RESUMO: Para compreender as bases de uma teoria da decisão no direito constitucional brasileiro, se estuda a evolução teórica do positivismo jurídico ao longo do século XX. Por meio da transição entre o positivismo jurídico exegético e o positivismo jurídico normativista, será possível verificar o modo como referido pensamento jurídico permitiu uma teoria da decisão deslegitimada democraticamente, sobretudo no âmbito da jurisdição constitucional. Parte-se dos esclarecimentos necessários a compreender qual positivismo se supera no atual momento da história, a fim de evitar equívocos correntes na doutrina brasileira. Em seguida, aprofundando o pensamento da corrente teórica em estudo, se analisa, como base na distinção entre positivismo jurídico de validade e positivismo jurídico de interpretação, os fundamentos teóricas que serão objeto de ataque pelas correntes teóricas que pretendem superá-lo. A teoria da intepretação do positivismo jurídico (ou ausência desta) será então estudada como mola propulsora para novas correntes justeóricas. Por fim, como base nas insuficiências do pensamento positivista, será possível fixar as premissas a serem seguidas por uma teoria da decisão de matriz pós-positivista e em uma jurisdição constitucional que queira se legitimar democraticamente.
Palavras-chave: jurisdição constitucional, positivismo jurídico, discricionariedade judicial, democracia.
O desenvolvimento de uma teoria da decisão judicial é um dos temas que muito já ocupou e ainda ocupa jusfilósofos no Brasil[1] e no mundo[2]. O Brasil, de modo especial, tem sido palco de muitos trabalhos sobre o tema tendo em vista a crescente importância da jurisprudência, que está posta, de forma definitiva, como verdadeira fonte do direito, certamente a reclamar aperfeiçoamentos teóricos para adequação dessa nova realidade.
Um estudo do recentemente sancionado Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) permite verificar a atual força da jurisprudência (que já vinha sendo cristalizada nas últimas reformas na Lei dos Ritos de 1973) em âmbito legislativo[3].Vê-se tratar-se de fenômeno já instalado não cabendo mais discutir sua existência, mas apenas estudar suas consequências.
No contexto das decisões de uma jurisdição constitucional a teoria da decisão consegue maximizar-se em importância. Nas palavras do Ministro Teori Albino Zavascki (BRASIL, 2014)[4] após verificar a evolução histórica dos precedentes do direito pátrio verifica que o sistema jurídico brasileiro confere “especial força expansiva aos precedentes do STF”.
Aqui, na jurisdição constitucional, tem-se o cenário onde se cruzam a democracia e o constitucionalismo, que, isoladamente considerados, já estão entre as mais belas e complexas temáticas do Direito. No seu entrelaçar é possível localizar uma das mais frutuosas discussões que envolvem diversas áreas do conhecimento desde muito tempo.
Mas, e aqui o objeto deste trabalho, o estudo sobre a legitimidade democrática de uma teoria da decisão em uma jurisdição constitucional no direito brasileiro atual (em contexto de inacabada superação do positivismo) exige o estudo de como as coisas se passaram no desenvolvimento do direito do último século, principalmente com a crise do paradigma positivista exegético e a ascensão do paradigma positivista normativo, a criar grave cisma democrático na atividade judicial exigindo um novo arcabouço jusfilosófico para uma nova teoria da decisão judicial.
A (possível) ausência de uma teoria da decisão no positivismo jurídico será a causa principal de seu declínio e terá como consequência um ataque geral à sua teoria em busca de novos paradigmas teóricos.
Dessa forma, a abordagem da teoria juspositivista e sua teoria da decisão judicial se mostram imprescindíveis a fim de compreender como e por que o seu declínio transformou-se em mola propulsora de outros paradigmas jusfilosóficos (reunidos pela doutrina brasileira sob a denominação de pós-positivismos[5]), de conceitos atualmente em construção. Só assim será possível entender o que se busca superar e, em essência, quais problemas esses novos paradigmas devem se propor a resolver.
Para toda e qualquer temática que atualmente se debruce uma pesquisa jurídica sobre a evolução recente do direito, decerto que não prescindirá de acurada atenção às consequências das insuficiências teóricas das correntes jusfilosóficas de modelos positivistas e como tais insuficiências, surgidas com a evolução social e filosófica do último século, impactaram institutos jurídicos que, de regra, tendem a ser reconstruídos em novos modelos teóricos.
A necessidade de uma teoria da decisão em uma corte constitucional não foge a essa regra, muito pelo contrário. Com facilidade pode-se afirmar tratar-se tal modificação da teoria do direito[6] de um fenômeno não apenas indutor, mas até mesmo condicionador da necessidade de redefinição do papel e da forma de atuação das cortes constitucionais, em especial pelas mudanças em sua relação com a democracia.
No mesmo sentido também é o que se afirma em relação ao modo de observar o próprio instituto mesmo da democracia e a própria existência/estrutura das cortes constitucionais contemporâneas. Ambas receberam verdadeiras releituras com as modificações paradigmáticas jusfilosóficas em comento, denotando a imprescindibilidade do estudo ora proposto.
Inicialmente, entende imperioso compreender qual versão do positivismo se pretende superar para reduzir riscos de ilegitimidade democrática na jurisdição (item 2.1), com o consequente estudo de suas características essenciais (item 2.2), para ao fim (item 2.3) compreender as condições em que a corrente jusfilosófica positivista acabou por apresentar uma jurisdição constitucional deslegitimada a requerer uma nova forma de se compreender-interpretar o direito.
