Resumo: Artigo de pesquisa doutrinária com o objetivo de, em linhas gerais, estudar de que forma o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) trata a possibilidade de aproveitamento da coisa julgada pelo credor solidário de obrigação divisível alheio à relação processual.
Palavras-chave: Coisa julgada. Novo Código de Processo Civil. Limites subjetivos. Terceiro interessado. Credor que não integra a relação processual.
INTRODUÇÃO:
Em 17 de março de 2015 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.105/15, que institui o novo Código de Processo Civil (CPC/2015), revogando o CPC/1973. Com prazo de um ano de vacatio legis, a novel codificação entrará em vigor no dia 18 de março de 2016[1].
Instituto que foi submetido a alterações pelo CPC/2015, a coisa julgada está destacada nos artigos 502 a 508. Para os fins do estudo ora proposto, será examinado, no tocante aos limites subjetivos da coisa julgada, de que forma o credor solidário alheio à relação processual – portanto, terceiro interessado - pode ser beneficiado pela coisa julgada.
DA COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL– BREVES CONSIDERAÇÕES:
A coisa julgada é considerada garantia fundamental (art. 5º, XXXVI, CRFB/88). Nos termos do artigo 502 do CPC/2015, “denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Repetindo a lei adjetiva anterior, o novo CPC faz expressa referência à coisa julgada material. A doutrina já consolidou as nomenclaturas ‘coisa julgada material’- para se referir àquela se projeta para fora do processo, e ‘coisa julgada formal’, fenômeno endoprocessual. A propósito do tema, Fredie Didier Jr., Paulo Sarno Braga e Rafael Oliveira fazem a seguinte distinção:
A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão judicial dentro do processo em que foi proferida, porquanto não possa mais ser impugnada por recurso – seja pelo esgotamento das vias recursais, seja pelo decurso do prazo do recurso cabível. Trata-se de fenômeno endoprocessual, decorrente da irrecorribilidade da decisão judicial. Revela-se, em verdade, como uma espécie de preclusão (...), constituindo-se na perda do poder de impugnar a decisão judicial no processo em que foi proferida. Seria a preclusão máxima dentro de um processo jurisdicional. (...).
A coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial (...) cristaliza-se, tornando-se inalterável. Trata-se de fenômeno com eficácia endo/extraprocessual.[2]
Sem prejuízo dessa divisão, Cândido Rangel Dinamarco observa que não se trata de dois institutos diferentes ou autônomos, mas de “dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas”.[3] De todo modo, para fins do estudo ora proposto, é a coisa julgada material que aqui realmente importa e constitui verdadeiramente o âmbito em que se afigura mais relevante a coisa julgada, porquanto, repise-se, é sob esse aspecto que seus efeitos projetam-se para fora do processo.
LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA E O CREDOR SOLIDÁRIO DE OBRIGAÇÃO DIVISÍVEL, ALHEIO À RELAÇÃO PROCESSUAL NO NOVO CPC:
A doutrina convencionou analisar a autoridade da coisa julgada sob quatro perspectivas. Três delas referem-se à delimitação territorial (a abrangência geográfica influenciada pela coisa julgada), ao corte temporal (a extensão no tempo) e ao domínio objetivo (a determinação do que se tornou indiscutível).
A outra perspectiva, que agora nos interessa, demarca o limite subjetivo, ou seja, quem está submetido à coisa julgada. De saída, observe-se que, em princípio, somente autor e réu se vinculam à “lei do caso concreto”. No entanto, outros sujeitos podem dilatar o campo subjetivo.
A respeito do tema, de forma bastante didática, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero observam:
Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já que participaram do contraditório que resultou na prolação da decisão judicial. Naturalmente, se esses sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da decisão judicial, indubitavelmente devem se sujeitar-se à resposta jurisdicional oferecida. Também se submetem à coisa julgada o substituído processual (art. 18), o sucessor a título universal e o sucessor na coisa litigiosa (art. 108 e 109), ressalvada, é claro, a boa-fé do terceiro adquirente. Nesses casos, a ligação jurídica com as partes autoriza a vinculação à coisa julgada. Para as partes e seus sucessores, assim, a decisão judicial, preclusa em função do esgotamento dos meios de impugnação, torna-se imutável.[4]
Por conseguinte, os sujeitos parciais e quem lhes suceder, além do titular do direito – no caso de substituição processual, são personagens que se situam dentro dos limites subjetivos da coisa julgada.
Quanto a terceiros, CPC/2015 trouxe nova roupagem, o que é perceptível pela leitura do artigo 472 do CPC/1973 e de seu dispositivo legal correspondente no novo código:
CPC/1973. Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.
