Resumo: O presente trabalho visa traçar balizas sobre a importância dos contratos preliminares para as relações empresarias, notadamente no campo das liberdades individuais. Visa o sucinto artigo numa análise de caso sobre a aplicabilidade dos princípios da boa fé objetiva, o princípio da autonomia da vontade e da autonomia privada, além do quesito da temporariedade nos contratos no momento de transição do códex de 1996 para o novo diploma civil de 2002. A questão repousa no leading caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal que guiado pelos influxos constitucionais da publicização do direito privado e do dirigismo contratual, em conjunto a análise da teoria Pontiana dos contratos preliminares firmados firmaram entendimento consoante prega a segurança jurídica.
Palavras- Chave: Direito Civil, Contratos, boa fé objetiva, STF.
Abstract: The present work aims to trace beacons on the importance of the preliminary contracts for business relations, notably in the field of individual freedoms. The succinct article in a case analysis on the applicability of the principles of good faith aims, the principle of the autonomy of the will and of private autonomy, beyond the question of temporality in the contracts at the time of transition from the Codex of 1996 for the new diploma 2002 calendar. The question lies in the leading case tried by the Supreme Court that guided by constitutional inflows of publicizing of private law and contractual dirigisme, together Pontiana theory analysis of preliminary contracts signed signed understanding according to fold legal certainty.
Keywords: Civil law, contracts, strict liability, Supreme Court.
1. Introdução
O tema de grande relevância do Direito Civil, direito que vem sofrendo grandes modificações no decorrer dos séculos, desde as escolas jus naturalistas, positivistas até as pós-positivistas contemporâneas. Ao longo dos tempos Direito e Sociedade sempre se entrelaçam e alcançam patamar de mutabilidade em conjunto, buscando uma convivência harmônica, pois é impossível separar o ímpeto humano e sua sede patrimonialista e a defesa dos interesses coletivos:
(...) ao contrário dos direitos reais, que tendem à perpetuidade, os direitos obrigacionais gerados pelo contrato caracterizam-se pela temporalidade. Não há contrato eterno. O vínculo contratual é, por natureza, passageiro e deve desaparecer, naturalmente, tão logo o devedor cumpra a prestação prometida ao credor (THEODORO JUNIOR, 1999, p. 36).
Hoje temos sociedades de circulação de capital, que se baseiam no instituto contrato. Talvez o contrato seja o mais importante assunto no Direito Civil, dentro do campo dos negócios jurídicos, assim como o Crime é importante para o Criminalista no Direito Penal.
Sabemos que alguns institutos dos contratos sofreram grandes modificações ao longo do século, antes tido como máxima do exercício das liberdades individuais, tinham como corolário a “Pacta sunt servanda” e “lex inter partes”, apesar da absoluta prevalência desses institutos, o tempo e maturidade foram minando essas bases:
A preocupação de atribuir força criadora de direitos à vontade individual traduzia, no plano ideológico, o propósito de justificar a necessidade de os poderes públicos se abstivessem de toda interferência na dinâmica espontânea das atividades jurídicas dos particulares (GOMES, 2001, p. 83).
Com o advento da revolução francesa, inaugurou uma nova ordem social, o liberalismo clássico, a intervenção mínima, a igualdade tão ecoada, só serviria do ponto de vista formal, tornado os menos favorecidos meros espectadores pactuantes, sofrendo os mais diversos abusos:
El código Napeoléon recogió ese pensamineto y así ha podido decirse de él que es "un monumento levantado a la gloria de la libertad individual" (Ponceu). En el art. 1134 dice: "las convenciones legalmente formadas sirven de ley para las partes (...) (BORDA, 1999, p. 10).
Com a vinda da nova ordem mundial, com os Estados Sociais, os contratos passaram a ter grande relevância para o desenvolvimento socioeconômico, devendo os contratos sempre perseguir princípios constitucionais que visavam em primeiro lugar, a dignidade da pessoa humana, a função social e a boa fé objetiva.