Bem nos socorre Lênio Luiz Streck (2011, p.31) na posição de afirmar ser necessário indicar o “lugar de fala” quando consideramos tomadas de posição acerca dos conceitos de positivismo(s) jurídicos.
Aqui, de modo muito especial, a afirmação da essencialidade que permeia o estudo de uma transição do positivismo jurídico ao pós-positivismo (neopositivismo ou antipositivismo[7] como denominam alguns) exige, como condição sine qua non, um esclarecimento sobre qual positivismo[8] se encontra em superação na atualidade.
Tal consideração permitirá definir com mais segurança os rumos do pensamento jurídico denominado pós-positivismo, vez que em muitas vezes o que assim é denominado (atecnicamente) não supera os principais caracteres do positivismo normativista.
Urge a distinção histórica entre os tipos de positivismo já citados: o positivismo exegético (legalista) e o positivismo normativista (lógico) para que, compreendendo o que se pretende superar, sejam definidos os instrumentos adequados.
Especialmente no Brasil, dados o contexto histórico-social de país de modernidade tardia[9] com a justa defesa de uma postura judicial que garanta a realização das promessas constitucionais até o momento incumpridas, tal análise se mostra ainda mais necessária.
Assim é que, no mais das vezes, ao pregar a superação do positivismo no debate jurídico contemporâneo, defende-se uma postura ativa do juiz, via de regra, na insurgência contra uma aplicação mecânica da lei [10] ou contra um juiz boca-da-lei e a favor de uma maior liberdade do aplicador.
Nesse ponto reside a primeira grande questão a ser esclarecida: lutar contra o positivismo exegético típico da École de l’exégèse defendendo um espaço de liberdade para o juiz em face da lei é posicionamento nítido do próprio positivismo, aqui normativista (de matriz kelseniana/hartiana) não havendo nada de pós-positivista nesta posição.
Assim se esclarece o lugar de fala. É preciso ter em mente que já há muito[11] foi decretada a falência de um sistema onde seria possível resolver todos os problemas através de uma máquina de subsunção na qual seria transformado o juiz.
Já em Hans Kelsen (2009, p. 393) e Herbert Hart (2005, p.141) o próprio positivismo se rende as impossibilidades de operar um silogismo perfeito nas decisões judiciais pela constatação da presença de lacunas, obscuridades, antinomias e do dinamismo e complexidade da vida social[12].
Nesse sentido é impossível sustentar a existência contemporânea de um perfeito positivismo exegético, sendo certo ter sido ele superado pelo positivismo normativista. Neste, de modo diametralmente oposto àquele, o que se tem é uma liberdade de escolha do julgador (muitas vezes alargável ao seu talante), o qual age não em um ato meramente de conhecimento, mas também e principalmente de vontade. Nas palavras de Hans Kelsen (2009, p. 394):
[...] na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva.
Assim, a superação de um positivismo que se opere no contexto contemporâneo, não se deve buscar na luta contra um já enterrado juiz boca-da-lei, mas sim contra um vivo e muitas vezes festejado juiz fora-da-lei[13].
Essa compreensão é imprescindível ao desenvolvimento do que se defende neste trabalho, eis que, não havia, em consideração abstrata, qualquer risco de deslegitimação democrática em um juiz boca-da-lei, em verdade assim agindo apenas repetiria a lei, obra de um legislador, ao menos formalmente acobertado pela democracia representativa. Referido risco de deslegitimação se criou quando foi verificada a morte do juiz boca-da-lei, proclamada pelo próprio positivismo, aqui normativista.
A defesa de um ativismo judicial neste momento da história nacional e da evolução jurídico-filosófica do constitucionalismo pátrio é de fato imperiosa, deve ser defendida e aqui recebe manifestação de pleno apoio. Mas não a todo custo. Tal ativismo deve receber também as limitações aos riscos de arbitrariedades que possam gerar resultados às avessas[14] do pretendido, sendo esse o grande contributo e o grande desafio de um pós-positivismo refletido para uma teoria da decisão (em especial) constitucional, como superação do positivismo, reafirme-se, normativista.
Esclarecido o lugar de fala é necessário compreender uma separação pouco corrente na doutrina entre o positivismo jurídico de validade e o positivismo jurídico de interpretação. A superação do positivismo normativista virá por uma luta teórica que modificando a teoria da validade do direito visará a aperfeiçoar (ou mesmo criar como entende alguns) uma teoria da interpretação, grande lacuna/penumbra do positivismo.
Assim é que, principalmente tendo em vista o embate sempre travado para uma teoria pura do direito[16], a separar deste tudo que não pertença ao seu objeto, muitos representantes do positivismo acabaram por privilegiar o tratamento da questão da validade do direito em franca negligência à questão da interpretação.
Nesse sentido muito se escreveu na busca de se definir o conceito de direito[17], mas pouco se disse acerca da aplicação do direito, o que leva até mesmo autores ferrenhos defensores do positivismo (DIMOULIS, 2006, p. 218) a reconhecerem “a ausência de uma teoria juspositivista no âmbito da interpretação” ante os poucos estudos a respeito.
