RESUMO: O presente artigo discorre a respeito da evolução do direito sumular no Brasil, bem como sobre a súmula como um instrumento de consolidação de entendimento jurisprudencial dominante. Faz-se, ainda, a distinção entre a tradicional súmula persuasiva e a de efeito vinculante criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
Palavras-chave: Common Law. Civil Law. Jurisprudência. Súmula. Súmula Vinculante.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho traz considerações sobre os conceitos e peculiaridades dos institutos da súmula simples ou persuasiva e da súmula vinculante, explicitando a evolução histórica do direito sumular no Brasil. Tal análise é feita fazendo-se um paralelo entre os sistemas jurídicos do commom law e do civil law, explicitando-se as suas principais características e influências na evolução do conceito de súmula.
Objetiva-se analisar o caráter evolutivo do instituto da súmula desde suas primeiras manifestações na ordem jurídica brasileira até os dias atuais, bem como analisar as principais semelhanças e distinções entre as súmulas simples e as com efeito vinculante.
O INSTITUTO DA SÚMULA
Origem e aspectos históricos
A origem dos precedentes judiciais antecede, em muito, a do instituto da súmula no Brasil, uma vez que remonta do direito romano na sua fase clássica republicana.
Os éditos dos pretores[1], por muitas vezes, acabavam vinculando o próprio magistrado que os editara. Assim, o édito que preenchia as lacunas do direito então existente passou a ter força de lei, não podendo ser modificado nem mesmo por quem o publicou e, menos ainda, pelos seus sucessores.
Com isso, vê-se que, mesmo no caso do civil law, sistema de onde provém o direito brasileiro e que contempla a norma positivada, esteve sempre presente o instrumento dos precedentes judiciais. Nesse mesmo sentido, aponta Alfonso Lor (2009, p. 27):
[...] o Direito Romano, fonte da civil law, que direciona o sistema jurídico brasileiro, não desprezou os precedentes jurisprudenciais. Ao contrário, em sua origem foi consuetudinário e jurisprudencial, baseando-se nos costumes e nas decisões dos pontífices – sacerdotes autorizados a interpretar os hábitos e as tradições.
Entretanto, não se pode negar que o instituto da súmula baseia-se preponderantemente na experiência do precedente judicial dos países que adotaram o sistema do commom law.
Outrossim, impende comentar a respeito da figura dos assentos do direito português, uma vez que toda a estrutura jurídica brasileira foi fortemente influenciada por aquele país.
Os assentos da Casa de Suplicação nada mais eram do que um instrumento pelo qual os tribunais superiores lusitanos, com o escopo de buscar uma harmonização dos julgados, impunham coercibilidade normativa às suas decisões. Desse modo, todas essas decisões eram devidamente registradas no chamado “livro dos assentos”, de onde eram retiradas as soluções para casos futuros, passando a ter obrigatoriedade.
Como legado, os assentos portugueses trouxeram a ideia de aplicação de um entendimento fixado em julgamentos paradigmas e posteriormente aplicado aos casos semelhantes pendentes ou futuros.
Evolução do direito sumular no Brasil
O direito brasileiro, ainda no período colonial, utilizou-se pela primeira vez do efeito vinculante com o instituto oriundo de Portugal denominado assento, que foi instituído em 1521 com as Ordenações Manuelinas. Posteriormente, as Ordenações Filipinas o aperfeiçoaram passando a chamá-lo de “Assento da Casa de Suplicação”.
A finalidade dos assentos era dirimir dúvidas surgidas nas causas submetidas a julgamento. Assim, as soluções dadas aos casos e definidas nos assentos convertiam-se em normas.
Após a proclamação da independência, o Decreto Legislativo nº 2684/1875, regulamentado pelo Decreto nº 6.142/1876, concedeu força de lei, no Império, aos assentos da Casa de Suplicação de Lisboa, bem como a competência do Supremo Tribunal de Justiça de criá-los, também com força de lei, até que porventura viessem a ser derrogados pelo Poder Legislativo. No entanto, a Constituição da República de 1891 os extinguiu definitivamente no Brasil.
