RESUMO: O objetivo é analisar o direito à saúde, em sua dimensão positiva, e as suas peculiaridades, enquanto um direito social fundamental e de grande importância para a garantia do direito à vida e à dignidade humana.
Palavras-chave: Direitos sociais. Direito à saúde. Reserva do possível. Mínimo existencial.
O presente trabalho busca realizar um exame doutrinário e jurisprudencial acerca do direito à saúde, enquanto direitos que exigem uma atuação positiva do Estado.
Nesta seara, em virtude de sua intrínseca ligação com o direito à vida e com o princípio da dignidade da pessoa humana, assume relevo o direito à saúde, que foi objeto de enfoque para uma análise mais específica e não meramente abstrata.
Procura-se delimitar a análise sob a ótica do direito à saúde, um dentre os três direitos relativos à seguridade social. São abordados os aspectos mais relevantes que permeiam o conceito de direito à saúde, sua dimensão negativa e positiva, os sistemas de saúde, a relação desse direito com o princípio da dignidade da pessoa humana e à vida. Em sequência, já inserindo na abordagem elementos que contribuem, de certa forma, para a problemática da efetivação do direito à saúde, são desenvolvidos os tópicos acerca do princípio da reserva do possível, mínimo existencial e como se dá a eficácia e efetividade do direito.
O direito fundamental à saúde se insere no rol dos direitos à seguridade social, no qual também se incluem a previdência e a assistência social. É o que consta no art. 194 da Constituição Federal, abaixo reproduzido:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.[1]
O direito à saúde traz intrínseca a característica de essencialidade, para todos os indivíduos, de modo que é tanto um direito humano, como direito fundamental. Não é à toa que o referido direito é provido de dupla fundamentalidade: formal e material. É oportuna a reprodução do art. 2º da Lei 8080/90:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.[2]
É inegável que, só pela análise do que consta no texto constitucional e legislação infraconstitucional, já se observa que a implementação do direito à saúde afigura-se como sendo uma obrigação por parte do Estado, conforme se depreende dos seguintes artigos da Constituição Federal:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.[3]
Os autores Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo apontam, ainda, que a saúde, além de ser um dever fundamental do Estado, também poderá vincular particulares à sua observância, uma vez que as normas garantidoras e impositivas de deveres fundamentais também se destinam aos particulares. Neste contexto, os referidos juristas fazem referência à condenação, tanto na esfera cível quanto na penal, de conduta que ofenda a integridade física e corporal de outrem. Também apontam que a própria pessoa tem o dever com sua própria saúde (vida, integridade física e dignidade pessoal), de modo que haveria até justificativa para intervenção judicial, em determinados casos, em virtude da irrenunciabilidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais[4]
Deve ser destacada, também, como bem observam Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo, utilizando-se dos ensinamentos de João Loureiro, a saúde como um bem protegido pelo Direito, que se caracteriza pelos seguintes traços:
[...] uma forte interdependência, que aponta tanto para a existência de zonas de convergência e superposição com outros bens (direitos e deveres) que constituem também objeto de tutela autônoma (privacidade, moradia, trabalho, alimentação, entre outras), mas que também reclama seja considerada tanto a existência de uma fronteira (seguramente não estanque) entre os diversos males que afetam a saúde (ações da própria pessoa e de terceiros, riscos coletivos provocados pelo Homem e catástrofes naturais) e as medidas para conservação e proteção (poderíamos acrescentar aqui a promoção) da saúde.[5]
Será adotada, no presente trabalho, a posição de que a saúde é um direito de todos e de titularidade universal, ou seja, abarca tanto brasileiros quanto estrangeiros. Verifica-se evidente que a saúde é um direito universal, em decorrência de sua forte ligação com o direito à vida e à integridade física e corporal.
É oportuno reproduzir-se trecho do preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, que contém, logo no início (em destaque), uma possível definição para o termo saúde:
[...] A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.
Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social.
A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados.[...]. [6]
Observa-se que, embora haja tentativas em formular um conceito para saúde, deve-se sempre levar em consideração no conceito de saúde (e até de mínimo existencial, como será abordado adiante), as particularidades da realidade em que se insere o indivíduo (seja ela social, geográfica, cultural, etc.), bem como as circunstâncias pessoais do titular. Ademais, há que se ter em mente os limites fáticos e jurídicos para a plena concretização do direito à saúde.[7]
Muito embora os direitos sociais sejam classificados como direitos prestacionais, em contraposição aos direitos de defesa, verifica-se que esta característica, de exigir do Estado uma conduta positiva, uma atuação, não é a única que se faz presente.
Os direitos sociais, de um modo geral, e, por consequência, o direito fundamental à saúde, possuem duas dimensões: negativa e positiva.
A dimensão negativa visa à proteção da saúde, traduz-se na vedação de interferências na saúde ou de alguma espécie de ameaça a este direito fundamental, seja por parte do Estado ou de particulares. Já a dimensão positiva, na qual o direito à saúde é tido como um direito a prestações, verifica-se uma exigência de que o Estado (ou até particulares) realizem condutas de cunho assecuratório da gozo do direito. No tocante ainda à dimensão positiva, pode-se analisá-la em dois sentidos: amplo e estrito, conforme explicam Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo:
Em sentido amplo abrange a consecução de medidas para salvaguarda do direito e da própria saúde dos indivíduos (deveres de proteção), bem como a organização de instituições, serviços, ações, procedimentos, enfim, sem os quais não seria possível o exercício desse direito fundamental (deveres de organização e procedimento). Em sentido estrito (acompanhando aqui a terminologia proposta por Robert Alexy) a dimensão prestacional traduz-se no fornecimento de serviços e bens materiais ao titular desse direito fundamental (atendimento médico e hospitalar, entrega de medicamentos, realização de exames da mais variada natureza, prestação de tratamentos, ou seja, toda uma gama de prestações que tenham por objeto assegurar a saúde de alguém.[8]
O autor Virgílio Afonso da Silva esclarece que:
Se “proteger direitos sociais” implica uma exigência de ações estatais, a resposta à pergunta “o que faz parte do âmbito de proteção desses direitos?” tem que, necessariamente incluir ações. “Proteger direitos”, nesse âmbito, significa “realizar direitos”. Por isso, pode-se dizer que o âmbito de proteção de um direito social é composto pelas ações estatais que fomentem a realização desse direito.[9]
A análise do texto constitucional, em seu art. 196, revela que não há definição exata quanto ao limite da tutela negativa ou positiva da saúde.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação[10]
