RESUMO: A teoria jurídica da infração penal enfrenta o desafio de construir um ensinamento que conceitue a infração penal de forma analítica, no intuito de verificar sua existência em concreto. Para essa teoria, a tipicidade penal revela-se como o elemento ou fenômeno fundamental para a caracterização do fato típico. A tipicidade, juntamente com a ilicitude, passa a ser analisada sob o prisma da tipicidade formal, assim como da tipicidade conglobante. Com efeito, o presente trabalho visa analisar a excludente de ilicitude, qual seja, o estrito cumprimento do dever legal, tendo como questão de pesquisa a indagação sobre qual a natureza jurídica a ser adotada, analisada sob a ótica da tipicidade conglobante.
PALAVRAS-CHAVE: Excludentes de ilicitude. Estrito cumprimento do dever legal. Natureza jurídica. Tipicidade conglobante.
ABSTRACT: The legal theory of the criminal offense faces the challenge of building a theory that conceptualizes a criminal offense analytically, in order to verify its existence in concrete. For this theory, typicality criminal reveals itself as the fundamental element or phenomenon to characterize the typical fact. That, along with the wrongfulness are being examined under the prism of formal typicality, as well as the typicality conglobante. This study therefore aims to analyze the exclusionary illegality, namely, strict compliance with legal obligations, with the research question the question about which legal to be adopted, analyzed from the perspective of typicality conglobante.
KEYWORDS: Exclusive of illegality. Strict compliance with legal obligations. Legal nature. Conglobante typicality.
1 INTRODUÇÃO
O conceito de crime no ordenamento jurídico brasileiro é muito discutido pela doutrina, pois o Código Penal não o define. A Lei de Introdução ao Código Penal é que mais se aproxima do conceito, em seu artigo 1º: "considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa".
A definição é insuficiente, entretanto, sendo necessário um estudo mais apurado do conceito de crime. A partir desse estudo chegou-se a conclusão que o crime pode ser visto sob três aspectos: formal, material e analítico. O crime, sob a perspectiva formal, é a conduta descrita na lei penal incriminadora que culmina uma sanção. Sob o aspecto material, crime é toda conduta que lesa, ofende ou coloca em perigo bens juridicamente tutelados. Por fim, para o aspecto analítico, o ato praticado pelo agente deve enquadrar-se na perspectiva analítica, ou seja, todos os elementos essenciais devem estar presentes.
Ainda, no aspecto analítico, há divergência se o conceito de crime é bipartido, ou seja, considera-se o crime um fato típico e antijurídico, apenas, sendo a culpabilidade pressuposto de aplicação de pena. A teoria quadripartida defende que o crime, sob o aspecto analítico, é um fato típico, antijurídico, culpável e punível. Porém, essa teoria não é muito defendida no Brasil. A teoria tripartida é aquela que considera crime um fato típico, antijurídico e culpável.
Partindo do conceito analítico-tripartido de infração penal, que foi adotado pelo direito brasileiro, formado pelos elementos fato típico, ilicitude ou antijuridicidade e culpabilidade, busca-se investigar a concepção de tipicidade penal que esteja em consonância com os pressupostos de um Direito Penal mínimo, caracterizado por sua eficiência na promoção da segurança jurídica, efetivando os direitos fundamentais, prevenindo infrações penais e afastando a intervenção desnecessária e arbitrária do titular do jus puniendi.
A teoria jurídica da infração penal enfrenta o desafio de construir uma teoria que conceitue a infração penal analiticamente, no intuito de verificar sua existência, em concreto. Deste modo, afirma-se que a teoria da infração penal é jurídica por ser uma construção doutrinária à luz do sistema jurídico-penal. Não existe um conceito fornecido pelo legislador, restando, contudo seu conceito jurídico.
Esta conceituação analítica da infração penal não é um mero discorrer sobre o delito com interesse de pura especulação, contrariamente, atende ao cumprimento de um objetivo fundamentalmente prático que consiste em tornar mais fácil a averiguação da presença, ou ausência, do delito em cada caso concreto. Numa perspectiva garantista, os operadores do direito devem analisar todos os requisitos, pois faltando somente um, rechaçada está a existência da conduta infracional. Se há tipicidade, porém, não há ilicitude, a conduta criminosa não poderá ser imputada ao agente.
Para percorrer este caminho, a doutrina dominante[1] define analiticamente a infração penal como o fato típico, ilícito ou antijurídico e culpável.
Ressalta-se o elemento “fato típico” como um dos requisitos para a configuração da infração penal, baseia-se não somente pela conduta do agente, mas também pelo resultado produzido por essa conduta e pelo nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Neste sentido, Rogério Greco constata que:
O fato (...) abrange a conduta do agente, o resultado dela advindo, bem como o nexo de causalidade entre a conduta do agente, o resultado dela advindo, bem como o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Portanto, não vislumbramos diferença que mereça destaque entre as expressões ação típica ou fato típico[2].
