RESUMO: Objetiva-se, com o presente estudo, analisar, criticamente, as principais questões e polêmicas envolvendo a judicialização de políticas públicas na área da saúde, com ênfase nas limitações e nos condicionantes que os magistrados devem ter em vista ao se depararem com questões desse jaez. Com isso, intenta-se traçar alguns parâmetros para uma decisão legítima e efetivamente justa na área das políticas de saúde. Inicialmente, traça-se uma conceituação adequada do termo saúde, para, então, classifica-lo juridicamente como um direito fundamental social, a ser efetivado mediante políticas públicas. Em seguida, analisa-se em que consistem as políticas públicas de saúde, bem como se – e em que medida – elas podem ser exigidas judicialmente. Partindo da noção de que se tratam de direitos subjetivos prima facie, passa-se ao enfrentamento dos limites à concessão judicial de políticas públicas nessa seara, de acordo com a regra da ponderação, apreciando-se, a fundo, as questões da reserva do possível e do mínimo existencial. Por fim, é abordada, propriamente, a judicialização das políticas públicas; suas causas, seus fundamentos e suas consequências, concluindo-se com o estudo dos requisitos para uma decisão legítima nesse âmbito, que envolve dois requisitos básicos: a excepcionalidade e o dever de fundamentação.
Palavras chave: Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. Direito à saúde. Judicialização de políticas públicas. Reserva do possível. Mínimo existencial. Ponderação.
ABSTRACT: The objective is, with the present study, analyze, critically, the major issues and controversies involving the legalization of public policies in health, with emphasis on the limitations and constraints that magistrates should aim when faced with questions of this ilk . Thus, it attempts to trace some parameters for a legitimate and fair decision effectively in the area of health policy. Initially, we draw a proper definition of the term health, then classify it legally as a social fundamental right, to be fulfilled by public policies. Then it analyzes what constitute public health policies, and whether - and to what extent - they may be required in court. Based on the notion that these are subjective rights prima facie, it will proceed to confront the limits to judicial award of public policies in this harvest, according to the rule of weighting, we are enjoying the background, reserve issues as possible and the existential minimum. Finally, it is addressed, specifically, the legalization of public policies; its causes, its foundations and its consequences, concluding with the study of the requirements for a legitimate decision in this area, which involves two basic requirements: the exceptional nature and the obligation to state reasons.
Keywords: Constitutional right. Fundamental rights. Right to health. Legalization of public policies. Reserve for contingencies. Existential minimum. Weighting.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O DIREITO À SAÚDE. 1.1. Definição de saúde. 1.2. Direito à saúde como direito fundamental social. 1.3. As políticas públicas de saúde. 1.4. A exigibilidade do direito social à saúde. 2. OS LIMITES DA PONDERAÇÃO. 2.1. A reserva do possível. 2.1.1. Reserva do possível fática. 2.1.2. Reserva do possível jurídica. 2.2. O Mínimo existencial. 3. A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. 3.1. Causas e consequências da crescente judicialização. 3.2. Legitimidade das decisões judiciais em políticas públicas de saúde. 3.2.1. Excepcionaldiade. 3.2.2. Dever de fundamentação. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Poucos temas, em Direito Constitucional, têm sido tão debatidos atualmente quanto a questão da judicialização de políticas públicas na área da saúde. A jurisprudência nacional é extremamente rica no assunto, sendo o Brasil um dos países mais ativistas na proteção desses direitos.
Trata-se de tema extremamente complexo e multidisciplinar, com origem em aspectos políticos, jurídicos e sociais e com consequências diversas para os litigantes, para o Estado e para toda a sociedade.
A principal causa da crescente judicialização de direitos que, normalmente, seriam assegurados a partir da ação do Executivo e do Legislativo é a nova conformação em que se encontra o Direito, com a Constituição no centro do Ordenamento Jurídico, exarando comandos de caráter vinculante, inclusive para o Estado. Aliado a esse fator, está a crise de legitimidade sofrida pelo Legislativo e pelo Executivo, revelada publicamente pelas dezenas de escândalos de corrupção, o que tem contribuído para o descrédito nestes dois Poderes e para inflação do Judiciário.
Com efeito, segundo a concepção jurídica atual, uma das premissas do estudo da Constituição é o reconhecimento da sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições. É dizer, as normas constitucionais são dotadas de imperatividade e sua inobservância pode ensejar o cumprimento forçado, por determinação judicial.
Paralelamente ao crescimento da sua força normativa, verifica-se, com o neoconstitucionalismo, um outro fenômeno: a constitucionalização do direito, ou constitucionalização abrangente. Diversas disciplinas e matérias que, anteriormente, eram tratadas apenas no plano infraconstitucional passaram a receber alicerce constitucional. No momento em que uma questão é disciplinada como norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Daí o crescente aumento de demandas suscitando direitos sociais, que normalmente estariam dentro do âmbito exclusivo das políticas públicas
As mudanças acima referidas são positivas e devem ser celebradas. Pode-se dizer, atualmente, que o Poder Judiciário brasileiro “leva a sério” os direitos sociais, tratando-os como autênticos direitos fundamentais, ao passo que a via jurisdicional se transformou efetivamente em um dos principais instrumentos de efetivação desses direitos.
Nada obstante, esse cenário traz também algumas questões complexas que não podem ser ignoradas. Apesar de os direitos sociais, notadamente o direito à saúde, serem tratados como direito de todos e dever do Estado, não se pode deixar de lado a noção de limitação do orçamento. Enquanto os anseios da população são infinitos, os recursos para atendê-los são evidentemente limitados, sendo esse um empecilho que não pode ser ignorado.
Outras diversas questões se colocam como condicionantes ou limitações ao atendimento pelo Judiciário das mencionadas políticas públicas, a exemplo da tripartição dos poderes, da legitimidade democrática do Judiciário, da capacidade institucional desse Poder, dentre outras. Trata-se de um tema verdadeiramente complexo, polêmico e multifacetário. O objetivo do presente estudo, evidentemente, não é esgotar a matéria, mas realizar uma abordagem crítica do tema à luz das referidas limitações que os magistrados brasileiros devem ter em vista ao se depararem com questões desse jaez.
O presente trabalho terá início com a abordagem do direito à saúde. A princípio, será traçada uma concepção adequada do conceito de saúde para, em seguida, classificar juridicamente esse direito. Estabelecidas tais noções básicas, discorrer-se-á acerca das políticas públicas, bem como a respeito da possibilidade de se exigir judicialmente a prestação de serviços nessa área, ainda que sem previsão prévia por parte do Estado.
No segundo capítulo, serão enfrentadas as principais limitações para a concessão judicial do direito à saúde, analisando-se, de forma minuciosa, as questões da reserva do possível e do mínimo existencial, segundo a regra da ponderação.
Por fim, tratar-se-á, propriamente, da questão da judicialização de políticas públicas na área da saúde; suas causas, fundamentações e consequências. Em seguida, diante do quadro traçado, serão esclarecidos os requisitos para uma decisão legítima nessa seara.
Antes de dar-se início propriamente ao estudo do tema da judicialização de políticas públicas de saúde, imprescindível traçar algumas noções básicas acerca desse direito. É preciso entender o conceito de saúde, bem como a classificação jurídica desse direito. Além disso, cumpre indagar qual seria o meio constitucionalmente previsto para efetivá-lo, assim como se seria possível exigir judicialmente o cumprimento desse comando.
É o que se passa a expor.
O bem denominado saúde não apresenta um conceito invariável e absoluto, porquanto sofre constantes modificações acerca da sua concepção conforme os aspectos comportamentais, políticos, econômicos, sociais e culturais envolvidos[1].
O significado do termo tem sido variado, de acordo com a época ou o momento histórico. Ora entendido simploriamente como mera ausência de enfermidade, ora concebido de forma abrangente, como um bem-estar geral, ou mesmo como um valor social.
No aspecto léxico da palavra, o dicionário Aurélio concebe saúde como “o estado daquele cujas funções orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal”[2].
Na história, a saúde deixa de ser aspecto mítico ou religioso e passa a ser analisada racionalmente por Hipócrates, que, em detrimento do pensamento retrógrado da influência de demônios e deuses no surgimento da doença, valoriza a observação empírica e preleciona a influência dos fatores externos, tais como o ambiente e o tipo de vida, no funcionamento interno do organismo.[3]
Posteriormente, em suas teorias, René Descartes, filósofo do séc. XVII, coloca a saúde como ausência de doenças, num conceito adstrito ao âmbito meramente fisiológico, e considera o corpo uma máquina, comparando um homem doente a um relógio em mau funcionamento e um saudável a um relógio em regular estado.[4]
Foi, no entanto, apenas em meados do século XX que o conceito de saúde passou a ser compreendido no contexto que hoje é abordado pelo Direito brasileiro. Em 1946, sob forte influência dos movimentos sociais pós-guerra, a Organização Mundial da Saúde (OMS), no preâmbulo da sua Constituição, identificou a saúde como “o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou de qualquer afecção”.
O conceito acima referido foi a base que influenciou a legislação brasileira do Sistema Único de Saúde (lei 8.080/90), a qual, em seu art 3º dispõe:
Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.
É importante exercer uma análise crítica do conceito excessivamente amplo traçado pela OMS e reproduzido no texto legal brasileiro. De fato, à luz da dignidade da pessoa humana, é essencial que todo ser humano tenha alimentação, moradia, saneamento básico, educação, transporte, lazer etc. No entanto, inserir todos esses elementos no conceito do direito à saúde parece excessivo e utópico, tornando praticamente impossível que, na prática, o direito à saúde, tal qual entabulado pela lei, seja efetivamente garantido a toda a população. Essa conceituação, inclusive, dificulta a elaboração de metas relacionadas aos serviços de saúde e acaba por fragilizar a efetividade desse direito, abalando a já combalida noção que a população tem acerca da ciência jurídica.
Na doutrina, Germano Schwartz define a saúde como:
Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo em que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.[5]
Por fim, extrai-se que não existe um conceito pacífico de saúde a ser adotado. Na presente obra, a saúde deve ser entendida à luz do ordenamento jurídico brasileiro, como um direito assegurado a todos os cidadãos, que abrange não só a prevenção ou a recuperação de doenças, mas também a assistência psicológica e social, a fim de alcançar um completo bem-estar individual e coletivo.
A expressão direitos fundamentais surgiu na França, em 1770, no movimento político cultural que deu origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.[6]
Para José Afonso da Silva, direitos fundamentais são situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.[7]
São os direitos fundamentais, desta feita, um conjunto de normas jurídicas, elevadas ao status constitucional, que, fundamentando o ordenamento jurídico, garantem, aos indivíduos e à coletividade, os meios necessários para o pleno exercício da vida, com respeito ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Os direitos fundamentais, como normas fundantes do Ordenamento Jurídico, são dotados de efetividade, imperatividade e aplicabilidade imediata, conforme expressamente disposto no art. 5º, §1º da CF.
Em outro giro, é tradicional e frequentemente repetida pela doutrina a classificação dos direitos fundamentais em direitos de primeira, de segunda e de terceira geração. Trata-se da “teoria da das gerações dos direitos”, formulada por um jurista tcheco, naturalizado francês, chamado Karel Vasak.[8]
A primeira geração dos direitos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté), que tiveram origem com as revoluções burguesas. A segunda geração, por sua vez, seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade (égalité), impulsionada pela revolução industrial e pelos problemas sociais por ela causados. Por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvimento à paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité), que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, especialmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.[9]
A “teoria das gerações” acima referida obteve fama internacional e tem sido repetida por juristas do mundo todo. Vale mencionar, entretanto, que ela não é alheia a críticas. Com efeito, a expressão “geração de direitos” foi e continua sendo bastante questionada, tendo vista que ela dá a falsa impressão de substituição gradativa de uma geração por outra, o que é evidentemente um equívoco. Os direitos de liberdade não são substituídos pelos de igualdade, nem estes pelo de fraternidade; nenhum desaparece para o surgimento do outro, mas coexistem, a fim de garantir verdadeira dignidade à pessoa humana. Além disso, a expressão pode induzir à ideia de que uma geração pode ou deva ocorrer quando a anterior já estiver madura o suficiente, o que dificultaria bastante o reconhecimento de novos direitos.[10]
Em razão dessas críticas, a doutrina moderna tem preferido o termo dimensões, em vez de gerações, afastando a equivocada ideia de sucessão.
Vale mencionar, ainda, que, com a evolução da sociedade e da teoria dos direitos fundamentais, vários doutrinadores sugerem novas gerações ou dimensões de direitos fundamentais. Essa questão, todavia, não será aprofundada no presente trabalho, por fugir do seu objeto precípuo.
Quanto à classificação do direito à saúde, parece evidente que ele pertence à segunda “geração” de direitos fundamentais. É dizer, ele se inclui no grupo dos direitos sociais, que impõem um “atuar permanente” por parte do Estado, ou seja, uma ação oriunda de uma prestação positiva de natureza material ou fática em benefício ao indivíduo.[11]
A Constituição de 1988 previu o direito à saúde no art. 6º do texto constitucional, na parte que versa acerca dos direitos sociais. O art. 196 da CF, no mesmo viés, estabelece expressamente que a saúde é um dever do Estado.