Contudo, pelo que consta na Constituição, pode-se concluir que o direito à proteção e promoção da saúde abrange tanto a dimensão preventiva quanto a promocional e curativa da saúde. Ao utilizar o termo “recuperação”, a Constituição busca fazer um elo com a chamada “saúde curativa”, ou seja, garantir o acesso das pessoas aos meios que lhe trarão a cura da doença ou, ao menos, uma considerável melhora na qualidade de vida. Já as expressões “redução do risco de doença e de outros agravos” e “proteção”, estão relacionadas à idéia de “saúde preventiva”, de modo que serão tomadas medidas eficazes para que se evite o surgimento e contágio de doenças. Por fim, a palavra “promoção” é designada para indicar a busca de melhor qualidade de vida, através de ações visando à melhora das condições de vida e saúde dos indivíduos.[11]
A Constituição Federal de 1988 implantou o SUS – Sistema Único de Saúde – de modo a possibilitar o acesso de todos às ações e serviços públicos de saúde. Trata-se de um Sistema que funciona de forma regionalizada e hierarquizada, contendo uma organização descentralizada, conforme prevê o art. 198, da CF. Dessa forma, percebe-se que o legislador constituinte atribuiu ao Poder Público, de modo geral, ou seja, abrangendo todos os entes da federação, a responsabilidade pelas ações e serviços públicos de saúde.[12]
O autor André Ramos Tavares observa que as ações e serviços de saúde subsumem-se ao princípio do atendimento integral, constante no art. 198, II, da CF, que diz respeito à prestação do serviço, que deve se dar de modo a satisfazer todas as necessidades do ser humano relacionadas à saúde. Assim, ao mesmo tempo em que todos têm direito à saúde, a prestação também deverá ser completa, não podendo o Poder Público se esquivar de seu dever alegando dificuldades técnicas ou financeiras, segundo o referido autor.[13]
As atribuições do SUS encontram-se previstas no art. 200 da CF, cujo teor encontra-se reproduzido abaixo:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.[14]
Também é possível à iniciativa privada a assistência à saúde, conforme previsão contida no art. 199, da Constituição Federal. Assim, verifica-se que hoje, no Brasil, existem duas possibilidades de Sistemas de Saúde, conforme aponta o autor Ricardo Lobo Torres:
[...] a) O SUS, gratuito, precário e com acesso universal, que a própria prática reservou para os pobres e miseráveis, salvo no que concerne aos estabelecimentos universitários e modelares, que são objeto de predação pelas classes médias e ricas; b) o sistema privado, contributivo e de boa qualidade, seletivamente reservado às classes economicamente superiores.[15]
Por fim, cabe mencionar que a Lei 8.080/90 também traz previsão, mais específica, acerca do SUS, prevendo seus objetivos, diretrizes, competência, organização, princípios, entre outros.
O princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, é um dos princípios fundamentais de nosso Estado Democrático de Direito. O direito à saúde, conforme será abordado, está fortemente ligado ao referido princípio, bem como, em uma análise mais abrangente, à proteção do direito à vida.
Em que pese reconhecer-se a extensão dos efeitos da dignidade da pessoa humana mesmo após a morte, Ingo Wolfgang Sarlet salienta que:
[...] a dignidade é, essencialmente uma qualidade inerente à pessoa humana viva, mais precisamente é condição da própria humanidade da pessoa. A vida (e o direito à vida) assume, no âmbito desta perspectiva, a condição de verdadeiro direito a ter direitos, constituindo, além disso, pré-condição da própria dignidade da pessoa humana. Para além da vinculação com o direito à vida, o direito à saúde (aqui considerado num sentido amplo) encontra-se umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física (corporal e psicológica) do ser humano, igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível.[16]
Assim, é inegável a relação entre o direito à vida e as exigências elementares da dignidade da pessoa humana, sendo tal princípio considerado uma qualidade inerente a qualquer ser humano, tendo em conta que constitui “o valor próprio que identifica o ser humano como tal”. Cabe ao Poder Público atuar de forma a preservar a dignidade e promovê-la.[17]
Considerando que o direito à saúde possui uma dimensão econômica bastante relevante, eis que é um direito a prestações, sua concretização irá sofrer influência e dependência da disponibilidade financeira e capacidade jurídica de quem tenha o dever de prover a prestação. Dessa forma, o direito à saúde (e demais direitos sociais) por vezes fica condicionado à reserva do possível.
De fato, a satisfação dos direitos sociais implica em um “custo” para os cofres públicos, demandando a disponibilização de meios materiais. Entretanto, estes meios são escassos, uma vez que não são suficientes para satisfazer todas as necessidades existentes. É necessário, portanto, que sejam estabelecidos critérios para a alocação dos recursos, de modo a possibilitar o máximo de garantia possível dos direitos que dele dependam. Ao longo dos próximos tópicos, serão abordados assuntos a este respeito de modo a se buscar o estabelecimento de critérios e expor soluções das quais a doutrina e jurisprudência tem se socorrido.
De acordo com o autor Gustavo Amaral “Escassez, divisibilidade e homogeneidade dos meios materiais desafiam a visão igualitária do tratamento igual para todos.” É de fácil percepção que devem ser estabelecidas prioridades em face à procura crescente da população em ver seus direitos implementados.[18]
Neste mesmo sentido é a lição de José J. G. Canotilho:
Os direitos sociais [...] pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a idéia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica. Para atenuar a desoladora conclusão adianta-se, por vezes, que a única vinculação razoável e possível do Estado em sede de direitos sociais se reconduz à garantia do mínimo social.[19]
Nota-se que a reserva do possível assume um papel de condição de viabilidade para a eficácia, na vida prática, do direito à saúde (objeto deste estudo). Devem ser feitas escolhas, que, em verdade, consistem em “escolhas trágicas”, uma vez que negar direitos na seara da saúde, pode acarretar em grande “sofrimento ou mesmo em morte”.[20]
Os autores Ingo W. Sarlet e Mariana F. Figueiredo expõem o seguinte:
[...] a “reserva do possível” (Der Vorbehalt des Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a ideia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público.[21]
O jurista Ingo Wolfgang Sarlet ensina que o objeto dos direitos sociais a prestações apresenta problemas quanto à sua disponibilidade, levando-se em conta que muitas vezes o destinatário da norma não possui meios disponíveis para o atendimento da prestação que lhe é exigida; fica o cumprimento da obrigação a depender, desse modo, da existência real dos meios. Outro aspecto é que o destinatário da norma, o Estado de um modo geral, deve ter a disponibilidade jurídica para dispor, ou seja, deve ter poder para dispor dos recursos existentes. Além desses dois pontos apontados, é de se destacar o posicionamento firmado na jurisprudência da Corte Constitucional da Alemanha, que consiste na correspondência da prestação reclamada ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade; assim, caso a pessoa tenha a possibilidade de dispor, ela mesma, de recursos para obter a prestação pretendida, não se pode obrigar o Estado prestá-la, pois deve ser levado em conta que por mais que o Estado tenha os recursos disponíveis para atender determinada prestação, bem como seja detentor do poder para dispor dos mesmos, não lhe é exigível prestar algo que vai além do que é razoável. Nota-se, portanto, a existência de ao menos três dimensões na chamada reserva do possível:
a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos [...]; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.[22]
Pelas considerações expostas, surge o seguinte questionamento: em que medida pode ser exigível do Estado a satisfação do direito à saúde, em face à excusa que lhe confere o princípio da reserva do possível?