Apesar de ser o foco do presente trabalho o estudo do positivismo de interpretação e suas incompatibilidades teóricas com uma teoria da decisão democrática, sobretudo nas cortes constitucionais, o estudo do positivismo de validade que ora se inicia além de possibilitar bem extremar os diferentes âmbitos do positivismo (de validade e de interpretação), permitirá verificar os elementos do âmbito de validade do positivismo jurídico que serão objeto de ataque pelos defensores dos pós-positivismos, com impactos diretos na teoria da decisão.
Conforme nos anuncia Hans Kelsen (2009, p. 01) o positivismo jurídico busca “única e exclusivamente[19] conhecer o seu próprio objeto”. Tal objeto, e aqui reside a primeira grande característica do positivismo jurídico, é considerado como um fato e não um como valor. Explique-se melhor, o direito é percebido como um conjunto de fatos e permite ser estudado como os objetos das ciências naturais em nítida abstenção de juízos de valor.
Nos alerta Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p. 45) que o positivismo jurídico privilegia tão somente a validade da norma jurídica e o faz por meio do exame de compatibilidade estabelecido com a norma que lhe é superior e que lhe dá fundamento. Assim, será válida aquela se produzida de acordo com o conteúdo, a competência e o procedimento definidos por esta[20].
Ainda acerca do positivismo jurídico de validade, ao lado da teoria de validade da norma jurídica e de modo intrínseco com essa se encontra a teoria da validade do ordenamento jurídico. Assim, e novamente com Dimitri Dimoulis (2006, p. 113), se a norma é considerada válida conforme o acerto de sua pertença formal ao o ordenamento, o mesmo raciocínio não se presta para a validade deste.
Acerca do estudo da validade do ordenamento, verifica-se em situação de preponderância as teorias de Hans Kelsen e Herbert L. A. Hart. Trata-se de um momento ímpar na teorização do positivismo jurídico vez que, ao contrário de muitos aperfeiçoamentos do positivismo jurídico, trata-se de teoria que “foi ‘inventada’, isto é introduzida ex novo pelo próprio positivismo jurídico”(BOBBIO, 2006, p. 197).
Hans Kelsen, ao tratar do ordenamento jurídico, lança mão da necessidade de se pressupor de forma hipotética a existência de uma norma fundamental (Grundnorm) que tem por mérito oferecer fundamento de validade às normas supremas do ordenamento, as quais por consequência funcionarão como fundamento de validade para as que lhe seguem. A norma fundamental é nesse sentido o fundamento de validade do ordenamento.
O mestre de Viena (KELSEN, 2009, p. 222) assim descreve a norma fundamental:
Neste sentido, a norma fundamental é a instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como constituição no sentido lógico-jurídico, para a distinguir da Constituição em sentido jurídico-positivo. Ela é o ponto de partida de um processo: do processo da criação do Direito positivo.
Outra, no entanto, é a teorização de Herbert L. A. Hart ao tratar da validade do ordenamento jurídico. O jurista lança mão de fundamentação relacionada ao reconhecimento por parte dos agentes estatais, dos tribunais e dos particulares acerca do direito válido em determinado tempo e espaço denominando tal norma de regra de reconhecimento.
Em Hart a validade do ordenamento depende de práticas sociais que assim o reconheçam, é questão empírica. Herbert L. A. Hart (2005, p.161) não encontra problema em fundamentar a validade do ordenamento em fatos sociais ou praticas de pessoas e grupos, podendo incluir elementos de natureza formal ou material e apenas verificável mediante observação de cada lugar e tempo.
De forma mais detalhada o autor indica a regra de reconhecimento como uma regra de segundo grau, já que tem por objeto os comandos diretos (que são as regras de primeiro grau) que estabelecem deveres jurídicos. A regra de reconhecimento não existe de forma explícita e deve permanecer externa ao ordenamento para assim permitir que cumpra os seu papel.
As teorias de validade da norma jurídica e do ordenamento jurídico serão objetos de ataque pelas correntes jusfilosóficas que pretendem lhes suprir as ineficiências, sobretudo por meio da criação de novas relações do direito com a moral e com a política conforme se verá no próximo item.
Acerca da validade no direito positivo aprofundando as teorias de validade positivistas costuma-se trabalhar na trilha de uma delimitação conceitual negativa[21], onde sobressaem as teses da separação entre direito e moral e direito e política, esta última menos usual, mas também muito oportuna em nosso contexto de (des)legitimação de uma jurisdição constitucional.
Corrente em todos os tratadistas do tema é a afirmação de que o positivismo jurídico adota uma tese de absoluta separação entre direito e moral, sendo essa uma de suas principais características. A “validade de uma ordem jurídica positiva independe de sua concordância ou discordância com qualquer sistema moral” (KELSEN, 2009, p. 76). Não é necessária para a validade de uma norma sua conformidade com critérios de justiça e correção.
Para os adeptos do positivismo jurídico há clara distinção entre valor e validade do direito, sendo aquele despiciendo para o encontro desta, em nítida preferência da forma sobre a substância. No dizer de Noberto Bobbio (2006, p. 131) ao tratar das características fundamentais do positivismo jurídico:
Na linguagem juspositivista o termo “direito” é então absolutamente avalorativo, isto é, privado de qualquer conotação valorativa ou ressonância emotiva: o direito é tal que prescinde do fato de ser bom ou mal, de ser um valor ou um desvalor.
