Resumo: Esse artigo tem como objetivo demonstrar que são insubsistentes os argumentos dos que defendem que o Judiciário pode bloquear verbas públicas municipais para satisfazer sentença judicial que condena a fazenda pública a pagar verbas alimentícias.
Palavras-chaves: Fazenda Pública; Município; Sequestro de verbas públicas.
1) Introdução
O artigo 100 da Constituição Federal de 88 (CF/88) traz a forma de pagamento, no que atine às execuções contra a fazenda pública. Nele, resta evidente que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios (ressalvado o disposto no parágrafo terceiro do artigo supracitado). Ainda assim, há magistrados que insistem na possibilidade de bloqueio de verbas públicas municipais para o adimplemento de créditos alimentares garantidos por precatório, em total burla, principalmente, ao princípio da isonomia. Tal postura, como se verá, afronta diretamente a Constituição Federal, bem como o entendimento dos tribunais superiores.
2) Desenvolvimento
Para alguns, seria possível o bloqueio judicial de verbas públicas para garantir o cumprimento de determinação judicial, no caso de verba alimentar. Contudo, o regramento aplicável à execução por quantia certa movida contra a Fazenda Pública demonstra que, mesmo nessas hipóteses, há de ser observada a regra de precedência entre os credores, sob pena de se desvirtuar a igualdade entre eles, residindo, neste ponto, a inconsistência dos que advogam essa tese.
Com efeito, o art. 100, caput, da Carta da República traz norma expressa acerca dos pagamentos devidos pelo Poder Público, merecendo transcrição integral pela sua importância no deslinde do caso em apreço:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Comentando o teor do verbete legal, Daniel Amorim Assumpção Neves[1] leciona que:
Principalmente em razão da natureza dos bens públicos – de uso comum, de uso especial ou dominicais – considerados inalienáveis e, por consequência lógica, impenhoráveis, o procedimento da execução de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública demanda uma forma diferenciada daquela existente para a execução contra o particular. Também se costuma afirmar que a especialidade do procedimento está relacionada ao princípio da continuidade do serviço público, já que os bens não poderiam ser afastados de sua utilização pública, sob pena de prejuízo à coletividade. Por fim, o procedimento especial também é justificado no princípio da isonomia, sendo o pagamento por precatórios a única maneira apta a garantir que não haja preferências na ordem de pagamento aos credores da Fazenda Pública.
É certo que, na redação original[2] do citado art. 100 da CF/88, havia previsão textual de que os créditos de natureza alimentícia não se submetiam à expedição de precatório. Os Tribunais Superiores, no entanto, consagraram o entendimento de que tais verbas possuem apenas preferência no pagamento, mas estão também sujeitas à ordem cronológica de adimplemento, sob pena de malferir os direitos legítimos constituídos anteriormente por terceiros de boa-fé.
Tal posicionamento restou abarcado pela Emenda Constitucional nº. 62/2009, que alterou a redação do art. 100, já citado, bem como que modificou a redação do seu § 1º, conciliando, definitivamente, a ordem de preferência dos créditos alimentares com a expedição dos precatórios para os demais créditos:
§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.
Em sendo assim, levando em consideração o entendimento doutrinário supratranscrito e o regramento constitucional da matéria, tem-se que não pode o juiz determinar, de pronto, a constrição de verbas municipais para o adimplemento de suposto crédito devido a particular, na medida em que isso configura burla à preferência dos demais credores que detém crédito de idêntica natureza.
Nesse ínterim, cumpre trazer à baila julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, de forma a demonstrar a correção do entendimento suso mencionado:
EMENTA: AÇÃO CAUTELAR. LIMINAR DEFERIDA AD REFERENDUM. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. CONDENAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO PAGAMENTO IMEDIATO DE INDENIZAÇÃO: FÉRIAS E LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADAS. OFENSA AO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. Ao interpretar o art. 100 da Constituição da República, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que 'mesmo as prestações de caráter alimentar [submetem-se] ao regime constitucional dos precatórios, ainda que reconhecendo a possibilidade jurídica de se estabelecerem duas ordens distintas de precatórios, com preferência absoluta dos créditos de natureza alimentícia (ordem especial) sobre aqueles de caráter meramente comum (ordem geral)'(STA 90-AgR/PI, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJ 26.10.2007). 2. Incidência da Súmula 655 do Supremo Tribunal Federal. 3. Liminar referendada[3].
AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. BLOQUEIO DE RECURSOS FINANCEIROS MUNICIPAIS. IMEDIATA TRANSFERÊNCIA PARA A CONTA CORRENTE DA AUTORA DA AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. OCORRÊNCIA DE GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 100 E 160 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 2º-B DA LEI 9.494/97. NATUREZA ALIMENTAR DA VERBA HONORÁRIA. SUBMISSÃO AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS PRECATÓRIOS. 1. Lei 8.437/92, art. 4º, § 1º: configuração de grave lesão à ordem e à economia públicas. Pedido de suspensão de liminar deferido. 2. A tutela jurisdicional pretendida pela agravante, consubstanciada no recebimento dos honorários devidos pelos serviços advocatícios por ela prestados ao Município agravado, só pode ser efetivada após o trânsito em julgado da ação ordinária de cobrança ajuizada na origem. 3. O seqüestro de recursos municipais, para prover à satisfação de futura e determinada cobrança, reveste-se de conseqüências extremamente prejudiciais à regular execução dos serviços básicos locais. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o disposto no caput do art. 100 da Constituição da República, firmou-se no sentido de submeter, mesmo as prestações de caráter alimentar, ao regime constitucional dos precatórios, ainda que reconhecendo a possibilidade jurídica de se estabelecerem duas ordens distintas de precatórios, com preferência absoluta dos créditos de natureza alimentícia (ordem especial) sobre aqueles de caráter meramente comum (ordem geral). Precedentes. 5. Agravo regimental improvido[4].
Na mesma linha, aresto oriundo do Superior Tribunal de Justiça[5] sobre a inviabilidade da constrição de verbas públicas na execução contra a Fazenda Pública:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. TRANSAÇÃO JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DA CONSTRIÇÃO.
1. A execução, contra a Fazenda Pública, de obrigação de pagar quantia está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art.
100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de expropriação mediante bloqueio ou seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis.
2. A transação judicial homologada pelo juiz é título executivo judicial (art. 475-N do CPC, correspondente ao revogado art. 584 do CPC). Não cumprida a obrigação, sua execução judicial deve observar o procedimento comum da execução contra a Fazenda Pública.
3. Recurso especial a que se dá provimento.
3) Conclusão
Diante do que foi supracitado, resta evidente que o sequestro de verbas públicas municipais, para adimplir débitos – ainda que alimentares – não deve ser aceito, seja por ferir o princípio da isonomia, seja por afrontar diretamente o comando da Constituição Federal de 88, ou seja porque essa forma de sequestro não é aceita pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quiçá do Superior Tribunal de Justiça.
4) Referências bibliográficas
[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 1078
[2] Art. 100. à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
[3] AC 2193 REF-MC, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 23/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-01 PP-00021.
[4] SL 158 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2007, DJe-139 DIVULG 08-11-2007 PUBLIC 09-11-2007 DJ 09-11-2007 PP-00031 EMENT VOL-02297-01 PP-00007.
[5] REsp 890.215/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2007, DJ 22/03/2007, p. 315.
Técnico-administrativo do Ministério Público do Estado da Bahia. Graduado pela Universidade Católica do Salvador - UCSal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMARGO, Diego Guimarães. A impossibilidade de bloqueio judicial de verbas municipais, sujeitas ao regime dos precatórios, ainda que para satisfazer decisão judicial referente a pagamento de verba alimentar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45942/a-impossibilidade-de-bloqueio-judicial-de-verbas-municipais-sujeitas-ao-regime-dos-precatorios-ainda-que-para-satisfazer-decisao-judicial-referente-a-pagamento-de-verba-alimentar. Acesso em: 02 nov 2024.
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