Por fim, a concepção dos contratos preliminares é recente no ordenamento jurídico brasileiro, passando a ser regulados no novo código civil de 2002. No caso em tela, verificada a dúvida perante o judiciário, que findou o seu julgamento no STF, foi suscitada sobre qual diploma específico deveria ser aplicado ao caso, código civil de 1916 ou o código comercial de 1850:
"O período que antecede o contrato é constituido por um conjunto de fatos, em que não existem regras pré- estabelecidas, e qual as negociações são submetidas à liberdade que deriva do princípio da autonomia de vontade, fundamento do direito dos contratos (FRADERA, 1997).
Outro fator a ser discutido era a validade do contrato preliminar, se o mesmo deveria conter todos os elementos do contrato definitivo, a saber, os elementos essenciais e acidentais.
A seguir iremos analisar a decisão do STF a respeito da responsabilidade pré contratual dos negócios realizados entre dois grupos econômicos, a Disco S/A e Pão de Açúcar.
2. Análise das conclusões do STF
Trata-se de decisão referente ao Recurso Extraordinário nº 88.716/RJ da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que apreciou uma ação de consignatória da Distribuidora de Comestíveis “Disco” S/A em face dos Supermercados Pão de Açúcar S/A e de ação por rito ordinário para adjudicação compulsória de ações dos Supermercados Pão de Açúcar S/A contra Antônio do Amaral, Virgínia Pereira, Francisco Antônio Domingues Amaral e Distribuidora de Comestíveis “Disco” S/A.
A controvérsia analisada nesse Recurso foi à força vinculativa do contrato preliminar, documento assinado pelas partes chamado de “Contrato Preliminar para Compra e Venda de Ações”.
Segundo o ministro relator Moreira Alves, predominava no Brasil a corrente para a qual o contrato, seja preliminar ou definitivo, só se aperfeiçoaria quando as partes estivessem de acordo com todos os elementos do contrato, essenciais ou acidentais.
A seguir, o ministro invocou o Código Comercial como aplicável ao caso concreto pois o que estava em negócio eram ações e transferência de comando executivo do sociedade empresária DISCO S/A. Dessa forma, aplicou o artigo 191 desse Código (“O contrato de compra e venda mercantil é perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor acordam na coisa, no preço e nas condições”), o qual, difere do artigo 1.126 do Código Civil de 1916, pois este se refere apenas a coisa e preço como elementos essenciais do contrato.
Nesse sentido, o contrato preliminar deve conter as mesmas cláusulas do contrato definitivo e, nos termos do acórdão, "longe está o documento firmado pelas partes de ser como tal caracterizado, porquanto ali se estabeleceram apenas negociações preliminares como base para um futuro contrato”, o qual o ministro chamou de “protocolo de intenções”.
Ademais, alegou que não cabia ao Judiciário suprir a lacuna nos elementos contratuais, sob fundamento de estar violando o princípio da “pacta sunt servanda”, vedação feita até mesmo pelo artigo 1.126, do Código Civil de 1916, em relação aos pontos principais do contrato.
Assim, a decisão final determinou que o negócio jurídico realizado entre a DISCO S/A e Pão de Açúcar não passaria de uma tratativa ou uma minuta, pois possuía muitas condicionantes e não era papel do Judiciário suprir tais deficiências contratuais.
3. Visão do autor sobre a decisão do STF
A visão do STF se mostrava para aquela época, uma visão extremamente conservadora e legalista, e porque não dizer patrimonialista, já que as maiorias dos ministros integrantes da corte votaram pela improcedência do pedido, fundadas no pensamento de não caracterização do contrato preliminar, já que faltavam alguns elementos, tais como preço e valor dos aluguéis, refletindo a influência da liberdade formalista de origem iluminista na decisão.
Somente um voto a favor do reconhecimento do contrato preliminar, voto do Ministro Leitão de Abreu, que já se mostrava a frente ao seu tempo, tendo como base até entendimentos vanguardista dos tribunais norte americanos, a saber, o princípio da confiança e da promessa implícita de negociar com a boa fé.