Deste comportamento deriva uma particular teoria da validade do direito, dita teoria do formalismo jurídico, na qual a validade do direito se funda em critérios que concernem unicamente à sua estrutura formal [...]
Assim o simples fato da defesa de alguma vinculação da validade do direito a critérios de ordem moral ou valorativa, via de regra, exclui o pensamento da corrente juspositivista.
Por outro lado, a separação entre direito e política, ora trazida à baila, muito embora também presente em muitos estudos da teoria positivista do direito, o é com menos frequência que a precedente. Aqui é preciso iniciar esclarecendo situar-se a separação entre direito e política de modo distinto e menos simplista que a separação entre direito e moral.
É necessário mencionar, e trata-se de constatação de certo modo clara entre os juspositivistas (DIMOULIS, 2006, p. 106), que há uma “conexão genética entre o direito e a política: o direito é oriundo da política e dela depende”.
A separação entre o direito e a política para uso como critério distintivo desponta, em verdade, é no aspecto conceitual. É a afirmação de que o conceito de direito exclui, em sua definição, referências à política, é a denominada indiferença política do juspositivismo.
Como consequência da junção de caráter (normo)genético conclui-se que o dever de aplicar normas é de origem política, bem assim os temas tratados nas normas e os efeitos de sua aplicação. No entanto (e aqui a separação), o aplicador não pode aproveitar de tais naturezas para promover “opções políticas”.
Em resumo, para o positivismo jurídico o aplicador do direito não pode fazer uso de opções políticas que não as já adotadas pelo criador das normas.
Seguindo a linha de pensamento já adotada, o entendimento que sustente a junção conceitual entre o direito e a política fatalmente se exclui da categoria juspositivista.
Aqui reside o ponto central deste trecho do presente estudo. São as reações contra tais teorias de separação da moral e da política[22] no âmbito do positivismo de validade que abrirão muitos dos espaços para as novas teorizações no direito, inclusive no âmbito da teoria da decisão, bem como para uma atuação democrática na atividade das cortes constitucionais em paradigmas não positivistas.
Mas é do positivismo jurídico de interpretação que sobressai o principal impulso de superação do positivismo normativista. As críticas ao tratamento da decisão judicial, especialmente ao seu caráter amplamente voluntarista, indicam que esta se torna um espaço interno de des-ordenamento jurídico e des-purificação do direito.
É como se restasse o sentimento de que os positivistas deixaram de lado um ponto crucial, talvez o mais importante, em sua teoria: a prática. Assim, com arrimo em crítica trazida à baila por Lênio Luiz Streck ao tratar dos casos difíceis (2011, p. 64), quando mais necessitamos de orientação, o positivismo jurídico emudece.
Ao tratar dos posicionamentos de dois dos principais autores do positivismo jurídico acerca da interpretação do direito, a um só momento é possível verificar dois importantes aspectos: a um, o total desacerto teórico em criticar o positivismo jurídico de corrente que defenda a aplicação mecanicista da lei; a dois, a insuficiência de tal corrente teórica para uma teoria da decisão dado o grau excessivo de liberdade que outorga ao aplicador.
Hans Kelsen em poucos momentos de sua obra se refere a uma teoria da interpretação e quando o faz, a exemplo de sua Teoria Pura do Direito (2009, p. 387), parece negligenciar-lhe importância despertando inúmeras criticas não apenas de adversários teóricos.
O professor de Viena apresenta-nos a metáfora da moldura, criada pela norma jurídica, dentro da qual deve ser exercida a competência do intérprete na concretização da norma superior. Dentro da moldura criada pela norma o aplicador possui várias alternativas, cabendo a ele, em ato de (pura) vontade escolher a que será adotada.
A concepção de moldura não se circunscreve à decisão judicial. Trata-se de uma sucessiva concretização desde as normas constitucionais, passando pelas autoridades competentes imediatamente inferiores até o aplicador que deverá concretizar a norma dentro da moldura estabelecida pela norma superior.
Sustenta assim que a aplicação do direito possui duplo caráter: cognitivo e volitivo. Cognitivo, por meio do conhecimento das opções que se enquadrem dentro da moldura da norma e volitivo, por meio de ato de vontade onde a autoridade competente escolhe uma dentre as possíveis opções de que dispõe. Nas palavras do autor:
[...] na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. (KELSEN, 2009, p. 394)
Em outra passagem (KELSEN, 2009, p. 393) é ressaltada de modo definitivo a liberdade do julgador dentro da moldura normativa[25] ao afirmar que “a produção do ato jurídico dentro da moldura da norma jurídica aplicanda é livre, isto é, realiza-se segundo a livre apreciação do órgão chamado a produzir o ato”.
Em Herbert L. A. Hart, apesar de um estudo mais aprimorado[26] da matéria, também não se encontra uma completa teoria da interpretação[27]. O autor crítica a insuficiência de posições de extremo formalismo ou de extremo antiformalismo (ceticismo) para a atividade do aplicador do direito. Para o professor, o grau de incerteza presente na linguagem humana não permite que em todos os casos (muito embora para alguns seja possível) se encontre facilmente uma decisão que se subsume à norma.