Por imposição do princípio nullum crimen sine lege, o legislador, quando quer impor ou proibir condutas sob a ameaça de sanção, deve, obrigatoriamente, valer-se de uma lei. Quando a lei em sentido estrito descreve a conduta (comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinados bens cuja tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo penal.
A tipicidade penal revela-se como o elemento ou fenômeno fundamental para a caracterização do fato típico. Na verdade, estas expressões se confundem. O estudioso do direito que conclui pela existência do fato típico, conclui, portanto, pela existência da tipicidade. Tudo o que foi explanado anteriormente como elementos constitutivos do fato típico, como conduta, nexo de causalidade, resultado e tipo penal é examinado de forma sistemática e combinada no estudo da tipicidade. Por isso sua relevância.
A tipicidade penal é o fenômeno ou elemento que consiste na adequação da conduta ou do fato ao modelo abstrato penal descrito pelo tipo penal à luz da ordem normativa e dos princípios conformadores do direito penal. Esta concepção de tipicidade penal atrelada à tipicidade conglobante é uma importante contribuição do penalista argentino Eugênio Zaffaroni. Uma ideia marcada pelo seu rigor científico e lógico, apta a ser aplicada na análise das condutas que são objetos do sistema penal.
Neste sentido, os autores Zaffaroni e Pierangeli sintetizam sua ideia de tipicidade penal afirmando que:
Daí que tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, a adequação à formulação legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário, que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito de proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal.[3]
Deste modo, Zaffaroni contribui para a reconceituação da infração penal, sobretudo para a categoria de tipicidade, que é enfocada conglobadamente.
Para isso, a concepção de tipicidade conglobante abraça duas noções fundamentais para verificar, de modo preciso e coerente, a existência do fato típico: a) a conduta do agente deve ser antinormativa, ou seja, deve-se analisar a conduta praticada à luz do universo normativo; e b) esta conduta deve, de forma efetiva e relevante, ofender o bem jurídico previsto pelo tipo penal, incorrendo no que a doutrina penal costuma denominar de tipicidade material.
Já a antijuridicidade consiste na contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas.
A tipicidade penal e a ilicitude, portanto, passam a ser analisadas sob o prisma da tipicidade formal (conduta, resultado, nexo de causalidade, etc), assim como da tipicidade conglobante (verificação da antinormatividade da conduta e da afetação efetiva e relevante ao bem jurídico).
Deste modo, a grande consequência da tipicidade conglobante, no momento de análise da antinormatividade da conduta, tem implicação direta na teoria da infração penal, em especial, na tipicidade penal e antijuridicidade, em que institutos, para alguns doutrinadores, migram para da ilicitude para a tipicidade.
No presente trabalho, alguns casos previstos pelo Código Penal como causas excludentes de ilicitude ou antijuridicidade, no seu art. 23, III, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito, passam a ser analisados pela tipicidade conglobante, fortalecendo o campo da tipicidade penal e esvaziando o campo da ilicitude.
A excludente do estrito cumprimento do dever legal será tratada em um capítulo a parte, enfatizando a sua importância para o desenvolvimento do trabalho. Será abordado o seu conceito e, também, os elementos que a caracteriza e os casos especiais que podem ocorrer.
O quinto e o último capítulo explanarão sobre o principal tema debatido do presente trabalho, analisando a natureza jurídica da excludente de ilicitude, assim vista pelo Código Penal brasileiro, estrito cumprimento do dever legal, sob a luz da tipicidade conglobante.
2 ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
2.1 Conceito
Ao contrário do que fez em relação ao estado de necessidade e à legítima defesa, o Código Penal não apresentou o conceito do estrito cumprimento do dever legal, nem seus elementos característicos. Apenas limitou-se em seu art. 23, inciso III, do CP a dizer que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal.
O estrito cumprimento de dever legal é o instituto jurídico penal que compreende as normas e princípios relativos à atuação de quem, sob comando legal, pratica conduta descrita em um tipo legal.
Na eximente em apreço, a lei não determina apenas a faculdade, a escolha do agente em obedecer ou não a regra por ela estabelecida. Há, em verdade, o dever legal de agir. O dever de agir tem origem na lei, exclusivamente. É o caso, por exemplo, do cumprimento do mandado de busca domiciliar, em que haja impedimento à ordem de ingresso na residência, o que autoriza o arrombamento da porta e a entrada forçada, conforme autoriza o Código de Processo Civil, em seu art. 245, parágrafo 2º.
A conduta em estrito cumprimento de dever legal pode ter por agente tanto o funcionário público quanto o particular, sendo mais comum o primeiro caso. Porém, exige sempre a existência de uma norma preceptiva, impondo a alguém a realização de comportamento, de natureza penal ou não.
