RESUMO: Este trabalho tem por objetivo a análise acerca da melhor interpretação do artigo 181, inciso I, do Código Penal, que trata das escusas absolutórias em benefício do cônjuge na constância da sociedade conjugal. Dessa forma, o trabalho aborda a possibilidade de se estender o dispositivo, a fim de se conceder a imunidade aos companheiros em união estável. A pesquisa, de natureza bibliográfica, foi realizada com base nos posicionamentos da doutrina e da jurisprudência com relação ao tema. Além disso, buscaram-se fundamentos no Direito Civil, abordando aspectos essenciais ao entendimento da união estável, na hermenêutica e nos princípios constitucionais. Primeiro foram analisados alguns aspectos da escusa absolutória, definindo-a e tecendo considerações relevantes ao tema. Depois foram vistas noções básicas a respeito da união estável, e por último foram destacadas as correntes existentes no tocante à interpretação do artigo, analisando seus pontos positivos e negativos. Com a pesquisa, demonstrou-se que, por vários fundamentos, a imunidade penal deve ser estendida aos companheiros. Primeiro por serem considerados uma realidade social que não deve ser ignorada pelo direito, considerando a época em que foi criado o Código Penal, e também devido ao fato de serem estes protegidos pela Constituição Federal e reconhecidos como entidade familiar, que seria o principal fundamento das imunidades penais.
Palavras-chave: Escusas Absolutórias. União Estável. Interpretação.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 AS ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS; 1.1 Conceito; 1.2 Origem Histórica; 1.3 Natureza Jurídica; 1.4 As imunidades relativas; 1.5 Exceções às imunidades penais; 1.6 Fundamentos da escusa absolutória; 1.7 As escusas absolutórias no direito comparado; 2 A UNIÃO ESTÁVEL; 2.1 Considerações introdutórias e conceito; 2.2 Origem Histórica; 2.3 Requisitos para a caracterização da união estável; 2.3.1 Requisitos subjetivos; 2.3.2 Requisitos objetivos; 2.4 Distinções entre união estável e concubinato; 2.5 Deveres dos companheiros; 2.6 Direitos dos companheiros; 2.6.1 Alimentos; 2.6.2 Regime de bens; 2.6.3 Sucessão hereditária; 3. A APLICABILIDADE DA ESCUSA ABSOLUTÓRIA AO COMPANHEIRO; 3.1 As correntes doutrinárias; 3.2 As posições da jurisprudência; 3.3 A possibilidade da interpretação extensiva; CONCLUSÃO.
O presente trabalho trata das imunidades penais previstas no Código Penal brasileiro, buscando analisar a forma mais adequada de se interpretar seu art. 181, inciso I, no tocante ao cabimento ou não do companheiro, no caso da união estável, como possível beneficiário da imunidade. A referida norma estabelece isenção de pena para quem comete algum dos crimes contra o patrimônio, sem violência ou grave ameaça, contra cônjuge, ascendente ou descendente, sendo essa isenção chamada de escusa absolutória.
Verifica-se a existência de divergência na doutrina e, até mesmo, na jurisprudência, no que diz respeito à possibilidade da interpretação extensiva do dispositivo, principalmente porque após a Constituição Federal de 1988, a união estável passou a ter status de entidade familiar, passando a ser protegida pelo Estado, por determinação da própria Constituição. Nesse sentido, estão as correntes encabeçadas por Guilherme de Souza Nucci e Damásio de Jesus, sendo este a favor da inclusão do companheiro em união estável ao rol de beneficiados da imunidade penal, e o primeiro autor entendendo pela interpretação restritiva, excluindo os companheiros das escusas absolutórias.
A metodologia utilizada no trabalho é, principalmente, a pesquisa bibliográfica, tendo como base, essencialmente, a doutrina, observando-se os argumentos das diversas opiniões sobre o tema; a jurisprudência, analisando sua evolução paralelamente à evolução do nosso ordenamento jurídico; a legislação relacionada ao tema, tanto na esfera civil como na penal; e as teses e artigos existentes sobre o tema. Também são utilizados dados coletados a partir de pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, concernentes às tendências das famílias modernas a optarem pela união extramatrimonial.
Além dos penalistas, alguns autores da área de família são analisados, como, por exemplo, Carlos Roberto Gonçalves e Maria Helena Diniz. Ainda, estão presentes no trabalho autores como Carlos Maximiliano e Luís Roberto Barroso, facilitando a compreensão sobre os métodos interpretativos e alguns aspectos da nova hermenêutica.
No primeiro capítulo serão abordados pontos relevantes com relação às escusas absolutórias, como definições, sua origem histórica, natureza jurídica, os casos onde a imunidade não se aplica por exclusão expressa do Código Penal, os fundamentos trazidos pela doutrina concernentes à existência do instituto, uma comparação da matéria no direito alienígena, destacando-se as questões mais controvertidas sobre o tema. Uma autora muito utilizada nessa parte do trabalho é Ana Luiza Ferro, em abordagens mais aprofundadas sobre as imunidades penais.
Na segunda parte do trabalho, serão analisados os pontos mais relevantes acerca da união estável no ordenamento jurídico brasileiro, destacando conceitos, a origem das uniões, os requisitos objetivos e subjetivos para que as mesmas se configurem, ou seja, quais os critérios a serem avaliados no reconhecimento da união estável, e, após esse reconhecimento, quais os direitos e deveres surgem aos companheiros, além de outros efeitos da entidade familiar.
No terceiro e último capítulo do trabalho, serão expostas as diversas opiniões da doutrina a respeito da adequada aplicação da norma, além de algumas decisões em sentido oposto por parte dos tribunais. Por último serão feitas considerações acerca do tema em si, buscando na doutrina penal o porquê de cada posicionamento, procurando fundamentos no Direito Civil, em dados estatísticos acerca do tema, e nos critérios de interpretação, tanto os tradicionais como na nova hermenêutica.
O Código Penal, pelo art. 181, prevê isenção de pena para quem comete algum dos crimes contra o patrimônio, previstos no Título II da sua parte especial, sem violência ou grave ameaça, contra cônjuge, ascendente ou descendente, desde que a vítima seja menor de 60 (sessenta) anos. A essa isenção dá-se o nome de escusa absolutória.
Precisando, assim dispõe o Código Penal:
Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
(BRASIL, 2011b, p. 588).
Embora não relacionada ao art. 181, vale mencionar outra hipótese de escusa absolutória prevista no Código Penal brasileiro, elencada em seu art. 348, §2º, que trata do crime de favorecimento pessoal, praticado por ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso. Neste caso, determina o dispositivo que:
Art. 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa.
[...]
§2º Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge, ou irmão do criminoso, fica isento de pena.
(BRASIL, 2011b, p. 607, grifo nosso).
Em se tratando de definição, temos as palavras de Silva (2007, p. 545), segundo o qual a escusa absolutória é “[...] aquela que exclui a responsabilidade penal, em razão da condição pessoal do agente, mas não descaracteriza o delito, como [...] no caso de crime cometido por um dos cônjuges em prejuízo do outro, ou de parentes entre si”.
Aplicando um caráter mais técnico ao conceito, temos os ensinamentos de Nucci (2010, p. 854), para o qual a escusa absolutória é uma “[...] condição negativa de punibilidade ou causa pessoal de exclusão da pena”. Bittar (2004, p. 74) também define as escusas absolutórias no direito pátrio como causas pessoais de exclusão da pena. Já Salles Jr (2000, p. 635) fala em “[...] causas de impunibilidade irrestrita”.
Em suma, podemos considerar a escusa absolutória como a expressão utilizada referente às normas do código penal que, sem descaracterizar o fato como crime, excluem a punibilidade do agente, devido a específicas razões pessoais deste.
Ainda que sem utilizar-se da terminologia atualmente considerada, o instituto da escusa absolutória tem resquícios primitivos já no Direito Romano, que tinha como um de seus princípios base a copropriedade familiar, não sendo, assim, possível a ação penal nos casos em que o autor fosse filho ou cônjuge da vítima (BITENCOURT, 2012, p. 384). Além disso, prevalecia a ideia de que o crime deles não era o mesmo que os dos criminosos que não tinham relação de parentesco com a vítima. Embora, posteriormente, a evolução do Direito Romano tenha afastado o princípio da copropriedade, as ideias da escusa absolutória não foram desfiguradas, passando a existir por outro motivo, qual seja, o resguardo das relações familiares, interesse este considerado superior ao interesse punitivo de alguns delitos. (FERRO, 2003, p. 6). Sobre o Direito Romano, Fragoso (1988, p. 561) ensina:
Nas institutas do Imperador Justiniano está dito que cometem certamente furto os descendentes e dependentes que subtraírem coisas às pessoas cujo poder estão [...]. Todavia, nestes casos, não nascia ação penal, pois por nenhuma outra causa poderia nascer ação entre tais pessoas [...]. Igualmente, não se dava ação penal para o furto praticado entre esposos, mesmo após a dissolução do matrimônio pelo divórcio ou a morte [...].
Outro caso antigo onde é possível serem encontradas ideias da escusa absolutória é no Código Penal Napoleônico de 1810, que, segundo Fragoso (1988, p. 561), em seu art. 380, previa que não haveria punição para os esposos que cometessem furto entre si, bem como aos descendentes que furtassem coisa de seu ascendente. Essas normas foram passadas a outros códigos, como o sardo, pelo art. 635 e o código toscano, pelo art. 412, influenciando, ainda, todos os códigos modernos (FRAGOSO, 1988, p. 561).
No Direito brasileiro, há previsão de escusas absolutórias desde o Código Imperial, em 1830, e o Código Penal Republicando, em 1890. Este previa, em seu art. 335, que a ação criminal no caso do furto não seria possível se os envolvidos fossem ascendentes, descendentes e afins nos mesmos graus, ou fossem marido e mulher sem existência de separação judicial. (FERRO, 2003, p. 7).
Significativa, no entanto, foi a evolução encontrada até o atual Código Penal, datado de 1940. Primeiro porque, como já visto, outra imunidade penal passou a ser disciplinada, no caso do crime de favorecimento pessoal, que isenta de pena o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do favorecido. Ainda, além das escusas absolutórias historicamente idealizadas, o art. 182 do aludido código trouxe o que a doutrina denomina de imunidade relativa, que seria a condição de procedibilidade (MIRABETE, 2007, p. 355) pela qual a ação penal iria depender da vontade da vítima. Outra inovação do vigente código foi a previsão legal de determinadas hipóteses em que ocorrerão exclusões das imunidades, sob a égide do art. 183, ainda que hajam as relações previstas nos artigos anteriores, o que no direito pátrio só existia em sede de jurisprudência (FERRO, 2003, p. 8).
Enormes são as divergências trazidas pelo instituto da escusa absolutória, no tocante à sua natureza jurídica. Entre as várias posições existentes nesta temática, Ferro, (2003, p. 17) destaca algumas como as mais relevantes.