Em sua teoria (HART, 2005, p. 137) lança mão do conceito de “textura aberta do direito”[28] para justificar a existência de casos difíceis (hard cases) em contraposição aos casos de fácil solução. Naqueles o aplicador, estando em uma “área de penumbra”[29] não possuiria uma única decisão correta a estabelecer, podendo exercer um poder discricionário na escolha da decisão a ser tomada, momento em que “cria” judicialmente o direito. Assim dispõe o autor:
Em qualquer sistema jurídico deixa-se em aberto um vasto e importante domínio para o exercício do poder discricionário pelos tribunais e por outros funcionários, ao tornarem precisos padrões que eram inicialmente vagos, ao resolverem as incertezas das leis ou ao desenvolverem e qualificarem as regras comunicadas, apenas de forma imperfeita, pelos precedentes dotados de autoridade. (HART, 2005, p. 149).
A teoria hartiana, muito embora diminua a penumbra presente na teoria kelseniana da interpretação (se é que se pode sustentar a existência de tal teoria), de modo algum alcança tornar sua aceitação um easy case. Críticas muito parecidas às dirigidas à teoria de Hans Kelsen podem lhe ser direcionadas, vez que muitas questões semelhantes ficam sem uma resposta (correta)[30]. Não há métodos ou critérios que permitam controlar a liberdade do aplicador. Não há indicação de critérios para se diferenciar os casos fáceis dos casos difíceis. Não fica explícita a posição juspositivista sobre os casos fáceis entre muitas outras questões que podem ser postas.
De modo geral, o positivismo jurídico de interpretação atravessa o século XX entre dois extremos do exegetivismo ao normativismo. Parte-se de uma aplicação do juiz boca-da-lei para a aplicação da lei boca-do-juiz. De tais extremos decerto que o primeiro deles já tende a ser visto como superado no momento jurídico atual estando o último em tamanha ascensão que, para alguns, até soa heroico ser assim considerado, muito embora alguns (atecnicamente) se apresentam como pós-positivistas.
Indubitavelmente os extremos indicados são prejudiciais para o direito[31] devendo ser apresentada uma solução teórica que dê ao aplicador do direito uma liberdade suficientemente ampla para que possa solucionar de forma adequada os casos que lhe são apresentados, mas suficientemente reduzida para proibir-lhe que dê uma solução inadequada ou arbitrária ao caso.
Eis o maior desafio da teoria do direito neste período da evolução e que, conforme aqui sustentado, não restou resolvido pelo positivismo jurídico normativista, muito pelo contrário.
Difícil desafio? Mas não podemos mais pensar que é possível compreender uma sociedade cada vez mais complexa de forma simplificada.
A interpretação constitucional seguiu o mesmo destino das concepções jurídico-teóricas do contexto em que foi realizada. Nesse sentido as interpretações constitucionais do período positivista-exegético foram fortemente marcadas pelo “culto ao texto” e pela a “supervalorização da lei” e do “procedimento lógico-silogístico do aplicador” (SOUZA NETO, 2002, p. 71)[32].
Sobre forte influência do pensamento liberal a teoria (originária) da separação dos poderes fundamentava democraticamente a metodologia positivista tradicional com a separação entre política e direito. A neutralização política do poder judiciário evitava a acumulação indevida de poderes que poderia provocar arbitrariedades ante a inexistência de freios ou contrapesos.
Da mesma forma que o positivismo-tradicional a concepção de jurisdição constitucional que lhe é contemporânea acreditava em um direito positivo completo e coerente em que não existiam vaguezas, ambiguidades, conflitos ou ausências de normas para a regulação de cada caso concreto, vez que todas as situações alcançariam uma previsão legislativa anterior pela divindade onipotente do legislador.
A compatibilização entre interpretação constitucional e democracia se apresentava teoricamente bastante clara e simples vez que, havendo leis previamente (auto)produzidas democraticamente, por representantes eleitos do povo, não poderia o juiz operar construtivamente e de modo solipsista, devendo ser apenas a boca-da-lei que é a vontade geral e coletiva. No contrário, restariam maculados os princípios da separação dos poderes, da segurança jurídica e o próprio conceito de democracia vigente à época.
Ademais se deve ressaltar com Daniel Sarmento (2009, p.13), que neste período o conceito de jurisdição constitucional, ainda se encontrava em formação vez que no velho continente, prevalecia “uma cultura jurídica essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal - quase como a fonte exclusiva - do Direito, e não atribuía força normativa às constituições”.
Ocorre que, conforme já sustentado, o positivismo exegético não suportou o peso dos seus críticos, inclusive do próprio positivismo (agora normativista). Assim, a prática judicial apresentou para a teoria positivista tradicional a inegável e constante presença de lacunas, obscuridades e antinomias do direito bem como um dinamismo e uma complexidade da vida social que impossibilitaram a sustentação de um positivismo tradicional fundado na onipotência do legislador e do papel meramente silogístico da atuação judicial.
Registre-se ainda que a evolução histórica[33] durante essa transição (entre positivismos), logrou o aperfeiçoamento da força normativa da constituição, e, para os países partidários do civil law, a própria criação e disseminação do controle concentrado de constitucionalidade por meio da pena de grandes teóricos do positivismo normativista e entre eles, novamente, Hans Kelsen.