Neste sentido, o artigo 2º da Lei 8080/9023, que trata sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, prevê que: “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
O artigo 23, inciso II da Carta Magna estabelece ser de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios o cuidado da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. O artigo 24, inciso XII, por sua vez, preceitua ser a União, o Estado e o Distrito Federal os entes concorrentemente competentes para legislar sobre a matéria, ficando os Municípios incumbidos de prestar serviços de atendimento à saúde da população com apoio técnico e financeiro da União e dos Estados.
Nesse sentido, José Afonso da Silva:
A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam.[12]
Parece, portanto, inexorável que a Constituição adotou a configuração do direito à saúde como um direito social, de segunda geração, que demanda um agir do Estado para que seja efetivamente assegurado ao cidadão.
Corrente doutrinária, certamente inspirada na “teoria dos quatro status”[13], desenvolvida por Georg Jellinek, considera, em síntese, que os direitos fundamentais se dividiriam em positivos e negativos. Os direitos de liberdade teriam caráter negativo, pois implicariam um não agir, enquanto os direitos de igualdade, dentre os quais os direitos sociais, teriam um status positivo, pois sua implementação necessitaria de um agir por parte do Estado, mediante o gasto de verbas públicas.
Nesse contexto, o direito social à saúde deve ser compreendido como um direito positivo, que é exercido segundo a atuação do Estado, o que demanda a alocação de verbas públicas e todas as limitações inerentes ao orçamento público.
Segundo Canotilho, embora os direitos sociais sejam claramente de índole positiva, eles podem também apresentar um componente negativo. Senão vejamos.
O direito do trabalho não consiste apenas na obrigação do estado de criar ou de contribuir para criar postos de trabalho (...) antes implica também a obrigação de o estado se abster de impedir ou limitar o acesso dos cidadãos ao trabalho (liberdade de acesso ao trabalho); o direito à saúde não impõe ao Estado apenas o dever de atuar para constituir o Serviço Nacional de Saúde e realizar as prestações de saúde, (...) antes impõe igualmente que se abstenha de atuar de modo a prejudicar a saúde dos cidadãos.[14]
Vale registrar, ainda, a compreensão de que não só os direitos positivos demandam gastos públicos, mas qualquer direito fundamental carece, em alguma medida, da atuação do Estado para efetivá-lo. Na verdade, não existem direitos exclusivamente negativos, sendo um erro pensar que os direitos de liberdade não geram custos ou tarefas para o Poder Público. A proteção de qualquer direito exige a mobilização de recursos financeiros, administrativos, legislativos e judiciais, sem os quais nenhuma garantia é protegida.[15]
Defendendo essa tese, os autores norte-americanos Stephen Holmes e Cass Sustein publicaram a obra “The cost of rights”[16] (Os custos dos direitos). Segundo eles, todos os direitos, desde os tradicionalmente denominados como direitos a prestações, até os direitos de defesa (de liberdade) geram custos aos cofres públicos, para que sejam realizados. Os direitos custam, no mínimo os recursos necessários à manutenção da complexa estrutura judiciária que viabiliza a tutela dos mesmos. Levar a sério os direitos significaria, então, levar a sério a escassez dos recursos.
Em que pese a crítica acima mencionada, é notório que os direitos positivos possuem peculiaridades que os distinguem dos negativos. Todos demandam mobilização do Estado para que sejam assegurados, no entanto, os direitos sociais (como direitos essencialmente positivos que são) possuem no Estado o seu típico modo de exercício, enquanto os direitos de liberdade veem no Poder Público um garantidor, um assegurador desses comandos. No caso do direito à saúde, por exemplo, a inexistência de políticas públicas impediria, em absoluto, o gozo desse direito por parte da população, com exceção daqueles que possuem condições de buscar a iniciativa privada para tanto. Isso ocorre porque é da essência dessa espécie a exigência de um agir por parte do Estado para que o direito simplesmente exista, e não apenas para que ele seja efetivo ou mais abrangente.
É essa a concepção do direito à saúde, como direito de segunda geração e como direito positivo, que será adotada na presente obra, haja vista que o pedido da quase totalidade das ações judiciais nessa seara envolve uma obrigação de fazer ou de dar por parte do Estado.
Políticas públicas podem ser entendidas, na esteira da definição proposta por Maria Paula Dallari Bucci, como “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”[17].
Conforme restou estabelecido, o direito fundamental à saúde é concretizado mediante ação positiva do Estado, que, na prática, toma a forma de políticas públicas. Os arts. 196 e 197 da Constituição Federal demonstram claramente esse fato:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Os artigos 198 e seguintes da Constituição passam, por sua vez, a tratar do Sistema Único de Saúde (SUS), dentro do qual tais políticas deverão ser prestadas.
Do ponto de vista federativo, a Constituição atribuiu competência para legislar sobre a proteção e defesa da saúde concorrentemente à União, aos estados e aos municípios (art. 24, XII e 30, II). À União cabe o estabelecimento de normas gerais (art. 24, §1º); aos estados, suplementar a legislação federal (art. 24, §2º); e aos municípios, legislar sobre assuntos locais, podendo suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (art. 30, I e II). No que diz respeito ao aspecto administrativo, a Carta Magna estabeleceu competência comum aos três entes federativos para formular e executar políticas de saúde (art. 23, II).
O fato de todos os entes serem competentes para tratar da matéria, não significa superposição entre eles, como se todos detivessem atribuições irrestritas. Tal fato, certamente acarretaria desorganização e ineficiência na prestação dos serviços de saúde. Por essa razão, o art. 23, parágrafo único da CF prevê que deve haver cooperação entre os entes, tendo em vista o “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.
Nesse viés, o âmbito legislativo é o espaço adequado para estabelecer as competências administrativas de cada ente, assim como para prever as políticas públicas de saúde que serão prestadas à sociedade. Em setembro de 1990, com esse intento, foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde (lei 8.080/90), responsável por estruturar o SUS e prever a sua forma de organização e funcionamento.
A lei 8.080/90 procurou definir o que cabe a cada ente federativo na matéria. À direção nacional do SUS, compete “prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional” (art. 16, XIII), devendo “promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal” (art. 16, XV). À direção estadual, a Lei do SUS, em seu art. 17, atribuiu as competências de promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde, de lhes prestar apoio técnico e financeiro, e de executar supletivamente ações e serviços de saúde. Quanto à direção municipal do SUS, incumbe as tarefas de planejar, organizar, controlar, gerir e executar os serviços públicos de saúde (art. 18, I e III).
Como se observa, Estados e União somente devem executar diretamente políticas de saúde de modo supletivo, suprindo eventuais ausências dos Municípios. Trata-se de decorrência do princípio da descentralização administrativa (art. 198, I da CF).
Quanto aos serviços a serem oferecidos pelo SUS, a lei também disciplina a matéria, com fulcro no princípio da evidência científica e do melhor custo-benefício possível. É o que se nota do art. 19-Q, §2º:
Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:
I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso;
II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.
Veja-se que o objetivo do presente tópico não é esgotar a análise da lei 8.080/90, mas apenas demonstrar que a efetivação do direito à saúde se dá, necessariamente, mediante políticas públicas, que são traçadas no âmbito legislativo e complementadas pela Administração Pública. É esse o meio adequado para tanto, seja pela legitimidade democrática desses atores políticos, seja pela visão holística que eles possuem com relação ao sistema nacional de saúde e às carências da população.
O Sistema Único de Saúde é pensado como um sistema integrado, com uma rede regionalizada e hierarquizada (art. 198 da CF), com atribuições delimitadas, segundo princípios pré-estabelecidos, com o intento de assegurar, na maior medida possível, saúde à população de forma universal.
Seria possível, então, pleitear judicialmente determinada prestação no campo do direito à saúde? Seria possível exigir do Poder Público que garantisse determinado tratamento ou certo medicamento, mesmo que de forma contrária ao quanto estabelecido legal e administrativamente? É dizer, o direito à saúde, tal qual definido anteriormente, pode ser considerado um direito subjetivo, exigível em qualquer medida por parte do particular? É o que restará a abordado no tópico seguinte.
Historicamente, é possível observar uma evolução no que se refere à concretização dos Direitos Sociais. De início, partindo da ideia de separação de poderes, os direitos sociais eram tidos como uma questão interna aos órgãos políticos do Estado, os quais, a partir de razões pragmáticas, estabeleciam a lista de prioridades internas a esses direitos, bem como os modos e formas de sua concretização. Assim, tradicionalmente, os direitos sociais são entendidos como normas programáticas, normas de baixa efetividade, que estão dentro do campo exclusivo de conformação do legislador e do Administrador público.
Posteriormente, as normas sobre tais direitos continuaram a ser classificadas como programáticas, mas com a força mínima reconhecida para impedir a atuação dos Poderes Públicos em desconformidade à previsão normativa constitucional. Isso porque, segundo essa concepção, as normas-programa prescrevem a realização, por parte do Estado, de determinados fins e tarefas, os quais não representam meras recomendações ou preceitos morais, mas um dever de agir.[18]
Essa visão clássica de norma programática deve ser prontamente afastada. Conceber os direitos sociais como tais implica deixá-los praticamente desprotegidos diante das omissões estatais, o que não se compatibiliza nem com o texto constitucional, que consagrou a aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais (art. 5º, §1º), nem com a importância destes na vida das pessoas.
Dessa forma, na esteira dos ensinamentos de Daniel Sarmento, surgem três vertentes, na busca por uma delimitação dos direitos sociais, para além da sua concepção como normas programáticas.[19]
A primeira delas é a tese dos direitos sociais como direitos não subjetivos. Trata-se de teoria encampada por Fábio Konder Comparato[20], segundo o qual os direitos sociais não contariam com uma dimensão subjetiva, não ensejando a exigibilidade de quaisquer prestações positivas, mas tão somente o controle judicial de razoabilidade das políticas implementadas para realiza-los. Essa tese mostra-se, entretanto, insuficiente, por não proporcionar aos titulares desses direitos uma proteção adequada. Além disso, apresenta-se equivocada, pois, se os direitos sociais são autênticos direitos fundamentais, eles possuem titulares e giram em torno da pessoa humana, razão pela qual parece errônea a posição que lhe nega dimensão subjetiva.
A segunda tese é a dos direitos sociais como direitos subjetivos definitivos[21], cuja consequência seria a ampla e irrestrita possibilidade de se exigir qualquer provimento relacionado à matéria, independentemente do grau e da razoabilidade da pretensão.
A ideia dos direitos sociais como direitos subjetivos plenos pode ser observada em recente decisão do Supremo Tribunal Federal.
O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.[22]
Essa tese vai além da mera perspectiva das normas programáticas, mas peca pelo excesso, na medida em que simplesmente desconsidera aspectos de ordem financeira e orçamentária, bem como fecha os olhos à primazia do legislador para decidir acerca das prioridades do Estado Democrático.
Com efeito, tendo-se em mente que a efetivação dos direitos depende de meios econômicos, financiados pelos contribuintes e administrados pelo Estado, alcança-se a conclusão lógica da inexistência de direitos subjetivos absolutos, uma vez que, nada que custa dinheiro pode ser absoluto. Portanto, efetivar direitos implica, inexoravelmente, realizar escolhas de alocação de recursos, de maneira que alguns direitos serão concretizados, enquanto outros não. Na realização dessas escolhas políticas, deve-se assegurar primazia ao administrador e ao legislador, tema que será abordado com maior profundidade mais à frente.
Por fim, resta a última corrente, a tese dos direitos sociais como direitos subjetivos prima facie. Esse modelo é defendido Daniel Sarmento[23], que cita renomados doutrinadores adeptos do mesmo pensamento, como Robert Alexy, Martin Borowsky, Ingo Wlfgang Sarlet, Carlos Bernal Pulido, Miguel Carbonell e Paulo Gilberto Cogo Leivas, dentre outros. De acordo com a tese, os direitos sociais são direitos subjetivos, mas que possuem natureza principiológica, sujeitando-se ao processo de ponderação no caso concreto. Dessa forma, defende-se que os direitos sociais possuem a estrutura de princípios, e não de regras.
Para que se entenda, de forma apropriada, a relevância dessa constatação cumpre diferenciar essas duas espécies de norma jurídica, segundo a teoria de Robert Alexy[24], inspirado em Ronald Dworkin[25].
Para Alexy, o principal critério diferenciador entre princípios e regras é o modo de aplicação[26] de ambos. Regras se aplicam na modalidade tudo ou nada: ocorrendo o fato descrito em seu dispositivo ela deverá incidir, produzindo o efeito previsto. Se não for aplicada à sua hipótese de incidência, a norma estará sendo violada. Não há maior margem para elaboração teórica ou valoração por parte do intérprete, ao qual caberá aplicar a regra mediante subsunção. Por isso, diz-se que as regras são mandados definitivos.