As soluções para este problema, das quais a doutrina e jurisprudência tem se valido, serão analisadas em momento oportuno.
Os direitos sociais, dentre eles o direito à saúde, em face às suas peculiaridades e difícil, senão impossível, implementação em sua plenitude, têm sido vinculados à garantia de um mínimo existencial.
Com relação ao tema “teoria do mínimo existencial”, em um primeiro momento é de se destacar a grande contribuição para o direito brasileiro da obra do autor Ricardo Lobo Torres, que será utilizada, conjuntamente com outras obras, para o estudo e desenvolvimento deste tópico e em alguns outros pontos do presente trabalho.
A ideia de direito ao desenvolvimento como um direito humano tem relação com a qualidade de vida e o combate à pobreza. O supracitado autor afirma que a idéia de mínimo existencial está atrelada à ideia de pobreza, pois ao se garantir aos indivíduos o mínimo existencial e expandindo-se as prestações positivas dos direitos sociais estar-se-á combatendo a miséria e a pobreza.[23]
Na busca por um conceito que expresse o significado da expressão “mínimo existencial”, convém analisar os dois vocábulos que a compõem.
O jurista Ricardo Lobo Torres ensina que a expressão “direito mínimo” relaciona-se à noção de que deve haver a proteção, por meio de prestações estatais positivas, de condições mínimas para que se assegure uma existência digna aos indivíduos. Além disso, também constitui dever do Estado não intervir, por meio de tributação, nessa esfera de proteção essencial à sobrevivência do indivíduo.[24]
Faz-se necessário, para que o homem sobreviva e seja livre, a existência de pelo menos algumas garantias mínimas. Assim, o termo “direito existencial”, é explicado pelo supramencionado autor como sendo um fator limitador dos direitos que passam a constituir o mínimo existencial, exigindo-se que tal direito se relacione a situações existenciais dignas. Em outras palavras, ninguém pode ser privado do mínimo que faz parte da ideia de dignidade humana e das condições materiais de existência.[25]
Verifica-se que o conteúdo essencial dos direitos fundamentais[26] serve como limite para as intervenções do Estado, sendo que o mínimo existencial acaba por se confundir com o núcleo essencial dos direitos fundamentais.
Diga-se de passagem, é vasta a contribuição da doutrina e jurisprudência alemã no estudo dos direitos fundamentais (Grundrecht) e, em especial, no desenvolvimento do tema em tela. Os autores Ingo W. Sarlet e Mariana F. Figueiredo apontam que, na Alemanha, há o entendimento prevalente de que:
[...] o conteúdo essencial do mínimo existencial encontra-se diretamente fundado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana (abrangendo, por exemplo, prestações básicas em termos de alimentação, vestimenta, abrigo, saúde ou os meio indispensáveis para a sua satisfação), o assim designado mínimo sociocultural encontra-se fundado no princípio do Estado Social e no princípio da igualdade no que diz com seu conteúdo material.[27]
A partir do excerto acima, pode-se observar o seguinte: não se confunde mínimo existencial com mínimo de sobrevivência, ou mínimo vital, uma vez que garantir tão somente o direito à vida humana não abrange, necessariamente, as condições para uma existência em condições dignas, ou seja, deve haver a garantia de prestações materiais para uma vida com certa qualidade. Em outros termos, este mínimo de sobrevivência condigna deve ser entendido como algo que o Estado não pode apenas “deixar de subtrair”, mas deve igualmente assegurar.[28]
Outrossim, Ingo Wolfang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo ensinam que não há como estabelecer,
[...] de forma apriorística e acima de tudo de modo taxativo, um elenco dos elementos nucleares do mínimo existencial, no sentido de um rol fechado de posições subjetivas negativas e positivas correspondentes ao mínimo existencial.[29]
Desse modo, impende averiguar as necessidades de cada pessoa e de seu núcleo familiar, em sendo o caso, para se construir a composição do mínimo existencial.
Já foi objeto de análise a fundamentalidade dos direitos sociais, e por extensão, do direito à saúde. Resta inegável o caráter de essencialidade e fundamentalidade material do direito à saúde, pois, dentre outras justificativas, caso não seja o mesmo garantido haverá implicações e consequências no próprio direito à vida. Contudo, são oportunas algumas observações complementares acerca da fundamentalidade do direito à saúde, que, em virtude de ser um direito a prestações positivas, traz sérias consequências na sua implementação. Importante observação é feita por Gustavo Amaral, acerca dessa problemática:
[...] a escassez é inerente às pretensões positivas e de modo ainda mais acentuado quanto à saúde. Ante a escassez, torna-se imperiosa a adoção de mecanismos alocativos. A alocação, notadamente no que tange à saúde, tem natureza ética dupla: é a escolha de quem salvar, mas também a escolha de quem danar.[30]
Em virtude das peculiaridades que surgem quando da verificação prática do implemento do direito fundamental à saúde, existem alguns posicionamentos doutrinários destoantes, no que tange à fundamentalidade do mesmo. Destacam-se as seguintes teses: (a) todos os direitos sociais são direitos fundamentais sociais, devendo-se buscar, entre outros objetivos, sua máxima efetividade; (b) os direitos sociais não podem ser considerados fundamentais, pois, dentre outras hipóteses, se vinculam ao princípio da reserva do possível, e traduzem-se em pretensões legais que não acarretam vinculação por parte do Poder Público; e (c) os direitos sociais apenas são considerados fundamentais quando se fala em mínimo existencial, dessa forma, há a limitação à garantia fundamental de existência digna a todos os indivíduos. [31]
O autor Ricardo Lobo Torres é adepto da posição de que apenas são “direitos sociais fundamentais” os direitos sociais que passam a constituir o mínimo existencial, pois é quando são atingidos pela jusfundamentalidade. Dessa forma, o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais coincidiria com a ideia de mínimo existencial.[32]
O ilustre Gustavo Amaral assevera que a mera leitura da Constituição, de que “a saúde é um direito de todos”, não pode acarretar em conclusões precipitadas e ingênuas, pois a interpretação literal da Constituição (e do direito positivado de modo geral) não é a mais acertada, in casu, tendo em conta que há outras questões fáticas em jogo que devem ser levadas em consideração. O autor em epígrafe afirma se aproximar do posicionamento do autor Ricardo Lobos Torres, bem como de Robert Alexy, acerca da “exigibilidade do mínimo existencial e da dependência de políticas públicas”, porém com algumas ressalvas e divergências. Desse modo, expõe em sua obra que o termo “exigir” pode implicar em alguns problemas, pois na medida em que a noção de mínimo existencial não possui uma divisão nítida, não haveria como ser exigido incondicionalmente; outrossim, há o seguinte dilema: exemplificativamente, se o conceito de mínimo existencial for considerado igual em todos os Estados brasileiros, não estará sendo considerada a escassez de recursos, por outro lado, se o referido conceito for considerado diferente, gera a impressão de que “foi incluída uma ‘condição’ que afasta a exigibilidade ‘incondicional’”. Esse entendimento, portanto, implicará em uma grande margem ao subjetivismo.[33]
Prosseguindo na crítica, Gustavo Amaral entende ser um problema o enfoque do mínimo existencial sob apenas uma dimensão, ou seja, apenas o grau de essencialidade. O referido autor aduz que a exigibilidade não se dá somente em virtude de necessidades essenciais, mas também em decorrência da excepcionalidade da situação concreta. Pelas razões expostas, o supramencionado autor afirma que o cidadão pode exigir as prestações positivas por parte do Estado, que deverá entregá-las ou justificar os motivos de não fazê-lo, devido às circunstâncias concretas que impossibilitem atender a vasta demanda a estas prestações essenciais. Dessa forma, ante a inevitabilidade de serem feitas “escolhas trágicas”, o autor apresenta um enfoque em que relaciona dois critérios para demonstrar como deve se dar a escolha: grau de essencialidade e grau de excepcionalidade. O grau de essencialidade liga-se ao mínimo existencial, à dignidade da pessoa humana. [34]
Assim, quanto mais essencial for a prestação, mais excepcional deve ser o motivo para o seu não atendimento. Observa-se que em não havendo essencialidade, não há que se falar em escolha trágica e a ausência de excepcionalidade implica na ausência do dilema alocativo (todos devem ser atendidos).
