Resumo: Na parte geral do código de direito penal houve a constituição de dois institutos que interferem na aplicação da pena arrependimento eficaz e arrependimento posterior. Esses dois institutos estão previstos respectivamente nos artigos 15 e 16 do código penal, apesar de estarem topologicamente próximos interferem de forma diferente na aplicação da pena. A diferenciação destes institutos constitui em uma das maiores dúvidas no âmbito jurídico.
Palavras-chave: Código penal – parte geral- arrependimento eficaz- divergência- aplicação da pena.
Abstract: In the general part of the criminal law code was the creation of two institutes that affect the application of effective repentance pen and later regret . These two institutes are set out respectively in Articles 15 and 16 of the penal code , although they are topologically close interfere differently in the application of the penalty . The differentiation of these institutes is one of the biggest questions in the legal framework .
Word-key: Penal Code - Part generally repentance effectively divergência- imposition of sentences.
Introdução
O presente artigo tem por objeto explicitar as diferenciações do arrependimento eficaz e do arrependimento posterior. Tais institutos estão previstos no código penal em sua parte geral, e influem na aplicação da pena, porém de forma diversificada.
No decorrer deste trabalho haverá, primeiramente, a análise do arrependimento eficaz explicitando sua conceituação, natureza jurídica, requisitos e outros elementos, bem como sua correlação com a desistência voluntária, pois esses institutos estão previstos no mesmo artigo.
Posteriormente ocorrerá a análise do arrependimento posterior onde também serão abordados o conceito, seus requisitos, natureza jurídica e outros elementos.
Em seguida haverá a análise da aplicação dos dois institutos no caso concreto e por fim será explanada a sua aplicação prática com dois exemplos.
1. Arrependimento Eficaz
1.1 Conceito
O arrependimento eficaz ou respiciência consiste em tentativa abandonada, pois a consumação do crime não ocorre em razão da vontade do agente, conforme prevê o artigo 15 do código penal
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Diferentemente da tentativa propriamente dita que consiste naquela que a consumação do crime não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente. Observa-se então, que no arrependimento eficaz o resultado inicialmente desejado não se produz por vontade do agente que depois de esgotada a execução, emprega diligências eficazes para impedir o resultado. Para corroborar o alegado segue o entendimento de Cleber Masson:
“Depois de já praticados todos os atos executórios suficientes á consumação do crime, o agente adota providencias aptas a impedir a consumação do crime, o agente adota providencias aptas a impedir a produção do resultado.”[1]
1.2 Fundamento e natureza jurídica
O fundamento da instituição do arrependimento posterior consiste no estimulo ao agente em evitar a produção do resultado de um crime.
Pelo fato da consumação ser possível de ser alcançada, Franz Von Liszt se refere ao arrependimento posterior como a ponte de ouro do direito penal, pois é uma forma capaz de se valer o agente para retornar ao campo da licitude, senão vejamos:
“No momento em que o agente transpõe a linha divisória entre os atos preparatórios impunes e o começo da execução punível, incorre na penal cominada contra a tentativa. Semelhante fato não pode mais ser alterado, suprimido ou anulado retroativamente, Pode, porém, a lei, por considerações de política criminal, construir um ponte de ouro para a retirada do agente que já se tornara passível de pena.” [2]
Para Liszt a ponte de ouro do direito penal seria composta de não apenas pelo arrependimento eficaz, mas também pela desistência voluntária.
Em relação à natureza jurídica do arrependimento posterior há uma intensa discussão, porem prevalece na doutrina e na jurisprudência a concepção de causa de exclusão da tipicidade, pois afasta a tipicidade do crime inicialmente desejado, porém subsiste apenas a tipicidade dos atos já praticados.
1.3 Requisitos
1.3.1 Crime material
O arrependimento eficaz somente é possível em relação aos crimes matérias, uma vez que o artigo 15 do Código Penal consta a expressão “impede que o resultado se produza”. Ressalta-se que apenas nos crimes materiais que a produção do resultado naturalístico é exigida para que haja a consumação do delito.
Importa esclarecer que nos crimes formais na própria realização da conduta ocorre a consumação do delito e o resultado naturalístico se torna dispensável. Já nos crimes de mera conduta jamais ocorrera o resultado naturalístico.
1.3.2 Voluntariedade
A adoção de providências aptas a impedir a produção do resultado deve ser feita livre de coação física ou moral.
Não pode ser confundida com espontaneidade, pois não há exigência de que a ideia tenha partido do próprio agente, conforme leciona Cleber Masson.
“A iniciativa pode emanar de terceira pessoa ou mesmo da própria vitima, bastando o pensamento ‘ posso prosseguir, mas não quero”.
Em relação à iniciativa basta que a atividade seja voluntaria, ainda que haja orientações de terceiros.
1.3.3 Eficácia
Para que haja a caracterização do arrependimento eficaz é necessário que a atividade do agente seja capaz de evitar a produção do resultado, ou seja, que a consumação do delito desejado tenha sido evitada.
1.3.4 Crimes dolosos
Em regra o arrependimento eficaz, assim como a desistência voluntaria não são aplicáveis em crimes culposos, exceto na culpa impropria que consiste naquela na qual recai o agente que, por erro, fantasia situação de fato, supondo estar acobertado por uma causa de excludente de ilicitude, em razão disso, provoca intencionalmente o resultado ilícito e evitável.