Os princípios, por outro lado, não são mandamentos definitivos, mas de otimização; são normas que determinam que algo seja realizado na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Apresentam, portanto, obrigações prima facie, na medida em que podem ser superados em razão de outros princípios; o que difere da natureza de obrigações absolutas das regras.
Nesses termos, conforme Virgílio Afonso da Silva:
Se um direito é garantido por uma norma que tenha a estrutura de uma regra, esse direito é definitivo e deverá ser realizado totalmente, caso a regra seja aplicável ao caso concreto (exceto, como já citado, se existir uma cláusula de exceção). No caso dos princípios, não se pode falar de realização total daquilo que se exige. Ao contrário: em geral essa realização é apenas parcial. Isso porque no caso dos princípios há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é garantido (ou imposto) definitivamente. Pode-se dizer que há um longo caminho entre um (o prima facie) e outro (o definitivo).[27]
Ocorre que, em uma ordem jurídica pluralista, a Constituição abriga princípios que apontam em direções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles. Diante de uma colisão entre princípios, deve-se dar prevalência àquele que tenha, no caso concreto, maior peso relativo, sem que isso signifique a invalidação do princípio compreendido como de peso menor. É o que Alexy chama de lei da ponderação: “quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância da satisfação do outro”.[28]
No que se refere ao direito à saúde, a ponderação envolve de um lado o direito social e de outro as diversas condicionantes e as inúmeras limitações fáticas que circundam a matéria, tais como o princípio democrático, a reserva do possível, a separação dos poderes, dentre outros. Dessa forma, o deferimento ou não da medida deve ocorrer de acordo com o caso concreto, segundo as provas dos autos, em um juízo de proporcionalidade, que envolve a aferição acerca da exigibilidade da medida e da possibilidade do Estado em efetivá-la.
A solução acima referida é profundamente comprometida com a efetivação dos direitos sociais, mas leva em conta também todas as dificuldades fáticas e jurídicas envolvidas nesse processo. Não se trata, portanto, de solução utópica ou de mecanismo que ignore a realidade. A realidade estará sempre presente, não sendo admissível que o aplicador do Direito se furte de apreciá-la.
Veja-se, entretanto, que falar em ponderação e deixar a questão a ser decidida discricionariamente pelos magistrados espalhados por todo o país não significa solucionar a questão, mas agravá-la. Tal concepção daria causa a casuísmos sem medida e agravaria a situação já preocupante de insegurança jurídica no nosso país. É imprescindível, portanto, esclarecer como e em que medida a decisão judicial em matéria envolvendo políticas públicas de saúde devem ser tomadas. É o que será analisado nos próximos capítulos.
Conforme restou esclarecido, os direitos sociais constituem direitos subjetivos prima facie, nos termos aqui defendidos, de modo que sua exigibilidade está sujeita a um juízo de ponderação a ser realizado no caso concreto. Dois critérios essenciais a serem examinados na referida ponderação são a reserva do possível e o mínimo existencial. É o que se passa a expor.
A cláusula da reserva do possível surge a partir da constatação já enunciada de que a efetivação de qualquer direito demanda um custo por parte do Estado. Diante das infinitas necessidades da população e da escassez de recursos públicos, fica evidente a inexistência de direitos absolutos e a incapacidade de o Estado em proporcionar a todos e de forma integral toda a gama de direitos sociais.
Esse argumento tem sido, constantemente, invocado pelos entes públicos para eximirem-se de qualquer obrigação relacionada à judicialização de políticas públicas, notadamente na área da saúde. No mais das vezes, entretanto, isso é feito de maneira genérica, como se a reserva do possível fosse capaz, por si só, de isentar o Estado do cumprimento das obrigações constitucionalmente determinadas a ele.
Cumpre, aqui, traçar um panorama adequado acerca desse importante limitante, a reserva do possível, a qual não pode simplesmente ser ignorada pelos juízes em prol da efetivação dos direitos sociais nem abstratamente invocada pelos advogados públicos a fim de eximir o Estado de qualquer responsabilidade.
A origem cláusula da reserva do possível remota ao célebre caso julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão “numerus cláusus”. Na ocasião, entendeu-se que o direito de acesso ao ensino superior não poderia ser absoluto, não sendo razoável admitir-se a entrada de todos os estudantes interessados em determinado curso. Fixou-se que o Estado deve assegurar apenas as exigências individuais que estejam dentro de um padrão de razoabilidade, de acordo com os recursos existentes e com a máxima efetividade possível ao direito fundamental.[29]
Nesse contexto, preleciona Ingo Sarlet que:
A prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável.[30]
Para Gomes Canotilho, a reserva do possível significa que a realização dos direitos sociais se caracteriza:
a) pela gradatividade ou gradualidade na sua realização; b) pela dependência financeira do orçamento público; c) pela tendencial liberdade de conformação pelo legislador em relação às políticas públicas a serem assumidas (as políticas de realização destes direitos); d) pela insuscetibilidade de controle jurisdicional dos programas político-legislativos, a não ser quando estes se mostram em clara contradição com as normas constitucionais ou quando manifestamente desarrazoados.[31]
Nas palavras de Ana Paula Barcellos:
A limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. [32]
Na jurisdição constitucional brasileira, o conceito foi ventilado em obter dictum, no bojo de decisão monocrática do Ministro Celso de Mello, na ADPF 45. Segundo o Ministro:
Os condicionamentos impostos pela cláusula da ‘reserva do possível’, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa – traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado,, (1) a razoabilidade de pretensão individual-social deduzida em face do Poder Público, e, de outro (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. [33]
Porém, nesta mesma decisão o Ministro Celso Mello consignou que:
A cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido essencial de fundamentalidade.[34]
Daniel Sarmento[35], com esteio em Ingo Sarlet[36], traz importante distinção que permite delimitar os contornos da cláusula da reserva do possível. Para os autores, a ideia de reserva do possível é dividida em dois componentes, um fático e outro jurídico. O primeiro relaciona-se com a efetiva existência de recursos disponíveis, enquanto o segundo está ligada à autorização orçamentária para o Estado incorrer nos respectivos custos.
Filia-se, aqui, plenamente, com a orientação fixada por Daniel Sarmento e por Ingo Sarlet, razão pela qual será abordada em minúcias a diferenciação entre reserva do possível fática e reserva do possível jurídica.
A respeito da reserva do possível no plano fático, existe certa controvérsia a respeito da sua compreensão. Primeiramente, poder-se-ia entendê-la de maneira extremada, no sentido de que apenas a ausência absoluta de recursos, efetivamente demonstrada nos autos do processo, seria capaz de afastar a responsabilidade do ente no caso concreto. Essa corrente não parece correta e deve ser descartada, haja vista que ignora a necessidade de o Poder Público atender a inúmeras outras demandas onerosas, igualmente alicerçadas pela Constituição como direitos fundamentais. Posicionamento desse jaez permitiria que, no escopo de atender ao direito de uma pessoa, os direitos e interesses de toda a coletividade fossem prejudicados.
A segunda possibilidade de se conceber a reserva do possível fática é com base na avaliação acerca do impacto econômico que a pretensão individual do titular do direito fundamental pode causar sobre o universo de recursos públicos existente. Tal exegese não gera efeitos tão radicais quanto a primeira, considerando que existe a possibilidade de denegação do pleito sempre que os seus custos acarretarem um impacto muito elevado sobre as contas públicos. Entretanto ela peca por deixar de levar em consideração a isonomia e a igualdade como corolário da reserva do possível. Isso porque essa concepção toma por base o custo representado apenas pela prestação eventualmente concedida ao autor da ação, de forma que, por mais custosa que ela seja, dificilmente será elevada o suficiente para abalar os recursos orçamentários das entidades federativas. Ocorre que o Estado não deve conceder a um indivíduo aquilo que ele não tenha condições de oferecer a todos que se encontrem na mesma situação. Essa é uma exigência fundamental imposta pelo princípio da isonomia que não pode ser ignorada. Consiste na base do entendimento escorreito acerca da reserva do possível.
Dessa forma, na esteira da lição de Daniel Sarmento, entende-se que “a reserva do possível fática deve ser entendida como a razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos efetivamente existentes”[37]. Por esse critério, por exemplo, diante da postulação de determinado tratamento não previsto pelo SUS, a ser realizado no exterior, com o custo de considerável quantia de recursos públicos, o julgador não deve indagar se essa prestação, autonomamente, seria capaz de afetar de maneira substancial o orçamento do Estado, mas se seria razoável conceder esse mesmo benefício a todos aqueles que se encontram nessa mesma situação, levando em conta as possibilidades financeiras do ente. Conforme Sarmento, “trata-se, em suma, de avaliar a legitimidade constitucional de uma omissão em matéria de política pública, o que demanda um olhar focado não só na árvore, mas em toda a floresta”[38].
Esse argumento, inclusive, é rotineiramente levantado nas peças de defesa elaboradas pelos advogados públicos, sob a alcunha de “efeito multiplicador”. Argumenta-se que o deferimento da pretensão provocaria a proliferação de demandas com esse mesmo pedido, o que inviabilizaria o atendimento pelo ente político de todas elas.
Judicialmente, o STJ já rechaçou referido argumento. In verbis:
(...) não há como concluir que o fornecimento do medicamento a uma única paciente possa causar lesão de consequências significativas e desastrosas à economia do Estado de São Paulo. Destaco, ainda, que o efeito multiplicador alegado como justificativa ao pedido de suspensão é meramente hipotético, não tendo a postulante trazido qualquer indício de que, animadas pela decisão recorrida, tenham sido ajuizadas outras ações com igual pretensão.[39]
Não se pode concordar com a decisão judicial acima transcrita. Não se trata de demonstrar que o “efeito multiplicador” ocorreu, que houve proliferação de demandas com o mesmo objeto e que, com isso, tornou-se impossível o adimplemento, pelo Estado, de todas elas. Na verdade, o critério da universalização para fins de aferir a reserva do possível fática está ligada ao princípio da isonomia e à ideia de Estado Democrático de Direito. Está relacionada à fundamentação de uma decisão, a um critério indispensável para que o pronunciamento judicial seja efetivamente justo. Se o magistrado concede determinada pretensão, mesmo sabendo que seria inviável concedê-la a todos que se encontrem na mesma situação, em razão do simples fato de que nem todos irão judicializar a matéria, estará ele agindo contrariamente a qualquer noção de justiça e de igualdade, estará violando a lógica argumentativa e a fundamentação adequada da decisão.
Não se quer dizer, com isso, que as decisões judiciais nas matérias envolvendo direito à saúde não devam analisar as singularidades do caso concreto, ou que o juiz deva considerar a parte autora como mera parte de um todo, como se fossem meros números, abstraindo de suas necessidades e sofrimentos. Pelo contrário, a análise pormenorizada do caso sub judice é uma obrigação incontornável do magistrado, vocacionado a dizer o direito no caso concreto. O que se pretende salientar é apenas que, em face do princípio da isonomia, pessoas que estiverem na mesma situação devem receber o mesmo tratamento, sob pena de institucionalizar-se o tratamento desigual e discriminatório, prejudicando aqueles que não podem ou não querem pleitear seus direitos judicialmente. Nesse contexto, não se pode exigir do Estado que forneça algo a um indivíduo que não seja possível conceder a todos os que estejam na mesma situação.
Entendimento contrário findaria por privilegiar principalmente aqueles que possuem condições culturais, sociais e financeiras de litigar judicialmente contra o Estado. Ao fim e ao cabo, privilegiaria os mais abastados, em detrimento daqueles que mais necessitam das prestações estatais.
Cabe ressaltar, entretanto, que, do ponto de vista processual, a reserva do possível é matéria de defesa, de forma que cabe ao advogado público suscitá-la no processo, demonstrando que a concessão de determinada prestação esbarra na reserva do possível, não sendo razoável exigir-se do Estado que ele preste referido serviço a toda a população que se encontra na situação hipotética. Não basta, portanto, que o Estado invoque genericamente a reserva do possível para se opor à concessão judicial de prestações sociais, como, infelizmente, sói acontecer na prática.
Destarte, pode-se concluir que a reserva do possível é um importante limitador da concessão de pretensões que envolvam judicialização de políticas públicas na área da saúde. Não se mostra razoável nem adequado que o magistrado simplesmente desconsidere essa limitante, sob o argumento de que o direito à saúde é fundamental e inafastável, nem cabe ao Estado defender-se da demanda arguindo abstratamente essa cláusula. Na verdade, a reserva do possível fática deve ser cuidadosamente apreciada no bojo do respectivo processo, segundo uma análise universalizante, indagando o julgador acerca da razoabilidade da exigência e da possibilidade financeira do Estado de oferecer tal prestação a toda a população que dela necessite.
A reserva do possível, na sua faceta jurídica, identifica-se com a existência de fundamento legal para que o Estado incorra nos gastos necessários à satisfação do direito social pleiteado. Diz respeito, em suma, à existência de previsão orçamentária para a realização da referida despesa, tendo em vista o princípio da legalidade e a obrigação legal e constitucional de que todos os gastos do Governo estejam previstos no orçamento.
