Resumo: O ordenamento processual prevê a tutela acautelatória, uma espécie de medida jurisdicional que garantirá que os percalços do tempo devem ser solucionados por meio de ação, a qual inicia o processo cautelar. O poder geral de cautela permite ao juiz uma atuação concreta e ativa na busca da efetivação dos direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, através da determinação, até mesmo de ofício, de medidas cautelares que visam a garantir a segurança da realização do resultado útil do processo. A medida cautelar é caracterizada pela instrumentalidade, sendo entendida como instrumento da tutela final, dirigindo-se a assegurar a sua efetividade, mas não realizando os seus efeitos. O processo cautelar é considerado “o instrumento do instrumento”, uma vez que o processo tem caráter instrumental em relação ao direito material, sendo o processo cautelar dotado da finalidade de garantir a eficácia do processo.
Introdução
O processo é caracterizado por uma sequência de atos, ou procedimentos. Em outras palavras, o processo não tem um fim em si mesmo, sendo considerado instrumental. Assim, pode-se afirmar que tanto o processo de conhecimento como o processo de execução são instrumentos de realização do direito material. No caso do primeiro, seu intuito é de estabelecer normas para reger o caso concreto; já o segundo, a partir de um título extrajudicial, irá atuar no sentido de complementar a realização do direito, no sentido de satisfazê-lo.
Esses processos possuem uma natureza satisfativa, enquanto isso o processo cautelar tem natureza acautelatória. Uma vez que, os processos de conhecimento e de execução irão atuar realizando o direito material e a garantia da eficácia desses instrumentos será a finalidade do processo cautelar.
Este último é utilizado devido à lenta atuação e satisfação do direito pro meio do processo de conhecimento, conseguinte ao cumprimento da sentença. Essa demora deve-se a atuação da jurisdição nos processos de conhecimento e de execução baseada na análise definitiva, podendo conduzir a ineficácia da prestação jurisdicional. É nesse momento que surge o processo cautelar como garantidor da efetividade da tutela satisfativa, que será deferida de pronto, por meio de uma verificação superficial e provisória da probabilidade do direito do requerente e da possibilidade de ocorrência de um dano que seja de difícil reparação.
Antes de aprofundar no tema, vale ressaltar algumas diferenças terminológicas, distinguindo ação cautelar, processo cautelar e medida cautelar. A primeira, segundo Humberto Theodoro Júnior : "o processo é o método de atuar a jurisdição e a ação é o direito da parte de fazer atuar e instaurar o processo" [...] "se existe um processo cautelar, como forma de exercício de jurisdição, existe, também, uma ação cautelar", que é considerado pela doutrina tradicional, com fulcro no art. 5º, XXXV da CF, como o direito público subjetivo autônomo e abstrato de provocar o órgão judicial a tomar providências que "conservem e assegurem os elementos do processo principal (pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no processo principal"[1].
Embasando o que foi dito, a CF/88, no seu artigo 5º, inciso XXXV elucida que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", ou seja, se a parte buscar tutela jurisdicional com o intuito de se acautelar de eventual lesão ao direito, o fará por meio da ação cautelar, em que o provocará ao Poder Judiciário para que tome as devidas providencias com o objetivo de conservar ou assegurar um determinado bem da vida objeto de litígio.
De acordo com os doutrinadores Marinoni e Arenhart, “a tutela cautelar como sendo a tutela assecuratória do direito material, isto é, trata-se de um direito da parte e um dever do Estado, com o fim precípuo de dar segurança à tutela do direito material”[2].
E por último, a medida cautelar, conforme Theodoro Jr. é a "providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse do litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal”[3].
Em resumo, a ação cautelar é invocada por meio da jurisdição, a qual, a partir de sua atuação através do processo irá deferir a medida cautelar pleiteada, uma tutela jurisdicional de urgência.
