RESUMO: O presente trabalho tem por escopo principal analisar e tecer considerações gerais a respeito do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE n° 837.311/PI, preocupando-se em esclarecer a situação jurídica do candidato aprovado no cadastro de reserva de concurso público em caso de surgimento de vagas por vacância ou criação de novos cargos por lei. De maneira prefacial, faz-se um breve resumo do posicionamento histórico do Pretório Excelso a respeito do tema, para somente depois adentrar-se à questão principal: a diferença entre as situações que geram para o candidato o direito líquido e certo à nomeação daquelas em que se configuram mera expectativa de direito.
PALAVRAS-CHAVES: concurso público, surgimento de novas vagas, vacância, lei, edital, prazo de validade, expectativa de direito, direito líquido e certo, preterição.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2. DA SIGNITIVA INFLUÊNCIA EXERCIDA PELO STF NOS DEMAIS PODERES DA REPÚBLICA ATRAVÉS DAS SUAS DECISÕES PROFERIDAS EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 3. DO SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME ANTERIOR, SEJA PELA VACÂNCIA DOS CARGOS JÁ EXISTENTES, SEJA PELA CRIAÇÃO DE NOVOS CARGOS PELA VIA LEGISLATIVA 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988 é taxativo ao dispor que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
De acordo com a doutrina administrativista, o referido dispositivo constitucional estabelece o princípio do concurso público, verdadeiro corolário dos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência, todos com previsão expressa no caput do art. 37 da Lei Maior.
Neste contexto, convém ressaltar que um tema bastante controvertido na jurisprudência pátria, por longos anos, consiste na situação jurídica do candidato aprovado em concurso público. Nesse tipo de situação, o candidato possuiria um direito subjetivo a ser nomeado ou mera expectativa de direito?
Por décadas, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) se mostrou bastante estável e consolidado quanto ao tema: o candidato aprovado em concurso, seja dentro do número de vagas previstas no edital, seja fora, possui mera expectativa de direito à nomeação, de forma equivalente ao que ocorre que uma licitação pública, em que o vencedor não possui direito subjetivo à contratação, mas mera precedência quanto aos demais licitantes caso a administração pública deseje firmar o contrato administrativo.
Contudo, a matéria sofreu importante releitura no ano de 2011, quando o STF, ao julgar o RE 598.099/MS, decidiu que o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital não possui mera expectativa de direito, mas sim direito subjetivo à nomeação, diante da necessidade de proteção à confiança legítima depositada pelo cidadão na promessa administrativa de que seriam providos aquela determinada quantidade de cargos, exatamente nos moldes previstos no edital do concurso.
Ocorre que outra questão restou em aberto, e aparentemente foi solucionada recentemente pela Corte Suprema: e quanto aos candidatos aprovados no cadastro de reserva do concurso no caso de surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do certame? Possuem estes mera expectativa de direito ou direito subjetivo a serem nomeados? A posição do Pretório Excelso a respeito da aludida problemática será detalhada nas linhas a seguir.
2. DA SIGNITIVA INFLUÊNCIA EXERCIDA PELO STF NOS DEMAIS PODERES DA REPÚBLICA ATRAVÉS DAS SUAS DECISÕES PROFERIDAS EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O ponto nodal da questão em comento foi levado à apreciação da Corte Suprema no RE 837.311/PI e reside no seguinte: o candidato que em concurso público integra o cadastro de reserva possui direito subjetivo à nomeação na hipótese de surgimento de vagas em razão da vacância quanto a cargos já existentes ou por criação de novos cargos pela via legislativa?
No caso sob debate, o Tribunal de Justiça do Piauí entendeu que sim. Apontou a Corte Estadual que “no momento em que a Administração expressamente manifesta a intenção de fazer novas contratações por necessidade de Defensor Público em todo o Estado do Piauí; anuncia a realização de novo concurso dentro do prazo de validade do certame anterior e nomeia candidatos aprovados fora da ordem classificatória e do limite de vagas inicialmente ofertadas no edital, o ato de nomeação dos impetrantes deixa de ser discricionário para tornar-se vinculado, convertendo-se a mera expectativa em direito líquido e certo”.