Os agentes públicos, no desempenho de suas atividades, não raras vezes, devem agir interferindo na esfera privada dos cidadãos, exatamente para assegurar o cumprimento da lei. Essa intervenção redunda em agressão a bens jurídicos como a liberdade, a integridade física ou a própria vida. Dentro de limites aceitáveis, tal intervenção é justificada pelo estrito cumprimento de um dever legal.
Importante notar que a excludente é incompatível com os crimes culposos, pois, a lei não obriga ninguém a agir com imprudência, imperícia ou negligência.
A natureza da eximente, atualmente, enfrenta discussões doutrinárias. Os autores Zaffaroni e Pierangeli assim dispõem sobre a natureza do estrito cumprimento do dever legal:
Embora um bom número de autores considere que se trata de uma causa de justificação, vimos que assim não é, porque as causas de justificação são geradas a partir de um preceito permissivo, enquanto no cumprimento de um dever jurídico há somente uma norma preceptiva (uma ordem). Quem não quer agir justificadamente não pode fazê-lo, porque o direito não lhe ordena que assim o faça, mas simplesmente lhe dá uma permissão. Por outro lado, quem deixa de cumprir com um dever jurídico é punido, porque o direito lhe ordena que aja desta forma. Ademais, enquanto no cumprimento de dever jurídico há uma ordem, na causa de justificação não há sequer um favorecimento da conduta justificada, que somente está permitida como um gesto de impotência diante de uma situação conflitiva.[4]
Para os autores, portanto, o estrito cumprimento do dever legal é uma causa de atipicidade penal e, não, uma causa de justificação, em virtude da atipicidade causada pela sua conformidade com a ordem normativa, o que será tratado em tópico específico.
2.2 Elementos
Da mesma forma que as demais causas de justificação, exige-se a presença de seus elementos objetivos e subjetivos.
Dentro do conceito da descriminante do art. 23, inciso III, do CP, é importante atentar para duas expressões: “dever legal” e “cumprimento estrito”.
A excludente, então, inclui como elementos os acima elencados. Entende-se por dever legal toda e qualquer obrigação direta ou indiretamente derivada de lei, isto é preceito obrigatório e derivado da autoridade pública competente para emiti-lo. Pode, portanto, constar de decreto, regulamento, etc. Veja-se:
Trata-se de deveres que são impostos pela ordem jurídica lato sensu. Não são apenas obrigações decorrentes de lei em sentido estrito, mas de qualquer disposição que tenha eficácia de forma a poder constituir um vínculo jurídico. É o caso dos decretos, dos regulamentos, das portarias, e mesmo das sentenças judiciais e provimentos judiciários em geral, e até de ordem legítima de autoridade hierarquicamente superior. Podem tais deveres, outrossim, derivar de norma penal, como de norma extrapenal, tento de direito público como de direito privado.[5]
O art. 13, parágrafo 2º, do Código Penal preceitua que não é suficiente o dever de agir, mas que a omissão é penalmente relevante quando o omitente podia e devia agir para evitar o resultado. É necessário que, quem tem o dever de agir, tenha se omitido quando devia e podia agir de forma a impedir o resultado. A alínea “a” do referido artigo trata do dever legal relativo às pessoas que tem a obrigação de impedir o resultado. É o que se dá com os pais em relação aos filhos, bem como os policiais no tocante aos indivíduos em geral.
Se porventura, com a finalidade de corrigir os filhos, os pais constrangerem os filhos de alguma forma, tal situação deve ser analisada sob a ótica do estrito cumprimento do dever legal.
Para Rogério Greco, porém, as condutas praticadas pelos pais em relação aos filhos devem ser analisadas pela aplicação do exercício regular de direito. Veja-se:
Acreditamos que nesses casos que dizem respeito às condutas praticadas pelos pais na criação e educação de seus filhos a ilicitude seja afastada não pela causa de justificação do estrito cumprimento do dever legal, mas sim pelo exercício regular de um direito. Não há um dever, segundo entendemos, de corrigir os filhos aplicando-lhes castigos moderados, mas sim um direito. Isto é, os pais podem ou não se valer de castigos corporais, ou outras formas de constrangimento, para que seus filhos sejam educados e corrigidos, mas não podemos concluir que essa forma de castigo seja um dever, mas tão somente um direito.[6]
Destarte, o cumprimento de dever social, moral ou religioso, ainda que estrito, não autoriza a aplicação dessa excludente.
Ainda, o cumprimento deve ser estritamente dentro da lei, sendo, assim, mais um elemento a atuação do agente pautado aos ditames da lei. Exige-se que o agente se contenha dentro dos rígidos limites de seu dever, fora dos quais desaparece a excludente.
Fora dos limites traçados pela lei, surge o excesso ou abuso de autoridade, o fato torna-se ilícito e, além, de livrar do cumprimento aquele a quem se dirigia a ordem, abre-lhe espaço para utilização da legítima defesa.