Com efeito, assim dispõe o art. 167, I da CF:
Art. 167, I: São vedados: o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual.
Os arts. 3º e 4º da lei 4.320, por sua vez, consagram o princípio da universalidade, segundo o qual o orçamento deve conter todas as receitas e todas as despesas da Administração. In verbis:
Art. 3º: A Lei de Orçamento compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.
Art. 4º: A Lei de Orçamento compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da Administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no art. 2º.
Já o art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) enuncia os requisitos para que haja a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa.
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Diante desse quadro, há corrente que defende a absoluta impossibilidade de realização de gastos para a satisfação de direitos sociais sem que haja previsão orçamentária para tanto, sob pena de afetar a responsabilidade fiscal e o adimplemento de diversos outros deveres estatais, que já se encontram previstos no respectivo orçamento.
De outra banda, há posicionamento no sentido de que, se os direitos sociais são fundamentais, seria um contra-senso permitir que o legislador frustrasse a possibilidade de efetivação desses direitos, ao não alocar no orçamento as verbas necessárias para a sua fruição. Dessa forma, seria irrelevante a invocação da ausência de previsão orçamentária para fins de eximir o Estado da sua responsabilidade.
O STF já encampou a segunda tese, em julgamento de lavra do Ministro Celso de Mello. Veja-se:
A falta de previsão orçamentária não deve preocupar o juiz, mas apenas o administrador. (...) Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde ou fazer prevalecer contra esta prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado, (...) por razões de ordem ética-jurídica impõe ao julgador uma só e possível opção.[40]
Entende-se, aqui, que existe parcela de razão nas duas teses. Não se pode, no equacionamento da questão, simplesmente ignorar o relevante fato de que não existe previsão orçamentária para o cumprimento da obrigação, nem a prioridade do legislador democrático na realização das escolhas políticas sobre gastos públicos. Por outro lado, não é possível, também, considerar essa uma barreira insuperável, sob pena de violação à força vinculante da Constituição, em retrocesso ao tempo em que se pregava a soberania do Parlamento. Existem direitos mínimos que, de fato, não podem ser afastados em face da inexistência de previsão orçamentária.
A solução se dará no campo da ponderação, conforme já adiantado em capítulo anterior. O magistrado deve, incialmente, adotar uma posição de deferência em face das decisões tomadas pelo Poder Legislativo juntamente com o Executivo, diante da representatividade democrática desses órgãos e da maior capacidade institucional deles para a tomada dessas decisões. Todavia, diante de uma situação de clara violação aos direitos fundamentais do indivíduo, em sendo a pretensão razoável, bem como estando dentro dos limites da reserva do possível fática (conforme exposto), será possível o deferimento da medida, ainda que inexista previsão orçamentária para tanto.
Vale destacar que é recomendável que o órgão julgador priorize, sempre que possível, a determinação de inclusão da matéria no orçamento para o próximo exercício, em detrimento da simples imposição de cumprimento da medida sem a correspondente previsão legal, mormente em situações que envolvam demandas de caráter coletivo.
Nesse mesmo viés é a lição de Ada Pellegrini:
Como a lei orçamentária não é vinculante, permitindo a transposição de verbas, o Judiciário também determinará, em caso de descumprimento do orçamento, a obrigação de fazer consistente na implementação de determinada política pública (a construção de uma escola ou de um hospital, por exemplo). Desse modo, frequentemente, a “reserva do possível” pode levar o Judiciário à condenação da Administração a duas obrigações de fazer: a inclusão no orçamento da verba necessária ao implemento da obrigação e a obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da obrigação.[41]
Vê-se, portanto, que a reserva do possível jurídica é um fator relevante na ponderação a ser realizada no caso concreto, mas está longe de ser definitivo, podendo, eventualmente, ser superado, de acordo com as peculiaridades da situação.
A ideia de um mínimo existencial consiste em assegurar a todo ser-humano um padrão mínimo, uma gama mínima de direitos para que viva com dignidade. Nesse sentido, há quem realize a distinção entre mínimo existencial e mínimo vital, afirmando que o segundo conceito é mais restrito, referindo-se apenas à proteção de condições para a garantia da vida humana, sem se preocupar com a qualidade e a dignidade dessa vida.[42]Tal diferenciação é realizada, inclusive, pela jurisprudência, que ressalta a garantia de um mínimo existencial, e não apenas vital.
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ACESSO À CRECHE AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS – DIREITO SUBJETIVO – RESERVA DO POSSÍVEL – TEORIZAÇÃO E CABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA – ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA – PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL – ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO – PRECEDENTES DO STF E STJ. (...) 6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social. (...)[43]
Segundo Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo, o primeiro jurista a defender um direito subjetivo a garantias afirmativas de um mínimo existencial foi o alemão Otto Bachof, o qual considerou, em meados de 1950 que:
(...) o princípio da dignidade da pessoa humana (...) não reclama apenas a garantia da liberdade, mas também um mínimo de segurança social, já que, sem os recursos materiais para uma existência digna, a própria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada. Por esta razão, o direito à vida e integridade corporal (...) não pode ser concebido meramente como proibição de destruição da existência, isto é, como direito de defesa, impondo, ao revés, também uma postura ativa no sentido de garantir a vida.[44]
Cogo Leivas[45], por outro lado, aponta como sendo um julgado de 1950 o marco em termos de formação de um precedente sobre o tema na Alemanha. Para Daniel Sarmento[46], a noção de um direito ao mínimo existencial surgiu em uma decisão do Tribunal Federal Administrativo alemão prolatada em 1953, incorporando-se ao Tribunal Constitucional posteriormente, a partir da conjugação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade material e do Estado Social, consagrados na Lei fundamental germânica.
No que se refere ao direito brasileiro, o pioneiro a adotar a ideia de mínimo existencial foi Ricardo Lobo Torres, que defende o direito a condições mínimas para uma existência humana digna, exigindo prestações positivas por parte do Estado para tanto.[47]
Na jurisprudência brasileira, a decisão paradigmática, que abordou expressamente o conceito de mínimo existencial, foi na ADPF 45. Outro interessante exemplo, que recorrentemente é citado na doutrina é o RE 410.715/SP. Ambos envolvem o direito a educação como mínimo existencial à luz da dignidade da pessoa humana.
Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da "reserva do possível". Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do "mínimo existencial".Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração). (grifou-se).[48]
O fundamento para a existência de uma garantia ao mínimo existencial no direito brasileiro, segundo Daniel Sarmento, está alicerçado em três linhas de argumentação, sendo duas de cunho instrumental e uma de viés não instrumental. [49]
O primeiro argumento é o da liberdade material, corrente que tem bastante prestígio dentre os adeptos do liberalismo igualitário; por esse viés, o mínimo existencial seria uma exigência necessária para a garantia de uma liberdade real (e não apenas formal), na medida em que, sem o atendimento de certas condições materiais básicas esvazia-se a liberdade, pela impossibilidade concreta do seu exercício.
O segundo argumento de ordem instrumental é o argumento democrático, que se baseia na ideia de que a democracia não se esgota no predomínio da vontade da maioria, sendo indispensável a garantia de direitos básicos que viabilizem a participação dos cidadãos no espaço público, sem o que restaria comprometida a capacidade real de participar das deliberações da sociedade.
Por fim, o argumento não instrumental defende que o atendimento das necessidades humanas mais básicas é uma exigência autônoma da justiça, um fim em si mesmo, e não um meio para o atingimento de outros objetivos, como a garantia da liberdade ou a promoção da democracia. Este, realmente, parece ser o argumento mais forte, tendo em vista que a compreensão de justiça envolve, necessariamente, a obrigação do Estado e da sociedade de combater o sofrimento e a miséria, como fins em si mesmos, o que é feito mediante a garantia de condições mínimas de vida para os necessitados. Nesse contexto, não se leva em conta a potencial participação do indivíduo nas decisões da sociedade ou se sua liberdade será substancialmente exercida; a garantia do mínimo existencial deve ser assegurada simplesmente para garantir uma vida digna ao ser-humano. Evidentemente, os argumentos instrumentais reforçam a necessidade de garantia do mínimo existencial, mas é este argumento, de natureza não instrumental, que é a verdadeira base filosófica para tanto.
Do ponto de vista jurídico, a melhor solução para localizar o fundamento normativo do mínimo existencial é no princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que tal princípio apela tanto à liberdade material, como à democracia e ao atendimento de necessidades básicas das pessoas[50]. Nesse mesmo sentido, também se posiciona Gilmar Ferreira Mendes[51].
O mínimo existencial é direito protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, protegido positivamente pelas prestações estatais. [52] É dizer, em sua dimensão negativa, o mínimo existencial opera como um limite, impedindo a prática de atos pelo Estado ou por particulares que subtraiam do indivíduo as condições materiais indispensáveis para uma vida digna. Já na sua vertente positiva, ele envolve um conjunto essencial de direitos prestacionais.
No que concerne ao aspecto positivo, não há consenso acerca das prestações que compõem o dito conjunto essencial de prestações. Ana Paula Barcellos defende a existência do seguinte elenco de prestações compreendidas no mínio existencial, que poderiam ser exigidos judicialmente, sem a necessária intermediação da lei: educação fundamental, saúde básica, assistência em caso de necessidade e acesso à saúde.[53]
Dessa forma, o mínimo existencial seria uma obrigação do Estado, independentemente de sua capacidade orçamentária, enquanto prestações não essenciais deveriam ser oferecidas pelo Estado de acordo com a sua possibilidade econômica.
Entende-se, todavia, como equivocada a corrente que prega o estabelecimento prévio, em abstrato, de rol delimitador do que seja direito mínimo, a ser assegurado pelo Estado independentemente de lei, ignorando a condição específica do titular do direito. Isso porque o mínimo existencial, na sua esfera positiva, deve ser compreendido como um conjunto de prestações que devem ser oferecidas pelo Estado, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana, na medida em que, sem tal prestação, não se poderia conceber sequer uma existência minimamente razoável e digna. Ocorre que a necessidade desse conjunto de prestações irá variar de acordo com o titular do direito.
A título de exemplo, pode-se imaginar a situação de dois indivíduos que possuem a mesma doença e necessitem do mesmo tratamento médico, mas apenas um deles possui os meios para custeá-lo, independentemente do Estado. Quanto a este (o que possui recursos suficientes para tanto), não se pode considerar que a prestação pelo Estado do referido tratamento médico esteja dentro do mínimo existencial a ser garantido. Apenas no caso daquele que não pode realizá-lo com recursos próprios admite-se a obrigação do Estado de oferecê-lo independentemente de lei, sob pena de violação ao mínimo essencial.
É imprescindível analisar o caso concreto para que se possa determinar se certa pretensão está, de fato, dentro do rol de direitos básicos a serem inexoravelmente prestados pelo Estado. Na situação acima narrada, garantir a ambos o mesmo direito seria tutelar o direito à saúde de um o direito patrimonial a outro, tendo em vista que este não ficaria refém de tratamento algum, já que possuiria os meios necessários para custeá-lo.
Nesse mesmo sentido, preleciona Daniel Sarmento:
Por isso, não concordo com a argumentação aduzida em algumas decisões judiciais em matéria de saúde, no sentido de que, tendo em vista a universalidade deste direito, seria irrelevante analisar se o autor da ação possui ou não os recursos necessários à aquisição da prestação demandada do Estado. Este dado me parece fundamental, pois, num caso, o sacrifício eventualmente imposto pela denegação da pretensão repercute tão-somente sobre o patrimônio do paciente, enquanto no outro pode estar em jogo a sua própria vida. Temo que este tipo de raciocínio, num contexto de acesso não igualitário à Justiça, possa legitimar um uso enviesado dos direitos sociais que, de instrumentos de emancipação em favor dos mais fracos, acabem se transformando em artifícios retóricos manejados pelas classes favorecidas.[54]
Criticável, nesse viés, a decisão exarada pelo STJ em que se entendeu irrelevante para decisão de um caso em que um paciente demandava o fornecimento de medicamento não contemplado na lista do SUS, o fato de se tratar de um Delegado de Polícia, com rendimentos muito superiores à média nacional.
CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM HEPATITE "C". DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. (...) 2. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 3. O direito à vida e à disseminação das desigualdades impõe o fornecimento pelo Estado do tratamento compatível à doença adquirida no exercício da função. Efetivação da cláusula pétrea constitucional. (...)[55]
Portanto, defende-se que, a fim de delimitar o rol de direitos ao mínimo existencial, urge analisar as particularidades que envolvem o titular da ação. É preciso investigar se a prestação por parte do Estado, na situação concreta, é realmente indispensável para a garantia de uma existência digna do indivíduo, levando em consideração as possibilidades financeiras do próprio autor.