Por influência do então ministro do Supremo Tribunal Federal Victor Nunes Leal, foi instituída a “Súmula de Jurisprudência Dominante” daquela Corte Constitucional, por intermédio da Emenda Regimental datada de 28 de março de 1963. Ela foi concebida como um método de atuação cujo objetivo é dar celeridade e sistematizar a atuação judicial.
Alfonso Lor (2009, p. 18) assevera:
As súmulas encontraram farto campo jurídico de atuação no universo jurídico pátrio, embora tivessem recebido, de início, algumas críticas de expoentes do Direito, receosos sobre a influência de tal instrumento sobre os magistrados de instâncias inferiores. Com o passar do tempo, porém, foram conquistando notável aceitação por parte de toda comunidade jurídica, sendo utilizadas como paradigmas por advogados, juristas e pela maioria dos julgadores.
Desde 13 de dezembro de 1963, quando foi publicada oficialmente a primeira edição da denominada súmula de jurisprudência dominante, o Supremo Tribunal Federal editou centenas de enunciados[2].
Os benefícios decorrentes do advento da súmula do Supremo Tribunal Federal ensejaram, no Código de Processo Civil de 1973, que a competência para editá-las se estendesse a outros Tribunais[3].
Finalmente, como ápice da evolução do direito sumular no Brasil, em 2004, a Emenda Constitucional nº 45, que trouxe a chamada “reforma do Poder Judiciário”, implementou a súmula vinculante do STF, que foi posteriormente regulamentada pela lei nº 11.417/2006.
Dos sistemas jurídicos
Antes de fazer uma análise dos aspectos caracterizadores do instituto jurídico da súmula, faz-se necessário destacar os dois principais sistemas jurídicos vigentes no mundo ocidental contemporâneo: o common law e o decorrente da família romano-germânica, também chamado de civil law. Tais sistemas são responsáveis por agrupar a maioria dos diversos ordenamentos jurídicos existentes.
Com efeito, sistema jurídico pode ser conceituado como um conjunto unitário de normas que possuem características peculiares quem variam conforme o momento e a evolução histórica de um povo. É, pois, o grupo de normas que advém de uma fonte comum e, por isso, apresentam desenvolvimento similar.
Venosa (2007, p. 68), comentando o entendimento esposado por René David, aduz que, segundo esse jurista francês, melhor seria empregar a terminologia “famílias jurídicas” e utilizar a palavra sistema tão somente para o estudo dos ramos de um determinado direito nacional.
O sistema jurídico do common law, oriundo da Inglaterra, é também encontrado em países que seguiram o seu modelo, baseado no costume e, modernamente, nos precedentes judiciais. Dessa forma, a norma tem valor nesse sistema à medida que o juiz a emprega, ou seja, trata-se de um direito voltado ao atendimento de situações concretas.
O civil law, também chamado de romano-germânico, por outro lado, surgiu na Europa Continental e tem como sua característica principal a predominância do direito escrito. Assim, nesse sistema é dada grande proeminência à norma legislada e ao processo legislativo de criação do direito, ao passo que se atribui um valor secundário às demais fontes jurídicas. Por isso, no sistema romano-germânico, os estudiosos do direito buscam aplicá-lo aos casos concretos baseando-se preponderantemente nas leis ou mesmo nos textos regulamentares das demais autoridades estatais.
A respeito das características preponderantes em cada sistema jurídico, leciona Reale (2002, p. 141):
A prevalência desta ou daquela outra fonte depende exclusivamente de circunstâncias sociais e históricas, pois não há uniformidade entre os diversos países e nas diferentes épocas quanto às formas de elaboração do direito. Cabe, neste sentido, distinguir dois tipos de ordenamento jurídico, o da tradição romanística (nações latinas e germânicas) e o da tradição anglo-americana (common law).
Deste modo, o sistema do civil law diferencia-se do common law, na medida que o primeiro é originado e tem por principal fonte as normas positivadas, ou seja, codificadas. No segundo, por sua vez, há predominância dos usos, dos costumes e da jurisprudência, sendo esta última a sua principal fonte.