Por sua vez, o Estado do Piauí interpôs recurso extraordinário, defendendo a tese no sentido de que o candidato que integra o cadastro de reserva possui mera expectativa de direito, ainda que surjam, no decorrer do certame e dentro do seu prazo de validade, vagas por criação legislativa ou vacância de cargos já existentes.
O RE foi admitido, tendo sido reconhecida a repercussão geral da matéria. Ao reconhecer a repercussão geral, esta a Suprema Corte assentou que “a questão de fundo debatida nos autos diz respeito ao direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital do certame no caso do surgimento de novas vagas dentro do prazo de validade do concurso. Cumpre acentuar que esta matéria vem sendo decidida de forma divergente pelas Turmas desta Corte”. Ao citar que a matéria é objeto de decisões divergentes entre os órgãos fracionários do Pretório Excelso, foram citados o ARE 757.978-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 7/4/2014 e ARE 790.897-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 7/3/2014.
É imperioso consignar que o tema é de enorme importância para todos os entes federados, pois estabelece a posição do Supremo Tribunal Federal que norteará a atuação administrativa em todos os níveis federativos e acarretará as consequências práticas daí decorrentes.
Neste sentido, parece ser evidente que toda e qualquer decisão da Suprema Corte em que se estabeleçam balizas para a atuação administrativa no que tange a concursos públicos é de nítido interesse de todo e qualquer ente integrante da federação.
Como é cediço, uma das funções do Pretório Excelso é, indubitavelmente, proferir decisões paradigmáticas. Toda decisão da Suprema Corte do país é estudada, analisada, submetida à crítica da comunidade jurídica e dos jurisdicionados, e evidentemente - com maior intensidade nos tempos atuais de “objetivação do controle difuso”, com institutos como a “repercussão geral” e o caráter vinculante dos precedentes – norteia a atuação não apenas dos demais órgãos integrantes do Poder Judiciário, mas também orienta a atuação do Legislador e do Administrador Público.
Não raro, ao ter conhecimento de que a Suprema Corte visualiza determinada matéria em determinado sentido, o Legislador compatibiliza a legislação à decisão Pretoriana, bem com o Administrador Público compatibiliza sua atuação ao entendimento do Tribunal, visando evitar a propositura de ações judiciais fadadas a impor ao ente federado derrotas que lhe causem prejuízo.
Com relação ao tema sob análise, não é diferente. É de extremo interesse dos Estados e também dos concursandos conhecer a tese a que se dará luz após o julgamento do recurso extraordinário: o candidato que está no mero cadastro de reserva, portanto possuindo mera expectativa de direito à nomeação, passa a ter direito subjetivo diante do surgimento de novas vagas?
3. DO SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME ANTERIOR, SEJA PELA VACÂNCIA DOS CARGOS JÁ EXISTENTES, SEJA PELA CRIAÇÃO DE NOVOS CARGOS PELA VIA LEGISLATIVA
A partir deste momento, buscaremos demonstrar que o candidato aprovado no concurso fora do número de vagas disponibilizadas no edital do certame continua a possuir mera expectativa de direito em caso de surgimento de novas vagas, seja por vacância, seja por criação de novos postos pela via legislativa.
O primeiro fundamento é que nesta hipótese bem delimitada, não existe confiança legítima do administrado a ser tutelada. Explica-se: a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, historicamente, sempre foi no sentido de que o candidato aprovado em concurso público, dentro ou fora do número de vagas disponibilizadas no edital, possuiria mera expectativa de direito à nomeação. Não haveria, conforme o clássico entendimento pretoriano, direito subjetivo do candidato.
Referido entendimento jurisprudencial sofreu uma guinada de 180º após o julgamento do RE 598.099/MS, de relatoria do eminente Ministro Gilmar Mendes. Neste recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal concluiu pelo direito subjetivo do candidato que é aprovado dentro do número de vagas oferecidas pela administração pública através do edital que rege o certame.
Ocorre que o precedente firmado no RE 598.099/MS não se aplica ao caso sob estudo, uma vez que lá se decidiu acerca do direito dos aprovados dentro do número de vagas, e aqui a deliberação se dá quanto aos integrantes do cadastro de reserva.
Assim, sob o ponto de vista jurisprudencial, tem-se que o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge apenas quando este é aprovado dentro das vagas, além dos casos de preterição por não observância da ordem de classificação.