1. O poder geral de cautela
O poder geral de cautela consiste na faculdade do juiz, que é o seu titular, de tomar providências de caráter cautelar, ainda que não expressamente requeridas pela parte que delas necessita ou não previstas na legislação. Isto porque não há como o legislador prever todas as possíveis situações de perigo iminente, dependendo de cada caso concreto com o qual o magistrado venha a se deparar.
A fundamentação constitucional do poder geral de cautela encontra-se no supramencionado art. 5º, inciso XXXV, da Carta Magna, o qual dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ora, tal apreciação pelo Poder Judiciário deve, indubitavelmente, ser eficaz, com a finalidade de prestação de uma tutela jurisdicional efetiva, mediante o uso de quaisquer meios necessários para efetivar os direitos garantidos constitucionalmente, dentre os quais se destaca a medida cautelar.
Sendo assim, conclui-se que o poder geral de cautela permite ao juiz uma atuação concreta e ativa na busca da efetivação dos direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, através da determinação, até mesmo de ofício, de medidas cautelares que visam a garantir a segurança da realização do resultado útil do processo.
2. Dependência do processo cautelar
Com fulcro no art. 796 do Código de Processo Civil, “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”. Dessa forma, fica claro o grau de dependência do processo cautelar em relação ao qual oferece garantia, denominado principal. Ainda, é importante destacar que não é válido processo cautelar sem que esteja instaurado ou venha a instaurar-se o principal, ambos possuem suas autonomias no que tange as decisões proferidas acerca do mérito de ambas as demandas.
Logo, a decisão tomada na ação cautelar é se existe probabilidade do direito aduzido pelo autor e se esse direito, em função da demora do processo principal, corre algum risco em sofrer dano de difícil reparação. Lembrando que essa comprovação é superficial e provisória, aguardando o tempo necessário para que o juiz possa exaurir se, de fato, há o direito material invocado na ação principal. O que for decidido no processo principal, geralmente tem reflexos sobre o cautelar, no entanto a recíproca não ocorre.
Ressalta-se que há uma hipótese em que o julgamento da ação cautelar irá produzir reflexos sobre a ação principal. Isso ocorre quando o juiz acolhe a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor, segundo art. 810 do CPC. Nesse caso, o processo cautelar irá compor definitivamente a demanda, impedindo, por força da coisa julgada, a instauração de demanda principal sobre o direito atingido pela decadência ou cuja ação foi declarada prescrita.
3. Espécies de medidas cautelares
No que tange às espécies de medidas cautelares, vale destacar os artigos 798 e 799 do CPC, que aduzem: “poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação” e “poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução”.
Desta forma, se houver previsão de medida cautelar específica, tipificada ou nominada no Código, não pode o requerente postular provimento cautelar diverso. Porém, não havendo medida cautelar típica, poderá o requerente invocar o poder geral de cautela do juiz, que tem como objetivo atender as situações novas, que não estão presentes no rol apresentado pelo CPC, salientando que é necessário para isso preencher os requisitos referentes à probabilidade do direito invocado e à possibilidade de dano de difícil reparação.
Pode-se dizer que as medidas cautelares são classificadas em típicas e atípicas, ou nominadas e inominadas. As primeiras estão presentes no CPC, enquanto que as segundas são as que podem ser criadas ou concedidas pelo juiz, no uso do seu poder geral de cautela.
4. Requisitos para concessão da medida cautelar
Quanto aos requisitos necessários para a concessão da Medida Cautelar, além das condições gerais para interpor uma ação é necessário a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro requisito está relacionado com a probabilidade da existência do direito afirmado pelo requerente da medida. No processo cautelar, o requerente invoca a titularidade do direito material. Entretanto, o juiz só irá deferir a medida postulada quando não é indispensável um juízo de certeza, como no processo de conhecimento, é obtido através da cognição exauriente, mas da cognição suméria.