O mestre de Viena nas palavras de Dirley da Cunha Jr. (2008, p. 275), “determinou o nascimento do controle ‘concentrado’ de constitucionalidade das leis, com a atribuição da jurisdição constitucional a um único órgão judiciário, com exclusão dos demais [...]”.
O sistema proposto pelo jurista tratar-se-ia de atribuir a um Tribunal uma atividade de “legislação negativa” onde não seriam julgadas pretensões concretas, mas apenas a compatibilidade abstrata entre uma lei e a Constituição.
Hans Kelsen, a pedido do governo austríaco, apresentou a idéia em um projeto à elaboração da Constituição que acabou promulgada em 1920. Em pouco tempo, em especial após a Segunda Guerra Mundial, o controle “austríaco” foi adaptado e aperfeiçoado na constituição de diversos países europeus.
Indiscutivelmente, o surgimento e aperfeiçoamento da jurisdição constitucional provocou, ao menos em uma concepção preliminar, um abalo na então vigente concepção de democracia e nos tão caros entendimentos da separação dos poderes[34] e da segurança jurídica.
A jurisdição constitucional de então traz como consequência um freio à vontade majoritária expressa nos textos legislativos e não está sujeita a um contrapeso que lhe seja correspondente.
Recorde-se que, conforme acima indicado (item 2.2.2.1), para Hans Kelsen, a atividade judicial não envolve apenas uma atividade cognitiva, envolvendo também (e sobretudo) uma atividade volitiva, onde cai por terra a distinção clássica entre razão e vontade como atributos diferenciadores do judiciário e do legislativo.
E diante disso, juntamente com Cláudio Pereira de Souza Neto (2002, p. 128), é possível questionar: “Como legitimar a declaração de inconstitucionalidade de uma norma produzida por um legislativo eleito, se o tribunal opera construtivamente? Tratam-se de dois atos de vontade e não um ato de vontade e outro de cognição.”
Do ponto de vista democrático para a concepção então vigente salta aos olhos uma patente ilegitimidade e usurpação do poder popular que não mais está sujeito somente às normas auto-impostas, mas também à vontade judicial criada no (seu) caso concreto e à revogação legislativa (das mesmas leis auto-impostas) por um Tribunal Constitucional que opera construtivamente.
O positivismo normativista, nesta senda, dota o mundo Europeu de instrumento que já provoca mudanças na atuação Estatal, e, mais do que isso, prepara o caminho para a atuação da jurisdição constitucional no Segundo pós-guerra, onde um Tribunal Constitucional poderia vir a ser chamado a atuar não apenas como legislador (positivo mesmo), mas até mesmo como um constituinte.
Neste ínterim é inegável a constatação de que a construção teórica normativista da inevitabilidade da discrição judicial provocou um forte cisma na democracia, na separação dos poderes e na segurança jurídica[35] por conta de uma teoria da decisão (ou ausência desta) nos moldes que propôs seu pensamento.
A ausência de controlabilidade e de racionalização da atividade construtiva dos tribunais é a carência teórica que se transmuda em mola-propulsora do pensamento jurídico então por vir, o qual, neste sentido, só irá superar o positivismo se buscar sanar tais deficiências. Este é o caminho que deve circular uma teoria da decisão em uma jurisdição constitucional que possa se apresentar pós-positivista.
Extrapolando nesse parágrafo os limites deste trabalho, mas apenas no intuito de aguçar o interesse do leitor, o contexto de superação do positivismo permitirá a criação de teorias que sejam criadas sobre novas bases como: a) da superação do paradigma sujeito-objeto, com os influxos do giro linguístico e da hermenêutica filosófica; b) da fixação de uma nova teoria da norma jurídica, com a normatividades dos princípios e novas relações entre direito, moral e política; e c) teorias procedimentais de democratização da jurisdição constitucional. Mas isso será assunto para outras linhas.
O presente trabalho buscou, ainda que consciente de seus limites, estudar a transição entre positivismos ocorrida no decorrer do último século e as repercussões dessa na teoria da decisão judicial, sobretudo no âmbito de uma corte constitucional.
Nesse sentido buscou-se inicialmente verificar como se deu o agravamento de uma crise de legitimidade democrática na jurisdição, o que se confirmou no âmbito da passagem de um positivismo exegético para um positivismo normativista. Nesse sentido, constatou-se que a (ausência de) teoria da interpretação deste último permitiu que a decisão judicial se realizasse com uma liberdade incompatível com a democracia.
A análise do positivismo normativista, não apenas serviu para diferenciá-lo do positivismo exegético e impedir algumas atecnias que repercutem negativamente no conceito de positivismo, como também permitiu compreender as insuficiências dessa corrente jusfilosófica para o atual momento jurídico-democrático.
As insuficiências verificadas na teoria positivista permitiram compreender as bases em que devem se estabelecer as correntes jusfilosóficas que busquem superá-la (ainda que esteja ausente uma definição mais precisa destas nos limites desse trabalho) a fim de que alcance verdadeiramente atingir os objetivos para os quais são chamadas.
Assim, olhando para a superação do positivismo normativista buscou-se indicar que qualquer corrente teórica que se pretenda pós-positivista deve reanalisar as relações entre direito e moral e direito e política no âmbito do estudo da validade do direito.