A decisão do RE 598.099/MS foi baseada em um fundamento irretocável – que, adiante-se, aqui não se aplica: o princípio da segurança jurídica, na sua vertente subjetiva da proteção à confiança do administrado.
Assim, da leitura atenta do acórdão do RE 598.099/MS, percebe-se que o grande fundamento que norteou a decisão da Corte foi aquele que defende que o administrado, ao lograr êxito em um determinado concurso público, isto é, sendo aprovado dentro do número de vagas expressamente previstas pelo edital, passa a ter uma legítima expectativa de que será convocado para integrar as fileiras do serviço público.
Haveria, in casu, um dever de boa-fé por parte da administração pública, a exigir o respeito incondicional às regras do edital. Ora, nada mais natural: se a própria administração elaborou um edital e nele estabeleceu que o concurso seria realizado para o preenchimento de determinado número de cargos, seria contraditório (venire) deixar de nomear, sem qualquer motivação plausível, o candidato aprovado dentro daquele número preestabelecido. Haveria quebra do dever de boa-fé da administração e da legítima expectativa e proteção à confiança do candidato.
Esse fundamento norteou todos os votos de todos os Ministros deste colegiado. O Ministro Gilmar Mendes entendeu que o cidadão, ao se submeter ao concurso com determinado número de vagas, passa a confiar na promessa estatal de que ao menos aquele número de candidatos será nomeado.
O Ministro Luiz Fux, segundo a votar após o relator, também reconheceu o direito subjetivo do candidato aprovado dentro do número vagas, diante da necessidade de se proteger a confiança do cidadão, que confia na promessa do Estado quanto ao número de vagas que este pretende prover.
O terceiro a votar naquele recurso extraordinário foi o Ministro Dias Toffoli. Sua Excelência, ao proferir seu voto, acompanhou o relator, entendendo que o candidato aprovado dentro do número de vagas possui direito subjetivo à nomeação, também em observância à já citada segurança jurídica, em seu aspecto subjetivo (proteção à confiança).
O que é interessante é que o Ministro Dias Toffoli, ao votar, fez referência ao RE 581.113/SC. Neste julgado, os candidatos foram aprovados no cadastro de reserva, e entendiam possuir direito subjetivo à nomeação diante da criação de novos cargos.
O RE citado foi acolhido, e os integrantes do cadastro de reserva tiveram direito subjetivo à nomeação. Entretanto, tal conclusão não se aplica, automaticamente, à hipótese presente. Ali, havia uma especificidade, muito bem narrada pelo próprio Ministro Dias Toffoli, pois naquele caso havia determinação do TSE no sentido de que os TRE’s aproveitassem a lista de aprovados em cadastro de reserva de concursos vigentes para a substituição de servidores requisitados por efetivos.
A situação narrada é extremamente específica. No RE 581.113/SC, apesar de ter sido reconhecido pelo STF que os integrantes do cadastro de reserva possuem direito subjetivo à nomeação, o fundamento para que o Supremo concluísse desta forma foi a inequívoca preterição dos integrantes do cadastro de reserva por servidores requisitados. Ou seja, no RE citado não houve qualquer mudança da jurisprudência da Corte: ali, apenas se reafirmou o entendimento que a preterição cria para o aprovado no cadastro o direito à nomeação!
A contrario sensu, portanto, não havendo que se falar em preterição, havendo simplesmente o surgimento de novas vagas por lei ou por vacância, não há que se falar em direito subjetivo do candidato.
Em seguida, a quarta a proferir seu voto no RE 598.099/MS foi a Ministra Carmem Lúcia. Suas razões de decidir também não se afastaram do princípio da segurança jurídica.
O Ministro Ricardo Lewandowski, acompanhando o relator, demonstrou maior autocontenção ao registrar que se faz necessário analisar com cautela cada situação específica, a fim de não prejudicar o dever de a administração ser eficiente, o que não ocorrerá caso tenha, sempre, que nomear candidatos aprovados no certame, ainda que a necessidade de provimento do cargo não mais exista.
Outra não foi a linha de raciocínio do Ministro Ayres Britto. Com fulcro no princípio da lealdade, entendeu o magistrado que a administração pública, ao publicar o edital, gera expectativas no seio da comunidade, que não podem ser frustradas.