A primeira corrente atribui à escusa absolutória a natureza jurídica de condição negativa de punibilidade. Corrente esta defendida por Fragoso (1990, p. 218) que a comenta nos seguintes termos:
As escusas absolutórias também são condições de punibilidade, mas diferem radicalmente [...] destas, porque são condições negativas de punibilidade do crime. Subsiste aqui a ilicitude, ocorrendo apenas causas pessoais de exclusão da pena.
Um segundo entendimento é o de que as escusas absolutórias seriam causas pessoais de exclusão da pena. Esse é o entendimento de Bittar (2004, p. 74).
Quanto a essas duas primeiras posições, é importante fazer uma ressalva devido às possíveis semelhanças entre as naturezas atribuídas ao instituto. Condição negativa é aquela “[...] em que se estipula que a validade do ato depende da não realização do acontecimento ou da não chegada do evento” (SILVA, 2007, p. 336). Em um caráter mais específico, são aquelas condições que não podem existir para que exista a punibilidade do autor. Por outro lado, a exclusão significa “afastar, repelir, não incluir” (SILVA, 2007, p. 575).
Embora de semelhantes consequências, as duas naturezas não se confundem. Isso porque uma diz respeito às causas em que a punibilidade estaria afastada, enquanto a outra se refere às condições que não podem existir para que haja a punibilidade. Na prática, entretanto, para a escusa absolutória o efeito é o mesmo, que seria a isenção da punibilidade. Nesse sentido está uma posição harmônica entre as duas primeiras correntes, defendida por Prado (apud FERRO, 2003, p. 19), entendendo que as escusas absolutórias são “[...] causas pessoais de isenção de pena. Embora configurado o delito em todos os seus elementos constitutivos, presentes as escusas absolutórias não ocorrerá a imposição da pena abstratamente cominada”, e continua admitindo que:
É possível dizer que as escusas absolutórias também são condições de punibilidade do deito. Todavia, são condições de punibilidade negativamente formuladas, excluindo a punibilidade do crime no tocante a determinadas pessoas. Embora presentes os elementos constitutivos do delito [...], isenta-se o réu de pena por razões de política criminal [...], ou seja, são causas de impunidade utilitatis causa. (apud FERRO, 2003, p. 19).
Esse também é o entendimento defendido por Bitencourt (2012, p. 385) e Nucci (2010, p. 854).
Uma terceira posição, defendida por Trujillo (apud FERRO, 2003, p. 20), enquadra, como natureza da escusa absolutória, a inexigibilidade de conduta diversa. Esse entendimento nos parece, com todo respeito, equivocado. Isso porque a inexigibilidade de outra conduta seria, segundo Bitencourt (2008, p. 350), uma causa excludente de culpabilidade, considerando que entre os elementos que integram a culpabilidade está a exigibilidade de obediência ao direito. Ainda nesse sentido, é majoritário na doutrina o entendimento de que na escusa absolutória o crime está presente com todos os seus elementos, quais sejam, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade (NUCCI, 2010, p. 854). Portanto, conclui-se que uma causa excludente de culpabilidade não pode ser tida como a natureza jurídica da escusa absolutória.
A quarta corrente está ligada ao entendimento de Jesus (2007, p. 518), ao afirmar que “[...] a escusa absolutória tem a mesma natureza das causas extintivas de punibilidade previstas no art. 107 do CP”. No entanto, esse entendimento não se mostra o mais cabível. Isso com base nas várias diferenças existentes entre as escusas absolutórias e as causas extintivas de punibilidade em geral. Vale frisar, que apesar das semelhanças entre as expressões, exclusão de punibilidade e extinção de punibilidade, elas não se confundem no sentido, tendo como principal distinção o fato de que na exclusão as circunstâncias que afastam a punibilidade já se fazem presentes no momento do cometimento do delito, ao passo que na extinção as circunstâncias só passam a existir após a prática do ato (BITTAR, 2004, p. 123).
Dentre os principais posicionamentos acerca da natureza jurídica das escusas absolutórias, percebe-se mais coerente o de Prado, principalmente por considerar os aspectos de dois posicionamentos e conciliá-los, já que ambos são entendimentos que podem ser enxergados como aceitáveis e compatíveis.
O Código Penal enumera, em seu art. 182, casos em que o vínculo familiar é, de certa forma, mais superficial em relação às condições pessoais ligadas à imunidade absoluta, e, neste caso, determina, em vez da exclusão da punibilidade, uma condição de procedibilidade (MIRABETE, 2007, p. 355), sem a qual o Ministério Público não poderia iniciar a ação penal, que seria a representação da vítima.
Reza o art. 182, as seguintes hipóteses:
Art. 182. Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:
I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. (BRASIL, 2011b, p. 588).
A consequência aqui seria a transformação da ação penal, de pública incondicionada para pública condicionada à representação do ofendido, e, evidentemente, nenhum efeito terá o artigo nos casos em que o crime for de ação penal privada ou já houver previsão, no próprio artigo do crime, de necessidade de representação. Por isso, Bitencourt (2012, p. 386) adota o entendimento de que o disposto no art. 182 não seria imunidade relativa, mas a simples “[...] alteração da espécie de ação penal, condicionando-a à representação do ofendido”.
Pelo primeiro inciso, destaca-se o fato de estar o cônjuge separado judicialmente ou em situação de separação de corpos, pois em se tratando de partes divorciadas, ou, se o casamento destas for declarado nulo ou tiver sido anulado antes do fato, não haverá que se falar em imunidade (MIRABETE, 2007, p. 355).
O inciso II fala do irmão como possível beneficiado da imunidade relativa, e cita a expressão legítimo ou ilegítimo. Tal expressão foi utilizada porque quando da publicação do Código Penal, o Código Civil em vigor era o antigo, de 1916, o qual fazia distinção entre os filhos consanguíneos ou adotivos e entre os derivados ou não do casamento, distinção esta superada pelo Código Civil de 2002, que respaldado no art. 227, §6º, da Constituição Federal, dispôs, em seu artigo 1.596, que “[...] os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 2011c, p. 355).
Também será condicionado à representação da vítima, conforme o inciso III do art. 182, nos casos em que o agente é tio ou sobrinho da vítima, desde que estes coabitem. Sobre essa exigência de coabitação está o comentário de Noronha (2001, p. 518), norteando que:
[...] dos termos da lei se deve deduzir que o sujeito ativo e o passivo coabitem no momento do crime, sendo irrelevante a coabitação anterior ou posterior. Por outro lado, parece-nos útil ressaltar não ser necessário que o fato ou o crime se dê no lugar da coabitação, na casa onde aqueles residem. A coabitação é qualidade que a lei requer entre os parentes; devem ser coabitantes, nada importando, todavia, que o crime se dê fora da residência comum, como quando, por exemplo, se acham em viagem, em cidade diferente daquela onde têm sua habitação.
Destarte, o que se exige é que os parentes aqui relacionados convivam sob o mesmo teto, nada falando a lei, entretanto, a respeito da necessidade dessa convivência resultar em laços afetivos. A mera coabitação já dá ensejo à imunidade. Importante mencionar, ainda, que a simples moradia eventual e passageira não configura a coabitação, e, consequentemente, não gera o direito às imunidades penais relativas (NORONHA, 2001, p. 518).
O Código Penal elencou alguns casos em que, mesmo existindo uma das relações presumidamente afetivas entre autor e prejudicado, dispostas em seus arts. 181 e 182, haveria a exclusão das imunidades. Por consequência, o agente será responsabilizado normalmente, no caso da escusa absolutória, e a ação penal continuará pública incondicionada, no caso da imunidade relativa.
Essas exclusões estão expressas no art. 183, que assim determina:
Art. 183. Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:
I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;
II – ao estranho que participa do crime;
III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
(BRASIL, 2011b, p. 588).
Assim, de acordo com o inciso I, só existirão as imunidades no caso dos crimes patrimoniais cometidos sem violência ou grave ameaça. Nesse caso, explica Greco (2009, p. 370) que:
[...] tratando-se de crimes pluriofensivos, embora o legislador penal tenha agido motivado por questões de política criminal, com o objetivo de preservar a família quando a infração penal dissesse respeito ao patrimônio de um de seus membros, não ignorou a utilização da violência ou da grave ameaça, o que aumenta, sensivelmente, o juízo de reprovação que recai sobre o agente, não se podendo, agora, fechar os olhos para essa situação.
Nessa mesma linha segue Nucci (2010, p. 859), ao comentar o dispositivo, justificando que:
[...] não tem cabimento sustentar a imunidade, seja absoluta ou relativa, quando os crimes forem de tal ordem que transponham os limites da intimidade familiar. Afinal, a política criminal de proteção à entidade familiar cede espaço para o interesse maior da sociedade em punir o agente de crime violento, venha de onde vier. (2010, p. 859).
Como o inciso I cita a extorsão como causa excludente das imunidades, há dúvida no tocante ao enquadramento da extorsão indireta, prevista no art. 160 do Código Penal, também como uma exceção. Jesus (2007, p. 521) entende que a extorsão indireta também é exceção às escusas absolutórias. Argumentando também nesse sentido, Noronha (2001, p. 519) explica que:
No que toca à extorsão, não se exclui a indireta [...], já porque a lei fala genericamente em extorsão, já porque no crime do artigo referido [art. 160], conquanto a situação angustiosa da vítima não tenha sido criada pelo agente, e possa ele limitar-se a receber o documento entregue por aquela, desde esse momento há ameaça grave, há violência moral contra o sujeito passivo [...].
Dessa forma, considerando a grave ameaça existente na conduta, a extorsão indireta também deve ser englobada como exceção às escusas absolutórias. Ademais, como explica Nucci (2010, p. 859), “[...] de fato, o Código fala apenas em extorsão, cabendo a inclusão das três formas previstas [...]”.
Importante destacar, ainda, a ressalva de Mirabete (2007, p. 357), ao enxergar que, por não estar explicitado no código nada a respeito, a mera presunção de violência, por si só, será suficiente para que se excluam as imunidades. Já Noronha (2001, p. 519), entende que “[...] se se trata de presunção de violência, se não há violência real, de fato, ou efetiva, cremos cabíveis as imunidades”.
Com relação ao inciso II, exclui-se da imunidade o terceiro coautor ou partícipe do crime, como pontifica Nucci (2010, p. 859):
[...] trata-se de expressa menção à afastabilidade da comunicação das imunidades a terceiros estranhos às relações familiares, o que é natural. Se o intuito é preservar a intimidade da família, evitando-se o ódio entre seus membros, que se acirraria em caso de processo criminal, tal medida não tem nenhum liame com o terceiro partícipe do delito.
Por óbvio, também não é afastada a punibilidade se o agente pratica o crime acometido por erro sobre a propriedade do objeto, ou se o objeto do crime pertencer, além das pessoas destacadas no dispositivo, a terceiro estranho à relação. Esse é o entendimento de Nucci (2010, p. 855):
É preciso ressaltar, mais uma vez, que o fato praticado pelo agente é típico, antijurídico e culpável, mas não punível, exatamente como ocorre nas causas extintivas de punibilidade. Portanto, se o agente acredita que o veículo furtado pertence ao seu pai, mas, em verdade, é de propriedade de estranho, deve responder pelo deito de furto. O seu erro foi de punibilidade, ou seja, acreditou que não seria sancionado, mas enganou-se, não quanto à ilicitude da conduta, mas quanto às consequências do seu ato.