Em crimes culposos, o resultado naturalístico é involuntário, então não há resultado inicialmente arquitetado para que haja a voluntariedade de impedir sua produção.
2. Arrependimento Posterior
2.1 Conceito
O arrependimento posterior consiste em uma causa pessoal obrigatória de diminuição da pena e esta prevista no artigo 16 do código penal:
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Observa-se que o agente, após ter consumado o crime, por ato voluntario repara o dano ou restitui a coisa com o fim de restaurar a ordem perturbada.
2.2. Fundamento e natureza jurídica
O fundamento da instituição do arrependimento posterior são a proteção da vítima e o fomento do arrependimento por parte do agente. O jurista Franz Liszt denomina o arrependimento posterior como ponte de prata, pois o agente não retoma a situação de licitude, como o caso do arrependimento eficaz, então não pode ocorrer a extinção da punibilidade. Mas ocorre o beneficio da redução da pena.
Conforme já mencionado, o arrependimento posterior consiste em causa obrigatória de diminuição da pena.
2.2 Requisitos
2.3.1 Natureza do crime
Para que ocorra a aplicação do arrependimento posterior se faz necessário que o crime tenha sido praticado sem violência ou grave ameaça. Importa ressaltar que a violência contra a coisa não exclui o benefício, bem como em caso de violência culposa também é cabível o arrependimento posterior.
2.3.2 Voluntariedade
Assim como no arrependimento eficaz as ações do agente deve ser voluntaria, ou seja, sem coação física ou moral. Por ser um requisito também presente no arrependimento eficaz, maiores comentários se encontra no item 1.3.2.
2.3.3 Pessoalidade
As ações empregadas para reparar o dano ou restituir a coisa devem em regra ser realizadas pessoalmente pelo agente, salvo em caso de comprovada impossibilidade.
“Salvo na hipótese de comprovada impossibilidade, como quando o agente se encontra preso ou internado em hospital, e terceira pessoa, representando-o, procede á reparação do dano ou restituição da coisa.”[3]
2.3.4 Integralidade
O artigo 16 do código penal não prevê expressamente que a restituição ou reparação pode ocorrer de forma parcial. Porém o STF já admitiu a possibilidade de reparação parcial ao dono.
2.3.5 Limite temporal
O ato de reparar ou restituir deve ocorrer ate o recebimento da denuncia ou queixa, ou seja, a barreira temporal que viabilize o benefício é o juízo de admissibilidade da denuncia ou queixa- crime.
3. Diferenciações práticas
O arrependimento eficaz se faz presente durante o intercriminis, onde o agente tem a oportunidade de evitar a produção do resultado inicialmente planejado.
Após a consumação não há no que se falar em arrependimento eficaz. Já o arrependimento posterior ocorre após o intercriminis, entre a consumação do crime e o recebimento da petição inicial.
Então, o intercriminis consiste no elemento principal na diferenciação entre a aplicação dos dois institutos.
O arrependimento eficaz tem o condão de extinguir a punibilidade e alterar a adequação típica no caso concreto. Uma vez que o agente não irá responder pelo resultado inicialmente desejado. Porém o arrependimento posterior influi diretamente na aplicação da pena, por consistir na 3ª fase de aplicação da pena.
Para corroborar o alegado segue algumas exemplificações:
Paula pretende matar Ana e a golpeia com um taco de basebol, porém antes de consumar o crime de homicídio (crime inicialmente desejado), Paula se arrepende, não termina de executar o crime de homicídio e leva Ana ao hospital que sofre lesões corporais de natureza grave.
Nesse caso Paula não responde pelo crime de homicídio onde a pena é de reclusão, de seis a vinte anos. Mas pelo crime de lesão corporal grave que a pena é de 1 a 5 anos.
Nesse exemplo não se aplicaria o arrependimento posterior, tendo em vista a transgressão ao primeiro requisito que consiste no crime não ter violência ou grave ameaça à pessoa.
Para exemplificar o arrependimento posterior, imagina-se que Lulinha furta a carteira que continha R$ 500 reais de Dora, ou seja, após a posse mansa e pacífica do objeto, e após a consumação do crime de furto, ao chegar em sua casa ouve o conselho de seu pai e decide voluntariamente restituir o objeto com os valores à Dora.
Como já houve a consumação do delito, não há no que se falar em arrependimento eficaz. Porém, devido ao estimulo ao arrependimento do agente o artigo 16 do Código penal concede a causa de diminuição de pena de um a dois terços pelo crime de furto.
Conclusão
Pela observação dos aspectos analisados os dois institutos estão topograficamente próximos, possuem nomenclaturas semelhantes, mas os requisitos e suas implicações no concreto são diversos. Resta evidente que com o grande avanço legislativo, doutrinário e jurisprudencial se torna impossível esgotar o tema de grande relevância no cenário jurídico.
Bibliografia
JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado, 15 ed. São Paulo: Saraiva,2004
LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Trad. José Hygino Duarte Perteira. Ri de Janeiro: F. Briguiet, 1889,t,I.
MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado- Parte Geral- Volume1/ Cleber Masson- 7ªEd. Ver. Atual.e ampli.- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013
Advogada do escritório Pricken e Rocha. Atua nas áreas cível, penal, consumidor e família. Advogada Colaboradora da Defensoria Pública do Distrito Federal.
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