O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, reforçou tudo que foi dito acima, ao afirmar, logo no início de seu voto, que “o Estado não pode brincar com o cidadão, principalmente ante os ares constitucionais vivenciados, em que potencializa a cidadania, a dignidade do homem”.
Da leitura de todos os votos proferido na ocasião, percebe-se, sem grande esforço, que o fundamento teórico que sustenta a tese de que o candidato aprovado dentro do número de vagas disponibilizadas no edital do concurso possui direito subjetivo à nomeação é a necessidade de a administração permanecer leal à palavra dita. Se o Estado lança edital prometendo nomear 20 pessoas, os aprovados dentro destas 20 vagas disponibilizadas pelo próprio Estado possuem a legítima expectativa, a confiança de que os 20 primeiros colocados serão nomeados. E tal confiança e expectativa gerada no administrado não podem ser frustradas sob pena de que o Poder Público caia em descrédito perante a sociedade.
Estabelecida esta premissa, resta-nos perquirir: qual seria o fundamento teórico a justificar o direito subjetivo de nomeação do candidato aprovado fora do número de vagas, em caso de surgimento de novas vagas dentro do prazo de validade do concurso?
Parece ser evidente que não existe, nesta hipótese, confiança legítima ou expectativa a ser tutelada. Se o candidato foi aprovado apenas no cadastro de reserva do concurso, não possui ele expectativa ou confiança alguma a serem protegidas. Ao não nomear um candidato aprovado fora das vagas, a administração pública não está agindo de forma contraditória ou desleal. Ela está, em verdade, cumprindo com sua promessa: de nomear os aprovados dentro das vagas, e reservando-se a nomear aqueles aprovados fora delas apenas em casos de real necessidade.
Assim, a situação dos aprovados dentro do número de vagas é completamente distinta daqueles aprovados fora delas. Se os primeiros possuem direito subjetivo à nomeação, decorrente da proteção à confiança nas regras do edital e do dever de lealdade e boa-fé que a administração lhes deve dispensar, tais razões não se aplicam ao caso de o candidato estar aprovado fora do número de vagas.
Homologado o concurso e estando o candidato fora das vagas previstas no edital, não surge para este cidadão qualquer legítima expectativa de que será, dentro do prazo de validade do concurso, nomeado. No máximo, surge para esta pessoa uma mera expectativa de direito de que a administração, caso de fato precise, venha a convocá-lo.
E esta expectativa de direito não se convola automaticamente em direito subjetivo apenas porque surgiu uma vaga por vacância ou criação de novos postos pela via legislativa, conforme veremos a seguir.
Vimos que o principal fundamento que justifica o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado dentro das vagas do edital é a necessidade de a administração manter-se leal e proteger a confiança que o administrado possui na atuação estatal. E que tal fundamento não se aplica, a toda evidência, ao candidato que é aprovado fora do número de vagas, pois uma vez homologado o concurso e sabendo o candidato que se encontra fora do número de vagas, não há confiança alguma a ser tutelada.
Resta investigar se, ao surgir nova vaga dentro do prazo de validade do concurso, passa este candidato a ter direito à nomeação. A resposta é incontroversamente negativa.
No próprio julgamento do RE 598.099/MS, o relator Ministro Gilmar Mendes consignou em seu voto que proceder desta forma “seria engessar a Administração Pública, que perderia sua discricionariedade quanto a melhor alocação das vagas, inclusive quanto a eventual necessidade de transformação ou extinção de cargos”.
Nada mais evidente, afinal, quando o Chefe do Poder Executivo é legitimamente eleito, de forma democrática, para o cargo político, o é para que implemente seu plano de governo. Não votamos em pessoas, mas em planos de atuação estatal.
Até mesmo quando não há a troca de governante ou de partido, ou seja, nos casos de reeleição, verifica-se que entre um mandato e outro não raro são realizadas “reformas administrativas”, a fim de que o representante democraticamente eleito programe seu plano de governo, colocando em prática sua ideologia e suas ideias para a atuação eficiente do Estado.