Antes da análise específica da eficácia e efetividade do direito à saúde é imprescindível tecer algumas considerações sobre como os direitos sociais encontram-se positivados em nosso ordenamento jurídico, uma vez que tal fato irá influenciar diretamente em sua eficácia.
Os direitos sociais, enquanto direitos prestacionais, podem ser positivados com diferentes “técnicas” ou “modelos” conforme escolha feita pelo legislador constituinte. É de grande valia o douto ensinamento de José J. G. Canotilho, que, dentre as várias possibilidades de positivação jurídico-constitucional dos direitos sociais (bem como dos direitos econômicos e culturais), destaca as seguintes:
1) positivação dos direitos econômicos, sociais e culturais sob a forma de normas programáticas definidoras de tarefas e fins do Estado (Staatszielbestimmungen) de contúde eminentemente social;
2) positivação dos direitos econômicos, sociais e culturais na qualidade de normas de organização atributivas de competência para a emanação de medidas relevantes [...];
3) positivação dos <<direitos sociais>> através da consagração constitucional de garantias institucionais (Institucionelle Garantien), obrigando o legislador a proteger a essência de certas instituições (família, administração local, saúde pública) e a adoptar medidas estritamente conexionadas com o <<valor social eminente>> dessas instituições;
4) positivação dos direitos sociais como direitos subjectivos públicos, isto é, direitos inerentes ao espaço existencial dos cidadãos.[35]
A maior parte da doutrina sustenta que os direitos a prestações se distinguem dos direitos de defesa também no tocante ao modo de positivação. Isso se dá em virtude do relevante aspecto econômico (dependente muitas vezes de políticas públicas) dos direitos sociais, acarretando no questionamento acerca de sua imediata eficácia e aplicabilidade.
Outro ponto importante, que pode ser apontado, é a dificuldade em se definir precisamente, já em nível constitucional, o objeto da prestação, de modo que podem surgir complicações quando da constatação de um possível descumprimento da norma constitucional. Ademais, Ingo Wolfgang Sarlet aponta que:
Em razão de reclamarem, de regra, uma concretização legislativa, a doutrina – especialmente alienígena – costuma qualificar os direitos sociais prestacionais de direitos relativos, já que geralmente colocados sob uma reserva do possível, que os coloca na dependência da conjuntura socioeconômica, havendo até quem tenha falado de uma relatividade fática dos direitos sociais. Constituem – para além disso – direitos relativos por desencadearem sua plena eficácia e se tornarem exigíveis tão somente após concretizados pelo legislador, razão pela qual também foram denominados – e não de forma completamente destituída de razão – de direitos na medida da lei [...][36].
Nota-se que, conforme o modelo de positivação adotado, poderá haver grande influência na eficácia dos direitos sociais. Em síntese, pelos motivos expostos, há os que negam que tais direitos poderiam caracterizar direitos subjetivos, afirmando que consistiriam em meras normas programáticas. Enfim, é oportuna a passagem por esta temática, por meio de uma breve exposição, nos tópicos que seguem, das consequências em considerar-se os direitos sociais em seu âmbito meramente programático ou na qualidade de direitos subjetivos a prestações.
No que tange às normas programáticas, é de se destacar que tem a característica de dirigir o Estado à realização de determinados fins. Convém reproduzir o seguinte trecho do ensinamento de Jorge Miranda (citado por Alexandre de Moraes):
[...] são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm como destinatário primacial – embora não único o legislador; a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em eu vêm a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoque já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativa que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados.[37]
Basicamente, remete à idéia de que restaria ao Poder Legislativo avaliar em quais oportunidades e em qual extensão se verificaria a concretização dos direitos sociais, ficando seus efeitos práticos, desse modo, condicionados à vontade legislativa.
O grupo de normas que se enquadram neste contexto, como sendo normas constitucionais de cunho programático, tem sua eficácia e aplicabilidade diretamente dependentes de um “grau de concretude em nível da Constituição, bem como de seu objeto”, como observa Ingo W. Sarlet. Este autor, afirma o seguinte:
A necessidade de interposição legislativa dos direitos sociais prestacionais de cunho programático justifica-se apenas (se é que tal argumento pode assumir feição absoluta) pela circunstância – já referida – de que se cuida de um problema de natureza competencial, porquanto a realização destes direitos depende da disponibilidade dos meios, bem como – em muitos casos – da progressiva implementação e execução de políticas públicas na esfera socioeconômica.[38]
Ocorre que todas as normas constitucionais que consagram direitos fundamentais devem ser consideradas imediatamente aplicáveis, mesmo as de cunho programático, inteligência do §1º, do artigo 5º da Constituição Federal. Entretanto, a aplicabilidade imediata não ilide a consideração de que algumas normas possuem, de fato, uma dimensão programática, o que é evidente em alguns direitos fundamentais como o direito à saúde, cuja efetividade plena tem se demonstrado inviável.
A propósito disto, é de se destacar o ensinamento de Ingo W. Sarlet:
Tomando-se como exemplo o direito à saúde, verifica-se que assim como é correto (pelo menos e o que se irá sustentar mais adiante) deduzir da Constituição um direitos fundamental à saúde (como complexo de deveres e direitos subjetivos negativos e positivos) também parece certo que ao enunciar que a saúde – além de ser um “direito de todos”, é “dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...” (art. 196 da CF de 1988), a nossa Lei Fundamental consagrou a promoção e proteção da saúde para todos como um objetivo (tarefa) do Estado, que, na condição de norma impositiva de políticas públicas, assume a condição de norma de tipo programático. Importa notar, portanto, que a assim designada dimensão programática convive com o direito (inclusive subjetivo) fundamental, não sendo nunca demais lembrar que a eficácia é das normas, que, distintas entre si, impõe deveres e/ou atribuem direitos, igualmente diferenciados quanto ao seu objeto, destinatários, etc.