As negociações preliminares não geram obrigações para os
interessados, sendo admitida a indenização por perdas e danos apenas quando demonstrada a deliberada intenção, com a falsa
manifestação de interesse, de causar dano ao outro contraente, ao passo que o contrato preliminar gera a obrigação de concluir o contrato
definitivo.
Ninguém é obrigado a contratar, por mais amadurecidas que se encontrem as negociações, caso não lhe interesse. Se o contrato não é necessário e não existe obrigação fundada em pré contrato, a recusa de contratar é, em princípio, legitimada pela autonomia priva. As balizas que limitam esse princípiom contudo, também importam a imputação de responsabilidade pré contratual pela recusa de contratar. Em outros termo, aquele que negocia sem obedecer o dever geral de boa-fé incorre em ato ilícito ao interromper sem razão as negociações (COELHO, 2007, p. 94).
E no caso em tela, na minha simplória opinião, tratava-se de um contrato preliminar, pois estavam presentes os principais requisitos essenciais, saber, preço determinável, prazos e vontade das partes na transferência do controle acionário da sociedade de capital DISCO S/A.
O entendimento do STF de que o contrato preliminar não tem validade se não contiver todos os elementos do contrato definitivo, torna-se extremamente perigosa na visão negocial e econômica na sociedade, desestimulando a utilização deste instituto, já que o contrato preliminar pode sofrer modificações substanciais até o seu desfecho final.
Vale ressaltar que esse julgamento trouxe à tona a fragilidade do ordenamento brasileiro sobre o tema dos contratos preliminares, já que o ministro relator trouxe a baila vários posicionamentos dos mais variados países sobre o tema, os chamados direitos alienígenas.
4. Reflexão sobre as diferenças que teriam ocorrido caso a decisão tivesse sido tomada sob a égide do Código Civil de 2002
É sabido que em 2002, o novo código civil inaugurou uma nova ordem jurídica para as relações privadas, trazendo em seu bojo influências diretas da atual Constituição Federal de 1988, gerando um quadro de constitucionalização em todas as relações privadas. O código comercial teve a sua primeira parte revogada, o que impediria a sua aplicação nos dias atuais, decaindo um código que possuía teor meramente patrimonialista.
O Novo Código Civil, passou a tratar a matéria de forma específica, e logo em seu artigo 462, enuncia os requisitos do contrato preliminar:
Artigo 462 CC: “O contrato preliminar, exceto quanto a forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”
E o que seriam esses elementos essenciais ao contrato? Devido a grande variação nos elementos, utilizamos como base a teoria dos juristas baianos, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p. 49), que seguem o pensamento do ilustre professor, Orlando Gomes:
Capacidade das partes para contratar (isto é, desde que não absolutamente incapazes), objeto lícito, possível e suscetível de apreciação econômica e forma prevista ou não proibida em lei.
É notável que o legislador não obrigou grandes formalidades ao contrato preliminar, estimulando que esse tipo de contrato seja utilizado em larga escala, pois na economia atual, o direito deve atuar de forma dinâmica, a estimular que os negociantes utilizem o contrato preliminar até para discutirem melhor as clausulas do contrato.
O ministro vencido, Leitão de Abreu, acertou a meu ver no voto, já que as tratativas continham elementos essenciais a compor um contrato definitivo, pois obedece à declaração de vontade emitida em obediência aos pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico, pretendidos pelos agentes.
O caso seria julgado como se fosse um contrato preliminar, e o pedido a ser formulado pela Pão de Açúcar deveria a conversão e celebração no contrato definitivo, poiso contrato preliminar visa sempre a assinatura do definitivo, o que é exigível no novo código civil.
Caso a Pão de Açúcar ingressasse com a ação hoje, e em vez de requerer a ação de adjudicação, solicitasse o suprimento da declaração dos acionistas da DISCO S/A na celebração do contrato definitivo, obteriam êxito. Pois o código civil de 1916 não permitia que a vontade do juiz suprisse a omissão dos acionistas da DISCO, sob pena de adentrar na esfera privativa da vontade das partes.