Semelhante é a direção seguida por Mirabete (2007, p. 357), ao lecionar que:
[...] não prevalece o benefício no caso de o fato ter causado prejuízo, além da pessoa relacionada no dispositivo, a terceiro [furto de coisa comum, de coisas pertencentes a ambos, etc.]. Se a res sobre a qual versa o crime está apenas na posse [a título justo ou injusto] do cônjuge ou parente enumerado nos arts. 181 e 182, não lhes pertencendo o domínio, descabe a isenção de pena, afastada também a imunidade relativa [...].
Já o inciso III, impõe como exceção às imunidades, ainda que o agente se encontre em uma das posições legalmente beneficiadas, a hipótese de ter sido o crime praticado contra idoso, sendo, para tanto, consideradas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Mirabete (2007, p. 357) justifica que “[...] o respeito e consideração devidos à pessoa idosa e a presunção de sua menor capacidade de reação devem prevalecer sobre o vínculo conjugal [...] ou de parentesco [...] quanto à exigência de punição”.
Importante destacar que este inciso foi uma novidade do Estatuto do Idoso, Lei nº. 10.741 de 2003, não tendo sido originariamente criado com o Código Penal em 1940.
Apesar de amplamente majoritário o entendimento de que os fundamentos da escusa absolutória seriam motivos de ordem político-criminal a fim da preservação da relação familiar, ainda há quem entenda contrariamente.
Como pensamento dominante na doutrina brasileira, Nucci (2010, p. 854) sustenta que:
[...] por razões de política criminal, levando em conta motivos de ordem utilitária e baseando-se na circunstância de existirem laços familiares ou afetivos entre os envolvidos, o legislador houve por bem afastar a punibilidade de determinadas pessoas.
Mirabete (2007, p. 353) faz menção a “[...] medidas de oportunidade, de política criminal” e continua justificando que, nesses casos, a repercussão da conduta seria reduzida, além de citar a menor periculosidade do autor. Mirabete (2007, p. 353) fala, ainda, em finalidades de preservação da honra e da paz familiar, por entender que os possíveis prejuízos de uma eventual sanção criminal seriam maiores do que os benefícios gerados à ordem pública.
Greco (2009, p. 363), ainda na mesma linha, também confere à política criminal a fundamentação para as escusas absolutórias, considerando como mais relevante, nesses casos, o interesse familiar, e continua comentando:
Muitas vezes, a ação penal e, consequentemente, a condenação do autor do fato serão mais perniciosas para o grupo familiar do que a infração penal em si. Imagine-se a hipótese em que um filho, viciado em substâncias entorpecentes, furte um relógio de seu pai a fim de, com ele, adquirir uma partida de drogas com o traficante da região. A eventual condenação a uma pena privativa de liberdade do filho que realizou a subtração do relógio de seu pai traria um mal muito maior à vítima do que a simples perda de um bem patrimonial. Seu lar restaria destruído ou, pelo menos, extremamente abalado com o fato de ver um dos seus entes mais próximos encarcerado em virtude da prática do delito de furto (GRECO, 2009, p. 364).
Greco (2009, p. 364) entende ainda que, em casos como esse, os membros do próprio grupo familiar do agente deveriam realizar o que a criminologia chama de controle social informal, sendo esta forma, suficiente para tratar esse problema que o Direito Penal não combateria com tanta eficiência.
Outro autor em idêntica posição é Jesus (2007, p. 517), ao citar como justificativa, mais resumidamente, as “[...] razões de Política Criminal, tendo em vista o menor alarme social do fato cometido dentro da família”.
Diversa, porém, é a visão de Sabino Júnior (apud FERRO, 2003, p. 38), ao opinar que:
Atribui-se a razões éticas o motivo dessas imunidades, ou a uma espécie de condomínio doméstico [...]. Isto quer significar que se pressupõe uma co-propriedade ou uma espécie de dinheiro de propriedade comum a esses membros da família, capaz de influir na natureza da subtração. A rigor, como escrevem Chaveau et Hélie, não se pode considerar esse bem patrimonial como uma coisa alheia, mas pertencente à família, que é integrada pelo agente.
Vale a ressalva de Noronha (2001, p. 514), ao explicar que muitas são as críticas direcionadas às imunidades penais, por entenderem que nenhum motivo seria pertinente para esses benefícios, e o porquê seria o fato de que, apesar de ocorridos no seio familiar, esses delitos não deixariam de ofender o patrimônio da vítima, além de que seriam o ponto de partida para a prática de novos crimes, possivelmente mais graves, por parte do agente.
Verifica-se, ao analisar o direito comparado, a existência de legislações alienígenas de diversas características que preveem o instituto da escusa absolutória. Entre as várias legislações abordadas nesse sentido, algumas merecem destaque.
No ordenamento jurídico francês, o Código Penal, datado de 1994, em seu artigo 311-12 prevê o que eles denominam immunités familiales, atribuindo imunidades àqueles que praticarem o crime de furto em prejuízo de ascendente ou descendente, ou do cônjuge não separado judicialmente nem em separação de corpos (FERRO, 2003, p. 48). Nesse quesito, o diploma francês se assemelha muito à legislação brasileira, exigindo praticamente as mesmas condições pessoais para a exclusão da pena. A principal diferença entre as leis está na inclusão do crime de extorsão como passível da imunidade.
O Código Penal alemão dispõe não ser punido o furto cometido por ascendente contra descendente ou entre cônjuges, e prevê delitos que dependerão de queixa, no caso de furto cometido em prejuízo de parentes ou tutores ou “[...] quando se trata de coisas de valor insignificante, o furto em prejuízo de pessoas para as quais o delinquente se achava na relação de aprendiz, ou em cuja casa convivia como fâmulo” (LISZT, 2003, p. 199).
Já o Direito Penal italiano utiliza o termo “não é punível” o agente infrator de um dos crimes contra o patrimônio, em que a vítima é ascendente, descendente, cônjuge não legalmente separado ou afim em linha reta, além de irmão em situação de convivência. Assim como no direito brasileiro, estão excluídos da imunidade os crimes de roubo, extorsão, e extorsão mediante seqüestro. (FERRO, 2003, p. 49). A grande diferença que pode ser encontrada, em relação à legislação pátria, é a inclusão dos irmãos em situação de convivência e dos afins em linha reta como possíveis beneficiados da imunidade absoluta. No Código Penal brasileiro, os irmãos estão enquadrados na imunidade relativa.
Outra distinção que pode ser citada entre o direito penal italiano e o brasileiro é a respeito da coabitação exigida para que haja imunidade relativa no caso das partes serem tio e sobrinho, sendo a Lei italiana mais rigorosa nesse aspecto, exigindo, além da coabitação, a convivência, que seria mais específica, no sentido de que os parentes vivessem como verdadeira família, não apenas dividindo o mesmo teto (NORONHA, 2001, p. 518).
O Código Penal espanhol, ao tratar das escusas absolutórias, é extremamente próximo do italiano, tendo como distinção a expressão utilizada, que, neste caso, se encontra “estão isentos de responsabilidade criminal”. (FERRO, 2003, p. 52). Na prática os efeitos são os mesmos. O termo escusa absolutória, no Direito Espanhol, é utilizado de uma forma mais genérica, abrangendo casos até mesmo de atenuação da pena, e não apenas as causas pessoas de exclusão (BITTAR, 2004, p. 76).
O Código português não prevê nenhum caso de escusa absolutória, mas apenas imunidades que, se comparadas à legislação nacional, correspondem às imunidades relativas, impondo a necessidade de iniciativa da parte ofendida, para que o autor possa ser processado criminalmente (CÓDIGO..., 2012). Com relação às imunidades, assim dispõe o Código Penal português:
Artigo 207º
No caso do artigo 203º e do nº 1 do artigo 205º, o procedimento criminal depende de acusação particular se:
a) O agente for cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2º grau da vítima, ou com ela viver em condições análogas às dos cônjuges;
b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea “a”. (CÓDIGO..., 2012).
Questão relevante que pode ser percebida no Código luso é o fato de ser atribuído àqueles que convivam como se casados fossem, os mesmos direitos dos cônjuges, no sentido de receber o benefício legal da necessidade de acusação particular. Questão importante a ser levantada no Direito Penal brasileiro, já que a Constituição considera esse tipo de convivência como entidade familiar, devendo se analisar a possibilidade de inclusão desses conviventes no inciso I do art. 181 do Código Penal pátrio, sendo essa união chamada de união estável.
A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 trouxeram inovações significativas no tratamento dado à união livre, entre homem e mulher, diversa do casamento, no intuito de suprir algumas lacunas até então existentes no ordenamento jurídico brasileiro, deixando de considerar tais relações apenas como um fato social, mas sim uma realidade jurídica (PEREIRA, 2007, p. 534).
Entre as principais mudanças, a mais visível é a terminologia utilizada, que passou de Concubinato para União Estável, sendo esta considerada a “[...] relação lícita entre um homem e uma mulher, em constituição de família, chamados os partícipes dessa relação de companheiros” (MONTEIRO, 2007, p. 30), ao passo que o concubinato passou a se caracterizar pelas “[...] relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”, como reza o art. 1.727 do Código Civil (BRASIL, 2011c, p. 364).
A Constituição Federal, em seu art. 226, §3º, passou a reconhecer a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar (BRASIL, 2011a, p. 125), trazendo na expressão utilizada uma certa divergência no tocante ao sentido adotado pela Carta Magna, havendo quem entenda que as expressões são sinônimas e, por outro lado, quem enxergue distinções entre elas.
Cavalcanti (2003, p. 37) se mostra favorável ao entendimento de que os termos utilizados têm o mesmo significado, ao explicar que:
Na realidade, não nos parece sustentável a distinção entre as expressões família e entidade familiar, as quais tomamos por sinônimas e que, para efeito da proteção estatal, não guardam entre si diferença essencial. Não há como se possa cogitar de um ente familiar que não seja a própria família. A grande modificação trazida pela vigente Constituição foi, segundo ressalta claro do texto, precisamente eliminar os resquícios de discriminação que ainda pudessem existir contra a família originária do casamento civil [...].
Em direção contrária estão as ideias de Bittar (apud CAVALCANTI, 2003, p. 37), ao entender que a família seria a “[...] célula maior da sociedade” enquanto que a entidade familiar seria a “[...] reunião de pessoas não casadas, em situação de estabilidade”, alegando que esta foi assim definida com o único intuito de proteção por parte do Estado. Para o Supremo Tribunal Federal, no entanto, não há diferença entre as terminologias utilizadas pelo Texto Maior (BRASIL, 2012).