Neste contexto, constata-se que a criação e extinção de autarquias, fundações, secretarias dentre outros entes ou órgãos integrantes de um ente federado ocorre, conforme podemos constatar diuturnamente, em velocidade recorde. E a criação, extinção, fusão ou transformação de entidades e órgãos do Estado acarreta, invariavelmente, na necessidade de se readequar a “cara” do funcionalismo público estadual.
Exatamente neste espírito, de dotar o Poder Executivo de instrumentos para alterar a face da administração pública de forma célere – já que os mandatos são temporários e relativamente curtos para que se implemente uma política pública bem sucedida – o Constituinte derivado, através da Emenda Constitucional 32 de 2001, concedeu ao Presidente da República – competência que se aplica aos chefes dos executivos estaduais e municipais, por simetria – o poder de extinguir funções e cargos públicos, quando vagos, mediante decreto autônomo.
Repare que a ideia é dar extrema celeridade para que o Chefe do Executivo reestruture a administração pública e o funcionalismo estatal que tal atribuição foi retirada do domínio da lei e passou ao domínio do decreto autônomo, que é elaborado unilateralmente pelo chefe do executivo e produz efeitos sem qualquer necessidade de aval de qualquer dos demais poderes – apesar de sempre ser possível o controle judicial ou legislativo posterior.
O decreto autônomo, neste contexto, está um degrau acima até mesmo da medida provisória, que depende, como se sabe, de posterior aprovação pelo Poder Legislativo. Neste sentido, parece ser evidente que o Constituinte buscou, reconhecendo a necessidade de o chefe do executivo possuir uma margem de manobra e de atuação para reestruturar a máquina administrativa, dar extrema celeridade para as medidas necessárias para que tal desiderato seja atingido.
Assim, seria totalmente contraditório verificar que a própria Carta Republicana confere à administração pública meios para que esta não fique engessada, permitindo uma rápida reestruturação do funcionalismo público, mas que o Estado é refém de um cadastro de reserva de um concurso público, sem que possa, sempre que um cargo fique vago, extingui-lo ou transformá-lo, ou, simplesmente, deixá-lo vago por determinado período a fim de diminuir os gastos do Ente Federado com folha de pagamento de pessoal.
Entretanto, cumpre destacar que no julgamento do RE 837.711/PI o Supremo Tribunal adotou posição intermediária. Entendeu que, em regra, o candidato aprovado em concurso público fora das vagas inicialmente previstas no edital não possui direito subjetivo à nomeação, mas sim mera expectativa de direito. E anunciou as hipóteses em que esta mera expectativa se convola em direito subjetivo, senão vejamos:
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: 1 – Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2 – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; 3 – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.” Vencido o Ministro Marco Aurélio, que se manifestou contra o enunciado. Ausentes, nesta assentada, os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 09.12.2015.
Desta feita, para o STF, o candidato aprovado no cadastro de reserva, em regra, possui mera expectativa de direito, salvo em caso de preterição, por não observância da ordem de classificação, ou quando surgirem novas vagas ou aberto novo concurso, no caso de haver preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato.
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto no presente trabalho, é possível concluir que o mero surgimento de vagas durante o prazo de validade do certame pode não ser suficiente para convolar a mera expectativa de direito do integrante do cadastro de reserva em direito subjetivo à nomeação, desde que a administração fundamente os motivos pelos quais não irá prosseguir nomeando os candidatos do cadastro, de modo a preservar a liberdade do administrador, ainda que lhe seja transferida o ônus de demonstrar os motivos pelos quais interrompeu as nomeações em determinado candidato, em observância aos princípios da impessoalidade e moralidade (art. 37, caput, CF/88).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
______. Constituição e Segurança Jurídica. In ANTUNES, Carmem Lúcia (org.). Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
Servidor Público Federal. Graduado em Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (2010/2). Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2012).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Victor Hugo Machado. Situação jurídica do candidato aprovado no cadastro de reserva de concurso público em caso de surgimento de vagas por vacância ou criação de novos cargos por lei: mera expectativa de direito ou direito subjetivo à nomeação? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46081/situacao-juridica-do-candidato-aprovado-no-cadastro-de-reserva-de-concurso-publico-em-caso-de-surgimento-de-vagas-por-vacancia-ou-criacao-de-novos-cargos-por-lei-mera-expectativa-de-direito-ou-direito-subjetivo-a-nomeacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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