2.3 Casos Especiais
O presente tópico visa abordar alguns exemplos de aplicação prática da excludente. Em geral, o dever legal é dirigido àqueles que fazem parte da Administração Pública, tais como policiais e oficiais de justiça.
Assim, por exemplo, o policial que, ao cumprir o dever legal de realizar prisão em flagrante delito (art. 301, do CPP), em primeiro lugar, deve tentar executá-la utilizando simplesmente a chamada “voz de prisão”. Caso não seja atendido, deverá empreender a força física necessária para deter o infrator. Não poderá, porém, com o intento de evitar a fuga do fugitivo, usar arma de fogo para matá-lo ou até mesmo feri-lo. O emprego da força pela Polícia, no estrito cumprimento de dever legal, deverá nortear-se pelos princípios: da intervenção mínima, da proporcionalidade e da inviolabilidade dos direitos fundamentais.
Note-se que a Constituição Federal pátria assegura ao preso respeito à integridade física e moral (art. 5°, inciso XLIX). Tal garantia evidentemente abrange a pessoa que está preste a ser presa.
Com relação à atitude de policiais que, visando evitar a fuga de detentos em um presídio, atiram para matá-los, a Constituição Federal prevê expressamente em seu art. 84, inciso XIX, que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada. O policial não poderá alegar a excludente.
Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, tendo como relator o Desembargador José Eduardo Grandi Ribeiro:
Não age ao abrigo da excludente do estrito cumprimento do dever legal o policial que, a título de fazer averiguação, atira na vítima pelas costas quando esta, temerosa de uma possível detenção, se afastava a correr.[7]
O uso de armas de fogo, por implicar a lesão inevitável dos direitos fundamentais, exclui-se do âmbito do estrito cumprimento de dever legal. Mesmo a utilização de algemas não fica à livre discricionariedade do policial, conforme pode-se inserir da súmula vinculante número 11[8]. Por constituir uma das modalidades do uso da força, submete-se aos princípios antes relacionados.
Imagine-se, também, o seguinte exemplo: um carrasco que tem a obrigação legal de executar o condenado, dispara contra ele um tiro mortal, visto que tinha sido sentenciado a morte por fuzilamento. O primeiro passo é descobrir se o fato é típico formalmente. Em conclusão, existe formalmente adequação típica em face do art. 121, do Código Penal. Em seguida, faz-se a seguinte indagação: existe tipicidade conglobante? Para que se possa falar em tipicidade conglobante é necessário que a conduta do agente seja antinormativa e que haja tipicidade material, ou seja, que ocorra um critério material de seleção do bem a ser protegido.
O que se quer esclarecer é que a proibição contida no art. 121, do CP se dirige a todos, à exceção daqueles que tem o dever de matar, ou seja, que atuam em estrito cumprimento do dever legal. A proibição de matar não se dirige ao carrasco, portanto, sua conduta não seria antinormativa.
Não obstante, no atual Estado Democrático de Direito, em que se encontra o direito brasileiro, o que se exige do agente do cumprimento da lei não é que execute, a qualquer custo, o que nela estiver previsto, mas que realize o comando legal, de forma que lese o menos possível os interesses particulares (princípio da intervenção mínima). Em consonância com tal princípio, o CPC, por exemplo, impõe ao oficial de justiça (art. 659) a obrigação de efetuar a penhora do modo menos gravoso para o devedor (art. 620).
Na mesma esteira, veja-se jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CUMPRIMENTO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. ATUAÇÃO DE AGENTES POLICIAIS. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. AUSÊNCIA DE ABUSO NO CUMPRIMENTO DA MEDIDA. NOTA VEICULADA NA IMPRENSA QUE NÃO FAZ REFERÊNCIA AO NOME DO APELANTE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Ainda que aplicável a teoria da responsabilidade objetiva, lastreada na teoria do risco administrativo, compete à parte autora a demonstração do nexo de causalidade e do dano. Caso em que o cumprimento do mandado de busca e apreensão se deu com determinação...[9] (grifos nossos)
A ideia de que o encarregado do cumprimento da lei tudo pode, só é compatível com uma concepção absolutista do Estado, onde o executor da lei é investido da autoridade do príncipe e em seus atos deve expressar toda a força do soberano. Por outro lado, quando o agente do cumprimento da lei atua sem utilizar os meios de menor potencial ofensivo de que dispunha ou persiste no emprego de meios necessários mesmo após a realização do comando legal, incide em excesso.
3 TIPICIDADE
O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da legalidade. A Constituição brasileira de 1988 consagra expressamente o princípio em seu art. 5º, inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Assim, a teoria do tipo, concebida no ano de 1906 pelo alemão Ernst von Beling foi de grande importância para as teorias adotadas atualmente. É o tipo legal que realiza e garante o princípio da legalidade. Também, a definição atual da tipicidade deriva das ideias do autor.