O outro requisito, perigo na demora, pode ser definido como o fundado receio de que o direito afirmado pelo requerente, cuja existência é apenas provável, sofra dano irreparável ou de difícil reparação. Ressalta-se aqui que não é suficiente a mera alegação, sendo necessário que o autor aponte o fato concreto e o objetivo que leve o juiz a concluir pelo perigo da lesão.
Contudo, há uma divergência na doutrina quanto à natureza dos requisitos de concessão da medida cautelar. Para Liebman a fumaça do bom direito e o perigo na demora configuram como condições da ação cautelar, a par da possibilidade jurídica do pedido, do interesse de agir e da legitimidade das partes; já Frederico Marques entende que ambos os requisitos integram o interesse de agir; enquanto isso, Humberto Theodoro, insere o perigo da demora no interesse de agir e a fumaça do bom direito na possibilidade jurídica do pedido; por último, Calmon de Passos, bem como Elpídio Donizetti[4], que faz alusão a essa divergência consideram esses requisitos específicos como mérito da ação cautelar.
Justifica-se esse posicionamento com o fato de que “tal como ocorre na ação de conhecimento, o objeto de cognição do juiz é formado por um trinômio, composto pela matéria de processo, pela matéria de ação e pelo mérito. Preenchido esse trinômio, alternativa não resta ao juiz senão conceder a medida. Trata-se, pois, de atividade vinculada”[5].
No que tange a importância dos mencionados requisitos, na seara administrativa, é que os Tribunais de Contas, após o exame daqueles, também devem se ater a algumas premissas, sendo imprescindível a observação dos Princípios da Unidade Jurisdicional, quais sejam da Legalidade, Segurança Jurídica, Juiz Natural, Devido Processo Legal e Ampla Defesa/Contraditório.
Conforme o Princípio da Legalidade, a jurisdição somente pode ser exercida quando previsto em lei e atua como premissa da jurisdição, pois delimita o poder de aplicar o direito objetivo. Enquanto isso, o Princípio da Segurança Jurídica será relevante no tocante a eficácia de conceder ao individuo a convicção de que determinadas relações ou situações jurídicas não serão alteradas por motivos circunstanciais.
O Princípio do Juiz Natural tem como função garantir o Estado Democrático de Direito embasado na imparcialidade do julgador, e regras previamente determinadas para a definição de qual será o órgão julgador.
Em consequência do Princípio do Devido Processo Legal as Cortes de Contas, no exercício da atividade jurisdicional, devem respeitar o procedimento estabelecido em lei, de modo que os envolvidos na relação processual sejam previamente informados do ato seguinte.
Por último, os Princípios da Ampla Defesa e Contraditório são meios de recursos devidos aos litigantes e as garantias decorrentes são: a garantia de informação, a garantia de manifestação e a garantia de ver suas razões consideradas (o julgador deve enfrentar, fundamentadamente, as razões de defesa, quer para acatá-las ou afastá-las)
Desta forma, o administrador deve-se deter tanto aos requisitos necessários à concessão de medida cautelar, o fumus boni juris e periculum in mora, como também observar a incidência de Princípios da Unidade Jurisdicional para que este tipo de decisão seja fundamentada na sobriedade e tenha como objetivo restrito defesa do erário, ou seja, proteger o interesse público.
5. Características das medidas cautelares
As medidas cautelares possuem características próprias, alguns autores como Misael Montenegro chamam tais características de princípios da cautelar, pois permitem na omissão da lei que o intérprete resolva determinada pendência sobre a actio em estudo. As características a serem abordadas a seguir são: instrumentalidade, provisoriedade, revogabilidade, autonomia, modificabilidade e fungibilidade.
A primeira das características que é a instrumentalidade, diz que a medida cautelar existe para servir à demanda de conhecimento ou de execução, permitindo que o direito não pereça por não ter sido tutelado anteriormente. A ideia do processo cautelar é garantir a efetividade do processo principal, por isso seu caráter instrumental.