Outrossim, a respeito do papel exercido pela jurisprudência nas famílias do civil law e do common law, cumpre consignar que, no primeiro caso, os precedentes judiciais sempre subordinam-se à lei, que é a verdadeira fonte reveladora do direito. No sistema inglês, entretanto, a jurisprudência é a forma por meio da qual o direito se constitui e se manifesta.
Entretanto, a despeito da existência de diversas características que diferenciam ambos os sistemas jurídicos, modernamente, mesmo nos países da família romano-germânica, o direito não tem sido visto apenas como produto do processo legislativo, mas como o resultado final da atividade hermenêutica dos juízes. Nesse ponto, é inegável que a norma legislada é a base do direito nos países que seguem o sistema jurídico do civil law, no entanto, não se pode olvidar da imprescindibilidade do trabalho dos juristas, notadamente dos juízes, na premente tarefa de transpor a norma legal do plano abstrato para aplicá-la ao caso concreto.
A esse respeito, Venosa (2007, p. 22) tece importantes comentários:
Nas últimas décadas torna-se patente o papel cada vez mais importante da jurisprudência como fonte, nos países de tradição romana como o nosso, essencialmente de lei escrita. Por outro lado, nos países do Common Law, o papel da lei escrita vem paulatinamente ganhando força. Trata-se do resultado do constante intercâmbio econômico e jurídico entre as várias nações e, sem dúvida, decorrência lógica da união dos países europeus.
Interessante, ainda, a colocação de Porto (2009, p. 06):
Cumpre lembrar, - em face da afirmativa de que o crescente valor atribuído à jurisprudência na civil law brasileira representa, de certa forma, a influência da common law no sistema nacional, em face da globalização - que a fonte primeira do direito da common law é a jurisprudência, eis que este sistema é absolutamente pragmático, formando-se o direito através das decisões jurisdicionais.
Atualmente, ambos os sistemas têm se influenciado reciprocamente, pois, enquanto a norma positivada cada vez mais ganha relevo no regime do common law, os precedentes judiciais também vem desempenhando papel de grande importância no direito de tradição romanística.
Conceito de Súmula
O vocábulo súmula é oriundo do latim summula, significando sumário ou índice de algo. Juridicamente, súmula refere-se a entendimento majoritariamente aceito pelos tribunais acerca de determinada questão controvertida, expressando-se por meio de um enunciado sintetizador de decisões reiteradas.
Súmula, em relação ao próprio tribunal que a enuncie, constitui uma uniformização de interpretação, caracterizando-se como uma fonte indireta ou facultativa de direito. Em se tratando da delimitação conceitual do termo, muitos estudiosos da ciência jurídica se posicionam a esse respeito, esposando peculiares pontos de vista. Fonseca (2007, p. 306) conceitua o instituto como sendo “o conjunto da jurisprudência dominante de um tribunal”.
Alfonso Lor (2009, p. 17) define súmula como o “preceito doutrinário que ultrapassa os casos concretos originários, servindo de referencial em julgamentos posteriores sobre a mesma controvérsia”.
No dizer de Sifuentes (2005, p. 237), súmula de jurisprudência refere-se a “teses jurídicas solidamente assentes em decisões jurisprudenciais, das quais se retira um enunciado, que é o preceito doutrinário que extrapola os casos concretos que lhe deram origem”.
Feitoza Pacheco (2009, p. 90), por sua vez, leciona que:
[…] a súmula é uma asserção, enunciado ou proposição que consolida, numa frase sintética, reiteradas decisões jurisdicionais de um tribunal sobre a interpretação, a validade, a eficácia ou a aplicação de normas determinadas com o fim de orientar os atores (ou operadores) jurídicos quanto a tais normas em futuros casos.
Súmula refere-se a entendimentos adotados pelos tribunais a respeito de uma determinada matéria, dos quais se retira um enunciado numerado, que será a síntese de decisões reiteradas. Assim, tais enunciados acabam por refletir o entendimento de um tribunal a respeito de uma questão que, por reiteradas vezes, é levada pela sociedade ao Judiciário. Significa, pois, a posição consolidada dos tribunais acerca de determinada questão jurídica. Os enunciados sumulados atuam como balizas a orientar os operadores do Direito em um meio repleto de regulamentações e interpretações divergentes.