Antes de Beling[10], o crime se dividia em dois blocos: ilicitude, de ordem objetiva, e culpabilidade, de natureza subjetiva. Não se falava em tipicidade. Posteriormente, o delito passou a ter três partes: tipicidade e ilicitude, sendo ambas objetivas e culpabilidade, sendo subjetiva.
Entretanto, não se deve confundir o tipo legal com a tipicidade. O tipo é a fórmula que pertence à lei, ou seja, é o próprio artigo de lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. Um fato típico é uma conduta humana, por isso prevista na norma penal. Tipicidade é a qualidade que se dá a esse fato.
Para o autor Cleber Masson, fato típico é:
O fato humano que se enquadra com perfeição aos elementos descritos pelo tipo penal. A conduta de subtrair dolosamente, para si, coisa alheia móvel, caracteriza o crime de furto, uma vez que se amolda ao modelo delineado pelo art. 155, caput, do Código Penal. Em sentido contrário, fato atípico é a conduta que não encontra correspondência em nenhum tipo penal. Por exemplo, a ação do pai consistente em manter relação sexual consentida com sua filha maior de idade e plenamente capaz é atípica, pois o incesto, ainda que imoral, não é crime.[11]
Ainda, o autor mencionado, ao tratar sobre a tipicidade explica que:
Tipicidade é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito pelo tipo penal (“adequação ao catálogo”). É a operação pela qual se analisa se o fato praticado pelo agente encontra correspondência em uma conduta prevista em lei como crime ou contravenção penal.[12]
O autor Fernando Capez assim descreve a tipicidade:
É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na correspondência entre ambos.[13]
O fato típico é composto pela conduta do agente, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, pelo resultado, bem como pelo nexo de causalidade entre aquela e este. Mas isso não basta. É preciso que a conduta também se amolde, subsuma-se a um modelo abstrato previsto na lei.
Tipicidade quer dizer, assim, a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador.
Nas palavras de Muñoz Conde:
Tipicidade é adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei penal. Por imperativo do princípio da legalidade, em sua vertente do nullum crimen sine lege, só os fatos tipificados na lei penal como delitos podem ser considerados como tal.[14]
A tipicidade ainda é dividida em formal e material. A tipicidade formal é a adequação do fato à norma. A tipicidade material é a conduta que provoca uma lesão ou ameaça de lesão intolerável ao bem jurídico protegido (condições mínimas de convivência). A fórmula poderia assim ser sintetizada: tipicidade formal = adequação do fato ao tipo penal incriminador; tipicidade material = a materialização do tipo formal, entendida como a concretização da conduta prevista na norma penal incriminadora que provoca uma lesão ou ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado.
O capítulo a seguir tratará da tipicidade conglobante, uma das várias teorias acerca da tipicidade.
4 TIPICIDADE CONGLOBANTE
4.1 Conceito
De acordo com a teoria da tipicidade conglobante, criada pelo penalista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, o fato típico pressupõe que a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico como um todo, globalmente considerado. Assim, quando algum ramo do direito, civil, trabalhista, administrativo, processual ou qualquer outro, permitir o comportamento, o fato será considerado atípico. O direito é um só e deve ser considerado como um todo, um bloco monolítico, não importando sua esfera; a ordem é conglobante. Seria contraditório autorizar a prática de uma conduta por considerá-la lícita e, ao mesmo tempo, descrevê-la em um tipo como crime.
Para a teoria, a fórmula adequada seria: tipicidade penal = tipicidade legal ou formal + tipicidade conglobante.
Pode-se, assim, afirmar que a tipicidade legal consiste apenas no enquadramento formal da conduta no tipo, o que é insuficiente para a existência do fato típico. Assim, para a tipicidade legal, a exemplo do art. 155 do Código Penal, aquele que simplesmente subtrai coisa alheia móvel não com o fim de tê-la para si ou para outrem, mas para usá-la, não comete o crime de furto, sendo atípico, portanto, o “furto de uso”.
A conglobante exige que a conduta seja anormal perante o ordenamento como um todo. O nome conglobante decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento penal. Os principais defensores desta teoria são: o já falado Eugenio Raúl Zaffaroni e, também, José Henrique Pierangelli.