A provisoriedade está relacionada ao caráter não definitivo que reveste a cautelar, possui uma duração limitada no tempo, até que desapareça a situação de perigo ou até a superveniência do provimento final produz os efeitos. No entanto, é importante destacarmos o que afirma DIDIER (2010, p.453):
Essa temporariedade não exclui sua definitividade. Já dissemos e repetimos, a decisão cautelar concede uma tutela definitiva, dada uma cognição exauriente de seu objeto (pedido de segurança, fundado no perigo de demora e na plausibilidade do direito acautelado) e apta a se tornar imutável.
Isso se dá tendo em vista que a tutela perderá sua eficácia quando concedida ou denegada, porém a decisão que a concedeu torna-se imutável em seu dispositivo, em síntese, a decisão é definitiva, mas seus efeitos são temporários.
Outra característica é a revogabilidade, por sua característica emergencial a ser segurada, com base numa cognição não exauriente, tal medida é revogável, conforme expressa o art. 807 do CPC. A revogação poderá se dar no curso do processo cautelar, ou mesmo no processo principal, bastando que fique evidenciado a não existência do direito substancial afirmado (fumus boni iuris) ou que não haja mais a situação de perigo (periculum in mora).
A autonomia na medida em que o indeferimento da cautelar não obsta que a parte ajuíze a ação principal, muito menos deverá exercer influência no julgamento desta. A ação cautelar possui elementos distintos e possui e é marcada pela prática de atos processuais autônomos.
A modificabilidade está calcada nas mesmas razões que possibilitam a revogação, e pode ser a qualquer tempo, conforme se verifica no art. 807 do CPC: “As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas”.
Por fim, a fungibilidade que está relacionada com o item anterior, nos termos do art. 805 do CPC: “A medida cautelar poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente”.
6. Procedimento comum do processo cautelar
Quanto ao processo cautelar o código prevê um procedimento comum, o qual está descritos nos artigos 801 a 803, e constitui o rito a ser seguido nas medidas cautelares atípicas, sendo também subsidiária das medidas cautelares típicas, as quais estão descritas nos artigos 813 a 889.
Dado início a relação processual com a propositura da ação, por meio da petição inicial, que deverá conter os seguintes requisitos de acordo com o art. 801: “I- a autoridade judiciária, a que for dirigida; II - o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido; III - a lide e seu fundamento; IV - a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão; V - as provas que serão produzidas”. Quanto ao requisito III, será exigido para a medida cautelar apenas quando esta for requerida em procedimento preparatório.
Aos requisitos elencados no art. 801 somam-se o valor da causa (art. 259), o requerimento de citação do réu, os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 283) e o requerimento de liminar, se for o caso. Evidencia-se que, no processo cautelar, como em qualquer outro, tem aplicação o art. 284[6].
Em seguida, estando a inicial de acordo com os requisitos exigidos, o requerido será citado para que em 5 dias, contestar o pedido, indicando as provas que pretende produzir (art. 802). No caso de haver um pedido liminar, este será apreciado antes da citação do réu, chamado de liminar inaudita altera pars, podendo exigir no caso da concessão a prestação de caução que pode ser real ou fidejussória, tal medida é chamada de contracautela e fica a cargo do magistrado a determinação.
Com relação ao assunto, destacamos o posicionamento de Misael Montenegro Filho em sua obra (2010, p.69):
Entendemos que a determinação de prestação de caução é saudável, como contracautela, já que a ação cautelar se apóia apenas em fumus boni júris, muito menor do que a prova inequívoca da verossimilhança da alegação, própria da antecipação da tutela. Queremos com isto afirmar que a demonstração da veracidade das afirmações alinhadas pelo autor na inicial é meramente superficial, podendo as etapas seguintes do processo demonstrar posição em sentido contrário.
No decurso do prazo para resposta além de contestar o pedido, pode o requerido excepcionar o juízo ou juiz (exceção de incompetência, impedimento ou suspeição). No que diz respeito à reconvenção, esta é incabível no processo cautelar, uma vez que neste não se admite discussão sobre o mérito.