CPC/2015. Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.
No tocante às demandas relativas ao estado da pessoa, o legislador suprimiu a referência à necessidade de citação de “todos os interessados”. A rigor, a regra se referia ao tema “litisconsórcio” – todos os interessados citados se submetiam à coisa julgada, haja vista que eram parte no processo[5]. Portanto, tecnicamente, não se tratava de “terceiros”. A despeito da omissão, parece que a solução, para as chamadas ações de estado, continua sendo a mesma, de resto, extraída do artigo 114 do novo Códex[6].
A mudança substancial diz respeito ao favorecimento do terceiro que tem interesse jurídico na causa. O Código Buzaid estabelecia que a coisa julgada não beneficiava nem prejudicava o terceiro. A novel codificação, no entanto, apenas determina que ele não será prejudicado. Daí a indagação: com o CPC/2015, quem não é parte no processo pode se favorecer da coisa julgada?
A propósito do tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery entendem que, a despeito da nova redação, a vedação persiste:
O CPC 506 excluiu a referência à proibição de a sentença fazer coisa julgada em benefício de terceiros. Mas esse fato não altera a interpretação que deva ser dada a esse dispositivo, visto que, se alguém pretender aproveitar-se da sentença proferida em determinada ação, estará prejudicando a outrem, em contrapartida – o que ainda é vedado. Além disso, o dispositivo ainda é bastante claro no sentido de que a sentença faz coisa julgada apenas entre as partes entre as quais é dada.[7]
Há quem sustente o contrário com fundamento no artigo 274 do Código Civil. A propósito, o artigo 1.068 do CPC/2015 deu nova redação àquele dispositivo legal. Confira-se:
Redação original- Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve.
Redação dada pelo novo CPC. Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles.
A redação original do artigo 274 era criticada por parte da doutrina,[8] por ser truncada e dar margem à interpretação de que seria possível haver julgamento favorável ao autor da demanda fundado em exceção pessoal. Ora, se acolhida a exceção oposta pela defesa, o resultado só poderá ser a improcedência do pedido. Assim, o texto revogado trazia uma contradição, agora sanada.
De todo modo, Marinoni, Arenhart e Mitidiero argumentam que não foi por acaso o silêncio, no CPC/2015, quanto ao favorecimento da coisa julgada em relação ao terceiro:
“(...) o novo Código não veda que terceiros se beneficiem da coisa julgada – na esteira do que já sugeria a doutrina diante do direito anterior. Isso quer dizer que o art. 506 acolheu a possibilidade de formação da coisa julgada secundum tenorem rationis, cuja introdução no direito brasileiro era já requerida pela doutrina. A ausência de restrição ao aproveitamento da coisa julgada ao terceiro, inclusive, harmoniza-se com o disposto no art. 274, CC, segundo o qual o terceiro, credor ou devedor solidário, desde que o resultado do processo tenha lhe sido favorável e não fundado em qualidade especial ligada tão-somente ao autor ou réu da demanda, pode aproveitar a coisa julgada formada inter alios.[9]
Parece mais correta esta última posição. Assim, a título de ilustração, uma vez rejeitada a alegação de prescrição arguida pelo devedor da obrigação solidária divisível e ativa, com sua consequente condenação, o julgamento, em regra, aproveitará aos demais credores que não participaram do processo. Entretanto, se o juiz considerar não prescrita a pretensão em razão de condição peculiar do credor que demandou (por exemplo, por ser ele absolutamente incapaz – art. 198, I, CC/02), deverá ser reconhecida a natureza de exceção pessoal da defesa arguida. Consequentemente, o credor capaz, estranho à relação processual, não poderá ser favorecido. Foi a particularidade do incapaz que impediu a fluência do lapso prescricional, o que não socorre os credores capazes.[10]
Hamid Charaf Bdine Jr. adverte que o favorecimento dos cocredores não prejudica o devedor, “que já teve ampla oportunidade de defesa no primeiro processo ajuizado”. Lado outro, a inépcia ou descuido do credor que exigiu judicialmente a obrigação “não prejudica os cocredores, que poderão ajuizar a ação sem reflexo daquela anteriormente ajuizada”.[11]
Advirta-se que há quem defenda o mesmo raciocínio para a solidariedade no polo passivo da obrigação divisível. Nesse contexto, o devedor estranho ao processo também poderia se beneficiar de pronunciamento favorável ao codevedor demandado. Nesse sentido é o Enunciado 234 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A decisão de improcedência na ação proposta pelo credor beneficia todos os devedores solidários, mesmo os que não foram partes no processo, exceto se fundada em defesa pessoal”.[12]
Finalmente, anote-se a observação de Daniel Amorim Assumpção Neves a respeito de entendimento doutrinário no sentido de que a hipótese do artigo 274 do Código Civil traduziria técnica da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, “a vinculação à coisa julgada material dos credores solidários que não propuseram a demanda judicial dependerá de seu resultado”[13]. Tratar-se-ia de situação semelhante àquela prevista no inciso III do artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor[14], é dizer, a extensão da coisa julgada para terceiros juridicamente interessados fica condicionada à procedência do pedido.