No aspecto prático, qual seria, então, a implicação de se reconhecer que determinada prestação integra o mínimo existencial? Restaria, nesse caso, infrutífera qualquer alegação a respeito da reserva do possível? Seria tal constatação imprescindível para a tutela do direito social à saúde?
Para Ingo Wolfgang Sarlet[56], o direito ao mínimo existencial é absoluto, não se sujeitando à reserva do possível, corrente que é abonada pela jurisprudência do STF. A título ilustrativo, recente julgamento dessa Corte:
E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.[57](grifou-se).
Não parece, entretanto, ser esse o posicionamento mais responsável e correto, levando em consideração as condições fáticas da sociedade brasileira. Infelizmente, em países subdesenvolvidos, onde a desigualdade social impera, nem sempre é possível assegurar a todos as condições materiais para uma vida verdadeiramente digna. Ignorar esse fato e defender a obrigação absoluta do Estado pode confortar o coração, mas não mudará a realidade. Daniel Sarmento exemplifica bem a situação ao mencionar o caso emblemático do salário mínimo (art. 7º, IV da CF). Pelo texto constitucional, ele deveria ser suficiente para assegurar as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, com moradia, alimentação, educação saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. No entanto, é pacífico que o valor legalmente estabelecido para tanto está longe de permitir o gozo de todos esses direitos, não sendo suficiente para a garantia de um mínimo existencial. Nesse cenário, seria razoável que o Poder Judiciário reconhecesse a conjuntura como inconstitucional e passasse a determinar que todas as empresas, assim como o INSS passassem a pagar um salário por ele fixado, de forma a atender todos os direitos constitucionalmente elencados? Infelizmente, não.
Não é possível, simplesmente, duplicar ou triplicar o salário mínimo com a finalidade de atender aos direitos assegurados constitucionalmente, tendo em vista que a economia brasileira não suportaria esse ônus; as consequências seriam drásticas, ocasionando desemprego, inflação, dentre outras repercussões, a vitimar, especialmente, os mais pobres.
Da mesma forma, não se pode exigir do Estado o oferecimento de toda e qualquer prestação que se considere dentro de um rol de direitos mínimos, ignorando-se por completo aspectos orçamentários e financeiros. Claro que, uma vez verificada a condição de mínimo existencial do direito pleiteado, torna-se especialmente dificultoso ao Estado eximir-se da responsabilidade de assegurá-lo. Não se pode, entretanto, impedir, previamente e em abstrato, qualquer discussão acerca dessas problemáticas; afinal, elas existem e não podem ser ignoradas.
Por outro lado, vale dizer, não se entende como correta a tese de que apenas os direitos integrantes do mínimo essencial possam ser judicializados. Isso porque, no que se refere aos direitos fundamentais, deve-se perseguir sempre a máxima efetividade desses direitos, dentro do que seja fática e juridicamente possível. Não se pode contentar-se apenas com o mínimo. Na verdade, a matéria será aferida no caso concreto, segundo a regra da ponderação, conforme já enunciado, a fim de se verificar se o direito à saúde, assegurado de forma prima facie, pela Constituição, deverá ser tutelado, de acordo com a situação descrita nos autos.
Nesse viés o mínimo existencial possui grande relevância, pois constitui parâmetro dos mais relevantes no juízo de proporcionalidade a ser realizado pelo julgador, de forma que, apenas em situações excepcionalíssimas e devidamente comprovadas, deverá ser superado. Quanto mais essencial for a necessidade material em jogo, maior será o peso atribuído ao direito social no processo ponderativo e mais complicado será ao Estado eximir-se da prestação. No entanto, permanece a possibilidade de adjudicação de direitos sociais mesmo naquilo que extrapolar o mínimo existencial, a depender da situação concreta em litígio.
Estabelecida uma noção razoável acerca direito social à saúde, com a conclusão de que se trata de um direito subjetivoprima facie, bem como assentadas as principais premissas para a realização de uma ponderação adequada no caso concreto, resta examinar o fenômeno da judicialização das políticas públicas e os requisitos para uma decisão legítima nessa seara.
Conforme já introduzido, o Brasil tem passado por uma onda crescente de judicialização, fenômeno que, registre-se, não é peculiaridade exclusiva nossa. Em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais destacaram-se como protagonistas de decisões envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais da sociedade.[58]
O fenômeno da judicialização significa que algumas das questões de larga repercussão política e social estão sendo decididas pelos órgãos jurisdicionais, em detrimento das instâncias majoritárias: o Poder Executivo e o Legislativo. As causas desse fato são múltiplas e as consequências podem ter conotações positivas ou negativas, a depender da forma e do nível como como se dá esse ativismo judicial.
Cumpre, aqui, investigar as causas e as consequências dessa participação cada vez mais assaz do Poder Judiciário nos rumos do país.
Um dos principais juristas a se dedicar ao tema é Luis Roberto Barroso, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Corte Constitucional máxima do país, motivo pelo qual é imprescindível destacar suas observações a respeito do tema.
Segundo Barroso, a primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como cume a Constituição de 1988. O ambiente democrático proporcionado pelo fim da ditadura militar e pela volta da democracia reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos aos cidadãos. Aliado a esse fator, houve o fortalecimento das instituições, com o crescimento do Ministério Público, notadamente na sua atuação além da área penal, e com a expansão nacional da Defensoria Pública. O Poder Judiciário, por sua vez, deixou de ser um departamento técnico especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes.[59]
A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que eram antes tratadas apenas no plano infraconstitucional. Para Barroso, “a Carta brasileira é analítica, ambiciosa, desconfiada do legislador”. No momento em que uma questão é disciplinada como norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial.[60] Daí o crescente aumento de demandas suscitando direitos sociais, que normalmente estariam dentro do âmbito exclusivo das políticas públicas.
Por fim, como última causa, encontra-se o controle de constitucionalidade brasileiro. Um misto do sistema americano e europeu, o modelo brasileiro congrega o controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode – no caso concreto – deixar de aplicar uma lei por achá-la inconstitucional, e o concentrado, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.[61]
Uma das grandes discussões travadas a respeito da mencionada judicialização é acerca da legitimidade democrática do Poder Judiciário para determinar um agir político por parte do Estado.
A dificuldade contramajoritária, tese de Alexander Bickel, explica-se em razão de o Judiciário ser capaz de invalidar uma lei, por exemplo, atuando contra a maioria legislativa. Para o autor, quando a Suprema Corte declara inconstitucional um ato legislativo ou uma ação do executivo eleito, isso frustra a vontade dos representantes do povo, de forma que o controle está sendo exercido não em nome da maioria vigente, mas contra ela.[62]
Além de ser contramajoritário rever atos do Legislativo e do Executivo, Bickel afirma que o judicial review pode, num sentido mais amplo, enfraquecer o processo democrático ao longo do tempo.[63]
Como contra-argumento, Barroso defende que a ideia de democracia não se resume ao princípio majoritário, que se move por interesse, mas se inspira em valores.[64] O problema da legitimidade democrática do Judiciário não seria necessariamente maior que a do Executivo e a do Legislativo, que frequentemente é afetada por abuso do poder econômico, por manipulação dos meios de comunicação e pela apatia e distanciamento do cidadão em relação ao processo eleitoral. No Brasil, essa problemática se agrava de forma exponencial, abalando profundamente a credibilidade das instituições de representação popular, tendo em vista os constantes escândalos de corrupção rotineiramente noticiados pela imprensa brasileira.
Barroso se vale de dois argumentos a legitimarem o controle de constitucionalidade e a judicialização das políticas públicas, em contraponto à tese de Bickel, um de natureza normativo e outro filosófico. [65]
A justificativa normativa é simples e decorre da constatação de que foi a Constituição que atribuiu ao Poder Judiciário o controle de constitucionalidade, bem como o princípio da inafastabilidade de jurisidição. Por opção, o Constituinte se utilizou em demasia de conceitos indeterminado, a fim de que pudessem melhor ser definidos no caso concreto, transformando o intérprete em co-partícipe do processo de criação do Direito.
A justificativa filosófica parte da compreensão de que o Estado Constitucional de Direito consiste na confluência do constitucionalismo com a democracia. Constitucionalismo significa limitação do poder, expresso no princípio da separação dos poderes e na garantia dos direitos fundamentais; democracia, por sua vez, quer dizer, de maneira simplista, representatividade popular. Essas duas categorias geram tensões, e cabe à Constituição a mediação delas, estabelecendo as regras do jogo democrático. O papel do Judiciário é justamente preservar o processo democrático e promover os valores constitucionais.
Nesse sentido, pode-se afirmar que uma democracia verdadeira exige mais do que eleições livres, com sufrágio universal e a possibilidade de alternância do poder. Pelo conceito moderno, Democracia pressupõe também a fruição de direitos básicos por todos os cidadãos, de modo a permitir que cada um forme livremente suas opiniões e participe dos diálogos políticos travados na esfera pública. Dessa forma, quando o Poder Judiciário garante esses direitos fundamentais contra os descasos ou arbitrariedades das maiorias políticas (atuação contra majoritária), está na verdade, protegendo os pressupostos para o funcionamento da democracia, e não atuando contra ela. É o que Tércio Sampaio Ferraz Júnior denomina de democracia substancial[66].
Nas palavras de Barroso:
(...) democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos. E o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. Seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um forum de princípios – não de política – e de razão pública – não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias políticas ou concepções religiosas.[67]
Esse conceito de democracia, segundo uma visão substancial, já foi expressamente acatada em julgamento do Superior Tribunal de Justiça. In verbis:
(...) Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso porque a democracia não se restringe na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a Democracia.
Portanto, conclui-se pela possibilidade de judicialização de direitos sociais, em razão da força normativa da Constituição, que expressamente viabiliza esse fato, assim como pela noção moderna de democracia, que não se coaduna com o desrespeito a direitos fundamentais.
Cabe salientar, entretanto, que judicialização não se confunde com ativismo judicial. Ambos possuem diversas semelhanças, mas, origens diversas, de forma que não podem ser confundidos. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato decorrente do modelo constitucional adotado, e não uma opção deliberada dos magistrados pátrios. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, cabe ao juiz conhecê-la, decidindo a matéria. O ativismo judicial, por outro lado, é uma atitude, uma escolha de um método proativo de interpretar e aplicar a Constituição, expandindo o seu alcance. Normalmente, essa situação se instala quando há uma retração dos Poderes essencialmente políticos, quando há uma crise institucional de representatividade, abrindo espaço para que o Judiciário passe a decidir questões fulcrais para a sociedade.[68]
A imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Executivo em matérias de políticas públicas é uma atuação ativista do Judiciário, já que, nesse caso, não ocorre a aplicação direta e imediata de um comando constitucional, de forma que o magistrado desconsidera a normatização existente, utilizando-se de critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação à Constituição. Isso se evidencia nas ações evolvendo o direito à saúde, como as pretensões por tratamentos ou medicamentos não previstos pelo SUS, ou até mesmo não autorizados pela ANVISA.
É preciso vislumbrar que o ativismo judicial não é ruim em si mesmo. Ele tem um aspecto positivo: significa que o Judiciário está atendendo às demandas da sociedade, o que é relevante, principalmente tendo em vista as inúmeras carências sociais existentes no Brasil.
Por outro lado, a mencionada posição proativa dos magistrados brasileiros exibe as dificuldades enfrentadas pela classe política em lidar com os problemas da sociedade. Isso enfraquece ainda mais o processo político representativo do país, distancia os cidadãos de seus governantes e dificulta o desenvolvimento social pelas vias tradicionais e mais adequadas. Esse quadro demonstra a necessidade palpitante de uma reforma política.
O grande problema da crescente judicialização é uma atuação excessivamente ativista e desarrazoada por parte de alguns magistrados brasileiros, que, não raramente, desconsideram por completo as decisões tomadas pelos governantes. Com efeito, são frequentes as decisões extravagantes e emocionais, determinando que a Administração realize o custeio de tratamentos absolutamente irrazoáveis, a exemplo daqueles inacessíveis por serem excessivamente dispendiosos, daqueles sem comprovação científica de sua efetividade ou de outros que possuem eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas. Enfim, são determinações de que o Governo ofereça tratamentos que não são normalmente prestados pelo Poder Público em razão de circunstâncias criteriosamente aferidas, após inúmeras rodadas de debate, por aqueles que foram designados democraticamente para tanto.
Além disso, constantemente, a hierarquia federativa estabelecida pela Lei do SUS, com esteio na Constituição Federal, também é completamente ignorada, o que evidencia a subversão do regime de prestação de serviços de saúde, tal qual estabelecido pelo Ordenamento pátrio.
As rotineiras judicializações são responsáveis, também, por um aumento exacerbado dos custos públicos, seja daqueles realizados pelos entes nas suas defesas judiciais, seja dos destinados ao cumprimento das decisões acima referidas.