Poderá ocorrer o julgamento antecipado da lide, quando não houver provas a serem produzidas em audiências, quando houver tal necessidade, a prova será produzida e só depois será proferida sentença.
7. Causas de cessação da eficácia da medida cautelar
As causas de cessação da eficácia da medida cautelar podem ser naturais ou anômalas. Ocorre naturalmente quando sua finalidade é exaurida. A sua eficácia se conserva enquanto for útil, ou seja, até que seja realizado o direito.
Quanto às formas anômalas de cessação da eficácia, são as seguintes: a revogação (art. 807), a modificação (art. 807), o não ajuizamento da ação principal no prazo de trinta dias (art. 808, I), e a não execução da medida cautelar dentro de 30 dias do deferimento (art. 808, II) e a extinção do processo principal (art. 808, III).
Conforme já foi dito, a revogação e a modificação provocam a cessação da eficácia da medida concedida, na primeira hipótese, dá-se a mera revogação, e na segunda, uma medida é substituída por outra.
O não ajuizamento da ação principal no prazo de trinta dias como causa de cessação, visa evitar que o requerente usufruindo dos efeitos da medida cautelar, se desinteresse pela solução do conflito, visa evitar a perpetuidade da restrição.
Não deve ser confundida a cessação da eficácia com a extinção do processo cautelar, o que foi exposto trata dos casos de cessação da eficácia de medida. A extinção do processo cautelar se dá por sentença, que decide ou não o mérito da cautelar. Há quem entenda que cessada a eficácia da medida liminar no caso de não ajuizamento, extingue-se o próprio processo.
8. Tutela cautelar X Tutela antecipada
Como visto, a tutela cautelar tem como função garantir a segurança da realização do resultado útil do processo. Por outro lado, sabe-se que a tutela antecipada satisfaz de forma imediata o direito em questão, ou seja, a primeira assegura a futura eficácia da tutela definitiva, enquanto a segunda lhe garante eficácia imediata, antecipando seus efeitos.
Por tutela definitiva entendemos aquela tutela concedida no final do processo de conhecimento, presente na sentença como resultado de uma cognição exauriente e, portanto, predisposta à coisa julgada material. Cognição consiste em uma técnica de avaliação do processo na busca de sua efetivação e resultado prático. Pode ser classificada em sumária, quando for superficial e com menos profundidade, ou exauriente, nos casos em que houver ampla discussão da matéria posta em julgamento, reunindo-se todas as provas para se chegar ao resultado mais próximo da verdade.
Diante de tais esclarecimentos, torna-se possível afirmar que ambas as tutelas em questão, cautelar e antecipatória, constituem formas de tutela provisória, que antecedem a tutela definitiva. Desta forma, são baseadas em uma cognição sumária, através de uma análise superficial do objeto da causa, conduzindo o magistrado a um juízo de probabilidade (do direito), não sendo, portanto, a decisão que concede tais tutelas predisposta à coisa julgada.
Apesar de ambos os institutos se destinarem a um fim em comum (a preservação dos direitos contra os males do tempo, não comprometendo a efetividade da tutela definitiva), possuem formas diferentes de efetivação. A tutela cautelar se caracteriza por ser de cunho assecuratório, ou seja, assegura a possibilidade de realização da utilidade do processo, conservando o direito em questão, baseada em um juízo de aparência (de risco de não efetivação do direito).
Além disso, ressalte-se que a medida cautelar é composta pela característica de instrumentalidade, na medida em que é considerada instrumento da tutela final, dirigindo-se a assegurar a sua efetividade, mas não realizando os seus efeitos. É em razão disto que o processo cautelar é considerado “o instrumento do instrumento”, pois, de um lado, o processo tem caráter instrumental em relação ao direito material, ao passo que, de outro lado, o processo cautelar tem a finalidade de garantir a eficácia do processo de conhecimento ou da execução[7].