Verifica-se, desse modo, que a súmula é o resultado de um longo processo doutrinário e jurisdicional, no qual ocorre a convergência de várias decisões nas instâncias superiores, o que concorre para fixação das teses jurídicas em abstrato a serem seguidas pelos membros do tribunal, de modo a facilitar o exercício da atividade jurisdicional pelo tribunal que as editou.
Súmula simples e súmula vinculante
Os entendimentos jurisprudenciais sumulados dividem-se conforme possuam ou não o caráter obrigatório. No primeiro caso, será a súmula vinculante criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e regulamentada pela Lei nº 11.417/2006, cujo descumprimento leva à cassação da decisão judicial ou à anulação da decisão administrativa. Se não houver o efeito obrigatório, estará se falando das demais súmulas que, mesmo editadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos demais Tribunais Superiores, contendo os entendimentos sedimentados por essas Cortes, tem apenas eficácia persuasiva, ou seja, não vinculativa.
Com o advento da reforma do Poder Judiciário, levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o Supremo passou a ter a possibilidade de editar dois tipos distintos de súmula, quais sejam, a simples ou persuasiva - prevista no seu regimento interno - uma vez que a inovação constitucional não as suprimiu; e as súmulas com efeito vinculante, conforme previsto na Magna Carta e na Lei nº 11.417/2006. Em ambas as situações, o STF exerce verdadeira função jurisdicional, pois, mesmo a súmula vinculante possui origem jurisprudencial.
As súmulas simples servem como orientação ao julgador quanto ao entendimento da mais alta Corte do país, sistematizando a jurisprudência exarada pelos tribunais superiores, de modo a abreviar as lides repetitivas. Antes do advento do instituto da súmula vinculante no ordenamento pátrio, a jurisprudência, ainda que sumulada, limitava-se a um meio suplementar exegético do direito.
As súmulas simples ou persuasivas podem, ainda, ser diferenciadas em duas modalidades: as decorrentes do incidente de uniformização da jurisprudência e as súmulas sintetizadoras de matéria de entendimento pacífico. Cumpre esclarecer, entretanto, que ambas as espécies de súmulas possuem tão-somente o efeito persuasivo.
Nesse sentido, Feitoza (2009, p. 90) leciona que:
...as súmulas não têm, em regra, imperatividade nem coercibilidade, mas mero caráter orientador. Assim, geralmente qualquer juiz ou tribunal pode decidir contrariamente ao conteúdo de uma súmula, pois encontra-se juridicamente vinculado diretamente à lei.
Os precedentes judiciais e as súmulas dos Tribunais Superiores limitavam-se à persuasão, influindo apenas na convicção do julgador, visto que mostram-se uma solução racional e socialmente adequada, sem obrigá-lo, entretanto, a aperfilhar a tese assentada. Destarte, a utilização de tais súmulas pelo Supremo Tribunal Federal tornou-se imprescindível, uma vez que, por lhe competir a guarda da constituição e a uniformização de sua interpretação, tais enunciados passaram, ainda que não vinculantes, a ser fonte de constantes consultas para juízes singulares e para os demais Tribunais.
Reconhecendo a importância e instrumentalidade dos enunciados persuasivos, preceitua Sifuentes (2005, p. 244):
Tais súmulas, pelo já arraigado espaço na vida jurídica brasileira, hoje instrumento imprescindível à atividade dos tribunais, não há quem pense em suprimi-las da vida jurídica nacional. A par dos notórios benefícios que os entendimentos sumulados tem trazido não apenas para o jurisdicionado, em razão da segurança jurídica, como dos próprios juízes, que tem na súmula uma firme orientação para os seus julgamentos, não se pode olvidar que o apresentou a sua adoção para organização da jurisprudência dos tribunais.