CONCLUSÃO:
Consoante restou demonstrado, com o advento do artigo 506 do CPC/2015, aquele que não integra a relação processual, mas possui interesse jurídico na solução da demanda, também poderá ser favorecido pela coisa julgada. O referido dispositivo não repete a redação do revogado artigo 472 do CPC/1973, que era expresso ao dispor que a coisa julgada não beneficiava nem prejudicava terceiro.
O novo código, apesar de determinar que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não proíbe expressamente o favorecimento de terceiros, o que se poderá verificar, a depender da natureza da relação jurídica discutida. Como a doutrina vem salientando, em razão da unidade que caracteriza o novo CPC, “não será possível analisar dispositivos de modo isolado”[15]. Nesse diapasão, como o artigo 1.068 da nova lei adjetiva conferiu nova redação ao artigo 274 do Código Civil, mas sem alterar a sua essência, que é de estender o julgamento favorável ao credor solidário alheio à relação processual, fica patenteada a possibilidade da coisa julgada ultra partes, “aquela que atinge não só as partes do processo, como também determinados terceiros[16].
REFERÊNCIAS:
DIDIER JR., Fredie; e outros. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 3ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2008. p. 553.
DIDIER JR., Fredie. Solidariedade ativa e extensão da coisa julgada. Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/wp-content/uploads/2008/07/solidariedade-ativa-e-paulo-lo%CC%82bo.pdf.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Juris Síntese, n. 33, jan-fev. 2002.
JÚNIOR, Humberto Theodoro; e outros. Novo CPC. Fundamentos e Sistematização. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2015.
JUNIOR; Nelson Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais
MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni; e outros. Novo Curso de Processo Civil. Volume 2. São Paulo: RT, 2015.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4ª ed. Método: São Paulo, 2012.
PELUSO, Cezar (coordenador). Código Civil comentado. 5ª ed. Manole: Barueri-SP, 2011.
[1] A despeito da divergência em relação à data de entrada em vigor da Lei 13.105/2015, adota-se, aqui, o dia 18 de março de 2016 como termo inicial de vigência do novo código, nos termos do § 1º do artigo 8º da LC 95/1998.
[2] DIDIER JR., Fredie; e outros. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 3ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2008. p. 553.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Juris Síntese, n. 33, jan-fev. 2002, p. 157-210.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni; e outros. Novo Curso de Processo Civil. Volume 2. São Paulo: RT, 2015. p. 629.
[5] DIDIER. Op cit. p. 567.
[6] Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.
[7] JUNIOR; Nelson Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1238.
[8] DIDIER JR., Fredie. Solidariedade ativa e extensão da coisa julgada. Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/wp-content/uploads/2008/07/solidariedade-ativa-e-paulo-lo%CC%82bo.pdf, acessado em 31.01.2016
[9] MARINONI. Op cit. p. 630.
[10] PELUSO, Cezar (coordenador). Código Civil comentado. 5ª ed. Manole: Barueri-SP, 2011. p. 224.
[11] PELUSO. Op cit. p. 224.
[12] < http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf>, acessado em 31.01.2015.
[13] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4ª ed. Método: São Paulo, 2012. p. 542.
[14] CDC, art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: (...) III- erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do artigo 81.
[15] JÚNIOR, Humberto Theodoro; e outros. Novo CPC. Fundamentos e Sistematização. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2015. p. 19.
[16] DIDIER. Op. cit. p. 562.
Bacharel em Direito pela PUC-GO. Pós-graduado em Direito Público. Escrevente Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com atuação no gabinete do Desembargador Camargo Neto entre 2009 e 2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Vinicius Silva. Novo CPC: Limites subjetivos da coisa julgada e o credor solidário de obrigação divisível, alheio à relação processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45919/novo-cpc-limites-subjetivos-da-coisa-julgada-e-o-credor-solidario-de-obrigacao-divisivel-alheio-a-relacao-processual. Acesso em: 23 dez 2024.
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