Resumo: O presente artigo fará uma revisão de literatura acerca dos variados graus de eficácia jurídica e aplicabilidade das normas constitucionais. Para tanto, será realizada uma abordagem quanto à importância da efetividade das normas previstas na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como apresentar a classificação do renomado José Afonso da Silva, que é a mais adotada, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátria.
Palavras-chave: Constituição Federal. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.
Sumário: 1 Da eficácia e da aplicabilidade das normas constitucionais. 2 Das normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral. 3 Das normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata. 4 Das normas constitucionais de eficácia limitada e aplicabilidade indireta, mediata e reduzida. 4.1 Normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo. 4.2 Normas definidoras de princípio programático. Considerações finais.
1. Da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais
Atualmente prevalece o entendimento de que toda e qualquer norma constitucional tem eficácia, significa dizer que toda a norma contida na Constituição Federal tem força obrigatória, isso porque a Constituição Federal é o documento máximo vigente em nosso Estado. Portanto, basta que o dispositivo esteja na Constituição que ele tem eficácia. A eficácia significa dizer que a norma constitucional é apta a produzir efeitos com força obrigatória. Todavia esses efeitos da norma constitucional podem ter uma variação no seu grau de eficácia e aplicabilidade.
De acordo com a doutrina de José Afonso da Silva as normas constitucionais quanto ao grau de eficácia e aplicabilidade classificam-se em normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada. Por sua vez, a eficácia limitada subdivide-se em institutiva ou programática. Essas terminologias técnicas serão vistas detalhadamente ao longo do presente artigo. .
2 Das normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral
A norma de eficácia plena engloba todas as normas que, desde a entrada em vigor da Constituição ou do dispositivo tem a possibilidade de produzir todos os seus efeitos essenciais, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui o objeto, ou seja, ela é autossuficiente. Desde o momento que nasceu ela produz todos os efeitos que ela pode produzir.
Sendo assim, as normas constitucionais de eficácia plena não dependem, para a produção de seus efeitos essenciais, da criação de normatização ou criação de qualquer outra norma para sua complementação, pois já trazem no seu bojo todos elementos e requisitos essenciais para a deflagração de seus efeitos e incidência direta, daí sua aplicabilidade imediata, por isso a terminologia de eficácia plena. São, portanto, normas que não necessitam de regulamentação, sendo autoaplicáveis ou autoexecutáveis, como por exemplo, os remédios constitucionais: mandado de segurança, habeas corpus, mandado de injunção, habeas data, dentre outros diversos dispositivos constitucionais, por exemplo, o artigo 5º, inciso II, da Constituição: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Importa ressaltar que a integralidade dos efeitos referem-se aos essenciais, sendo possível a criação de normas infraconstitucionais que veiculem novos efeitos, mas não essenciais. Como exemplo, pode-se citar o artigo 7º, inciso XVI, da CF, que determina que seja a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento a do normal. Observe-se, a expressão “no mínimo”, portanto, nada impede que haja lei infraconstitucional que estipule porcentagem superior à de cinquenta por cento.
São normas constitucionais de eficácia plena as que contenham vedações ou proibições; confiram isenções, imunidades e prerrogativas que não dependam de lei; enfim, que não exijam a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesse nelas regulados.
3. Das normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata
São aquelas que incidem imediatamente e produzem, ou tem possibilidade de produzir todos seus efeitos essenciais, mas preveem meios que podem restringir, ou ter sua eficácia contida em certos limites. São chamadas também de aplicação redutível ou restringível.
As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, no entanto, deixou margem para que norma infraconstitucional possa reduzir ou restringir os efeitos do dispositivo constitucional. Significa dizer que o constituinte previu abstratamente o tema, mas prevê a possibilidade de atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados. (MORAES, 2001).
Em outras palavras, a matéria constitucional contém todos os elementos essenciais e com a possibilidade de produzir os efeitos que ela prevê. Todavia, o constituinte deixou margem para que sua aplicação seja condicionada à existência de norma específica que a discipline ou regulamente, assim previsto expressamente. Importa salientar que não há norma constitucional que seja destituída de eficácia.