Ressalte-se, contudo, que tanto a súmula decorrente de incidente de uniformização como a decorrente da pacificação da jurisprudência possuem efeito persuasivo e não vinculativo, ou seja, o entendimento nelas estabelecido não as torna rígidas. Com efeito, ainda que se reconheça uma certa força à sumula simples, na medida em que possui aptidão para prevenir os excessos na divergência jurisprudencial, esta não impõe a obrigatoriedade na sua observância. Dessa forma, o simples fato de ser dominante não garante ao enunciado força normativa plena, necessário se faz, para tanto, um “plus”, ou seja, o efeito vinculante.
A lei que instituiu normas procedimentais perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal - nº 8.038/90, veio enfatizar a importância da jurisprudência sumulada no direito brasileiro. O artigo 38 do mencionado ato normativo confere ao relator poderes de, naqueles tribunais superiores, negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou, improcedente ou ainda, que contrarie, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal. Deste modo, a aludida lei visou garantir ao ministro relator poder de negar seguimento ao recurso contrário à súmula do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
Alfonso Lor (2009, p. 20) chama a atenção para essa valorização dos precedentes sumulados:
Verifica-se, porém, com crescente intensidade, a valorização das denominadas súmulas simples, a ponto de a legislação processual civil impedir o recebimento de recurso de apelação se a decisão judicial 'estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal' (CPC, artigo 518, parágrafo único), bem como o de obstar, por parte do relator, o seguimento do recurso 'em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Federal' (CPC, artigo 557, caput).
Em decorrência disso, Sifuentes (2005, p. 241) afirma que a sumula simples possui um “efeito médio de vinculação”. Interessante, ademais, a colocação de Mancuso (2010, p. 374) nesse mesmo sentido:
Nessa potencialização da eficácia da súmula, que permite estendê-la, obrigatoriamente, aos demais desvirtuamento casos subsumidos em seu enunciado, não se vislumbra qualquer ou superfetação de atividade judiciária, bastando considerar, a uma, o valor jurídico completa-se com o justo, e este, e este não pode ser alcançado quando, sem motivo consistente, conflitos iguais recebem soluções diversas, senão já contraditórias; a duas, é notório que hoje a função jurisdicional já não mais se deve limitar à singela subsunção do fato à norma, num caso concreto, se não que em nossa República Federativa, onde opera uma democracia participativa, é lícito esperar que o trinômio “ação-jurisdição-processo” opere sob uma óptica sociológica, engajando-se no esforço geral para boa gestão da coisa pública. Para que esse valor do justo venha preservado, impede que a igualdade perante a lei (CF, artigo5º, caput) também se estenda à norma judicada, ou seja, àquela que tem o seu momento judiciário.
O crescimento exponencial das demandas fez com que a edição das súmulas persuasivas não fosse suficiente para resolver o acúmulo de processos. Por isso a necessidade de atribuir caráter vinculante à súmula como medida de política judiciária, com o fim de diminuir o número de demandas em curso nos tribunais.
A expressão súmula vinculante usada pelo artigo 103-A da Magna Carta designa o ato do Supremo Tribunal Federal, ou seja, sua manifestação de vontade ou tomada de posição sobre controvérsia a respeito de validade, interpretação e eficácia de normas determinadas. Como se trata de um ato prescritivo, vale dizer, de uma declaração de vontade realizada com o propósito de criar uma súmula vinculante, é através da linguagem sob a forma de enunciados escritos que ela se materializa.
Nas palavras de Alfonso Lor (2009, p. 20):
A súmula vinculante é instituto semelhante à súmula simples, acrescida, porém, de um poderoso efeito que a torna não apenas um “referencial”, mas em um instrumento de aplicação obrigatória pelos juízes de instâncias inferiores ao Tribunal que a proferiu.
A súmula vinculante possui especificidades que a diferenciam das súmulas simples e da jurisprudência dominante, já que estas ultimas apenas sintetizam o entendimento dominante sobre um tema. Ademais, a súmula vinculante, para ser editada, deve observar uma série de requisitos que serão oportunamente comentados.