Nos sábios dizeres dos autores acima, tem-se que:
A norma proibitiva que dá lugar ao tipo não está isolada, mas permanece junto com outras normas também proibitivas, formando uma ordem normativa, onde não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou aquela que outra fomenta. Se isso fosse admitido, não se poderia falar de “ordem normativa”, e sim de um amontoado caprichoso de normas arbitrariamente reunidas.[15]
Nesse mesmo sentido são as lições de Bobbio, quando assevera:
Um ordenamento jurídico constitui um sistema porque não podem coexistir nele normas incompatíveis. Aqui, “sistema” equivale a validade do princípio, que exclui a incompatibilidade das normas. Se num ordenamento vem a existir normas incompatíveis, uma das duas ou ambas devem ser eliminadas. Se isso é verdade, quer dizer que as normas de um ordenamento tem um certo relacionamento entre si, e esse relacionamento é o relacionamento de compatibilidade, que implica na exclusão da incompatibilidade.[16]
A ideia geral dessa teoria, portanto, é que não há como admitir dentro de um mesmo ordenamento jurídico a existência de normas que proíbem determinadas condutas ao passo em que outras a incentivem ou vice-versa
4.2 Elementos
A teoria da tipicidade conglobante exige para a ocorrência do fato típico: (a) a correspondência formal entre o que está escrito no tipo e o que foi praticado pelo agente no caso concreto (tipicidade legal ou formal), (b) que haja tipicidade material, e (c) que a conduta seja anormal, ou seja, violadora da norma, entendida esta como o ordenamento jurídico como um todo, ou seja, o civil, o administrativo, o trabalhista, etc. (tipicidade conglobante).
Quanto ao primeiro requisito correspondência formal entre o que está no tipo e o que foi praticado pelo agente, a tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é antinormativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).
É preciso verificar, também, a chamada tipicidade material. A finalidade do direito penal é a proteção dos bens mais importantes para a sociedade. O princípio da intervenção mínima assevera que nem todos os bens são passíveis de ser por ele protegido, mas somente os que gozem de certa importância. O legislador abrigou, por exemplo, o direito à vida, à integridade física, o patrimônio, a honra, a liberdade, etc.
Ao iniciar-se o estudo da tipicidade material, verificar-se-á que excluem-se dos tipos penais os fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais tem aplicação o princípio da insignificância.
Ou seja, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem no caso concreto, a fim de concluir se determinado bem merece ou não ser protegido pelo direito penal.
No que tange à conduta violadora do ordenamento jurídico como um todo, não basta que uma conduta seja apenas prevista como ilícita no Código Civil ou no Código Penal. A conduta será tida como violadora do conjunto de normas de todo o ordenamento brasileiro.
Vale a pena citar a explicação de Zaffaroni e Pierangeli acerca do assunto:
Suponhamos que somos juízes e que é levada a nosso conhecimento a conduta de uma pessoa que, na qualidade de oficial de justiça, recebeu uma ordem, emanada por juiz competente, de penhora e sequestro de um quadro, de propriedade de um devedor a quem se executa em processo regular, por seu legítimo credor, para a cobrança de um crédito vencido, e que, em cumprimento desta ordem judicial e das funções que por lei lhe competem, solicita o auxílio de força pública, e, com todas as formalidades requeridas, efetivamente sequestra a obra, colocando-a à disposição do Juízo. O mais elementar senso comum indica que esta conduta não pode ter qualquer relevância penal, que de modo algum pode ser delito, mas por quê? Receberemos a resposta de que essa conduta enquadra-se nas previsões do art. 23, III, do CP: “Não há crime quando o agente pratica o fato...em estrito cumprimento de dever legal...”. é indiscutível que ela aí se enquadra, mas que caráter do delito desaparece quando um sujeito age em cumprimento de um dever? Para boa parte da doutrina, o oficial de justiça teria atuado ao amparo de uma causa de justificação, isto é, que faltaria a antijuridicidade da conduta, mas que ela seria típica. Para nós, esta resposta é inadmissível, porque tipicidade implica antinormatividade (contrariedade à norma) e não podemos admitir que na ordem normativa uma ordena o que a outra proíbe. Uma ordem normativa, na qual uma norma possa ordenar o que a outra pode proibir, deixa de ser ordem e de ser normativa e torna-se uma “desordem” arbitrária. [17]
Portanto, a tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal. Dessa forma, o autor muda a forma como a tipicidade penal deve ser analisada, havendo fusão entre a tipicidade legal e a conglobante.
Concluindo, para que se possa falar em tipicidade penal, tem que haver a fusão dos elementos: tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante (que é formada pela antinormatividade e pela tipicidade material).
5 A NATUREZA JURÍDICA DO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL À LUZ DA TIPICIDADE CONGLOBANTE
Como anteriormente explanado, a tipicidade é a relação de adequação da conduta do agente com o tipo penal. Ela é formada pela tipicidade formal e a tipicidade conglobante, que por sua vez engloba a tipicidade conglobante material e a tipicidade conglobante antinormativa. Pela tipicidade conglobante antinormativa, não é típica a conduta daquele que pratica uma conduta que, embora seja formalmente típica, seja imposta ou fomentada pelo direito.
Os doutrinadores, ao lecionar sobre o tema, apresentam o exemplo do oficial de justiça que, cumprindo uma ordem de penhora e sequestro de bens, toma do executado um quadro valioso. Vê-se que se trata exatamente da mesma situação prevista para a excludente do estrito cumprimento do dever legal. Se tanto essa excludente como a tipicidade conglobante antinormativa tem a mesma conceituação, a conduta do agente que atua em exemplos como a do policial e a do oficial de justiça deve ser examinada à luz do “fato típico” ou à luz da “antijuridicidade”?