Ante as considerações expostas, cabe analisar os direitos fundamentais sociais, em especial o direito à saúde, à luz de sua concepção como direitos subjetivos.
É de suma importância, para a posterior análise da eficácia do direito à saúde, saber se, enquanto um direito social e, sob a ótica de sua consideração como direito a prestações materiais, se estas prestações são (e em que medida o são) exigíveis do Estado.
O problema da eficácia dos direitos fundamentais prestacionais gira em torno, principalmente, de se reconhecer um direito subjetivo individual ou coletivo a que o Estado forneça uma prestação concreta (com base apenas na norma constitucional, sem dependência de interpositio legislatoris). Assim, surge o questionamento acerca da possibilidade se compelir judicialmente o Estado, enquanto destinatário da norma, à garantia concreta de determinada prestação. Faz-se necessário o estudo sobre em que medida os direitos sociais gozam de plena justiciabilidade.[39]
Levando-se em conta o que foi abordado no item anterior, mesmo os direitos que assumem nítido caráter programático são possíveis de serem reconhecidos como direitos subjetivos, conforme será melhor elucidado a seguir. Neste contexto assume relevo as ponderações feitas por Ingo Wolfgang Sarlet, cuja obra, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, será utilizada com preponderância para desenvolvimento do tema em tela, uma vez que o aborda com maestria.
O autor Germano Schwartz – citado por Carlos Gomes Brandão – afirma que:
“[...] a saúde é direito público subjetivo, tornando possível ao cidadão-credor exigir do Estado-devedor a devida prestação sanitária, seja por meio judicial ou administrativo, desde que o Estado não cumpra com o dever a ele imposto.”[40]
Verifica-se desde logo, que na doutrina pátria existem posições divergentes quanto à consideração da existência de um direito subjetivo individual a prestações. Diversos representantes da doutrina nacional defendem que, em que pese o fato das normas que dispõem sobre direitos sociais terem uma natureza aberta e vaga, isto não ilide sua plena eficácia e imediata aplicabilidade, “já que constitui tarefa precípua dos tribunais a determinação do conteúdo dos preceitos normativos, por ocasião de sua aplicação”. Nesta esteira, bastaria a possibilidade de se determinar um significado “central e incontroverso” para que seja aplicada a norma constitucional. Contudo, existem posições mais cautelosas, no sentido de que apenas haveria um direito subjetivo em exigir prestações quando a norma que define um direito fundamental determina de modo suficiente “o conteúdo da prestação, e que o procedimento para sua realização seja expressa, ou, no mínimo, implicitamente regulado na Constituição”.[41]
Assim, é perceptível que mesmo os autores que pendem para o reconhecimento de direitos subjetivos, fazem algumas ressalvas no que tange a hipóteses em que se constata a indeterminação legislativa. Este argumento é muito utilizado pela parcela da doutrina que entende não ser possível reconhecerem-se direitos subjetivos à prestação, em virtude justamente da extrema dificuldade (e, muitas vezes, inviabilidade) em se especificar “o conteúdo e alcance da prestação que constitui o seu objeto”.
Evidencia-se tal pensamento a partir do seguinte trecho escrito pelo autor Vicente de Paulo Barreto:
Os direitos sociais terminam [...] rebaixados na hierarquia normativa, reduzidos a simples normas programáticas a espera de serem regulamentadas para produzirem efeitos.[42]
Outro argumento desfavorável ao reconhecimento de direitos subjetivos a prestações seria o princípio da reserva do possível que, conforme já foi abordado, demonstra ser um limite fático ao cumprimento das obrigações essenciais do Estado.
De fato, o aspecto normativo-estrutural e a reserva do possível são dois pontos de partida quando se fala na problemática relativa ao objeto dos direitos fundamentais sociais. Cabe reproduzir o seguinte apontamento de Virgílio Afonso da Silva: “A dificuldade na justiciabilidade dos direitos sociais reside, portanto, no fato de que é seu cerne que está em jogo, que é a exigência de uma prestação positiva por parte do Estado”.[43]
O ilustre Ingo W. Sarlet expõe algumas posições, encontradas na doutrina – especialmente na doutrina alemã – que permeiam a questão de considerar direitos prestacionais como sendo subjetivos. O referido autor observa a tendência dos posicionamentos em considerar que seja garantido um padrão mínimo de segurança material, por meio dos direitos fundamentais. Outrossim, como a positivação destes direitos prestacionais se dá, normalmente, de modo mais abstrato, sem haver determinações quanto ao seu objeto, sem a vinculação direta a um padrão mínimo, eminentemente relacionado ao quantum será prestado, surge a problemática relacionada à reserva do possível, bem como ao princípio da separação dos poderes. Destaca-se a posição de Alexy, que se assemelha com a adotada por Canotilho, conforme aponta Sarlet; esse modelo pressupõe a ponderação de princípios, de modo a se falar na existência direitos subjetivos quando as prestações são imprescindíveis ao princípio da liberdade fática, bem como nas ocasiões em que o princípio da separação dos poderes (entre outros princípios materiais) tiverem um impacto irrelevante.[44]
Uma síntese da tese defendida por Ingo W. Sarlet está contida no seguinte trecho de sua obra:
Assim, em todas as situações em que o argumento da reserva de competência do Legislativo (assim como o da separação dos poderes e as demais objeções aos direitos sociais na condição de direito subjetivos a prestações) esbarrar no valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais, ou não) resultar na prevalência do direito social prestacional, poder-se-á sustentar, na esteira de Alexy e Canotilho, que, na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo é ultrapassado, tão-somente um direito subjetivo prima facie, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em termos de um tudo ou nada.[45]
Dessa forma, as considerações feitas até o presente momento indicam que a posição mais acertada seria a de que, a solução é ponderar os valores em conflito, o que acarreta no reconhecimento de um direito subjetivo individual ao menos no que tange às prestações que perfazem o mínimo existencial.
Quando se compara os direitos sociais com os direitos de defesa, logo se percebe que é de fácil afirmação da eficácia e aplicabilidade direta destes últimos. Já no tocante aos direitos sociais, existem algumas incertezas em afirmar, de plano, sua aplicabilidade imediata, tendo em vista seu caráter de direito a prestações positivas por parte do Estado. Ademais, considerando a já mencionada relevância econômica dos direitos sociais prestacionais, bem como a escassez e necessidade de escolha alocativa dos recursos, eis que a satisfação de tais direitos gera um dispêndio muito grande pelo Poder Público, verifica-se que primeiramente cabe ao legislador a escolha acerca da destinação e do quantum será prestado. O Estado deve realizar escolhas, que, como já foi referido, revelam-se trágicas, ante as necessidades emergentes de prestações sociais da população e a limitação do Estado em alcançar todas as situações que lhes são postas. Assim, o enfoque do problema assume menor completude no que tange à realização de tais escolhas pelos tribunais, quando provocados.