Em tom de crítica, assim já se manifestou o então Procurador do Estado do Rio de Janeiro Luís Roberto Barroso:
Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos. No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implementadas. O que se observa, em muitos casos, é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade dos cidadãos, que continuam dependentes das políticas públicas.[69]
Nesse contexto, como bem salientado por Daniel Sarmento, apesar de todos os avanços alcançados nas últimas décadas, no que tange ao acesso à Justiça, a principal clientela do Judiciário brasileiro continua sendo a classe média. Os segmentos mais excluídos da sociedade brasileira dificilmente vão à Justiça reclamar seus direitos, até mesmo em virtude da hipossuficiência cultural, que as impede de sequer conhecerem esses direitos. Dessa forma, levando em conta o fato de que, diante da escassez, as decisões explicitamente alocativas de recursos são implicitamente desalocativas, o que acaba por ocorrer é uma espécie de ‘Robin Wood às avessas’, na medida em que se retiram recursos de políticas públicas que atingiriam os mais pobres para transferi-los aos mais abastados, ficando aqueles cada vez mais carentes desses direitos.[70]
Corroborando o exposto acima, no que concerne à judicialização do direito à saúde no Brasil, Antônio Maués assim se posiciona:
O modo como se desenvolveu a judicialização do direito à saúde no Brasil permite a determinados indivíduos - muitas vezes das classes mais abastadas - ter acesso a prestações que não são oferecidas para toda a população, prejudicando a equidade e a eficiência do sistema público. Na raiz dessas dificuldades, encontra-se uma compreensão imperfeita dos princípios que regem as políticas de saúde no Brasil, o que faz com que as demandas nessa área sejam tratadas como problemas de justiça comutativa e não de justiça distributiva.[71]
A título ilustrativo, cabe mencionar duas decisões capazes de demonstrar o quanto exposto. A primeira é uma decisão do TRF da 2ª Região, ordenando a internação de pessoas determinadas no INCA – instituto federal de ponta na área de cancerologia, localizada no Rio de Janeiro –, ignorando tanto as filas existentes para o acesso a essa unidade de saúde, como os critérios médicos que o Instituto emprega para selecionar seus pacientes.[72] A outra é decisão do Superior Tribunal de Justiça, a qual condenou estado da federação a fornecer a indivíduo medicação altamente dispendiosa, fabricada no exterior, cuja importação havia sido proibida pela ANVISA à luz de pesquisas comprovando sua ineficácia, com base apenas em prescrição médica apresentada pelo particular.[73]
Não se está aqui a defender a absoluta impossibilidade de judicialização das políticas públicas de saúde. O que se está rechaçando são as decisões casuísticas, emotivas, que não levam em consideração o quadro geral da questão.
Para que uma decisão judicial no campo das políticas públicas seja legítima, ela precisa observar certos requisitos, consoante restará enunciado.
Defende-se, aqui, que, para uma decisão judicial no campo das políticas públicas de saúde ser legítima, ela deve observar dois critérios básicos: deve ser excepcional e deve obediência ao dever de argumentação.
Na esteira do quanto exposto, já se enunciou a possibilidade de judicialização de matérias envolvendo a prestação de serviços públicos de saúde. Essa possibilidade, entretanto, é bastante questionada por estudiosos e juristas de peso, com fundamento na tripartição dos poderes, na falta de legitimidade democrática do judiciário, na carência de capacidade técnica desse órgão ou mesmo na ausência de exigibilidade desses direitos. Todos esses argumentos devem ser rechaçados, conforme aduzido no tópico supra.
Em que pese os argumentos favoráveis alhures elucidados, não se pode negligenciar os riscos que um ativismo judicial exagerado provoca a uma democracia representativa. Não é admissível que se transforme o Poder Judiciário na principal fonte de decisões a respeito de políticas públicas, que seja o principal responsável pelas escolhas alocativas nesta seara. É preferível um regime que não negue ao Poder Judiciário um papel relevante na proteção dos direitos sociais, mas, por outro lado, não o converta à condição de protagonista neste campo.
Roberto Barroso também se posiciona dessa forma:
A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição.[74]
O ambiente adequado para as discussões políticas e para a determinação dos rumos do país é no bojo do Congresso Nacional, com a condução do Poder Executivo, por indivíduos escolhidos democraticamente pelo povo para tanto, não por meio do Poder Judiciário.
Nesse sentido, foi elaborada a teoria das escolhas trágicas, tratada na obra “Tragic Choices”[75], dos autores Guido Calabresi e Philip Bobbit. Para eles, diante das infinitas necessidades e pretensões da população e da escassez de recursos de que dispõe o governante, é necessário a este realizar escolhas a respeito do que é prioridade e do que pode ser deixado de lado. Escolhas que são consideradas trágicas, pois alocar determinados recursos para certa área implica desalocar verbas para outro setor igualmente importante. Nesse contexto, o Orçamento é o locus adequado para a realização das escolhas trágicas públicas, também chamadas de escolhas políticas. É no espaço democrático do Parlamento que devem ser realizadas as opções políticas referentes às receitas e aos gastos públicos que determinam o caminho escolhido pela sociedade para a realização de seus ideais.
Tais escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha, da destinação de recursos para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a efetividade e eficácia do serviço a ser prestado, a maximização dos resultados etc.[76]
O Ministro Celso de Melo, já se pronunciou expressamente, em obter dictum, a respeito da referida teoria. Senão vejamos:
Essa relação dilemática, que se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste Supremo Tribunal a proferir decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas” (GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company), que nada mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro.[77]
Dessa forma, o mais adequado é que as decisões políticas a respeito do direito à saúde sejam tomadas pelo Executivo e pelo Legislativo, sendo o Judiciário via excepcional. Nesse diapasão, vale destacar duas ideias que contribuem com a tese aqui defendida: a de capacidades institucionais e de efeitos sistêmicos.
Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a tomar a melhor decisão em determinada área. Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade não podem ter no juiz de direito o árbitro mais qualificado, por falta de informações ou conhecimento específico. No aspecto formal e normativo, os membros do Judiciário sempre conservarão sua competência para o pronunciamento definitivo; no entanto, nas situações descritas, o mais adequado é prestigiar as manifestações daqueles que se apresentam mais preparados para tomar tais decisões.[78] No caso das políticas públicas de saúde, o magistrado deve prestigiar as manifestações do Legislativo e do Executivo, em forma de deferência às escolhas políticas tomadas por esses Poderes.
Daniel Sarmento expõe com maestria a problemática que envolve o tema:
Em matéria de controle judicial de políticas públicas, além da dificuldade decorrente da falta de expertise dos juízes, há também o problema que resulta da própria dinâmica dos processos judiciais. O processo judicial foi pensado com foco nas questões bilaterais da justiça comutativa, em que os interesses em disputa são apenas aqueles das partes devidamente representadas95. Contudo, a problemática subjacente aos direitos sociais envolve sobretudo questões de justiça distributiva, de natureza multilateral, já que, diante da escassez, garantir prestações a alguns significa retirar recursos do bolo que serve aos demais. Boas decisões nesta área pressupõem a capacidade de formar uma adequada visão de conjunto, o que é muito difícil de se obter no âmbito de um processo judicial. Este, com seus prazos e formalidades, está longe de ser o ambiente mais propício para a análise de políticas públicas, por não proporcionar pleno acesso a miríade de informações, dados e pontos de vista existentes sobre aspectos controvertidos. Na verdade, o processo judicial tende a gerar uma “visão de túnel”, em que muitos elementos importantes para uma decisão bem informada são eliminados do cenário, enquanto o foco se centra sobre outros – não necessariamente os mais relevantes.[79]
Os riscos de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis também contribuem a uma posição de deferência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação, está preparado para realizar a justiça no caso concreto, a microjustiça. Ele nem sempre dispõe das informações, do tempo e do conhecimento técnico para avaliar o impacto que suas decisões terão no mundo concreto. Ele tampouco é passível de responsabilização pelas escolhas eventualmente desastrosas tomadas nas áreas econômicas ou políticas.[80] No campo das políticas públicas de saúde, esses efeitos sistêmicos se evidenciam.
Em síntese, a democracia não impede a intervenção voltada à afirmação dos direitos sociais, mas antes a exige. Os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, dotados de efetividade e plena aplicabilidade. É inadmissível tese que afaste do controle judicial qualquer esfera de poder estatal, sobretudo envolvendo direitos fundamentais. Questões como separação dos poderes ou mérito administrativo têm sido relativizados e até plenamente superados, diante do reconhecimento da força normativa dos direitos fundamentais e de princípios constitucionais como os da proporcionalidade, da moralidade administrativa e da eficiência. Nada obstante o princípio democrático, a tripartição dos poderes, a capacidade técnica, os efeitos sistêmicos, tudo isso demanda que se reconheça um espaço significativo de conformação ao Executivo e ao Legislativo na área de políticas públicas, por ser esse o meio mais adequado para que as melhores decisões possam ser tomadas
Os riscos para a legitimidade democrática, em razão de os membros do Judiciário não serem eleitos, atenuam-se na medida em que juízes e tribunais se atenham à aplicação da Constituição e das leis. Não atuam eles por vontade política própria, mas como representantes indiretos da vontade popular. É evidente que, diante de cláusulas abertas e comandos excessivamente abstratos – como dignidade da pessoa humana ou direito à saúde –, os pronunciamentos judiciais tomam formas praticamente normativas. Nada obstante, havendo prévia manifestação do legislador, ou seja, existindo lei válida votada pelo Congresso Nacional, com a pretensão de concretizar a norma constitucional, deve o juiz acatá-la e aplica-la. É dizer, diante de diferentes possibilidades de interpretar a Constituição, o magistrado deve dar preferência às escolhas do legislador, por ser ele quem detém o batismo do voto popular.
No tocante à capacidade institucional e aos efeitos sistêmicos, o Judiciário deve verificar se, em relação à matéria tratada, um outro Poder, órgão ou entidade não teria melhor qualificação para decidir. Na elaboração das políticas públicas de saúde, a posição do magistrado deve ser pautada pela deferência para com as valorações feitas pela instância especializada, desde que possuam razoabilidade e tenham observado o procedimento adequado. Naturalmente, se houver flagrante afronta a direito fundamental ou a outra norma constitucional, o Judiciário estará habilitado a agir. Deferência não significa abstenção ou abdicação.
Nas palavras do Ministro Barroso, “o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação espontânea, antes o eleva do que diminui”[81].
Sobre a atuação excepcional do Judiciário no que se refere à judicialização de políticas públicas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a encampar esse posicionamento principalmente a partir da Audiência Pública[82] realizada em maio de 2009. Efetivamente, com o fim da Audiência Pública sobre saúde de 2009, o STF criou as referências jurisprudenciais para decidir sobre pedidos de prestação à saúde, tendo figurado como valoroso precedente a decisão acerca do AgRg da STA 175-CE, cujo relator foi o Ministro Gilmar Mendes.
Nas palavras do próprio Ministro Gilmar Mendes, defendeu-se o seguinte:
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria o comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente. Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.[83] (grifou-se)
De fato, o pleito do paciente pode até representar o seu melhor interesse, mas não leva em linha de conta os interesses da sociedade como um todo, assim como, por vezes, desconsidera a competência atribuída ao Sistema Único de Saúde para gerenciar as ações de saúde e os parâmetros para o diagnóstico e tratamento das diversas moléstias.
Em ilustrada síntese, Fernando Facury Scaff aponta as posições adotadas por nossa Corte Maior, no bojo do AgRg da STA 175-CE.
1) Quando a ação de saúde pretendida for prevista nos textos normativos e não estiver sendo prestada: O Poder Judiciário deve intervir a fim de fazer cumprir a norma.
2) Quando a ação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se ela decorre:
a) de uma omissão legislativa ou administrativa: Deverá ser privilegiado o tratamento estabelecido pelo SUS, e serem feitas revisões periódicas dos protocolos de saúde, sendo permitido ao Poder Judiciário intervir caso um indivíduo comprove que o tratamento fornecido não é adequado para atender o seu caso.
b) de uma decisão administrativa de não fornecê-la em virtude de:
i) o SUS fornece tratamento alternativo: Igualmente deverá ser privilegiado o tratamento disponibilizado pelo SUS, sempre que não for comprovada a eficácia ou a impropriedade da política existente.
ii) o SUS não possui tratamento para esta patologia:
(1) Por ser um tratamento meramente experimental: Neste caso caracteriza-se como pesquisa médica e não é possível o Poder Judiciário deferir os pleitos efetuados.
(2) Por ser um novo tratamento ainda não testado pelo SUS, mas disponível na rede privada: O Poder Judiciário poderá intervir, em ações individuais ou coletivas, para que o SUS dispense aos seus pacientes o mesmo tratamento disponível na rede privada, mas desde que haja instrução processual probatória, o que inviabiliza o uso de liminares.
b) de uma vedação legal à sua dispensação: Esta hipótese, a despeito de elencada pelo acórdão, não foi tratada em seu texto.[84]
Note-se que, após o mencionado STA 175-CE e a Audiência Pública a que se referiu, a posição do STF se consolidou no sentido da excepcionalidade do controle de políticas públicas. Senão vejamos.
DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGURANÇA PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. OFENSA NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 04.11.2004. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido.[85]
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABRIGOS PARA MORADORES DE RUA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que não ofende o princípio da separação de poderes a determinação, pelo Poder Judiciário, em situações excepcionais, de realização de políticas públicas indispensáveis para a garantia de relevantes direitos constitucionais. Precedentes. Agravo regimental desprovido.[86]
Cabe ressaltar que a situação é diferente na hipótese em que o Poder Judiciário não está interferindo nas políticas públicas, mas apenas determinando que o Executivo cumpra política previamente estabelecida. Nesse caso, não há que se cogitar de interferência indevida ou de ativismo judicial, tendo em vista a completa vinculação do magistrado ao comando normativo concreto existente. Esse é o entendimento também do STF:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (...) decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.[87]
Portanto, nesse contexto de deferência às políticas públicas traçadas pelo Legislativo e pelo Executivo, a atuação jurisdicional deve ser excepcional, apenas quando não houver, em absoluto, a prestação de serviços públicos em certas áreas ou quando a política pública traçada for claramente inconstitucional, ilegal ou insuficiente. Além disso, é preciso observar sempre o dever de fundamentação, nos termos a seguir expostos.
Toda e qualquer decisão judicial depende, inexoravelmente, da devida fundamentação para que seja válida e legítima. Deveras, ao passo em que o voto chancela a atuação dos poderes majoritários, é a racionalidade exarada nas decisões judiciais que lhes confere legitimidade. Decisão não (ou mal) fundamentada é, então, decisão ilegítima.
É na fundamentação da decisão que o magistrado expõe as razões de seu convencimento, as razões que o levaram a decidir da forma como decidido, fazendo-o pelo confronto das razões de fato, devidamente demonstrada nos autos, e pela incidência da norma jurídica ao caso concreto. Sem a devida fundamentação, a decisão judicial se torna mera arbitrariedade, sem qualquer legitimidade perante a sociedade.
Partindo do pressuposto de que a fundamentação da decisão judicial consiste em mecanismo de controle do exercício da função jurisdicional, defende-se a existência de duas funções primordiais à fundamentação: a função endoprocessual e a função extraprocessual.[88]
A função endoprocessual manifesta-se pela possibilidade de as partes, conhecendo as razões que embasaram o convencimento do julgador, poderem insurgir-se contra a decisão. Os órgãos recursais, por sua vez, apenas serão aptos a reformá-la desde que também tenham conhecimento da fundamentação que serviu de substrato ao juízo de primeiro grau. Dessa forma, dentro do processo, é indiscutível a essencialidade da fundamentação, a fim de garantir o contraditório e assegurar a melhor decisão para o caso concreto.
A função extraprocessual, por sua vez, não tem caráter jurídico, mas político. Ela evidencia, pela análise da fundamentação das decisões, a legitimidade do próprio Poder Judiciário, que exerce parcela das funções do Estado delegadas pelo povo. A fundamentação, politicamente, é vista como o meio que permite à sociedade fiscalizar a atuação do magistrado.
Esse imperativo de fundamentação encontra alicerce constitucional, no art. 93, IX, que estabelece:
Art. 93, IX da CF: Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Versando sobre o tema, assim se pronunciou Nelson Nery Junior:
Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Nas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte, abandonando a técnica de elaboração da Constituição cominou no próprio texto constitucional a pena de nulidade.[89]
Buscando assegurar efetividade ao comando constitucional, o novo Código de Processo Civil, em seu art. 489, §1º, traz um rol mínimo de requisitos para que se considere uma decisão como fundamentada. Uma vez descumprido os requisitos traçados pelo dispositivo, o que se tem é inexistência de fundamentação, implicando a nulidade da decisão, nos termos do art. 93, IX da CF.
Art. 489, §1o do NCPC: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
A novidade legislativa é interessante e acertada. O objetivo é exercer um controle prévio sobre as decisões dos magistrados, estabelecer parâmetros mínimos que eles devem seguir para que suas decisões não sejam anuladas por absoluta inexistência de fundamentação.
Veja-se que não se está aqui se referindo às hipóteses de fundamentação deficiente, fraca ou insubsistente. O novel dispositivo legal elenca hipóteses em que a decisão é considerada, simplesmente, como não fundamentada.
A partir da análise dos incisos supratranscritos verifica-se que a preocupação do legislador foi impor ao juiz o dever de efetivamente apreciar o caso concreto, os argumentos aduzidos pelas partes e as peculiaridades trazidas aos autos. As decisões não podem ser tautológicas, a ponto de simplesmente reproduzirem o dispositivo normativo, sem analisar a incidência da norma no caso concreto; não podem invocar conceitos indeterminados sem a devida concretização desses comandos, de acordo com o caso concreto. Não é possível a utilização de argumentos genéricos, que poderiam justificar qualquer outra decisão a respeito da matéria, como a mera alegação de que é dever do Poder Público prestar certo serviço público; é preciso destacar o porquê de aquela ser a solução adequada ao caso concreto. É preciso, ainda, garantir o contraditório em seu aspecto substancial; levar, efetivamente, em consideração os argumentos aduzidos pelas partes e apreciar suas alegações no caso concreto. Por fim, é preciso o respeito aos precedentes, seja no momento de aplicá-los, para não o fazer de forma mecânica e sem fundamentação, seja quando do seu afastamento, em homenagem ao que já restou consolidado na jurisprudência.
Dessa forma, o magistrado não deve, por exemplo, simplesmente, acolher pretensão da parte autora, sob o argumento de que se trata de um direito fundamental, e, portanto, inafastável. É imprescindível a análise da situação concreta, com a apreciação dos argumentos do ente requerido e com o estudo acerca das capacidades financeiras do Estado, da necessidade do demandante, da existência de outros tratamentos alternativos previstos pelo SUS etc.
No que se refere às decisões judiciais envolvendo políticas públicas de saúde, a fundamentação das decisões ganha contornos especiais, com a exigência de rigor mais acentuado. Isso porque, os direitos fundamentais sociais são comandos excessivamente abertos, com ampla margem de conformação e com mais de uma solução possível e razoável, ao passo que a interferência do Judiciário nessa área tem amplas implicações, com reverberação em todo o sistema, alocação de verbas, efeitos sistêmicos etc.
Dessa forma, tais decisões aumentam o dever de fundamentação dos juízes. Para garantir legitimidade e racionalidade, o juiz, no momento de sua interpretação, precisa se socorrer à argumentação, devendo: i) reconduzir sua interpretação sempre ao sistema jurídico, a uma norma legal ou constitucional que lhe sirva de fundamento, pois a legitimidade de uma decisão judicial decorre de sua vinculação a uma deliberação majoritária, seja do constituinte ou do legislador; ii) utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser universalizado aos casos equiparáveis (decisões judiciais não devem ser casuísticas); iii) levar em consideração as consequências que sua decisão acarretará à realidade[90].
O primeiro requisito já foi abordado no início deste tópico, sendo indispensável que a decisão judicial se fundamente em algum comando normativo, legal ou constitucional, na medida em que, dessa forma, garante-se a legitimidade indireta do decisum.
Pelo segundo requisito, da universabilidade, exige-se que, justificada uma decisão pelo oferecimento das razões particulares “X” para o caso concreto “Y”, uma vez, novamente, configurada as circunstâncias “Y”, seja outra vez aplicado o argumento “X”, criando um enunciado normativo universal (premissa normativa do caso concreto). A universabilidade, portanto, nasce com a obrigação do Estado Democrático e Social de Direito de tratar os cidadãos com igualdade.[91]
A justificação pela universabilidade é uma exigência da justiça formal, a qual tem dois objetivos: um voltado para o passado, haja vista que um caso concreto de hoje deve ser decidido de acordo com critérios usados para casos julgados anteriormente; outro voltado para o futuro, uma vez que o caso concreto de amanhã deve ser julgado segundo critérios utilizados na decisão já tomada ontem – desde que, é claro, abordem-se casos concretos com as mesmas circunstancias fáticas e jurídicas.
Sendo assim, a unviversalização da decisão é requisito para a justificação racional, haja vista que justificar, racionalmente, a decisão de um caso complexo depende de que a decisão tomada não só tenha sentido em relação ao ordenamento jurídico como um todo (consistência), mas também que ela, diante da realidade fática, valorize os objetivos principiológicos daquele sistema (coerência), até o ponto em que aquela decisão possa ser aplicada em todos os casos iguais que possam vir a existir.
Nesse contexto, é interessante que as decisões envolvendo políticas públicas na área de saúde sejam tomadas em processos coletivos, onde a apreciação de todas as implicações que envolvem a matéria não pode ser deixada de lado. Com efeito, em uma ação civil pública que afete a todo um universo de pessoas, não há como decidir sem considerar o seu efeito sobre as políticas públicas em vigor e as verbas existentes. Nesse caso, o requisito da universalização torna-se absolutamente inafastável.
Nas ações individuais, conforme exposto, o raciocínio judicial deveria ser o mesmo. Contudo, aqui, é mais fácil ao juiz ignorar as questões que circundam a matéria e conceder, de maneira emotiva, uma prestação que seria impossível de ser estendida a todos os demais que estão na mesma situação. Isso ocorre porque, nas ações individuais, os efeitos concretos de cada decisão sobre o orçamento público costumam ser diminutos, o que, somado ao elevado apelo emocional dessas ações, acaba levando o magistrado a decidir favoravelmente ao pleito, mesmo que reconheça a violação ao princípio da isonomia, na medida em que deixe de aplicar o mesmo raciocínio para demanda coletiva.
Verifica-se que, além do malferimento à racionalidade da fundamentação, tais decisões emotivas, em processos individuais, tendem a se multiplicar, o que pode criar um cenário caótico para o administrador, comprometendo a possibilidade do Estado de implementar com eficiência as políticas públicas previamente estabelecidas, o que, em última análise, prejudica exatamente aqueles que mais dependem das referidas políticas públicas.
Por fim, quanto ao terceiro pressuposto, cabe ao julgador levar em conta as consequências práticas das suas decisões nessa seara. Segundo Barroso, a Constituição é responsável por transformar o poder constituinte em poder constituído, isto é, Política em Direito. Essa interface entre dois mundos dá à interpretação constitucional uma inexorável dimensão política. Dessa forma, uma corte constitucional não deve ser cega ou indiferente às consequências práticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao bem comum ou aos direitos fundamentais.[92]
Decisões que interfiram em políticas públicas legitimamente estabelecidas pelo Executivo e pelo Legislativo devem ter olhos atentos às repercussões que podem gerar. É preciso verificar se os prejuízos à sociedade provocados reflexamente pela decisão não são maiores do que os benefícios individuais proporcionados pelo decisum.
A interpretação constitucional configura, portanto, uma interpretação concretizadora construtiva, porque visa integrar sistema, intérprete e problema, ao passo que envolve a atribuição de significado aos textos constitucionais que ultrapassam sua dicção expressa. Nesse sentido, deve o intérprete buscar sempre a solução que produza o melhor resultado para a sociedade[93].
O direito à saúde se apresenta, de acordo com a Constituição Federal, como direito fundamental social, cuja efetivação se dá, prioritariamente, mediante políticas públicas estabelecidas pelo Poder Executivo e pelo Legislativo. Diante da força normativa da Constituição, assim como em face da extrema importância desse direito, o qual está diretamente relacionado à vida, mostrou-se inexorável a possibilidade de exigi-lo perante o Poder Judiciário.
Nada obstante, tal direito deve ser visto como um princípio, o que implica reconhecê-lo como um direito subjetivoprima facie. É que, levando em consideração a franca necessidade de disponibilidade orçamentária para a própria existência do direito à saúde, concebê-lo como um direito subjetivo absoluto mostra-se claramente equivocado e irresponsável, na medida em que significaria desconsiderar todas as limitações à concessão judicial desse direito, como a reserva do possível e o mínimo existencial.
Ostentando a natureza de princípio, a efetivação judicial do direito à saúde, por diversas vezes, se dará mediante critérios de ponderação e de razoabilidade. Nessa atividade, mostra-se essencial uma compreensão adequada, por parte do julgador, do conceito e da delimitação da reserva do possível e do mínimo existencial.
A reserva do possível pode ser dividida em fática e jurídica. A primeira deve ser compreendida como a razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos efetivamente existentes. Isso porque não basta aferir a disponibilidade financeira para atender à demanda individual pleiteada no caso concreto, uma vez que, pelo princípio da isonomia, não se apresenta justo oferecer a um o que não se poderia oferecer a todos que se encontram na mesma situação. A reserva jurídica, por sua vez, está relacionada com a existência de previsão orçamentária para a efetivação dos gastos em questão. Não se trata de condicionante absoluta, mas de critério a ser considerado e ponderado no caso concreto, devendo-se privilegiar, sempre que possível, a determinação de que o Estado inclua a prestação no orçamento do próximo exercício, ao invés de ordenar o seu cumprimento independentemente de previsão orçamentária.
