrajudicial.
Como é de fácil observação, a Exceção teve, sem prejuízo de toda a colaboração doutrinária, a maioria dos seus caracteres fixados no âmbito jurisprudencial, em especial pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o que nos leva ao entendimento da constante mutabilidade deste instituto, que não encontra guarida legal no nosso ordenamento jurídico.
Neste contexto, como ressaltamos, trata-se de um incidente sem previsão legal em que o Executado provoca uma potencial cognição sumária do processo executivo por meio do oferecimento de Exceção de pré-executividade, já que, em regra, a tutela executiva visa à satisfação do crédito do credor pela via coativa.
Por conseguinte, em atendimento a essa necessidade de cognição judicial eminentemente sumária, a Exceção de pré-executividade deve exigir o mínimo de atividade processual do juízo executivo, sendo formada pela noção primária da prova pré-constituída, o que faz incidir a impossibilidade, por consequência, da dilação probatória, característica dos embargos do devedor.
Tendo em vista a noção da impossibilidade de dilação probatória, trouxemos o advento do conceito de matéria de ordem pública, onde suscitamos no presente texto a discussão das hipóteses legais de cabimento da exação, com a fundamentação legal pertinente, consistindo, em regra, situações padrão na praxe forense em que o Executado possa aduzir em juízo a Exceção de pré-executividade.
Para tanto, além da fundamentação legal a ser demonstrada pelo devedor, abordou-se o instituto da Exceção de pré-executividade com o respectivo suporte jurídico jurisprudencial e doutrinário. Notadamente jurisprudencial, uma vez restar nítida a rica jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Deste modo, conclui-se que o objetivo final restou alcançado, uma vez consistir na demonstração do incidente como meio de defesa do Executado no âmbito do processo de execução de título extrajudicial, através de uma demonstração histórica e contextual da sua origem, de certa forma combinada no aspecto doutrinário e jurisprudencial.
Com isso, restou possível chegar-se, como salientado, à técnica processual da Exceção, de modo que os seus caracteres, traçados pela doutrina e jurisprudência pátria, acabaram se unindo à praxe forense, transportando-se para o presente texto, que nada obstante a falta de previsão legislativa da sua utilização permitiu, ainda assim, a abordagem dos fundamentos jurídicos a serem lançados pelo Executado em sua defesa no contexto do processo executivo.
Portanto, a Exceção de pré-executividade constituí forma de defesa heterônoma que hoje ocupa posição de destaque no sistema processual civil, haja vista que com sua interposição nos autos poderá o Executado prevenir que seu patrimônio seja expropriado no âmbito de um processo executivo que não deveria ter sido iniciado, uma vez restar fulminado de nulidades.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm. Acesso em 12 dez. 2014.
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MIRANDA, Pontes de. Dez Anos de Pareceres. 1ª edição. São Paulo: Editora Francisco Alves, 1974.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: introdução ao Direito Civil - teoria geral de Direito Civil. Volume I. 12º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
[1] A cognição, neste caso, deve ser sumária e acerca de questões de ordem pública, entendido nestas as matérias passiveis de reconhecimento ex officio e que não demandem dilação probatória.
[2] A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido apresentação da Exceção de pré-executividade para arguição de vícios em ação de execução, cuja análise possa ser realizada de ofício pelo juiz e prescinda de dilação probatória. Combinando os precedentes citados, afirmamos assim que é cabível a Exceção de pré-executividade desde que apresentada: (i) para alegar a nulidade de execução ou de etapas procedimentais do processo, (ii) matéria conhecível ex officio pelo juiz, (iii) dispensa a produção de provas.
Advogado e Contador. Mestre em Direito das Empresas e dos Negócios (UNISINOS/RS). Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BIGOLIN, Paulo Roberto de Sousa. A utilização da exceção de pré-executividade na execução de título extrajudicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45847/a-utilizacao-da-excecao-de-pre-executividade-na-execucao-de-titulo-extrajudicial. Acesso em: 02 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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