De fato, o §1º do art. 5º, da CF, constitui um “postulado objetivando a maximização da eficácia dos direitos fundamentais”. Deve ser levado em conta que a maioria dos direitos sociais se encontra em uma posição de forte elo com o direito à vida e à dignidade humana, de forma que as circunstâncias podem corroborar para o reconhecimento de “verdadeiros direitos subjetivos a prestações”. Pelo exposto, conclui-se que ao indivíduo não pode ser negado recursos materiais essenciais e que consistam no mínimo necessário à sua própria existência digna, traduzindo-se a exigência do fornecimento dessas prestações “mínimas” em um verdadeiro limite à liberdade estatal em dispor de seus recursos.[46]
Porém, a eficácia específica de cada direito social prestacional ficará a depender da forma de positivação e do seu objeto. Passo à análise da questão da eficácia e efetividade com relação ao direito à saúde, eis que é o direito fundamental social específico desta abordagem.
O direito à saúde resguarda ligação intrínseca com o direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana, tendo por objeto prestações materiais na esfera da assistência médica, hospitalar, etc. Este direito foi consagrado no art. 6º da CF, mas é no artigo 196, e seguintes, que se constata sua maior concretização enquanto norma elevada a nível constitucional, sendo que o Estado tem o dever de observar sua efetividade.
A leitura dos artigos 196 a 200 já permite a identificação, no que tange ao método de positivação, de normas que preveem determinados direitos e outras de evidente cunho programático.
O autor Ingo Wolfgang Sarlet observa a existência de algumas dificuldades em se considerar a saúde como um direito subjetivo individual tais como a forma de positivação na Constituição (assim como os demais direitos sociais prestacionais), a dependência de intermediação legislativa, acarretando na negação de sua eficácia plena por parte da doutrina. O supracitado autor também refere o seguinte:
Além disso, assume relevo [...] o questionamento a respeito do limite da prestação reclamada do particular perante o Estado. Em outras palavras, cuida-se de saber se os poderes públicos são devedores de um atendimento global (toda e qualquer prestação na área da saúde) e, independentemente deste aspecto, qual o nível dos serviços a serem prestados. Em suma, pergunta-se se o particular (qualquer um ou apenas os que comprovarem carência de recursos para manutenção de um plano de saúde privado?) poderá ter acesso, por exemplo, além dos serviços essenciais na esfera médica, a atendimento odontológico, psicológico, serviços de fisioterapia, etc. Ademais, será o Estado obrigado a prestar a saúde de acordo com padrões mínimos, suficientes, em qualquer caso, para assegurar a eficácia das prestações, ou terão os particulares direito a serviços gratuitos da melhor qualidade (equipamento de última geração, quarto privativo em hospitais, etc.)?[47]
Considerando-se que a garantia do direito à saúde permeia a garantia do próprio direito à vida, não há que se aderir como solução para o problema as excusas do Poder Público de que sua eficácia seria limitada, em virtude de os recursos serem escassos e o Poder Judiciário não possuir competência para decidir sobre a alocação e destinação dos mesmos. É necessário o reconhecimento de um direito subjetivo individual a prestações, especialmente em se tratando do direito à saúde, uma vez que os “valores essenciais a humanidade e a justiça” devem fazer-se presentes em qualquer Estado.[48]
Impende observar que a defesa de um direito subjetivo a prestações relativas à saúde não implica na consideração da gratuidade do acesso, ou seja, não se confunde com assistência social, uma vez que o que se pretende é a observância dos princípios da universalidade (direito de todos) e da igualdade (de acesso), de modo a possibilitar a verificação prática dos valores essenciais consagrados pela Constituição Federal. A esse respeito, Ingo Wolfgang Sarlet pondera que:
Além disso, o que a Constituição assegura é que todos tenham, em princípio, as mesmas condições de acessar o sistema público de saúde, mas não que qualquer pessoa, em qualquer circunstância, tenha um direito subjetivo definitivo a qualquer prestação oferecida pelo Estado ou mesmo a qualquer prestação que envolva a proteção de sua saúde.[49]
Por vezes, uma solução para resolver os casos concretos se dá com a utilização do princípio da proporcionalidade. Valer-se do uso do referido princípio pode ser bastante útil nestes casos relativos ao direito à saúde. Pode-se determinar se é proporcional (e razoável) exigir determinada prestação do Estado a partir da análise da possibilidade do indivíduo de dispor, ele mesmo, de recursos para prover suas necessidades no que tange à saúde, sem haver, portanto, necessidade de acionar a via estatal. Por outro lado, afigura-se proporcional, o caso de alguém que não possua meios de satisfazer suas necessidades vitais básicas, requerer o fornecimento de prestações, relacionadas à saúde, do Estado, uma vez que não pode fazê-lo, pois não dispõe de recursos próprios suficientes.
Já foi exposto que, ao menos na esfera do mínimo existencial, pode-se reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações, incluindo-se o direito à saúde. O que vai além do mínimo existencial, consiste apenas um direito subjetivo prima facie. O autor Ingo W. Sarlet adverte que também há a possibilidade de existirem “direitos subjetivos a prestações que ultrapassem estes parâmetros mínimos”, uma vez que os limites e a abrangência do direito a prestações ficará a depender do caso concreto. Isso se dá em razão da própria noção de mínimo existencial, que, não tem como ser um conceito fechado e isolado, mas sim a depender das circunstâncias, uma vez que a noção de mínimo existencial, bem como a sua exigibilidade, poderá mudar conforme a realidade fática.[50]
O supramencionado autor traz a seguinte situação, que elucida as considerações expostas:
[...] o que se aplica essencialmente ao direito à saúde, prestações inequivocamente tidas como necessárias à preservação da vida ou de uma vida com um mínimo de qualidade (portanto, com dignidade) podem ser extremamente onerosas, de tal sorte que o reconhecimento de direitos subjetivos a prestações nesta seara (do mínimo existencial) não se fundamenta apenas na ausência de comprometimento ou no baixo comprometimento dos recursos públicos, mas também na necessidade (e na imposição constitucional!) de se priorizar as demandas vinculadas ao mínimo existencial, inclusive no que diz com eventual redistribuição de recursos ou na sua suplementação, inclusive no contexto de uma repartição da responsabilidade pelo corpo social [...].[51]
Analisando-se o princípio da reserva do possível, de fato devem existir os recursos que possibilitam o atendimento das prestações sociais. Porém, por outro lado também poderá se tornar inexigível o que antes era caracterizado como mínimo existencial, em virtude da ocorrência de determinados eventos, por exemplo, conforme aponta Gustavo Amaral, “um cataclismo, natural ou social, pode momentaneamente tornar inexigível algo que pouco antes o era”.[52]
Em nossa doutrina e jurisprudência pátrias, tem prevalecido o entendimento de que a saúde é um direito subjetivo público, não podendo o Poder Público se quedar inerte em face às necessidades dos indivíduos em terem seu direito efetivado. É o que se depreende do seguinte julgado:
[...] O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. [...][53]
Por fim, impende tecer algumas considerações, mais no que tange a determinadas situações fáticas que permeiam a temática e os problemas relacionados à eficácia e efetividade do direito à saúde.