Já no âmbito da teoria da decisão é necessário que referida corrente teórica busque dar ao aplicador da norma jurídica, sobretudo o juiz de uma corte constitucional, liberdade suficiente mas não ilimitada, para bem decidir os casos postos a sua apreciação.
Eis o desafio de qualquer corrente teórica que venha a pleitear substituir o positivismo normativista. É o que pretendeu este trabalho apresentar como sua conclusão última na teoria de uma decisão em uma jurisdição constitucional que se pretenda democrática.
O debate acerca da democratização da atuação da Jurisdição Constitucional é certamente tema que permanecerá não resolvido por ora, estando atualmente em franca construção teórica e prática, em todo caso, ao menos para a análise de como as coisas se encontraram no último século a permitir um olhar para a história na busca por bem construir um adequado caminho no presente espera humildemente ter contribuído.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira Cláudia Toledo. 3. ed.
Rio de Janeiro : Forense, 2011.
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NOTAS:
[1] No Brasil entre outros cite-se Lenio Luiz Streck (2011), Daniel Sarmento (2009), Cláudio Pereira de Souza Neto (2002) e Dimitri Dimoulis (2006);
[2] Entre outros pode-se citar Ronal Dworkin (2010), Jurgen Habermas (2012), Peter Häberle (2002) e Herbert Hart (2005);
[3] A titulo exemplificativo citem-se as várias possibilidades de improcedência liminar do pedido na forma do art. 332 e as diversas eficácias dos julgamentos fundamentados em recursos repetitivos conforme art. 311, II, art. 932, IV, b, e V, c, art. 955, II entre muitos outros.
[4] Voto-Vista proferido nos autos da Reclamação Constitucional nº 4335 do Acre. Em referido voto-vista, que se tornou decisivo na solução do caso, o Ministro Teori Zavascki apresenta diversos exemplos de como a evolução legislativa e jurisprudencial das últimas décadas dotou de grande força normativa os precedentes judiciais da suprema corte brasileira.
[5] Referidos paradigmas podem ser reunidos sob a denominação de pós-positivismos, anti-positivismos ou ainda neopositivismos. No âmbito do direito constitucional vê-se seus reflexos sob a denominação de neoconstitucionalismo. Para aprofundamento do tema sugerem-se as obras Verdade e Consenso de Lenio Luis Streck, (2011) e Neoconstitucionalismo(s) organizado por Miguel Carbonel (2013).
[6] Transição do positivismo exegético para o positivismo normativista, conforme será esclarecido no tópico seguinte.
[7] Dimitri Dimoulis (2006, p. 50) entende preferível a utilização do termo “antipositivismo” frente ao uso corrente no Brasil do termo pós-positivismo, ao entender que há uma desvantagem cognitiva com base no critério da sucessão cronológica que chega a entender inexistente. O termo antipositivismo se apresentaria mais expressivo quanto ao conteúdo essencial que a corrente defende. No presente trabalho adotar-se-á com mais frequência o termo pós-positivismo vez que não percebe prejuízo conceitual que justifique o abandono de um uso corrente, ainda que em construção conceitual, da expressão no direito brasileiro, buscando, no presente trabalho, também colaborar com o bem delinear do que em verdade pretende ser um pós-positivismo não caricaturado bem defendido por aquele autor.
[8] É corrente a afirmação acerca da existência de vários positivismos. Nesse sentido veja-se Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p. 44) ao afirmar a existência do positivismo legalista, do positivismo lógico e do positivismo funcionalista. Também em Dimitri Dimoulis (2006, p. 66) percebemos o caráter múltiplo do termo. No mesmo sentido, alertando sobre a complexidade de conceituar o positivismo, nos alerta Lenio Luiz Streck (2011, p.62).
[9] Veja-se a propósito dos desafios de uma jurisdição constitucional no Brasil enquanto um país de modernidade tardia Lênio Luiz Streck (2011, p. 74)
[10] Veja-se a respeito as criticas de Dimitri Dimoulis (2006, p. 53) e Lênio Luiz Streck (2011, p.31).
[11] Robert Alexy (2011, p. 19) inicia a introdução de sua Teoria da Argumentação Jurídica com citação denotando o caráter pacífico de tal afirmação pelas palavras de Karl Larenz já em 1975.
[12] Robert Alexy (2011, p. 19) apresenta “no mínimo” quatro motivos para o insucesso do positivismo exegético: a imprecisão da linguagem do Direito, os conflitos entre normas, casos sem regulação e casos especiais onde é possível que a decisão contrária a norma.
[13]Hans Kelsen (2009, p. 394) chega a afirmar que é valida e “autêntica” uma interpretação mesmo quando se situa fora da moldura normativa.
[14] Inclusive tal situação encontra precedente na história constitucional estadunidense, em período que ficou conhecido como Era de Lochner, quando a Suprema Corte impediu edição de legislações que aproveitariam classes menos favorecidas com base em uma leitura substantiva do principio do devido processo legal.
[15] A distinção vem de Dimitri Dimoulis (2006, p. 50) e com outras palavras é ressaltada por Lênio Streck (2011, p. 33 e 502) que indica existir em Hans Kelsen uma “cisão entre direito e ciência do direito” que irá determinar seu conceito de interpretação.
[16] Onde se homenageia obra de mesmo nome.
[17] Onde se homenageia obra de mesmo nome.