Por seu turno, a tutela antecipada tem como característica básica a satisfatividade, na medida em que satisfaz, de forma imediata, o direito. Em outras palavras, ela antecede, provisoriamente, os efeitos desejados pelo requerente na tutela definitiva, com base em um juízo de convencimento (da necessidade da antecipação, se comprovados os respectivos pressupostos). O que se busca, com a tutela antecipada, não é antecipar a própria tutela definitiva – o que seria impossível, diante da ausência de uma cognição exauriente –, mas sim os seus efeitos.
Muitas vezes é também colocada como característica comum a ambas as tutelas provisórias o pressuposto do perigo, sendo chamadas de “tutelas de urgência”. Entretanto, tal afirmativa pode ser excepcionada no caso da tutela antecipada, tendo em vista que, apesar do perigo ser característica inerente às medidas cautelares, nem sempre este constitui pressuposto das tutelas antecipatórias no que concerne ao artigo 273, II do Código de Processo Civil, que possibilita a sua concessão em casos de “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”. Pode-se perceber que, neste caso, não se faz necessário o caráter de urgência decorrente do perigo.
Outrossim, também diferem as medidas cautelares e antecipatórias no que diz respeito aos pressupostos para sua concessão. Os requisitos gerais exigidos para a medida cautelar são muito menos exigentes e rigorosos, tendo em vista que sua possibilidade de causar prejuízos à parte contrária é bem menor do que nos casos de tutela antecipada, já que esta última realiza imediatamente os efeitos desejados pelo requerente, enquanto a primeira só assegura sua realização.
É por isso que se diz que a cognição sumária da tutela cautelar é ainda mais superficial, ou menos aprofundada, que a da tutela antecipatória. É por tal motivo também que a medida cautelar pode ser concedida de ofício pelo juiz, não sendo possível o mesmo, em regra, no que concerne à tutela antecipada (de acordo com o caput do artigo 273 do Código de Processo civil, que exige o requerimento da parte para que o juiz possa concedê-la).
Por outro lado, muito mais complexa é a análise dos pressupostos para a concessão da tutela antecipada, tendo em vista o risco presente na sua concessão, já que são sacrificados (provisoriamente) os princípios do contraditório e da ampla defesa ao satisfazer de forma imediata os efeitos do direito requerido, sendo maior a probabilidade de prejuízos causados à parte contrária do que no caso de concessão da medida cautelar.
O caput do artigo 273 do Código de Processo Civil traz os requisitos genéricos e essenciais para a concessão da tutela antecipada: a presença de prova inequívoca e a verossimilhança das alegações. É visível a relação de interdependência entre ambos os pressupostos, tendo em vista que o primeiro deve sempre conduzir o juiz ao segundo. A prova inequívoca, dentro do contexto da cognição sumária, deve ser composta de credibilidade para que leve o magistrado a um juízo de probabilidade. Portanto, não constitui uma prova que acarrete em uma verdade absoluta, o que seria impossível sem uma cognição exauriente, mas ao menos em uma verdade provável, dando causa, portanto, à verossimilhança das alegações do requerente.
Neste sentido, acerca das diferenças entre os pressupostos para a concessão de ambas as medidas, José Roberto dos Santos Bedaque preleciona:
Prova inequívoca de verossimilhança implicaria, portanto, juízo cognitivo mais profundo do que aquele exigido no art. 798 para a cautelar, mas inferior à cognição plena e exauriente que antecede a tutela definitiva. A concessão de cautelar geral dependeria apenas da verossimilhança dos fatos alegados pelo autor, ainda que inexistente prova a respeito. Já para obter antecipação de tutela, é necessário que o requerente instrua o pedido com elemento probatório suficiente para a formação do convencimento do julgador.[8]
Além dos requisitos gerais para a concessão da tutela antecipada, existem mais dois pressupostos, que podem ser chamados de alternativos, inseridos nos incisos I e II do art. 273 do CPC. Cada um deles é exigido cumulativamente com os requisitos já citados no caput do referido artigo, de acordo com os aspectos do caso concreto. O primeiro diz respeito ao “receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, ou seja, o risco de um dano cujos efeitos serão irreparáveis, que se equipara ao “perigo da demora” exigido para a medida cautelar. O segundo se refere ao “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”.
