Resumo: A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constante no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Além disso, o referido fundamento serve de base para vários outros direitos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente os previstos no art. 5º da CF/88. O art. 5º, XLIX assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, algo que destoa da realidade dos presídios. Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal utilizou da teoria já utilizada na Colômbia e decretou o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) no sistema penitenciário brasileiro, determinando que as três esferas de poderes adotem medidas concretas e desenvolvam políticas públicas para solucionar o problema.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Estado de Coisas Inconstitucional. Dignidade da pessoa humana. Sistema penitenciário brasileiro.
Introdução
O STF iniciou o julgamento da Ação de Descumprimento Fundamental nº 347 em que se discute graves violações aos direitos dos presos e pede que o STF declare o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) do sistema penitenciário brasileiro. O mérito ainda não foi solucionado, mas em sede de medida cautelar, o STF determinou a implantação de audiências de custódia em todo o país no prazo de 90 dias e a liberação, sem qualquer tipo de restrição, do saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para a utilização na finalidade para qual foi criado, sem novos contingenciamentos.
Nesse estudo se analisará o ECI e sua aplicação na ordem jurídica brasileira, bem como as críticas formuladas a eles. Por fim, uma análise crítica da decisão da ADPF 347 e seus possíveis reflexos no futuro.
Estado de Coisas Inconstitucional
2.1- Conceito
O Estado de Coisas Inconstitucional se caracteriza por um quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diversas autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas mudanças estruturais na atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional.
É importante frisar que não é qualquer violação de direitos que justifique a decretação do Estado de Coisas Inconstitucional, mas apenas quando a violação for massiva e se instaurar situação que torne insuportável a convivência sadia devido à tais violações estruturais, ocasionadas pelos poderes instituídos pelo Estado.
Essa expressão surgiu na Colômbia, em julgamento a respeito sobre seu sistema prisional.
2.2- Pressupostos para a decretação do ECI
Para que se decrete o Estado de Coisas Inconstitucional, é necessário a existência de alguns pressupostos que o caracteriza. São eles:
a- Violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais;
b- Inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura;
c- Situação que exige a atuação de não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades para solucionar o problema.
Esses pressupostos são cumulativos e para que ocorra a decretação do ECI pelo Poder Judiciário é preciso que todos eles estejam presentes. Importante frisar que não basta a violação aos direitos fundamentais, é necessário que as autoridades se mantenham inertes ou sejam incapazes de solucionar a conjuntura. É uma falha sistêmica, que exige a atuação de diversas autoridades para a superação da inconstitucionalidade.
2.3- Críticas ao ECI
Alguns doutrinadores, como Lênio Luiz Streck, criticam o ECI. Para o referido autor, esse conceito se constitui uma retórica do julgador, pois mesmo com a sua decretação, esse não é capaz de solucionar os problemas oriundos da violação aos direitos fundamentais. Além disso, significaria um aumento indesejado e indevido do ativismo judicial, pois o judiciário nessas decisões passará a adotar uma postura de administrador, definindo prioridades e políticas públicas, o que não é saudável para o sistema jurídico brasileiro. Retrata que a Constituição de 1988 é programática. Enfim, o uso desse instituto para os mais críticos é incapaz de solucionar os problemas advindos e constitui-se mais de uma retórica do que de uma busca para a solução efetiva.
2.4- Pontos positivos
Para outras vozes, o uso do ECI é saudável para a democracia no Brasil, pois retrata uma realidade existente e propõe soluções para o problema, que necessariamente passará pela ação integrada de mais de um poder. Cabe salientar que o problema é de ordem estrutural, mas propriamente Seria não apenas apontar o problema, mas também buscar alternativas para que cesse o estado de inconstitucionalidade. Entre esses autores está Carlos de Azevedo Campos. Uma das principais diferenças do ECI brasileiro para o colombiano, é que no bojo da ADPF nº 347 o STF adotou uma posição dialógica, segundo a qual todas as esferas dialogam entre si para construir a solução para o problema.
Desta maneira, não se trata de uma decisão unilateral e impositiva, que corre sérios riscos de se tornar ineficaz. Mas sim uma decisão que busque no diálogo com todos os envolvidos a construção da superação da inconstitucionalidade. Essa diferença é fundamental e faz crer que o referido instituto aplicado tal como o STF está fazendo, será positivo.
Não procede a crítica do indevido ativismo judicial, pois nesse caso todos os poderes buscarão a melhor solução para o problema e cuidará de um conjunto de ações coletivas, seja legislativas, planejamento ou execução de políticas públicas. É sempre um conjunto de atuação de diversos órgãos.
Através da decisão de mérito na ADPF nº 347 se verá realmente como o STF se posicionará sobre o ECI e quais as suas consequências no ordenamento jurídico para os casos vindouros. Certamente, caso confirmada a tese desenvolvida no deferimento da medida cautelar, será um fato muito positivo na busca da efetivação dos direitos fundamentais. Fato positivo é que o judiciário não irá impor, mas buscar a melhor alternativa com base no diálogo entre os diversos responsáveis. Abrirá um importante precedente na efetivação de direitos fundamentais e na resolução de questões primordiais para o ordenamento jurídico.
3 Conclusão
Conforme visto o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) foi importado do direito colombiano, porém com certas diferenças, o que irá gerar resultados positivos e não irá fracassar a experiência como foi no país vizinho. Certamente é um passo importante na efetivação e na tutela dos direitos fundamentais. Porém, terá que se esperar o julgamento de mérito da ADPF nº 347 para ver os reais contornos que o STF dará ao instituto e como ele irá impactar nas futuras decisões e nas ações dos poderes constituídos. O fato é que após se constatar o ECI, a corte adota medidas concretas devido à falta de vontade política dos responsáveis em solucionar o problema. Sem dúvidas, o ECI é uma falha estrutural e demanda a ação de diversos órgãos para a sua superação.
Referências
O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-set-01/carlos-campos-estado-coisas-inconstitucional-litigio-estrutural . Acesso em 05/02/2016.
O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-set-01/carlos-campos-estado-coisas-inconstitucional-litigio-estrutural . Acesso em 05/02/2016.
Estado de Coisas Inconstitucional é uma nova forma de ativismo. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-out-24/observatorio-constitucional-estado-coisas-inconstitucional-forma-ativismo . Acesso em 05/02/2016.
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