Na atualidade, como o Código Penal brasileiro adotou o estrito cumprimento de dever legal como causa de exclusão de ilicitude, condutas como as dos exemplos devem ser examinadas ainda sob a ótica da ilicitude.
Porém, os casos de estrito cumprimento de dever legal deveriam ser analisados quando da verificação da tipicidade penal, sob a ótica da tipicidade conglobante antinormativa, pois isso evita que coexistam dentro do ordenamento jurídico uma norma que ordena que se faça uma coisa, enquanto outra norma proíbe essa mesma conduta. Em outras palavras, deve-se buscar evitar que condutas impostas pelo ordenamento jurídico sejam consideradas típicas pelo próprio ordenamento jurídico, tornando este mais harmônico.
Para que se possa falar em tipicidade penal não basta a mera adequação da conduta ao modelo abstrato previsto na lei penal. Isso é características da tipicidade reconhecida como legal ou formal. É preciso, para reconhecer a tipicidade penal, dar mais um passo. Deverá o agente indagar sobre uma outra espécie de tipicidade, qual seja, a conglobante.
Para que o raciocínio possa ser desenvolvido com clareza, necessário trazer à baila mais uma vez a fórmula: tipicidade penal = tipicidade legal + tipicidade conglobante.
Exigindo-se a tipicidade conglobante, juntamente com a tipicidade formal, para a existência da tipicidade penal, alguns problemas são resolvidos quando da análise do fato típico. Para que haja o crime é preciso que a conduta praticada pelo agente seja típica, ilícita e culpável, Cada um desses elementos, como asseverou Welzel[18], nessa divisão tripartida do conceito analítico do crime, é um elemento de estudo necessário, lógico e antecedente do estudo do elemento seguinte. O intérprete, portanto, quando chega ao seu conhecimento um determinado acontecimento, deve analisar o estudo pelo fato típico. Concluindo pela tipicidade, parte-se para a ilicitude. Concluindo-se pela ilicitude, parte-se para a culpabilidade.
Com a tipicidade conglobante, quer-se encurtar o estudo do crime, resolvendo, em algumas hipóteses, problemas que seriam analisados fora do estudo do tipo. Isso se dá, por exemplo, nos casos em que o agente atua amparado pelo estrito cumprimento do dever legal.
No caso do carrasco, já comentado, este cumpre uma função que lhe é imposta pela norma. Teria o carrasco, no caso, praticado uma conduta típica? Para aqueles que não adotam o conceito de tipicidade conglobante, a conduta seria típica, mas não antijurídica, pois estaria acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal. Mas pela tipicidade conglobante, a teoria limita o âmbito de abrangência do tipo penal, para excluir dele condutar que não sejam antinormativas, ou seja, contrárias à norma, mas que, na verdade, são impostas pela própria norma. O fato de o carrasco matar alguém não deve ser resolvido quando da análise da ilicitude, mas, sim, quando se for verificar a tipicidade penal, mais especificamente na tipicidade conglobante.
Após afirmarem que as normas jurídicas não são e nem vivem isoladas, preceituam que:
A lógica mais elementar nos diz que o tipo não pode proibir o que o direito ordena e nem o que ele fomenta. Pode ocorrer que o tipo legal pareça incluir estes casos na tipicidade, como sucede com o oficial de justiça, e no entanto, quando penetramos um pouco mais no alcance da norma que está anteposta ao tipo, nos apercebemos que, interpretada como parte da ordem normativa, a conduta que se adequa ao tipo legal não pode estar proibida, porque a própria ordem normativa a ordena e a incentiva.[19]
Deve ser ressaltado que o Código Penal pátrio adotou o estrito cumprimento do dever legal como causa de exclusão da ilicitude, mas sendo adotada no futuro a tipicidade conglobante, ocorrerá um esvaziamento das causas de exclusão da ilicitude, vez que o atuação do agente não será antinormativa e, como consequência, afastará a tipicidade penal por ausência de tipicidade conglobante.
Para os autores, portanto, o estrito cumprimento do dever legal é uma causa de atipicidade penal e, não, uma causa de exclusão de ilicitude.
6 CONCLUSÃO
O presente trabalho teve por objetivo estudar a matéria estrito cumprimento do dever legal à luz da tipicidade conglobante, facilitando, assim, o trabalho de todos os aplicadores do Direito de na área penal, já que na verificação de condutas delitivas há casos em que a constatação da inocorrência de um crime pode ser verificada desde a análise do primeiro elemento constitutivo do crime, que é o fato típico. Tendo por base a teoria da Tipicidade Conglobante é possível eliminar condutas que apenas aparentam ser delitivas, por meio do impedimento de existência de antinomias no ordenamento jurídico. Condutas que são fomentadas ou determinadas por lei, não podem ser proibidas.