Lôbo (2008, p. 148), conceitua a união estável como “[...] a entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de casamento”, porém, embora definir seja papel da doutrina (PEREIRA, 2007, p. 534), a definição legal da mesma pode ser encontrada no art. 1º da lei 9.278/96, que regula o §3º do art. 226 da Constituição:
Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. (BRASIL, 2011d, p. 1478).
O Código Civil manteve a mesma linha, ao dispor, em seu art. 1.723, que:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL, 2011c, p. 364).
Importante ressaltar que, apesar de tanto a Constituição quanto o Código Civil determinarem expressamente que a união estável se caracteriza pela união entre homem e mulher, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar recentemente a ADI 4277-7 e a ADPF 132, no dia 05 de maio de 2011, declarou:
Obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo (BRASIL, 2012).
A decisão tem força vinculante, e, portanto, “[...] nenhum direito que é concedido ao casal heterossexual pode ser negado ao casal homossexual. Isso tem efeito imediato” (DIAS, 2012). Assim, qualquer caso semelhante ao julgado pelo Supremo Tribunal Federal há de ser decidido em sentido favorável aos companheiros em relação homoafetiva, havendo, inclusive, a possibilidade da conversão da união estável em casamento nesses casos, em respeito ao art. 226, §3º da Constituição Federal. No entanto, mesmo após o julgado do Supremo, há divergências na jurisprudência no tocante a autorização da realização de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
As uniões sem casamento existiram em todas as civilizações, pois, nos primórdios da humanidade, a informalidade era regra (CAVANCANTI, 2007, p. 76).
Antes da terminologia atualmente utilizada, a união livre, entre homem e mulher não casados, foi, por muito tempo, chamada de concubinato (GONÇALVES, 2012, p. 602).
Em Roma, durante grande parte da história, o concubinato foi visto como uma união inferior ao casamento, ou uma espécie de casamento secundário, não possuindo nenhum caráter ilícito ou imoral, sendo um fato comum à sociedade (MONTEIRO 2007, p. 37). Posteriormente, mas ainda no Direito Romano, o cristianismo passou a influenciar negativamente o concubinato, passando a ser enxergado como fato reprovável aos costumes (CAVALCANTI, 2003, p. 84).
O Direito Canônico, inicialmente tolerava o concubinato como uma realidade social, regulando-o com o objetivo de garantir a estabilidade desses relacionamentos. Entretanto, o cristianismo, pautado na preservação da estrutura familiar, que, segundo determinação divina, deveria ser indissolúvel, passou a combater o concubinato, causando no Direito Canônico a exigência ao casamento formal e impondo penas severas aos casos de união sem vínculo matrimonial (CAVANCANTI, 2003, p. 85-6).
Saltando para o ordenamento jurídico brasileiro, o Código Civil de 1916 desconsiderava o concubinato como forma legítima de união, e era citado apenas como forma de proteção ao casamento (RODRIGUES, 2007, p. 256), pois proibia, por exemplo, “[...] doações ou benefícios testamentários do homem casado à concubina, ou a inclusão desta como beneficiária de contrato de seguro de vida” (GONÇALVES, 2012, p. 603).
Nessa linha, destaca Rodrigues (2007, p. 256) que:
Talvez a única referência à mancebia feita pelo Código Civil revogado, sem total hostilidade a tal situação de fato, tenha sido a do art. 363, I, que permitia ao investigante da paternidade a vitória na demanda se provasse que ao tempo de sua concepção sua mãe estava concubinada com o pretendido pai. Nesse caso, já entendia o legislador que o conceito de concubinato pressupunha a fidelidade da mulher ao seu companheiro e, por isso, presumia, juris tantum, que o filho havido por ela tinha sido engendrado pelo concubino.
Como visto, apenas com a Constituição Federal de 1988 é que passou a união estável a ser reconhecida pelo direito pátrio como entidade familiar, sendo regulamentada e possuindo efeitos semelhantes aos do casamento formal, primeiramente com o advento das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, e posteriormente com o Código Civil vigente.
Para que seja configurada e reconhecida a união estável, devem ser percebidas algumas características, afim de que a mesma não seja confundida, por exemplo, com relações meramente eventuais ou com relações entre pessoas impedidas de casar.
Gonçalves (2012, p. 612) divide esses requisitos em objetivos e subjetivos, sendo estes a convivência more uxorio e a affectio maritalis, enquanto que os objetivos são a diversidade de sexos, a notoriedade, a estabilidade ou duração prolongada, a continuidade, a inexistência de impedimentos matrimoniais e a relação monogâmica.
a) A convivência more uxorio. A expressão more uxorio é, segundo Silva (2007, p. 930), “[...] empregada usualmente para exprimir a vida em comum de um homem e uma mulher, em estado de casados, sem que o sejam legalmente”. É a necessidade que os companheiros vivam como se casados fossem, ou seja, que a relação tenha aparência de casamento para terceiros.
Todavia, ao nosso ver, não se pode confundir essa situação com a habitação definitiva sob mesmo teto, até porque a Constituição e o Código Civil não determinaram tal necessidade, e, na realidade social atual, é notória a existência de pessoas casadas que moram em casas diferentes e nem por isso deixam de ser casadas (GONÇALVES, 2012, p. 614), então não seria lógico que no caso de companheiros fosse diferente.
Com relação à coabitação, Pereira (apud GONÇALVES, 2012, p. 614) demonstra o mesmo raciocínio, quando explica que:
[...] no direito brasileiro já não se toma o elemento da coabitação como requisito essencial para caracterizar ou descaracterizar o instituto da união estável, mesmo porque, hoje em dia, já é comum haver casamentos em que os cônjuges vivem em casas separadas, talvez como uma fórmula para a durabilidade das relações.
Há quem entenda diferente. Monteiro (2007, p. 33) demonstra-se desfavorável à ideia de união estável sem coabitação, justificando que:
Atribuir a uma relação entre duas pessoas que vivam sob tetos diferentes, sem justificativa plausível para isso, a natureza de união estável, com todos aqueles direitos antes referidos, acarreta insegurança às pessoas e chega a impedir que se relacionem afetivamente.
É válido frisar, ainda, que não existe a previsão legal de um prazo temporal mínimo dessa convivência para a configuração da união estável. Até houve em determinado momento, quando a Lei n. 8.971/94 estabeleceu o requisito de pelo menos 5 anos para que se pudesse caracterizar a união (BRASIL, 2011e, p. 1463), porém, com o advento da Lei n. 9.278/96, o dispositivo foi revogado tacitamente (BRASIL, 2011d, p. 1478). Enxergamos válida a intenção do legislador em não admitir prazo objetivo para a configuração da união estável. Nessa direção encontramos o entendimento de Diniz (2008, p. 376):
Há quem entenda ser desaconselhável a fixação a priori do lapso temporal da convivência, aplaudindo o novo Código Civil, que não exige tempo mínimo para a configuração da estabilidade, pois o estabelecimento de qualquer prazo afastaria da tutela legal certas situações que a ela fariam jus e daria ensejo a manobras de fraude à lei com interrupção forçada de convivência às vésperas da consumação do lapso temporal para o seu reconhecimento como união estável e para a produção de seus efeitos jurídicos.
b) A affectio maritalis. A expressão corresponde à vontade de formação de família. Significa dizer que para se configurar a união estável, deve haver entre os partícipes da relação o objetivo de constituição de família. No entanto, a intenção, por si só, não é suficiente para que se forme a união estável, mas seria necessário que efetivamente existisse uma entidade familiar formada por aquelas pessoas (GONÇALVES, 2012, p. 615). Assim, relações sexuais eventuais, mesmo que frequentes, não dão ensejo à união estável (DINIZ, 2008, p. 369).
O que se percebe, na realidade, é que os requisitos citados pelo autor como de ordem subjetiva se complementam, pois a vontade de se constituir uma família só pode ser enxergada caso haja, de fato, um relacionamento concreto que a comprove, e, igualmente, os companheiros não viveriam como se casados fossem, se essa não fosse a vontade dos mesmos, a menos que a intenção dos membros da relação fosse de fraudar a lei, querendo configurar a união estável no simples intuito de conseguir benefícios oriundos dos efeitos do seu reconhecimento.
Os requisitos objetivos a que se refere Gonçalves (2012, p. 615), podem ser percebidos no artigo do Código Civil que define a união estável.
a) A diversidade de sexos. Gonçalves (2012, p. 616) inclui a heterossexualidade como um dos pressupostos objetivos para a formação da união estável, mas, como já analisado anteriormente, a possibilidade do reconhecimento da união estável em relacionamentos homoafetivos, apesar de não prevista legalmente, já é admitida pela jurisprudência. Dessa forma, não nos parece coerente que essa circunstância seja entendida como essencial para que possa existir a união estável. Com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a possibilidade de ser configurada a união estável ainda que entre pessoas de mesmo sexo, a doutrina deve se inclinar nesse sentido.
b) Notoriedade. O art. 1.723 do Código Civil fala em convivência pública, querendo isso dizer que a união estável deve ser conhecida pela sociedade, e não podendo, por consequência, a união se dar em segredo, por conhecimento só dos partícipes. Há de se notar, aqui, que a publicidade não significa a proibição da discrição, podendo a relação ser conhecida tão somente em meio estrito aos companheiros, como no seio familiar, no círculo fraternal, ou até mesmo na vizinhança, por exemplo (CUNHA apud DINIZ, 2008, p. 378).
c) Estabilidade ou duração prolongada. Também percebido no art. 1.723 do Código Civil, quando fala em convivência duradoura, esse requisito é indispensável. Como visto, não existe um prazo fixo estabelecido em lei para que se determine o reconhecimento da união, devendo a matéria ser analisada pelo juiz em cada caso específico.
d) Continuidade. A continuidade exigida pelo Código Civil, ainda em seu art. 1.723, pressupõe que o relacionamento, para ser considerado uma união estável, não pode ser marcado por interrupções (GONÇALVES, 2012, p. 620). Importante observar que não é qualquer interrupção que descaracterizará a união estável, devendo se analisar cada caso concreto (VENOSA, 2008, p. 41), pois meras discussões seguidas de curtas interrupções e reconciliações entre os companheiros não desfigura a união.
e) Inexistência de impedimentos matrimoniais. O §1º, art. 1.723, da Lei Civil, determina que a união estável não se constituirá caso exista algum dos impedimentos para o casamento, com exceção do inciso VI, que se refere ao caso de pessoa separada de fato ou judicialmente, circunstância que não impede que a união se configure. Os impedimentos para o casamento estão previstos no art. 1.521 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. (BRASIL, 2011c, p. 348).
No caso das causas suspensivas, encontradas no art. 1.523 do Código Civil, a união estável poderá ser constituída normalmente, pois o art. 1.723, §2º do referido código prevê essa possibilidade. Diniz (2008, p. 377) explica o caso da causa suspensiva, afirmando que “[...] esta tem por escopo evitar a realização de núpcias antes da solução de problemas relativos à paternidade ou patrimônio familiar, visto que em nada influenciaria na constituição da relação convivencial”.
f) Relação monogâmica. Não é possível o reconhecimento da união estável se um dos membros da relação for casado sem separação de fato ou for companheiro em outra união estável. Segundo Venosa (2008, p. 45) o fundamento desse pressuposto seria o fato de que a existência de relações paralelas pressupõe “imoralidade e instabilidade”.