Por fim, o pedido do Pão de Açúcar deveria ser pela assinatura do contrato final e por seguinte a de adjudicação compulsória da venda das ações, para pôr ponto final ao cumprimento do contrato.
5. Conclusão
Como já afirmado anteriormente, o caso em comento foi de grande importância à delimitação de classificação dos contratos preliminar na realidade brasileira, e até onde podem ter validade nas relações privadas, em especial, quando analisadas na atual conjuntura, que se prega a boa fé objetiva:
A boa-fé não é um paradigma apenas contratual, mas pré-contratual e extra-contratual e tem intesidades diferentes conforme o tipo de contrato social (contrato, publicidade, embalagem, marca, delito, ect.) e também conforme os sujeitos da relação (profissionais, leigos, crianças, idosos, pessoa determinada, pessoa inderterminada etc). Em outras palavras, quando escolho um parceiro contratual devo com ele cooperar leal e fortemente. Quando organizo e veiculo uma publicidade sei que - em um país como o Brasil - será vista por pobres e ricos, letrados e iletrados, atingirá e criará ou não confiança em pessoas informadas e mediamente informadas. Quando o contrato com outro profissional, que é expert no produto comprado, e não necessito informar ou esclarecer todos os detalhes, mas quando contrato com um leigo, informações e alertas simples podem ser importantes (MARQUES, 2005).
Fica como marco para que se tenha como aprendizado para a verdadeira distinção entre negociações preliminares e contratos preliminares, que são institutos diferentes. Pois nas negociações preliminares, ao contrário dos contratos preliminares, não geram direitos à contratação pretendida, podendo-se falar, no máximo, em uma responsabilidade civil pré-contratual, cujos danos são passíveis de indenização.
Mesmo que a definição do contrato preliminar adotado pelo STF no julgamento do caso tenha sido de forma correta, firmando entendimento até conceitual para o novo código civil, o deslinde da lide desembocou na não caracterização do contrato preliminar, o que não teria condão no novo código civil de 2002.
O contrato firmado entre o pão de Açúcar e a DISCO S/A tinha todos os requisitos, tais como preço, mesmo que não seja líquido o valor, era possível se determinar através de métodos técnicos, e também era dota de prazo estipulado para a conclusão da operação.
Logo, estamos falando do contrato preliminar, parte integrante dos negócios jurídicos, apto a criar, modificar e extinguir conforme a vontade de seus agentes, tendo sim, efeito vinculativo entre as partes, visando portanto a assinatura do contrato final.
Referências Bibliográficas:
BORDA, Guillermo A. Manual de Contratos. 4° ed. Buenos Aires: Perrot, 1999.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. v.3. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 3. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
________________. Código Civil Anotado. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
GOMES, Orlando. Contratos. 24º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
________________. Introdução ao Direito Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil Esquematizado. 8° Edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARQUES, Cláudia Lima. Violação do dever de boa fé de informar corretamente, atos negociais omissivos afetando o direito/liberdade de escolha. Nexo causal entre a falha/defeito de informação e defeito de qualidade nos produtos de tabaco e o dano final morte. Responsabilidade do fabricante do produto. Direito a ressarcimento dos danos materiais e morais, sejam preventivos, reparatórios ou satisfatórios. Revista dos Tribunais. v. 94, n. 835, p. 75–133, maio, 2005.
QUEIROZ, Mônica. Saberes do Direito: Direito Civil IV. São Paulo: Saraiva, 2012.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. vol 3. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. v. 3, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. 2ª ed. Rio de Janeiro: AIDE, 1999.
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil. vol. II. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
Tabelião substituto. Especialista em Direito do Estado e Direito Empresarial.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Hugo Amoedo. Força vinculativa do contrato preliminar: análise do Recurso Extraordinário nº 88.716/RJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45962/forca-vinculativa-do-contrato-preliminar-analise-do-recurso-extraordinario-no-88-716-rj. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
Precisa estar logado para fazer comentários.