Com relação ao princípio da reserva do possível, foi relatado, dentre outras particularidades, que o Estado deve dispor dos recursos para fornecer a prestação que lhe é exigida. Uma breve análise do relatório do IBGE, de “Estatísticas da Saúde - Assistência Médico-Sanitária”, que traz em seu conteúdo dados relacionados à saúde, relativos ao ano de 2009, revela evidente o problema da disponibilidade fática dos recursos, ainda mais quando se compara as desigualdades existentes entre as diferentes regiões do país. Assim, por exemplo, a pesquisa sobre quantidade de leitos por estabelecimentos públicos de saúde mostra que na grande maioria das regiões existe menos de um leito a cada mil habitantes. No Brasil, na esfera pública totalizavam-se, em 2009, 152.892 leitos em estabelecimentos públicos, e 279.104 leitos na esfera privada. Outro dado relevante que se verifica no relatório, diz respeito a uma maior deficiência da saúde pública nas regiões norte e nordeste, com menor número de equipamentos disponíveis e médicos.[54]
A escassez de recursos, de fato, demonstra ser um grande óbice ao progresso da observância do direito à saúde. Tal fato é apontado com dados empíricos bastante expressivos, por Octávio Luiz Motta Ferraz e Fabiola Sulpino Vieira:
[...] O Produto Interno Bruto (PIB) do país apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2006 foi de 2,3 trilhões de reais (Ipea, 2007). Os gastos necessários para tratar apenas duas doenças com as tecnologias (medicamentos) citadas consumiriam, portanto, nada menos que 4,32% do PIB brasileiro. Para se ter uma dimensão ainda mais clara de quanto isso representa, observe-se que em 2004, as despesas totais com ações e serviços públicos de saúde financiada com recursos próprios dos municípios, estados e União totalizaram 3,69% do PIB (Siops, 2007). Se aplicarmos esse percentual ao PIB de 2006, teremos um valor aproximado de gasto público total com ações e serviços de saúde de 85,7 bilhões de reais neste ano.
Conclui-se, assim, que os recursos financeiros necessários para implementar essa política de assistência terapêutica a apenas 1% da população e em relação a apenas duas doenças (99,5 bilhões de reais) seriam superiores ao gasto total de todas as esferas de governo com o conjunto de ações e serviços de saúde (85,7 bilhões de reais). Ou seja, para fornecer apenas 4 medicamentos para tratar 2 doenças, cobrindo 1% da população, gastar-se-ia mais que o que é atualmente gasto com todo o atendimento feito pelo SUS com internação, diagnóstico, tratamento, cirurgias, ações de educação em saúde, vigilância sanitária e epidemiológica, entre outras. Este simples exemplo, que pode parecer extremo, é porém bastante ilustrativo do
problema da escassez de recursos.[55]
Enfim, os problemas acerca da implementação do direito à saúde, na prática, são bastante complexos e envolvem diversos aspectos. Não basta a previsão constitucional do direito à saúde, assim como os demais direitos sociais, para que se verifique uma justiça social, e nem tem a norma esta pretensão, uma vez que sua concretização fica a depender de outros fatores. Do mesmo modo, os direitos subjetivos a prestações não podem ficar dependentes exclusivamente dos órgãos judiciais.
Entretanto, em virtude de não terem seus direitos observados, muitas pessoas têm se socorrido do Poder Judiciário para a concretização de seu direito fundamental à saúde, cenário em que merecem destaque as inúmeras ações para a obtenção de medicamentos, bem como de tratamentos custeados pelo Poder Público. Dessa forma, a fim de explorar este outro aspecto importante do direito fundamental à saúde, merece estudo a concretização judicial deste direito, cujas nuances dariam ensejo a um novo trabalho específico.
O presente trabalho teve por escopo expor as peculiaridades que o direito à saúde, bem como as dificuldades enfrentadas pelos aplicadores do direito no que diz respeito a sua concretização.
Abordou-se o conceito de direito à saúde, mormente em sua dimensão negativa e positiva. Destaca-se, no âmbito da Constituição Federal de 1988, a implantação do SUS – Sistema Único de Saúde – o que viabilizou a todos o acesso às ações e serviços públicos de saúde.
Foram expostos os princípios da reserva do possível e do mínimo existencial, aparentemente, conflitantes entre si, mas que servem de parâmetro para a tomada de decisões no âmbito do direito da saúde. Para obter-se uma conclusão, que obviamente não tem a pretensão de esgotar o tema, em face de sua evidente complexidade, mas de, ao menos, tentar elucidar a questão e mostrar que alguns critérios podem orientar a solução dos casos concretos, devem ser tecidas algumas considerações preliminares.
É necessário observar o modo como o direito à saúde está inserido em nosso ordenamento jurídico. Considera-se aqui que a Constituição Federal de 1988 trouxe um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais, de modo que é possível a inclusão de direitos não previstos no rol do art. 5º, como é o caso dos direitos sociais, por exemplo. Isso se dá, dentre outros fatores, em razão da permissividade contida no §2º do art. 5º da CF. Em que pese alguns autores questionarem a fundamentalidade dos direitos sociais, ou admitirem sua existência apenas no que tange ao mínimo existencial, aqui são considerados todos os direitos sociais como direitos fundamentais. Tal posição parece ser a mais adequada, pois na medida em que alguns valores são tidos como universais, como a vida e a dignidade da pessoa humana, ainda que fiquem sujeitos à realidade fática, para que se verifique sua concretização, não se pode retirar-lhes sua característica de fundamentalidade. Ademais, o §1º do art. 5º, da CF, determina a aplicação imediata das normas de direitos fundamentais, buscando-se a máxima eficácia e efetividade possível.
Especificamente no que diz respeito ao direito à saúde, nota-se que traz intrínseca a característica de essencialidade, para todos os indivíduos, principalmente em razão de sua inegável relação com o direito à vida, integridade física e dignidade da pessoa humana e por ser um direito social tem a função de prestação social, cabendo ao Estado atuar para sua implementação. Considerando a relevante dimensão econômica do direito à saúde, constitui dever do Estado a criação de pressupostos materiais, necessários à efetivação deste, e é através das Políticas Públicas que será possível direcionar os recursos para as expectativas de sua realização.
Partindo-se da premissa de que atender às pretensões positivas requer o consumo de recursos materiais escassos, se põe lugar a necessidade de decidir a respeito da alocação destes recursos, sendo que essa decisão é eminentemente política. Desse modo, é possível verificar que a eficácia e efetividade o direito à saúde encontra diversos obstáculos, dentre eles a ausência de recursos e de políticas públicas. É comum, portanto, que o Estado tente utilizar o princípio da reserva do possível, por exemplo, como forma de eximir-se de sua obrigação constitucional.