Gonçalves (2012, p. 623) menciona o que a doutrina denomina “união estável putativa”, sendo esta a união, dotada de todos os requisitos da união estável, em que um dos partícipes da relação age de boa-fé, sem saber da existência de uma relação paralela por parte de seu companheiro. Nesse caso, o companheiro que contrair a união estável comprovadamente de boa-fé, terá resguardado todos os seus direitos.
2.4 Distinções entre união estável e concubinato
Como já ressaltado, o concubinato por muito tempo teve o significado que hoje pertence à união estável. Contudo, para distinguir a união livre dos relacionamentos de natureza adulterina ou, por qualquer outro motivo, considerados impedidos, o Código Civil, em seu art. 1.727 o definiu como as uniões não eventuais na qual participassem pessoas impedidas de casar.
Porém, antes mesmo da distinção legal feita pela Lei Civil, a doutrina e a jurisprudência já se inclinavam nesse sentido, até porque a Carga Magna já previa o termo atualmente utilizado. Assim leciona afirma Ramos (2000, p. 37):
[...] provavelmente influenciadas pela terminologia utilizada nas disposições contidas na codificação, a doutrina e a jurisprudência pátrias, a certa altura, passaram a distinguir a concubina da companheira, atribuindo ao concubino uma conotação de ilicitude, de clandestinidade, empregando-o com o sentido de relacionamento entre um homem casado, que coabita com a esposa, simultaneamente mantendo um relacionamento extraconjugal, e ao vínculo entre os companheiros uma condição de união que, embora sem casamento, imita a família matrimonializada.
Como efeito dessa ilicitude, Monteiro (2007, p. 40) cita algumas disposições contrárias ao concubinato, como, por exemplo, o art. 550 do Código Civil, ao dispor que “A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até 2 (dois) anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (BRASIL, 2011c, p. 276). Também nesse sentido, o art. 790 do referido código prevê que, para a instituição de companheiro como beneficiário de seguro de vida ter validade, o segurado deve estar separado de fato ou judicialmente ao tempo do ato. (BRASIL, 2011c, p. 290).
Resta claro, dessa forma, o objetivo da Lei Civil em proteger apenas a união estável, distinguindo-a do concubinato e atribuindo a este tipo de união um caráter imoral, não merecendo os mesmos benefícios da união desimpedida. Consequentemente, não persistem os mesmos efeitos atribuídos à formação da união estável, ficando os concubinos sem os direitos que naturalmente possuem os cônjuges e os companheiros.
Com o reconhecimento da união estável, nascem os direitos e deveres dos companheiros, merecendo destaque aqui os de maior relevância. O art. 1.724 do Código Civil fala em “deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos” (BRASIL, 2011c, p. 364).
Monteiro (2007, p. 45) entende que a lealdade prevista na norma indicada diz respeito ao mesmo dever de fidelidade recíproca que há entre os cônjuges, como dispõe o art. 1.566, I do Código Civil. Há quem entenda, porém, que o dever de fidelidade é exclusivo dos cônjuges, afirmando ser a lealdade juridicamente inexigível. Esse é o entendimento de Lôbo (2007, p. 158). Parece-nos equivocada essa segunda opinião, observado o pressuposto da monogamia na relação estável.
Quanto ao dever de respeito, significa que os companheiros não poderão ofender a individualidade um do outro, devendo se tratar com dignidade. É nessa linha que ensina Gonçalves (2012, p. 626):
O dever de respeito, também mencionado no dispositivo supratranscrito, consiste não só em considerar a individualidade do outro, senão também em não ofender os direitos da personalidade do companheiro, como os concernentes à liberdade, à honra, à intimidade, à dignidade etc. É ele descumprido quando um dos conviventes comete injúria grave contra o outro, atingindo-lhe a honra ou a imagem mediante o emprego de palavras ofensivas ou gestos indecorosos.
Quando o Código Civil fala em assistência, podem ser entendidas a material e a moral (LÔBO, 2008, p. 158). O auxílio moral é a solidariedade que os companheiros devem ter entre si em todos aqueles momentos difíceis do relacionamento, seja uma conturbação emocional, seja uma enfermidade, por exemplo. A assistência material é o apoio de cunho patrimonial, no tocante a alimentos, vestuários, habitação, transporte etc. (MONTEIRO, 2007, p. 44).
Há ainda o dever de guarda, sustento e educação dos filhos por parte dos companheiros. Dessa forma, caberá aos companheiros, independentemente de eventual dissolução da relação, colaborar para a guarda, que será atribuída a quem se mostre mais apto a exercê-la, ou a ambos, a depender do caso concreto; o sustento; e a educação, que não diz respeito só à formação escolar, mas a lições e aprendizados morais e culturais (GONÇALVES, 2012, p. 627).
Além dos direitos recíprocos elencados pelo art. 1.724 do Código Civil, vários outros efeitos surgem em consequência da união estável. Podem ser enxergados como direitos de maior relevância, merecendo uma análise mais aprofundada, os direitos a alimentos, ao regime de bens e à sucessão hereditária.
Com relação aos alimentos, o direito decorre da previsão pelo art. 1.694 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (BRASIL, 2011c, p. 361, grifos nossos).
O §1º do supracitado artigo determina que a prestação de alimentos deverá ser proporcional às condições e necessidades do credor e devedor, e o §2º continua afirmando que caso o companheiro que precisar dos alimentos assim esteja por sua própria culpa, apenas terá direito aos alimentos indispensáveis à sua existência (BRASIL, 2011c, p. 362).
O companheiro perderá o direito aos alimentos, no entanto, caso venha a constituir futura união estável, concubinato ou casamento, ou se agir de forma indigna com o companheiro devedor dos alimentos, como reza o art. 1.708, parágrafo único, do Código Civil (BRASIL, 2011c, p. 363).
O Código Civil prevê, pelo art. 1.725, o regime da comunhão parcial de bens na união estável, desde que os companheiros não se valham de contrato escrito determinando regime diverso, aplicando-se à união todas as regras previstas no Código Civil sobre o regime da comunhão parcial para o casamento (LÔBO, 2008, p. 159).
No regime da comunhão parcial de bens, os bens adquiridos por um ou ambos os companheiros desde o início até o fim da união estável pertencem igualmente aos dois, devendo ser divididos igualmente no caso da dissolução da relação. (GONÇALVES, 2012, p. 630). Não se incluem, nesse caso, os bens particulares dos companheiros, sendo estes os oriundos de doações, heranças, etc. (LÔBO, 2008, p. 159).
Todavia, é válido observar que o art. 1.641, II do Código Civil impõe como obrigatório o regime da separação de bens no casamento em que uma das partes seja maior de setenta anos (BRASIL, 2011c, p. 358), aplicando-se também, segundo Monteiro (2007, p. 48), à união estável. Explica o citado autor que:
Não faria qualquer sentido a lei tratar diversamente a pessoa que se casa com causa suspensiva ou com mais de sessenta anos, submetendo-a obrigatoriamente ao regime da separação de bens, e aquela que passa a viver em união estável, nas mesmas circunstâncias, já que a finalidade protetiva da lei é a mesma para ambos. Além disso, seria muito fácil burlar as normas sobre o regime da separação obrigatória de bens; bastaria que quem estivesse sob causa suspensiva ou com mais de sessenta anos, para evitar aquele regime, em vez de casar-se, passasse a viver em união estável.
Nesse caso, o autor fala em pessoa maior de sessenta anos, mas a Lei n. 12.344/2010 alterou o referido artigo, passando o mesmo a considerar para tanto as pessoas com setenta anos (BRASIL, 2011f, p. 1733).
A doutrina considera uma involução à proteção à união estável as normas previstas no Código Civil que tratam da sucessão hereditária na união estável, pois o art. 1.790 do aludido código determina que o companheiro só receberá a herança a que tem direito, integralmente, caso o de cujus não possua descendentes, ascendentes ou colaterais até o quarto grau, enquanto que a Lei n. 8.971/94 previa a totalidade da herança para os companheiros na falta apenas de descendentes ou ascendentes (GONÇALVES, 2012, p. 637). Além disso, o Código Civil revela clara discriminação à união estável quando não a inclui entre os herdeiros necessários como é o caso do cônjuge, que, na ordem de sucessão hereditária, concorre com os descendentes, com os ascendentes e se encontra a frente dos colaterais, de acordo com o seu art. 1.829 (BRASIL, 2011c, p. 371).
Sobre a matéria, assim dispõe o mencionado artigo:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. (BRASIL, 2011c, p. 368).
O Código Civil, nesse aspecto, não condiz com a realidade atual, a qual revela, muitas vezes, precárias as relações colaterais de quarto grau. É esse o entendimento de Veloso (apud GONÇALVES, 2012, p. 637), analisando que:
Em muitos casos, sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encontram. E o novo Código Civil brasileiro [...] resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4º grau do de cujus. Temos de convir: isto é demais! Para tornar a situação mais grave e intolerável, conforme a severa restrição do caput do artigo 1.790 [...] o que o companheiro sobrevivente vai herdar sozinho não é todo o patrimônio deixado pelo de cujus, mas, apenas, o que foi adquirido na constância da sociedade conjugal.
Além desses efeitos mencionados, várias outras são as consequências causadas pela união estável, como, por exemplo, o direito de visitar companheiro preso ou de sair da prisão para acompanhar o enterro de companheiro falecido, nos termos dos arts. 41, inciso X e 120, inciso I da Lei de Execução Penal; ser o companheiro beneficiário de seguro de vida ou seguro obrigatório ou; figurar como dependente em plano de saúde ou plano de assistência médica do empregador (DINIZ, 2008, p. 413-5). Desse modo, há de se buscar um entendimento a respeito de outro eventual efeito, que seria a inclusão do companheiro no rol de possíveis beneficiários da imunidade penal prevista no art. 181 do Código Penal, como acontece no caso de cônjuge na constância da sociedade conjugal.
O art. 181, inciso I do Código Penal, menciona o cônjuge, na constância da sociedade conjugal, entre os possíveis beneficiários da imunidade penal absoluta. Com a evolução na realidade do ordenamento jurídico brasileiro atual, abriu-se uma lacuna nesse sentido, causando relevante divergência na doutrina e, até mesmo, na jurisprudência, no que diz respeito à melhor da interpretação do referido dispositivo, com relação à possibilidade de se atribuir o direito à escusa absolutória ao companheiro, no caso da união estável.
Duas são as correntes doutrinárias a respeito da interpretação da norma penal que atribui ao cônjuge as imunidades penais.