Ademais, uma última observação deve ser feita a respeito do modo de concessão dos dois tipos de tutela em questão. A antecipação dos efeitos da tutela deve ser concedida no bojo do processo de conhecimento, independendo, assim, de processo autônomo para a sua concessão. Por outro lado, a medida cautelar, em regra, resulta na formação de um processo autônomo (cautelar) para a sua concessão.
Entretanto, cabe destacar que esta regra não é entendida de forma absoluta, tendo em vista a amplamente aceita possibilidade de requerimento da medida cautelar no decorrer do próprio processo de conhecimento, do mesmo modo que ocorre com a tutela antecipada. Desta forma, atende-se tanto ao princípio da economia processual quanto ao da duração razoável do processo, o que leva à conclusão de que a formação de um processo autônomo visando unicamente à concessão de medida cautelar não dispõe de qualquer utilidade, sendo muito mais prático o requerimento de tal medida no próprio processo principal, de preferência na petição inicial, em razão do seu caráter de urgência. Nestes termos, evidencia-se a diferença entre medida cautelar e processo cautelar.
9. A regra da fungibilidade (art. 273, §7º do CPC)
A regra da fungibilidade se refere à possibilidade, permitida pela lei, de se conceder tutela cautelar de forma incidental no bojo do processo de conhecimento, mesmo quando requerida a título de antecipação de tutela, se presentes os respectivos pressupostos. Essa regra conduz à autorização de que seja concedida a medida cautelar no curso processo, não havendo mais necessidade, em tais casos, de instauração de um processo autônomo cautelar, o que privilegia, como dito acima, os princípios da economia processual e da duração razoável do processo.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, para a concessão da medida cautelar, quando for requerida a título de tutela antecipada, exige-se, além dos pressupostos gerais de tal medida, que seja nebulosa a natureza da tutela postulada e, portanto, que tenha havido fundado e razoável equívoco por parte do requerente[9]. Desta forma, segundo entendimento do autor, excepcionar-se-ia a permissão da fungibilidade nos casos de erro grosseiro da parte que requere.
A regra da fungibilidade decorre da semelhança existente entre as tutelas cautelar e antecipada, de modo que algumas situações são cinzentas, não se conseguindo definir qual a espécie de tutela que se está a tratar. Nesse contexto, não se pode deixar de proteger o direito material buscado em juízo por mero culto à forma.
Considerações finais
O processo cautelar é o instrumento que tem a finalidade de eliminar o risco da dilação temporal indevida, através da incidência de um ato na esfera jurídica do demandado adequada, idônea e suficiente para alcançar o seguinte efeito: assegurar a pretensão de direito material veiculada na ação principal.
Assim, a relevância do processo cautelar reside na proteção dos direitos das partes processuais e na garantia de se obter o resultado útil do processo, sendo certo que a finalidade do processo é a eficaz e célere prestação da tutela jurisdicional buscada em juízo.
Referências bibliográficas
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DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010.
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MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
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WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 3. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
[1] THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Vol. 2. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 540.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Vol. 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 30.
[3] THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Vol. 2. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 540.
[4] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 972-973.
[5] Idem.
[6] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 976.
[7] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 3. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 33.
[8] BEDAQUE, José Roberto dos Santos apud DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 2. 4ª edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, p. 491.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 231.
Advogada, Graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Pós-graduada/Especialização em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DELGADO, Beatriz Macedo. O processo cautelar e o poder geral de cautela Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 mar 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46159/o-processo-cautelar-e-o-poder-geral-de-cautela. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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