Para a análise do crime a partir da teoria analítica-tripartida, há que se observar primeiramente se a conduta se encaixa na descrição da tipicidade. Posteriormente, observa-se a ilicitude e, por último, a culpabilidade. Havendo a exclusão de um desses, o sujeito ativo do crime não será responsabilizado.
Como visto, a tipicidade é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito no tipo penal. É a operação pela qual se analisa se o fato praticado pelo agente encontra correspondência em uma conduta prevista em lei como crime ou contravenção.
Por sua vez, a ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém, ou seja, a conduta e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
Os institutos estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito fazem parte das excludentes de ilicitude.
Entende-se por estrito cumprimento do dever legal a situação em que a norma jurídica impõe uma conduta a determinada pessoa, e esta a cumpre rigorosamente da forma descrita em lei, deve-se atentar que a conduta descrita em lei é obrigatória, e não uma simples faculdade da pessoa em cumpri-la ou não.
Para os não adeptos da Teoria da Tipicidade Conglobante dos autores Zaffaroni e Pierangeli, tais causas se tratam de causas legais de exclusão de ilicitude, em que são praticados atos penalmente tipificados, porém abarcados pela exclusão da ilicitude em virtude de uma ponderação de bens juridicamente protegidos que, ameaçados ou em virtude de iminente ameaça, podem ser sacrificados conforme o caso em concreto.
Para a teoria da Tipicidade Conglobante, que prevê a tipicidade composta em tipicidade formal e tipicidade conglobante, esta subdividida em antinormatividade e tipicidade material, formando, assim, a tipicidade penal, o estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular de um direito são atos normativos (determinados por lei), não excluindo a ilicitude, mas a própria tipicidade.
De acordo com a Teoria da Tipicidade Conglobante, a hipótese de estrito cumprimento de dever legal, assim como a de exercício regular de direito, quando fomentado, por serem situações permitidas pelo direito não, se enquadram na necessidade da conduta punível ser antinormativa.
A tipicidade conglobante é a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se afere separando o alcance da norma proibitiva conglobada com as demais normas do ordenamento jurídico.
Assim, há exclusão da tipicidade e não da ilicitude, excluindo a antinormatividade sob pena de o legislador ter criado situações antinormativas praticadas pela administração, como, por exemplo, no caso de um policial que prende, utilizando de força física necessária e indispensável, sujeito delinquente, atuando em estrito cumprimento de um dever legal.
Portanto, ao cumprir uma ordem ou faculdade legal, não é correto dizer que uma pessoa cometeu um fato típico, posto que o próprio Estado incentivou ou impôs essa conduta, então o fato será Atípico. Portanto, se a conduta é fomentada ou determinada por lei, não há necessidade de lançar mão de uma causa de justificação, tendo em vista que o próprio ordenamento jurídico obrigou ou estimulou essa conduta.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Santiago de Chile: Ed. Juridica de Chile, 1976.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
[1] A doutrina dominante no país defende o conceito tripartido de infração penal: fato típico, antijurídico e culpável. Adotam esta concepção Hans Welzel, Claus Roxin, Eugênio Zaffaroni e José Pierangeli, César Roberto Bitencourt, Francisco de Assis Toledo, Luiz Regis Prado, Rogério Greco e Cláudio Brandão. Há quem adote uma concepção bipartida em que os elementos configuradores da infração penal seria somente o fato típico e antijurídico, com a culpabilidade sendo mero pressuposto da pena. São defensores desta posição Damásio de Jesus, Júlio Mirabete, Celso Delmanto, René Ariel Dotti e Fernando Capez.
[2]GRECO, Rogério. Direito penal. 2005, p. 157.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 549, 550.
[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 551.
[5] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. Ed. Porto Alegre: Fabris, 2003. p. 143.
[6] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 362.
[7] RT 644/311.
[8] Súmula vinculante 11: “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
[9] 70046968293 RS , Relator: Artur Arnildo Ludwig, Data de Julgamento: 13/09/2012, Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/09/2012.
[10] BELING, Ernst von. Esquema de derecho penal. La doctrina del delito-tipo. Trad. De Sebástian Soler. Buenos Aires: Depalma, 1944, p. 59.
[11] MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 195.
[12] MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 230.
[13] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 190.
[14] MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 41.
[15] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 549.
[16] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 80.
[17] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. v. 1, p. 395.
[18] WELZEL, Hans. Derecho penal alemán.
[19] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. p. 460.
Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional. Aprovada no concurso para Analista do MPU em 2013, aprovada no concurso para Procurador do Município de Salvador 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Kerinne Maria Freitas. Estrito cumprimento do dever legal: natureza jurídica e tipicidade conglobante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 fev 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45964/estrito-cumprimento-do-dever-legal-natureza-juridica-e-tipicidade-conglobante. Acesso em: 23 dez 2024.
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