A primeira corrente entende que o artigo deve ser interpretado restritivamente, excluindo a posição de companheiro em união estável das condições pessoais de exclusão da punibilidade, e, assim, devendo o mesmo ser punido normalmente caso cometa algum dos crimes contra o patrimônio contra seu parceiro.
Adepto dessa corrente, podemos citar Nucci (2010, p. 856), o qual enxerga distinção entre a união estável e o casamento, feita pela própria Constituição e, portanto, considera inválida a interpretação extensiva do art. 181, I, não cabendo, assim, a ampliação da imunidade ao companheiro. Reforçando suas ideias, o autor argumenta que:
[...] o fato de o Estado reconhecer na união estável a existência de uma família, para efeito de lhe conferir proteção civil, não pode ser estendido ao Direito Penal. Fosse assim e o companheiro ou a companheira poderia praticar o crime de bigamia, o que não é admissível. Se não é possível alargar o conteúdo da norma penal incriminadora que protege a família e o casamento, também não o é para a aplicação da imunidade. (NUCCI, 2010, p. 856).
Com entendimento no mesmo sentido, encontramos Bitencourt (2012, p. 385), asseverando que a imunidade “[...] destina-se somente ao cônjuge na constância da sociedade conjugal, excluindo-se o concubinato, companheirismo, casamento religioso, sem efeitos civis, a união estável, bem como os [...] separados ou divorciados”.
Mirabete (2007, p. 354) não cita a união estável, mas exclui da isenção o casamento meramente religioso, sem efeitos civis, que, geralmente, nela se traduz. O autor, naturalmente, exclui também o concubinato.
Na doutrina mais clássica, Fragoso (1988, p. 563) demonstrava a mesma visão, afirmando que “[...] não se estende a imunidade penal nem aos casos de concubinato ou de matrimônio religioso apenas sem efeitos civis, nem aos cônjuges após a dissolução da sociedade conjugal”. Vale lembrar que, antes da Constituição Federal de 1988, o que hoje conhecemos por união estável era denominado concubinato (GONÇALVES, 2012, p. 602).
Ainda sobre a doutrina clássica, Noronha (2001, p. 516), que, ao tratar da imunidade penal devida ao cônjuge, não faz qualquer menção ao companheiro, dando a entender que a união estável não merece nenhum respaldo do dispositivo regedor da escusa absolutória.
Já a segunda corrente, enxerga na união estável uma entidade familiar merecedora da proteção do Estado, devendo se valer da escusa absolutória. JESUS (2007, p. 519) mostra-se favorável a essa ideia, afirmando que a imunidade deve englobar também a hipótese de união estável, por serem o cônjuge e o companheiro equiparados pela Constituição.
COSTA JR (2007, 626) segue o mesmo raciocínio, entendendo que:
Embora o dispositivo legal refira-se a cônjuge, a verdade é que a imunidade também alcança os casos de união estável, reconhecida por lei como entidade familiar (CC, art. 1.723 e s.), estabelecendo, assim, tal como no matrimônio, direitos e obrigações de ordem patrimonial.
Também na segunda corrente, encontramos Greco (2009, p. 366), argumentando que, estando o dispositivo penal fundamentado na preservação familiar, seria injusto que no caso da união estável o benefício deixasse de ser aplicado, visto ser a união reconhecida como entidade familiar pelo Código Civil. O autor continua explicando suas ideias, ao afirmar que:
A única dificuldade que vemos no caso de ser aplicada à união estável a escusa absolutória constante do inciso I do art. 181 do Código Penal é que deverá ser demonstrado nos autos que, quando da prática da infração penal patrimonial, ainda existia essa união, ou seja, que o casal ainda vivia junto, nos termos preconizados pelo citado art. 1.723 da Lei Civil, pois que, se por um motivo qualquer havia ocorrido a ruptura no relacionamento, não poderá ser aplicado o benefício, ao contrário do que ocorre com a situação do casamento, pois que a lei penal somente determinou, neste último caso, a constância da sociedade conjugal, ou seja, a existência do vínculo do casamento entre os cônjuges (GRECO, 2009, p. 366).
Prado (2011, p. 657), da mesma forma, entende que o companheiro deve ser acolhido pelo inciso I do art. 181, fazendo a ressalva de que, para isso, a união estável deve ser formalizada, no sentido de ser reconhecida.
Essa última corrente vem ganhando força com a evolução do direito civil, no tocante à proteção dada à união estável e aos efeitos que dela decorrem, apesar da doutrina majoritária ainda optar pela primeira corrente (GRECO, 2009, p. 365).
Quanto à jurisprudência, também há uma visível oposição nesse sentido, como, por exemplo, está o entendimento da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul que, no dia 13 de julho de 2005, ao julgar o habeas corpus 8939 MS 2005.008939-3, que pleiteava o trancamento de uma ação por falta de justa causa, tendo como base, entre outros fundamentos, a imunidade absoluta do paciente, entendeu pelo não cabimento da aplicação da escusa absolutória no caso de companheiro, conforme a ementa:
HABEAS CORPUS - ESTELIONATO - PRELIMINAR - ALEGADA IMUNIDADE PREVISTA NO ARTIGO 181, I, DO CÓDIGO PENAL - NORMA QUE NÃO SE APLICA À COMPANHEIRA - AÇÃO PENAL - PRETENDIDO TRANCAMENTO POR FALTA DE JUSTA CAUSA - INDÍCIOS DA AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE - FATO TÍPICO - NEGATIVA DE AUTORIA - NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DE PROVA - VIA INADEQUADA - PERÍCIA REALIZADA NA FASE POLICIAL - NÃO-OPORTUNIZAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE QUESITOS PELO PACIENTE - ALEGADA OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - PRINCÍPIOS APLICÁVEIS SOMENTE NA FASE JUDICIAL - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO - ORDEM DENEGADA. (MATO GROSSO DO SUL, 2012, grifo nosso).
O Relator na oportunidade, Sr. Des. José Augusto de Souza, ao proferir seu voto, analisando o inciso I do art. 181 da Lei Penal, entendeu tratar-se “[...] de imunidade que visa a preservar a intimidade familiar, sendo que a expressão "cônjuge" é de interpretação restritiva, não se ampliando ao convivente ou concubino” (MATO GROSSO DO SUL, 2012). O Relator ainda reconhece a existência de entendimentos diversos, mas opta por seguir a sua ideia, concluindo que “[...] a mera convivência, ou seja, a união estável, não autoriza o reconhecimento dessa causa de isenção de pena” (MATO GROSSO DO SUL, 2012).
Na mesma posição encontramos a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado do Paraná que julgou, no dia 25 de março de 2004, recurso em sentido estrito contra decisão proferida pelo juízo singular que entendeu pelo não recebimento da denúncia, com fundamento na escusa absolutória prevista no art. 181, I do Código Penal, equiparando a união estável ao casamento para este fim. A Turma decidiu pela reforma da decisão, entendendo que a denúncia deveria ser recebida por ser o dispositivo penal que trata da imunidade penal absoluta, norma de interpretação restritiva. Assim a ementa:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA. NÃO RECEBIMENTO. DELITO PATRIMONIAL. DENUNCIADA QUE CONVIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL COM A VÍTIMA A ÉPOCA DOS FATOS. JUÍZO SINGULAR QUE NÃO RECEBEU A DENÚNCIA AO ENTENDIMENTO DA EQUIPARAÇÃO CONSTITUCIONAL DO CASAMENTO COM A UNIÃO ESTÁVEL. ESCUSA ABSOLUTÓRIA QUE SOMENTE PODE SER INVOCADA NOS ESTRITOS TERMOS DO ART. 181, INCISO I DO CÓDIGO PENAL. DECISÃO REFORMADA. DENÚNCIA QUE DEVE SER RECEBIDA PARA A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL (PARANÀ, 2012, grifo nosso).
Em seu voto, a Relatora Sra. Des. Maria José de Toledo Marcondes Teixeira entendeu que o legislador “utilizou a expressão: ‘cônjuge, na constância da sociedade conjugal’ ao se referir às pessoas que estariam enquadradas nas escusas absolutórias e, se assim o fez é porque quis restringir a aplicação do referido inciso” (PARANÁ, 2012). Apesar de reconhecer a existência de posicionamentos contrários, a Relatora seguiu a linha da impossibilidade da imunidade ser estendida à companheira da vítima, ainda que confirmado a convivência das partes em união estável ao tempo dos fatos.
Em decisão mais recente, podemos observar o julgado da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 03 de abril de 2012, negando provimento à apelação criminal que se tratava de crime de furto praticado contra companheira. Apesar de no caso concreto não restar comprovada a união estável ao tempo do fato, o Relator Sr. Des. Roberval Casemiro Belinati fundamentou-se nos seguintes termos: “A doutrina majoritária entende que a escusa absolutória prevista no artigo 181, inciso I, do Código Penal, deve ser entendida de forma restrita, ou seja, somente para abarcar a relação marital, na constância da sociedade conjugal” (DISTRITO FEDERAL, 2012). Quanto ao julgado, assim se mostra a ementa:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE FURTO PRATICADO NO PERÍODO DE REPOUSO NOTURNO EM DESFAVOR DE EX-COMPANHEIRA. LEI MARIA DA PENHA. SUBTRAÇÃO DE UMA MÁQUINA FOTOGRÁFICA DIGITAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE ESCUSA ABSOLUTÓRIA. [...] 3. A DOUTRINA MAJORITÁRIA ENTENDE QUE A ESCUSA ABSOLUTÓRIA PREVISTA NO ARTIGO 181, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL, DEVE SER ENTENDIDA DE FORMA RESTRITA, OU SEJA, SOMENTE PARA ABARCAR A RELAÇÃO MARITAL, NA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL. DE QUALQUER MODO, AINDA QUE SE ENTENDA PELA INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DA NORMA LEGAL, NÃO HOUVE A COMPROVAÇÃO DA RELAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE O RÉU E A OFENDIDA À ÉPOCA DO FATO CRIMINOSO. 181 ICÓDIGO PENAL [...] 5. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO PARA MANTER A CONDENAÇÃO DO RÉU NAS PENAS DO ARTIGO 155, § 1º, DO CÓDIGO PENAL, À PENA DE 1 (UM) ANO E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL ABERTO, E 10 (DEZ) DIAS-MULTA, NO VALOR LEGAL MÍNIMO, SUBSTITUÍDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO.155 § 1º CÓDIGO PENAL. (DISTRITO FEDERAL, 2012a, grifo nosso).
Resta claro que, apesar da atribuição de entidade familiar dada à união estável, alguns tribunais se mostram firmes ao entendimento de que o instituto da escusa absolutória não deve ser reconhecido nos casos em que não haja o matrimônio com efeitos civis.
Apesar de esse ser o entendimento majoritário, há também julgados no sentido contrário, como é o caso do próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que pela Primeira Turma, no dia 06 de outubro de 2011, deu provimento à apelação que alegava excludente de punibilidade em razão de união estável homoafetiva. O Relator Sr. Des. George Lopes Leite mostrou-se disposto a conceder a imunidade ao autor, alegando que “[...] numa interpretação baseada em princípios, não se pode afastar esta excludente, devendo ser aplicada a regra, inclusive com base no favor rei”. (DISTRITO FEDERAL, 2012b).