O mínimo existencial, por outro lado, consiste em rol mínimo de direitos a serem assegurados a todos os indivíduos, tendo em vista a dignidade da pessoa humana. Esse rol, segundo o que restou defendido no presente trabalho, não deve ser aferido em abstrato, mas de acordo com a situação concreta, levando em conta as condições e possibilidades do demandante. Dessa forma, apenas as prestações indispensáveis e com as quais o particular não possa arcar deverão ser consideradas dentro do rol do mínimo existencial. Essa conclusão, vale dizer, não significa simplesmente descartar a possibilidade de análise da reserva do possível quando o direito esteja enquadrado como mínimo essencial; no entanto, nesse caso, será especialmente difícil ao Estado eximir-se da obrigação. Por outro lado, a verificação de que o direito está fora desse rol também não impede a concessão da pretensão, desde que o resultado da ponderação, no caso concreto, seja positivo.
No que tange à judicialização de políticas públicas na área da saúde, observa-se que isto é um fato e decorre do modelo constitucional adotado pelo Brasil a partir de 1988. Nada obstante, a posição excessivamente proativa dos magistrados, cujas decisões são, muitas vezes, emotivas e má fundamentadas, pode ocasionar uma série de consequências gravosas, como a própria inviabilidade das políticas públicas normalmente oferecidas aos cidadãos, em prejuízo exatamente daqueles que mais necessitam delas.
Dessa forma, para uma atuação coesa, coerente e legítima, é imprescindível que a concessão de políticas públicas pela via judicial ocorra apenas em situações excepcionais, quando a política traçada for claramente inconstitucional, ilegal ou insuficiente. É necessário que o Poder Judiciário adote uma posição de deferência com relação às decisões tomadas no âmbito do Executivo e do Legislativo, haja vista a maior capacidade técnica desses órgãos e de sua legitimidade democrática.
Além disso, verificada a excepcionalidade da decisão, é preciso observar um pressuposto inafastável, o dever de fundamentação, uma vez que é a racionalidade exarada nas decisões judiciais que lhes confere legitimidade. Dessa forma, cumpre aos magistrados apreciar atentamente o caso sub judice, pronunciando-se efetivamente acerca dos fundamentos levantados pelas partes, com a realização de adequada ponderação no caso concreto, segundo as noções já assentadas neste trabalho. Tal dever de fundamentação ganha especial relevo no que se refere às demandas envolvendo políticas públicas de saúde, tendo em vista a ampla margem de conformação no caso concreto, com mais de uma solução possível e razoável. Por essa razão, os magistrados devem observar três pressupostos básicos para que profiram uma decisão bem fundamentada: devem reconduzir suas decisões sempre ao sistema jurídico; devem utilizar-se de fundamento que possa ser universalizado; e devem levar em conta as consequências que sua decisão acarretará à realidade.
Por fim, é possível verificar que o Brasil deu importante passo na efetivação do direito à saúde. O reconhecimento deste como direito fundamental exigível judicialmente deve ser aplaudido e comemorado. No entanto, é preciso superar certa euforia que tomou conta dos meios jurídicos a partir desse reconhecimento. É necessário ter em vista que o grande protagonista nesse cenário são os poderes majoritários (Executivo e Legislativo), e não o Judiciário, cuja atuação deve ser excepcional e bem fundamentada.
O presente estudo não teve a pretensão de esgotar a matéria, mas sim de analisar criticamente os principais pontos que circundam a matéria, com o apontamento do entendimento jurisprudencial a respeito deles, para, ao fim, concluir-se o que se mostra correto e o que se apresenta como equivocado e passível de aperfeiçoamento.
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[1] SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1): 29-41. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n1/v17n1a03.pdf> Acesso em: 02 fev. 2016.
[2] FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 495.
[3] HIPÓCRATES apud SCLIAR, Moacyr. Do mágico ao social:trajetória da saúde pública. 1ª Ed. São Paulo: SENAC, 1998. p. 24.
[4] CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. 7ª Ed., São Paulo: Editora Cultrix, 2001. Descartes preleciona: - Considero o corpo humano uma máquina. (...) Meu pensamento (...) com para um homem doente e um relógio mal fabricado com a idéia de um homem saudável e um relógio bem-feito?.
[5] SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito a saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. 1ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p.37.
[6] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. Ed. São Paulo: Método, 2012, p. 395.
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 178.
[8] MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3ª ed. São Paulo, Atlas: 2011, pág 42.
[9] Ibid.
[10] MARMELSTEIN, George. , pág 59.
[11] CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de Direito Constitucional. Salvador: Ed. JusPodivm, 2008, p. 696.
[12] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008,, p. 831.
[13] Segundo essa teoria, são quatro os possíveis status do indivíduo na sua relação com o Estado: o passivo (status subjectionis), o ativo (Status activus civitates), o negativo (Status libertatis) e o positivo (Status civitates). - MARMELSTEIN, George.Op. Cit., p. 320.
[14] CANOTILHO, Fundamentos da Constituição. p. 127. InCUNHA JÚNIOR, Dirley da. Op. Cit, p. 697.
[15] MARMELSTEIN, George. Op. Cit., p. 320.
[16]HOLMES; SUSTEIN, The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York/London: W.W, Norton & Company, 1999.
[17] BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 241.
[18] KRELL, Andreás, Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 20.
[19] Sarmento, Daniel, Por um Constitucionalismo Inclusivo.Ed. Lumen Juris, 2010, p. 192-195.
[20] COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, In: GRAU, Eros Roberto e CUNHA, Sérgio Sérvulo. Estudos de Direito Constitucional em Homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 244-260.
[21] BERNAL Pulido. El Princípio de proporcionalidade y derechos fundamentales, 2003. In FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, Salvador: Ed. JusPodivm, 5ª Edição, 2013, p. 581.
[22] STF. RE 393175 AgR, Relator: Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 02/02/2007.
[23] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Disponível em: <http://files.camolinaro.net/200000426-33a4135980/A-Protecao-o-Judicial-dos-Direitos-Sociais.pdf.> Acesso em: 02/02/2016, p. 17.
[24] Robert Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, 1997, p. 81 e ss..
[25] Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1997, p. 22 e ss..
[26] É o que ele denomina de tese forte, ou qualitativa, em contraposição à tese fraca ou quantitativa. Esta se apoia no grau de abstração de cada espécie normativa (se abstrata, trata-se de princípio; se concreta, configura uma regra), enquanto aquela se refere ao modo de aplicação da norma, se por subsunção (regra) ou por ponderação (princípio).
[27] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais, Ed. Malheiros, 2009, p. 45.
[28] FERREIRA. Bernardo Gonçalves. Op. Cit., p. 224.
[29] LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo, Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 98
[30] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª Ed. Ver. Atual e Amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 265.
[31] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Metodologia Fuzzy e camaleões normativos na problemática atual dos direitos sociais, econômicos e culturais. In: Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 108.
[32] BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 245-246.
[33] STF. ADPF n° 45. Relator: Ministro Celso de Mello, DJ 04-05-2004.
[34] Ibid.
[35] SARMENTO, Daniel. Por um Constitucionalismo Inclusivo. Ed. Lumen Juris, 2010, p. 199-201
[36] SARLET, Ingo Wolgang. Op. Cit., p. 288.
[37] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Disponível em: <http://files.camolinaro.net/200000426-33a4135980/A-Protecao-o-Judicial-dos-Direitos-Sociais.pdf.> Acesso em: 02/02/2016, p. 22.
[38] Ibid.
[39] STJ. AgRg na SS 1.408/SP. Relator: Ministro Edson Vidigal, Corte Especial, DJ 06/12/2004.
[40] STF. RE 273.834/RS AgR. Relator: Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 24/11/2000.
[41] GRINOVER, Ada Pellegrini. O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 138.
[42] SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner.Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM Luciano Benetti (Coord.). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 22
[43] STJ. REsp 1185474/SC, Relator: Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 20/04/2010.
[44] O. Bachof, “Begriff und Wesen des sozialen Rechtsstaates”, In SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner.Op Cit., p. 179.
[45] LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Op. Cit., p. 131.
[46] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Disponível em: <http://files.camolinaro.net/200000426-33a4135980/A-Protecao-o-Judicial-dos-Direitos-Sociais.pdf.> Acesso em: 02/02/2016, p. 27.
[47] TORRES, Ricardo Lobo, O mínimo existencial e os direitos fundamentais, Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, n. 42, julho-setembro 1990, p. 69.
[48] STF, ADPF 45-9, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 29/04/2004
[49] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Disponível em: <http://files.camolinaro.net/200000426-33a4135980/A-Protecao-o-Judicial-dos-Direitos-Sociais.pdf.> Acesso em: 02/02/2016, p. 25-26.
[50] Ibid.
[51] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 675.
[52] TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 70
[53] BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 247-301.
[54] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Disponível em: <http://files.camolinaro.net/200000426-33a4135980/A-Protecao-o-Judicial-dos-Direitos-Sociais.pdf.> Acesso em: 02/02/2016, p. 28.
[55] STJ. REsp 430.526, Relator: Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 28/10/2002.
[56] SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 88. In: Ingo Wolgang Sarlet: O Direito Público em Tempos de Crise: Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 165.
[57] STF. ARE 745.745 AgR, Relator: Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 19/12/2014.
[58] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02/02/2016, p. 1.
[59] Ibid, p. 3.
[60] Ibid, p. 4.
[61] Ibid, p. 4.
[62] BICKEL, Alexander M. The Least Dangerous Branch: the Supreme Court at the bar of politics. New Haven & London: 1962, p. 16-20
[63] BICKEL, Alexander M. Op. Cit., p. 21
[64] BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1/11/2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547> Acesso em: 02/02/2016, p. 46
[65] Ibid, p. 46-51.
[66] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão de poderes: um princípio em decadência? Revista USP, São Paulo, n. 21, 1994, p. 19.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02/02/2016, p. 12.
[68] Ibid, p. 6.
[69] BARROSO, Luis Roberto, Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/dl/estudobarroso.pdf > Acesso em: 02/02/2016, p. 6.
[70] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Disponível em: <http://files.camolinaro.net/200000426-33a4135980/A-Protecao-o-Judicial-dos-Direitos-Sociais.pdf.> Acesso em: 02/02/2016, p. 35.
[71] SCAFF, Fernando Facury; REVENGA Miguel; ROMBOLI, Roberto. Problemas da Judicialização do Direito à Saúde no Brasil, In: A Eficácia dos Direitos Sociais - I Jornada Internacional de Direito Constitucional Brasil/Espanha/Itália, SP, Quartier Latin, 2010. p. 265-266
[72] TRF-2ª Região. MS nº 2002.51.01.018517-9, 4ª Turma, Relator: Desembargador Arnaldo Lima, DJ 17/03/2004.
[73] STJ. AgRg na SS 1.408/SP. Relator: Ministro Edson Vidigal, Corte Especial, DJ 06/12/2004.
[74] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02/02/2016, p. 12.
[75] CALABRESI; BOBBIT, Tragic Choices. New York/London: W.W, Norton & Company, 1978.
[76] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.Op. Cit., p. 668. (mono 4)
[77] AI 759.543/RJ
[78] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02/02/2016, p. 16.
[79] SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Disponível em: <http://files.camolinaro.net/200000426-33a4135980/A-Protecao-o-Judicial-dos-Direitos-Sociais.pdf.> Acesso em: 02/02/2016, p. 33.
[80] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02/02/2016, p. 16.
[81] Ibid, p. 17.
[82] Para um aprofundamento maior nas matérias abordadas pela Audiência Pública em questão, interessante
realizar o estudo do material contido no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, disponível:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cronograma>
[83] STF. AgRg na STA 175-CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 30/4/2010.
[84] NUNES, António José Avelãs; SCAFF, Fernando Facury. Os Tribunais e o Direito à Saúde, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2011, p. 126.
[85] STF. RE 628.159-AgR, Relatora: Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 25.6.2013
[86] STF. RE 634.643-AgR, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 26.6.2012
[87] STF. RE 642.536-AgR, Relator: Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 5.2.2013.
[88] MIRANDA, Daniel Gomes de. Decisão judicial sem fundamentação no projeto do novo código de processo civil, p. 162. In: VIANA, Juvêncio Vasconcelos; MAIA, Gretha Leite; AGUIAR, Ana Cecília Bezerra de (Coord.). O Projeto do Novo Futuro CPC: tendências e desafios de efetivação. Curitiba: Ed. CRV, 2013, p. 161-170.
[89] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal, 9ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 293.
[90] BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1/11/2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547> Acesso em: 02/02/2016, p. 15
[91] MACCORMICK, Neil. Retórica e Estado de Direito. Tradução de Conrado Hubner Mendes. 1ª Ed. São Paulo: Elsevier, 2008, p. 105.
[92] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02/02/2016, p. 18.
[93] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 287.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVEIRA, Felipe Arruda Aguiar Sobreira da. Judicialização de políticas públicas na área da saúde: uma análise crítica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46207/judicializacao-de-politicas-publicas-na-area-da-saude-uma-analise-critica. Acesso em: 23 dez 2024.
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