[18] Não pretende com a expressão fazer tábua rasa da sábia distinção entre os planos da existência, validade e eficácia, apenas utilizando a expressão em respeito à denominação já corrente na matéria.
[19] E aqui novamente se verifica a prioridade de tratamento dado ao âmbito de validade.
[20] Dimoulis (2006, p. 114) acrescenta ainda como condições os limites temporais e espaciais de validade e as regras que permitem resolver os casos de antinomias jurídicas.
[21] Entre outros aspectos da teoria do ordenamento que poderiam ser expostas se encontram certamente as características, buscadas pelos seus teóricos, da unidade, coerência e completude. Nesse sentido veja-se Noberto Bobbio (2006, p. 202).
[22] Naturalmente acrescido da ausência de preocupação com a concretização da norma conforme será exposto no item seguinte.
[23] Expressão que é referência ao ponto fraco da teoria positivista tomado de empréstimo da mitologia grega que em diversas obras tratou do herói Aquiles. O episódio que teria dado origem a expressão surgiria na guerra de Tróia (mais logamente obra Ilíada de Homero). Aquiles, filho da deusa Tétis e do rei Peleu, teria sido banhado por sua mãe nas águas do rio Estige para que tornasse indestrutível. Ao segurar o ainda bebê Aquiles pelo calcanhar sua mãe teria deixado esta única parte do seu corpo vulnerável e que, futuramente, ao ser transpassado na guerra de Tróia, permitiria a morte do héroi pela flecha de Páris.
[24] Data máxima vênia aos que consideram a norma fundamental como o principal problema do positivismo de validade kelseniano, aqui se afirma ser o “ponto fraco” de todo o positivismo normativista, a teorização (ou falta dela) acerca da aplicação do direito.
[25] Isso sem adentrarmos em comentário de trecho onde Kelsen (2009, p. 394), ao nosso entender, ultrapassa até a “moldura” da discricionariedade para o terreno de uma teoria-pura-da-arbitrariedade, ao afirmar que é valida e “autêntica” uma interpretação mesmo quando se situa fora da moldura normativa!
[26] Objetivo indicado expressamente pelo autor e, sem dúvida, alcançado.
[27] Adrian Sgarbi (2006, p. 130) nos indica a intenção do autor, como a de “fornecer informações essenciais para a compreensão dos problemas da linguagem do direito”.
[28] Como um reflexo da incerteza da linguagem humana já referida.
[29] Gerada pela textura aberta do direito.
[30] No sentido do texto também nos afirma Dimitri Dimoulis (2006, p. 216).
[31] Fato inclusive salientado muito bem pelo próprio Herbert L. A. Hart (2005, p. 143), mas deixado, sem solução satisfatória em sua obra.
[32] Na Alemanha, v. g., chegou-se a negar qualquer diferença entre interpretação constitucional e interpretação infraconstitucional. Nos Estados Unidos verificamos a legitimação da jurisdição constitucional no contexto positivista-exegético por meio das teorias interpretativistas e textualistas que negam veementemente, estas mais que aquelas, qualquer a atividade construtiva do intérprete.
[33] Em Dirley da Cunha Jr (2008, p. 258) lemos que “o controle de constitucionalidade não nasceu de um ato genial de um só homem. Ele é o resultado de um paulatino processo de amadurecimento através de anos de história”. O renomado jurista nos leva até a antiguidade clássica, “em especial à civilização ateniense”, onde se distinguia entre os nómoi (leis constitucionais da época) e o pséfisma (leis ordinárias). Na continuidade há passagens obrigatórias pela idade Média com a concepção de superioridade do direito natural e pela doutrina de Sir Edward Coke, até alcançar como ápice o célebre case Marbury v. Madison que trouxe em definitivo as bases do judicial review estadunidense.
[34] No sentido do texto novamente Cláudio Pereira de Souza Neto (2002, p.126), inclusive colacionando o tratamento do próprio Hans Kelsen acerca do tema.
[35] Muito percuciente é a admoestação de Claudio Pereira de Souza Neto (2002, p. 129) acerca do comprometimento da segurança jurídica em Hans Kelsen, nas palavras do autor ao anunciar o tratamento do tema: “Quando o magistrado julga o caso concreto, está apreciando um fato ou um ato que ocorreu no passado. No entanto, como ele opera construtivamente, a norma aplicável ao caso será sempre elaborada posteriormente à realização do fato apreciado. [...] No tocante a esse tema, pode-se, portanto, concluir que, se o juiz possui o poder discricionário de estabelecer a norma aplicável ao caso concreto, através de um ato de vontade, os cidadãos não mais estão ‘ao abrigo das instituições’, mas à mercê dos homens/juízes”.
Pós-graduado em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. Aprovado nos concursos para ingresso nas carreiras de Procurador do Estado do Piauí (2015), Procurador do Município de Salvador-BA (2016) e Procurador do Município de Nossa Senhora do Socorro - SE (2014). Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALDINO, Matheus Souza. Teoria da decisão, democracia e jurisdição constitucional: a teoria da decisão e sua relação com o declínio do positivismo jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46062/teoria-da-decisao-democracia-e-jurisdicao-constitucional-a-teoria-da-decisao-e-sua-relacao-com-o-declinio-do-positivismo-juridico. Acesso em: 23 dez 2024.
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