ALEGAÇÃO DE EXCLUDENTE DE PENA EM RAZÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. PROCEDÊNCIA. REFORMA DA SENTENÇA.
1 RÉU CONDENADO POR INFRINGIR O ARTIGO 155, § 4º, III, DO CÓDIGO PENAL, DEPOIS DE SUBTRAIU DA RESIDÊNCIA DO COMPANHEIRO COM QUEM CONVIVIA EQUIPAMENTO AUDIOVISUAL, MÁQUINA FOTOGRAFIA E OUTROS BENS DE VALOR. A VÍTIMA ADMITIU A EXISTÊNCIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA COM O RÉU, ESCLARECENDO QUE DEPOIS DO FATO VOLTARAM A CONVIVER JUNTOS.
2 AS ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS PREVISTAS NA LEI DEVEM SER APLICADA EM RELAÇÃO AOS CASAIS EM CONVIVÊNCIA TÍPICA DA UNIÃO ESTÁVEL, A QUAL, POR SUA NATUREZA, SE EQUIPARA AO CASAMENTO CIVIL. TENDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RECONHECIDO QUE A UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO É EQUIPARÁVEL À ENTIDADE FAMILIAR, (ADI 4277), HÁ QUE SE APLICAR A MESMA REGRA ÀS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS, CONFORME O ARTIGO 180, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL.
3 APELAÇÃO PROVIDA. (DISTRITO FEDERAL, 2012b, grifo nosso).
Merece destaque aqui o fato de que, além de reconhecer na união estável uma entidade familiar, tendo direito à imunidade penal, o Relator percebeu a necessidade de se atribuir às uniões homoafetivas o mesmo direito das uniões estáveis heterossexuais, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, de eficácia erga omnes.
Outro tribunal inclinado à mesma ideia é o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, ao julgar no dia 28 de outubro de 2009, negou provimento à apelação criminal que visava à reforma de decisão em primeira instância que considerou abrangido pelo benefício da escusa absolutória, autor de crime de furto cometido em desfavor do companheiro de sua mãe. A ementa:
FURTO. UNIÃO ESTÁVEL A VÍTIMA E MÃE DO ACUSADO. Art. 181, CÓDIGO PENAL, IMUNIDADE. A imunidade tratada no artigo 181, I, do código penal deve, por forca constitucional (art. 226, § 3º, CF), ser estendida as uniões estáveis e aplicadas aos agentes, em tais hipóteses a escusa absolutória. Reconhecida estar mantida a relação more uxório entre vitima e mãe do réu, está este ao abrigo da imunidade, que é de caráter absoluto e, por isto mesmo, sequer denúncia deveria ter sido oferecida. Recurso ministerial improvido. (RIO GRANDE DO SUL, 2012, grifo nosso).
Percebe-se que nesse caso o julgador não só reconheceu a aplicabilidade da imunidade à união estável, mas foi mais além, estendeu-a aos ascendentes ou descendentes por afinidade, mostrando que a interpretação extensiva é cabível também no caso do inciso II, do art. 181, do Código Penal, que fala em “parentesco legítimo ou ilegítimo, civil ou natural” (BRASIL, 2011b, p. 588).
Mostra-se visível a existência de divergência por parte da jurisprudência a respeito do assunto, causando consequente insegurança jurídica à sociedade. Essa discrepância na interpretação das normas é explicada por Gomes (2008, p. 77):
As diferentes interpretações podem ser explicadas uma vez que, publicada, a lei se destaca da pessoa do legislador e passa a integrar o processo social como um de seus elementos fundamentais. Sua variação de sentido pode se dar em razão de múltiplos fatores, pois uma circunstância de ordem técnica imprevista pode alterar completamente o significado e conteúdo de um texto legal, o mesmo ocorrendo quando se altera a tábua dos valores de aferição da realidade social.
Destarte, as posições sempre irão variar, dependendo da hermenêutica utilizada pelo julgador, que muitas vezes se baseará nos valores por ele absorvidos e enxergados em cada circunstância, devendo, todavia, pautar-se principalmente nos valores emergentes na sociedade e nos princípios constitucionais.
Consideradas as características dos institutos analisados, nos parece mais cabível o entendimento da segunda corrente, que concede aos companheiros o mesmo status dos cônjuges, no tocante às imunidades penais absolutas.
Primeiramente, contra-argumentando as ideias de Nucci (2010, p. 856). O autor entende que a proteção dada pelo Estado à união estável, reconhecendo-a como família, não pode se estender ao direito penal, ao argumento de que o mesmo raciocínio utilizado para impossibilidade de se praticar o crime de bigamia através da configuração de união estável faz com que a relação também não seja aplicável à escusa absolutória.
É certo que o princípio da legalidade faz com que os tipos penais incriminadores só possam ser definidos por lei, criada pelo Poder Legislativo (NUCCI, 2009, p. 72), devendo o juiz estar vinculado à interpretação restritiva da norma, nesses casos. Porém, caso a norma seja benéfica e haja dúvida quanto à sua aplicabilidade, deve ser observado o caso concreto na busca da interpretação mais adequada. Nesse sentido explica Maximiliano (2009, p. 263):
Estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana, ou afetam a propriedade [...]; consequentemente, com igual reserva se aplicam os preceitos tendentes a agravar qualquer penalidade. O contrário se observa relativamente às normas escritas concernentes às causas que justificam os fatos delituosos e diminuem ou atenuam a criminalidade: devem ter aplicação extensiva desde que os motivos da lei vão além dos termos da mesma [...]; em tais circunstâncias, até a analogia é invocável.
Semelhante é o entendimento de Greco (2009, p. 366), que assevera:
[...] não podemos confundir os raciocínios que devem ser levados a efeito na interpretação das normas penais, pois que, quando estas, de alguma forma, prejudicam o sujeito, torna-se impossível o argumento analógico, em obediência ao princípio da legalidade, pela vertente do nullum crimen, nulla poena sine lege stricta. No entanto, quando a lei penal beneficia e, principalmente, quando estamos diante de situações idênticas, que não receberam o mesmo tratamento da lei penal, a aplicação da analogia é obrigatória, a fim de que seja preservada a isonomia, traduzida por meio do brocardo ubi eadem ratio, ubi eadem legis dispositio (grifos no original)
Dessa forma, percebe-se uma interpretação extensiva perfeitamente possível ao Direito Penal, sem que com isso desrespeite o princípio da legalidade, pois este é garantido pelo art. 5, inciso XXXIX da Constituição Federal, ao determinar que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 2011a, p. 62), mas nada dispõe a respeito dos casos em que a lei prevê a possibilidade de o autor do delito ser beneficiado com a exclusão da sua punibilidade. Além disso, as normas sancionadoras do Estado não são imutáveis e estão, como todo o ordenamento jurídico, sujeitas aos fatores sociais, devendo, com isso, haver uma constante reinterpretação, no intuito de alcançar as novas situações que surgem frequentemente e os novos valores que a sociedade absorve. (GOMES, 2008, p. 44). Inclusive, o próprio Nucci (2009, p. 85) afirma que a interpretação não cria normas, mas desvenda o verdadeiro conteúdo da lei, sendo cabível de qualquer forma no Direito Penal. Sobre a interpretação extensiva, o autor a considera como “[...] o processo de extração do autêntico significado da norma, ampliando-se o alcance das palavras legais, a fim de se atender à real finalidade do texto” (NUCCI, 2009, p. 85).
Bastos (2002, p. 58) cita entre os métodos de interpretação, o histórico, sendo este a forma de interpretar que tem por finalidade:
[...] ressaltar o contexto histórico da lei no momento em que esta foi promulgada, bem como todo o seu processo de elaboração, para que assim possa-se prever as suas consequências no futuro. No entanto, o método histórico não fica restrito apenas à análise do contexto sócio-econômico que circundava a lei no momento de sua elaboração, mas leva em conta também qual seria o intuito da lei frente aos fatos atuais.
Nesse sentido, o critério histórico de interpretação pode ser utilizado com relação ao dispositivo aqui tratado. O direito é reflexo evolutivo da realidade social. As leis são mutáveis porque a realidade é mutável, e o legislador é refém do seu tempo, devendo ser enxergado dessa forma. (MAXIMILIANO, 2009, p. 113). E é assim que deve ser compreendido o art. 181 do Código Penal, uma norma criada com base na realidade social e jurídica da época, década de 40, mas que deve ser adaptada à atualidade, devendo estar vinculada ao ordenamento jurídico vigente, pois “[...] em qualquer época e em qualquer sociedade, o direito só faz sentido quando inserido no contexto social” (GOMES, 2008, p. 59). Apenas em 1988 é que as relações estáveis de convivência foram reconhecidas como entidade familiar e passaram a ter proteção do Estado. Apenas em 2002, com a vigência do novo Código Civil, é que o art. 226, §3º da Constituição passou a ser regulamentado mais precisamente. A imensa lacuna deixada pela falta de reforma do Código Penal nessa seara é visível, cabendo ao judiciário amenizar a situação, se posicionando de forma condizente com o que a evolução impõe. Assim entende Gomes (2008, p. 39):
A evolução claramente verificável no contexto social de determinada época, acompanhada das deficiências e insuficiência da lei, faz com que o juiz deixe de ser um mero repetidor para recriar aquilo que foi superado pelo tempo. Isso não apenas torna segura a estabilidade social e estabelece a comunicação válida entre a comunidade e o próprio ordenamento jurídico, como também faz do juiz um dos fatores da evolução histórica.
As leis anteriores ao Código Penal vigente determinavam a imunidade penal apenas nos casos de crime de furto, como previa o art. 335 do código de 1890 (FRAGOSO, 1988, p. 561), e posteriormente foi percebido que não era apenas o crime de furto que deveria ser englobado pelos delitos passíveis de escusa absolutória, pois outros crimes contra o patrimônio seriam de menor repercussão se comparados às consequências que uma condenação poderiam causar em prejuízo da harmonia no seio familiar. Evidencia-se uma tendência de que a lei se desenvolva no sentido favorável ao aqui defendido, até porque, a própria Constituição determinou ser a união estável reconhecida como entidade familiar merecedora da proteção do Estado, devendo a legislação penal se enquadrar às determinações de Lei Maior, em respeito ao princípio da supremacia constitucional (ZAFFARONI, 2002, p. 135).
Como exemplo dessa tendência, temos o anteprojeto de reforma do Código Penal, de 1999, que traz os seguintes termos:
Art. 213. Não há pena para quem comete qualquer dos crimes previstos neste Título, em prejuízo de:
I - cônjuge, na constância da sociedade conjugal ou de companheiro, no caso de união estável;
II - ascendente ou descendente, seja o parentesco civil ou natural. (apud COSTA, 2001, p. 1168, grifo nosso).