Porém, em que pesem todas as dificuldades existentes, o direito à saúde não pode ser tido como mera norma programática, mas sim como verdadeiro direito subjetivo público, uma vez que se traduz como uma garantia do próprio direito à vida, não havendo como sua eficácia ser restrita e vinculada à boa vontade do legislador ou administrador público.
Entretanto, se faz necessário observar os objetivos que a Constituição busca ao prever que o direito à saúde é um direito de todos, uma vez que, ao assegurar essa garantia, deve-se ter em mente que, em princípio, o acesso ao sistema público de saúde é possível em iguais condições a todos, porém, isso não implica em conclusões no sentido de que qualquer pessoa, em qualquer ocasião terá um direito subjetivo ilimitado à prestação estatal.
O caso concreto será determinante para que se possa analisar se, de fato, há ou não um direito subjetivo do indivíduo em exigir que o estado forneça as prestações de que necessita para que seu direito à saúde seja observado. Neste contexto, é importante utilizar-se do princípio da proporcionalidade e razoabilidade a fim de determinar, por exemplo, se o indivíduo pode prover suas necessidades básicas, no que tange a sua saúde, por meio da utilização de recursos próprios.
Considerando-se as observações tecidas até o presente momento, parece razoável, ao menos em linhas gerais, reconhecer que o direito à saúde é um direito subjetivo definitivo a prestações no que diz respeito ao mínimo existencial, o que fosse além disso seria um direito subjetivo prima facie. O conceito de mínimo existencial mostra-se relevante como um parâmetro para demonstrar quais são as necessidades dos indivíduos, que devem obrigatoriamente ser observadas pelo Estado, garantindo-se a vida, a dignidade da pessoa humana e as condições materiais de existência.
A noção de mínimo existencial é tida como uma idéia “flexível”, pois cada pessoa terá suas necessidades que lhe são peculiares, não há, desse modo, como ser formulado um conceito exato do que seja o mínimo existencial, ou mesmo elencar posições a ele correspondentes. Por esta razão, dentre outras, é imprescindível a análise do caso concreto. Observa-se, também, que quanto maior o grau de essencialidade da prestação exigida do Poder Público, ou seja, quanto mais próxima do mínimo existencial, maior deverá ser o grau de excepcionalidade para o seu não cumprimento. Assim, esses fatores – essencialidade e excepcionalidade – também podem servir como critérios para estabelecer se é ou não exigível do Estado determinada prestação à saúde.
Efetivar o direito à saúde não é tarefa das mais fáceis, especialmente em virtude da dupla face que apresenta: sob a ótica do indivíduo que deseja a satisfação do direito básico e essencial que é a saúde, e muitas vezes com urgência, já que a demora em uma prestação à saúde pode trazer-lhe consequências irreversíveis; já a outra face, a perspectiva do Estado, do Poder Público, revela que implementar o direito à saúde traz custos, e como os recursos disponíveis são escassos, as escolhas “trágicas” devem ser feitas, além do que as políticas públicas abrangem um número imenso de pessoas e é inviável atender com qualidade a todos, aliado ao fato de que o orçamento público não se restringe à área da saúde, pois também busca suprir diversas necessidades da sociedade.
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha – critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. 2.ed.
BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: “Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado”. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. 7. ed.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à saúde, recursos escassos e eqüidade: os riscos da interpretação judicial dominante. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Direito_a_Saude_Recursos_escassos_e_equidade.pdf>. p. 18-19. Acesso em 05 de maio de 2012.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. 4.ed. p. 218. apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003. 13. ed.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl.
SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008. 6. ed., rev. e atual.
SARLET, Ingo Wolfgang. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, 34. ed., rev e atual.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2010. 2.ed. 2. tir.
SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: livraria do Advogado. 2001, p. 25. Apud BRANDÃO, Carlos Gomes. Processo e tutela específica do direito à saúde. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Processo_e_Tutela_Especifica_do_Direito_a_Saude.pdf>. Acesso em: 05 de maio de 2012.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. 7.ed.
TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
[2] BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990.
[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
[4] SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 197.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 198.
[6] Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO). 22 de julho de 1946. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 15 de abril de 2012.
[7] SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 200-201.
[8] SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 199-200.
[9] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2010. 2.ed. 2. tir. p. 77.
[10] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
[11] SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p.200.
[12] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. 7.ed. p. 815.
[13] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. 7.ed. p. 815.
[14] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
[15] TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 248.
[16] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 323.
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2010. 8. ed., rev., atual. e ampl. p. 47-49.
[18] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha – critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. 2.ed. p. 74.
[19] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Portugal – Coimbra: Almedina, 2003. 7.ed. p. 481.
[20] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha – critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. 2.ed. p. 75.
[21] SARLET, Ingo Wolfgang. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 188.
[22] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 286-287.
[23] TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 17.
[24] TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 35.
[25] TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 36.
[26] Tema já abordado no tópico “1.2. Conceito de Direitos Fundamentais”, da presente Monografia.
[27] SARLET, Ingo Wolfgang. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 181.
[28] SARLET, Ingo Wolfgang. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 181-182.
[29] SARLET, Ingo Wolfgang. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & justiça. Porto Alegre, 2007. Ano 1, nº 1, p. 171-213, out/dez. 2007 – trimestral. p. 185.
[30] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha – critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. 2.ed. p. 100.
[31] TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p.43.
[32] TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p.42.
[33] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha – critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. 2.ed. p. 102.
[34] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha – critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. 2.ed. p. 118-119.
[35] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.p. 37-38
[36] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 290.
[37] Miranda, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. 4.ed. p. 218. apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003. 13. ed. p. 43.
[38] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 293.
[39] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 305.
[40] SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: livraria do Advogado. 2001, p. 25. Apud BRANDÃO, Carlos Gomes. Processo e tutela específica do direito à saúde. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Processo_e_Tutela_Especifica_do_Direito_a_Saude.pdf>. p. 29. Acesso em: 05 de maio de 2012.
[41] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 306.
[42] BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: “Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado”. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 108.
[43] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2010. 2.ed. 2. tir. p. 243.
[44] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 342-345.
[45] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 349.
[46] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 348.
[47] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 324.
[48] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 325.
[49] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 326.
[50] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 350.
[51] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 351.
[52] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha – critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. 2.ed. p. 119
[53] RE 393175 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006, DJ 02-02-2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE+393175+%2ENUME%2E+OU+RE+393175+%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 05 de maio de 2012.
[54] Estatísticas da Saúde - Assistência Médico-Sanitária. 2009. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/ams/2009/ams2009.pdf>. Acesso em: 02 de maio de 2012.
[55] FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à saúde, recursos escassos e eqüidade: os riscos da interpretação judicial dominante. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Direito_a_Saude_Recursos_escassos_e_equidade.pdf>. p. 18-19. Acesso em 05 de maio de 2012.
Pós-graduada em Direito Público pela UCS/ESMAFE-RS. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Oficial de Gabinete da 1ª Vara Federal de Gravataí-RS (JFRS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Lisiane Mirian Lopes da. O direito fundamental à saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46138/o-direito-fundamental-a-saude. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.