Conforme anteriormente tratado, a súmula simples é a síntese da jurisprudência prevalente em um determinado tribunal. A súmula de efeito vinculante, por outro lado, conforme pondera Mancuso (2010, p. 344), possui uma gênese diferenciada:
(i) só pode ser revista, emitida ou cancelada pelo STF; (ii) incide sobre validade, interpretação ou eficácia de norma determinada, de conteúdo constitucional; (iii) sobre a qual se registra controvérsia atual entre órgãos judiciais ou entre estes e a Administração Pública, (iv) de tal sorte a poder provocar ‘grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 trouxe, ainda, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal tornar as súmulas simples anteriormente editadas em vinculantes, cujos efeitos são coercíveis em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta ou indireta, nas esferas municipal, estadual e federal, desde que sejam observados os requisitos insculpidos no artigo 103-A da Magna Carta, regulamentado pela Lei nº 11.417/2006.
Da inovação constitucional introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 infere-se que o efeito vinculante não é inerente a todos os tipos de súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, mas sim uma eficácia adicional que poderá agregar-se a algumas delas, se e quando de tal forma forem confirmadas pela Suprema Corte. Assim, dispõe a Emenda Constitucional nº 45/2004 que as atuais súmulas persuasivas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, para que tenham efeito vinculante, deverão ser submetidas à confirmação por dois terços dos seus integrantes, com nova publicação na imprensa oficial.
Cumpre destacar, ainda, que nem todas as súmulas do Supremo Tribunal Federal se revestirão do efeito vinculante, visto que algumas delas não tratam de matéria constitucional, pois, antes do advento da Constituição Federal de 1988, cabia àquela Corte dar a ultima interpretação também à legislação federal. Ademais, existem súmulas defasadas, cujo enunciado é incompatível com direito “novo” ou com os mais recentes entendimentos adotados pelo STF.
Vê-se, portanto, que ao se comparar os conceitos da súmula vinculante e da súmula comum, constata-se que a característica que as distinguem é justamente a obrigatoriedade de que se reveste a primeira.
Outro importante ponto de diferenciação entre as duas modalidades de enunciados sumulados é que poderá ocorrer a edição de súmula simples ou persuasiva mesmo que não haja a divergência jurisprudencial. Tal hipótese, embora não prevista na lei processual, vem disciplinada nos regimentos internos dos tribunais. Por outro lado, para edição de um enunciado de súmula vinculante, é necessário que haja controvérsia atual - a respeito da validade, interpretação e eficácia de normas determinadas - entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, conforme determina o artigo 103-A da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Na seara da uniformização da jurisprudência, súmula indica a condensação de uma série de acórdãos do mesmo órgão julgador que adotam idêntica interpretação do preceito jurídico em tese. Trata-se de instituto decorrente da influência do sistema jurídico do common law no Brasil.
A súmula de jurisprudência consiste, pois, em um instrumento de uniformização jurisprudencial composto por teses jurídicas baseadas em reiteradas decisões num mesmo sentido. Tais enunciados servem para orientar o órgão julgador em situações semelhantes a outras amplamente debatidas pelos Tribunais Superiores, induzindo uma harmonização no sistema jurídico, na medida em que haverá uma tendência em se decidir o caso concreto no mesmo sentido que preceitua o enunciado sumulado.
Outro importante marco do direito sumular no Brasil é a criação da súmula de efeitos vinculantes pela Emenda Constitucional nº 45/2004, conforme disciplina o art. 103-A da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 11.417/2006. Referido enunciado pode ser criado pelo Supremo Tribunal Federal, de ofício ou mediante provocação dos respectivos legitimados ativos, após decisões reiteradas sobres temas constitucionais, cuja eficácia vincula os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, seja direta ou indireta, das esferas federal, estadual e municipal.
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[1] À figura do pretor (praetor) no direito romano caberia a função de solucionar as obscuridades e lacunas dos textos legais por meio dos seus éditos.
[2] Conforme dados do sítio do Supremo Tribunal Federal, até o encerramento da presente pesquisa, havia o total de 736 enunciados de súmulas, sendo que a última delas foi editada na sessão plenária de 26 de novembro de 2003.
[3]Código de Processo Civil, artigo 479: O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.
Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidora Pública do Ministério Público Federal lotada na Procuradoria da República em Imperatriz/MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Natanne Lira de. A evolução do Direito Sumular no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45996/a-evolucao-do-direito-sumular-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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