É evidente que a lei está sempre em processo evolutivo, e o direito não deve permanecer estático no tempo enquanto a lei não for modificada. Nessa direção encontramos Gomes (2008, p. 75), assinalando que:
Cabe à jurisprudência rejuvenescer a lei. Sem perder de vista a essência do preceito, ela deve se adaptar à realidade social e às mudanças da vida cotidiana, de modo a propiciar a evolução do direito como um todo. É por meio da jurisprudência que a magistratura, em permanente contato com a realidade social, contribui para o aperfeiçoamento da ordem jurídica, sem que isso signifique extrapolar o âmbito de sua função garantidora da justiça.
E essa evolução na realidade social pode ser percebida não só pelo texto constitucional ou pela Lei Civil, mas também pelas próprias estatísticas. No dia 17 de abril de 2012 foram publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) os dados a respeito das uniões estáveis e casamentos. No período entre 2000 e 2010, foi percebido um aumento de 28,6% para 36,4% no número de casais que se encontravam em união estável. Simultaneamente, foi reduzido o número de casamentos realizados apenas no civil, de 17,5% para 17,2%, e diminuiu também o número de casamentos realizados ao mesmo tempo no civil e no religioso, de 49,4% para 42,9%. No total, em todo Brasil, aproximadamente 30 milhões de pessoas vivem em união estável. Esses números, por serem conseguidos em pesquisas anuais, verificam-se como tendência. (IBGE, 2012).
Constata-se, então, que a união estável faz parte da sociedade moderna e não deve ser ignorada como família, pois, como se vê, vem se elevando o número de pessoas que constituem família sem as formalidades do matrimônio civil. Ramos (2000, p. 40) explica esse fator, ao reconhecer que:
Esta família informal que, como formação sócio-jurídica, é um dado de fato, existe em função da realização de exigências humanas, envolvendo um espaço de solidariedade e colaboração mútuas, tanto no plano afetivo, quando no plano material, aí incluído o patrimonial.
Outro fator a ser mencionado é o fundamento da escusa absolutória. Além do método histórico, outro critério de interpretação pode se adequar ao caso aqui analisado. Nesse contexto, Ordeig (2002, p. 70) entende o método teleológico como um dos critérios interpretativos mais relevantes, o definindo como “[...] aquele que procura os fins do preceito, das instituições, da ordem jurídico-penal ou do Direito em geral”, ou seja, aquela forma de interpretar em que deve ser observada a finalidade para a qual o dispositivo foi criado. Como visto, a doutrina majoritária entende que a imunidade penal absoluta se justifica pelo fato de que as consequências advindas de uma penalidade aplicada a uma pessoa intimamente ligada à vítima seriam mais prejudiciais que o próprio dano patrimonial sofrido por ela, ou para “[...] preservar as relações familiares” (DELMANTO, 2007, p. 559). Por outro lado, há quem cite a copropriedade da família como justificativa para as escusas (NORONHA, 2001, p. 514).
A qualquer que seja o argumento, a união estável se enquadra. Seja porque os requisitos para a sua configuração, como já observado, exigem a afetividade e que sejam percebidos laços concretos em convivência more uxorio, e também porque a copropriedade pode ser presumida quando a lei impõe que, caso os companheiros não acordem de forma diversa, a união estável seguirá o regime da comunhão parcial de bens, tal qual o casamento, como frisa Gonçalves (2012, p. 630), ao afirmar que ”[...] os bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável pertencem a ambos os companheiros [...]”.
Além dos critérios tradicionais de interpretação, dos quais destacamos o teleológico e o histórico, a ideia aqui defendida também encontra respaldo na nova interpretação constitucional, a qual tem por escopo a normatividade dos princípios, tendo estes o papel de “[...] realização da justiça no caso concreto” (BARROSO, 2010, p. 317). Assim, pela nova interpretação, os princípios constitucionais possuem eficácia interpretativa, ou seja, as normas jurídicas em geral, ao serem aplicadas, devem ter como base os valores contidos nos princípios (BARROSO, 2010, p. 320).
O art. 5º, caput, da Constituição Federal admite o princípio da igualdade, ao dispor “[...] serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (LENZA, 2008, p. 595). Dessa forma, com relação à união estável, os companheiros não podem sofrer qualquer discriminação no sentido de afastá-los de direitos que, devido à entidade familiar existente, são garantidos aos cônjuges, porque a união estável é, conforme a Constituição, uma entidade familiar, sendo qualquer tratamento que os diferencie nesse sentido, uma afronta direta ao princípio da igualdade. Lôbo (2008, p. 44) corrobora com essa ideia, ao explicar que não existe nenhum fundamento para que se façam distinções entre os direitos e deveres das entidades familiares, ou que uma se sobreponha à outra.
Com relação ao princípio da igualdade, Barroso (2010, p. 324) explica que:
A Constituição aboliu inúmeras situações de tratamento discriminatório, prevendo que homens e mulheres exercem igualmente os direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal, vedando o tratamento desigual entre os filhos havidos no casamento e fora dele e reconhecendo a união estável como entidade familiar (grifo nosso).
Reforçando a ideia de que, para os efeitos aqui buscados, o casamento e a união estável são iguais, está o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a ADI 4277-7, reconheceu que:
[...] a terminologia “entidade familiar” não significa algo diferente de “família”, pois não há hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo núcleo doméstico [...] a expressão “entidade familiar” não foi usada para designar um tipo inferior de unidade doméstica, porque apenas a meio caminho da família que se forma pelo casamento civil. Não foi e não é isso, pois inexiste a figura de sub-família, família de segunda classe ou família “mais ou menos” [...] (BRASIL, 2012).
Além do princípio da igualdade, podemos citar o princípio constitucional da liberdade, encontrado no art. 226, §7º da Carta Magna, se referindo à livre escolha na criação, manutenção e extinção da entidade familiar (LÔBO, 2008, p. 47). Dessa forma, seria inconstitucional exigir que, para que os indivíduos pudessem gozar de um benefício como a escusa absolutória, eles optassem pelo matrimônio, ao invés de permanecerem em união estável.
Deve ser observado, ainda, o princípio da interpretação conforme a constituição, segundo o qual, caso haja a possibilidade de mais de uma interpretação para um determinado texto legal, deve ser escolhida a aplicação mais compatível com a Constituição, evitando assim uma possível inconstitucionalidade do dispositivo (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 230).
Destarte, percebidos os vários fundamentos favoráveis, vemos clara a necessidade de se buscar a melhor interpretação do dispositivo, optando pela posição ascendente na sociedade e no ordenamento jurídico brasileiro, que considera a união estável como entidade familiar e, por isso, merecedora da mesma proteção que a família formada pelo matrimônio formal possui, pois o desapego à realidade poderia causar, em muitos casos, a ineficiência da norma, já que não beneficiaria aqueles que, na essência, pretendeu proteger. E mais grave ainda, qualquer interpretação contrária aos princípios aqui referidos seria inconstitucional, pois a Lei das Leis foi a primeira a reconhecer a união estável como entidade familiar, ideia corroborada, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal.
O trabalho aqui presente buscou analisar a melhor forma de interpretação do dispositivo do Código Penal que trata das escusas absolutórias, sendo estas as causas pessoais de exclusão da pena pelas quais aquele que comete algum dos crimes contra o patrimônio, previstos no Título II, da Parte Especial, ressalvadas as exceções, é isento de punição, pois a afetividade entre vítima e acusado faz com que uma punição na esfera penal seja mais danosa para a vítima que o próprio dano patrimonial sofrido.
Uma das maiores dificuldades na elaboração do trabalho foi a falta de aprofundamento no assunto por parte dos autores de Direito Penal, que em muitos casos tratam das escusas muito resumidamente e, a respeito da união estável, muitos autores nem se posicionam.
Pela primeira parte do trabalho, foi verificada a natureza do instituto, que, apesar da polêmica nesse sentido, pode ser entendida como condição negativa de punibilidade, ou causa pessoal de exclusão da pena. Também foram abordadas algumas definições doutrinárias, e feito um apanhado a respeito da origem histórica da imunidade, pelo qual se constatou que desde o Direito Romano existiram espécies semelhantes dessas imunidades. Foram destacadas, ainda, as exceções às escusas, que estão previstas expressamente no texto penal, sendo os casos em que a vítima for maior de 60 anos, se o crime for praticado com emprego de violência ou grave ameaça, ou quando participar do crime terceiro estranho aos vínculos pessoais, este não aproveitará as imunidades. Buscou-se analisar também a ratio das escusas absolutórias, percebendo serem razões de laços afetivos ou a preservação familiar. Também foram tecidas algumas comparações pertinentes com legislações penais de outros países.
O segundo capítulo tratou da união estável em si, visando à obtenção de informações a respeito da entidade, sendo constatada, principalmente, a equiparação com o casamento para determinados efeitos como a comunhão de bens, a questão do direito a alimentos, entre outros direitos e deveres. A Constituição Federal reconheceu a união estável como entidade familiar, sem equipará-la plenamente ao casamento, tanto que prevê a conversão daquela neste, porém, a Carta Magna não determinou qualquer distinção hierárquica entre as entidades, não sendo o casamento superior nem inferior à união estável. Percebeu-se ainda uma distinção entre a união estável e o concubinato, sendo este desprovido de qualquer proteção por parte do Estado, em consequência de suas características.
A última parte cuidou de trabalhar as posições a respeito do tema. Primeiramente com a doutrina, que se mostra majoritária no sentido de que os companheiros não fazem parte do rol das causas pessoais de exclusão da pena, devendo ser o texto aplicado de forma restritiva. No entanto, há uma visível evolução nesse aspecto, estando grande parte da doutrina se inclinando ao sentido oposto, pelo qual deve ser considerada a qualidade de entidade familiar da união estável, a fim de se estender a imunidade aos companheiros.
Ao analisar a jurisprudência, enxergou-se da mesma forma. Grande parte entendendo pela interpretação restritiva e outra parte entendendo pela extensiva, divergências, inclusive, encontradas dentro de um mesmo Tribunal.
Foram feitas considerações sobre as formas de interpretação das leis. Nesse sentido foram analisados os critérios tradicionais de interpretação, destacando-se, principalmente, os métodos histórico e teleológico como adequados ao caso estudado, além de encontrar também na nova hermenêutica constitucional, fundamentos para a apreciação do dispositivo.
Após todas as análises e considerações feitas acerca da questão em apreço, nos posicionamos no sentido de que é possível se interpretar extensivamente o dispositivo, devido à necessidade de se adequar a norma jurídica aos contextos social e legislativo atuais, principalmente a Constituição Federal, a qual, por meio de seus princípios, deve servir de base para qualquer interpretação legal, estando todo ordenamento jurídico infraconstitucional subordinado à Lei Maior.
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Técnico Judiciário - Bacharel em direito pela Universidade Federal de Alagoas - Pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORDEIRO, Carlos Ulisses Lisboa. A escusa absolutória e a união estável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45936/a-escusa-absolutoria-e-a-uniao-estavel. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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