Cita-se, como exemplo, o artigo 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Entende-se, portanto, que qualquer pessoa pode trabalhar em qualquer ofício, mas a lei pode restringir sua aplicação. Exemplo disso é a profissão de advogado, que somente pode ser exercida atendida a qualificação profissional de ser bacharel em direito e aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como registro no órgão competente.
Outro exemplo seria o artigo 5º, inciso LVIII : “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal […]”. Esse texto constitucional já contém em si o necessário para sua aplicação integral. Sendo assim, aquele que apresentar seu documento de identidade não será submetido a identificação datiloscópica para identificação criminal. Essa norma seria de eficácia plena, aplicabilidade direta, imediata e integral.
Ocorre que o texto constitucional inseriu uma ressalva, complementou com a seguinte expressão: “salvo nas hipóteses previstas em lei”. Esse complemento tornou o dispositivo, que seria de eficácia plena, em eficácia contida. Pois, nesse caso, a Constituição Federal autoriza a lei estabelecer normas que venham a restringir a plenitude do texto inicial, segundo critério e conveniência do legislador infraconstitucional. Nesse sentido, pode-se afirmar que, enquanto não sobrevenha norma estabelecendo restrições, a norma constitucional terá efeitos integrais.
Sendo assim, pode-se afirmar que a norma de eficácia contida tem aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, pois admite que seu conteúdo seja restringido por norma infraconstitucional.
A norma de eficácia plena e a de eficácia contida, ambas têm eficácia imediata, mas diferença da eficácia entre elas é que, na primeira, não há a possibilidade de restringir seu conteúdo, e, na segunda, há a possibilidade de restringir o seu conteúdo.
4. Das normas constitucionais de eficácia limitada e aplicabilidade indireta, mediata e reduzida
São aquelas que não tem condições de produzir todos os seus efeitos essenciais diretamente do texto constitucional, pois o constituinte não estabeleceu normatividade suficiente sobre a matéria, deixando essa tarefa ao legislador infraconstitucional.
A diferença entre a norma de eficácia limitada para as normas de eficácia plena e contida, é que na primeira, a aplicabilidade é mediata, ou diferida, vale dizer, só ira produzir seus efeitos após a complementação por norma infraconstitucional. Já as outras duas, ambas têm aplicabilidade imediata, ou seja, não dependem de normas complementares para a sua aplicabilidade.
As normas de eficácia limitada, também denominadas de normas de integração complementáveis ou normas de eficácia relativa, são dependente de complementação. São aquelas que não foram elaboradas com todos os elementos indispensáveis à plena produção de seus efeitos, necessitando, para tanto, de criação de norma infraconstitucional ulterior que as complemente. Nesse sentido, entende-se que, enquanto não editada tal legislação, não estão aptas a produção integral de seus efeitos. Em função disso, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, pois dependem, para a produção de todos os efeitos essenciais, da criação de normas infraconstitucionais que completarão o sentido da norma constitucional, possibilitando, assim, a eficácia plena. Isto quer dizer que esse tipo de norma constitucional, para entrar em vigor e para que tenham aplicabilidade prática, dependem de uma lei posterior que a regulamente, pois enquanto não editada a norma infraconstitucional que a regulamente, não poderão produzir todos os seus efeitos.
Contudo, elas detém, independente de qualquer providência legislativa complementar, uma eficácia mínima, que a doutrina denomina de negativa, que é adquirida desde a entrada em vigor de seu dispositivo constitucional. Sendo assim, pode ser que ocorra a não recepção de lei anterior que com ela seja incompatível ou a declaração de inconstitucionalidade, caso haja lei posterior que afronte seus preceitos.
Dentro das normas de eficácia limitada há uma divisão em dois grupos, que José Afonso da Silva classifica em definidoras de princípio institutivo ou organizativo e as definidoras de princípio programático.
4.1 Normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo
As normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo são aquelas em que o legislador constituinte traça uma estruturação geral e atribuições a órgãos entidades ou institutos, para que em um momento posterior, sejam estruturados em definitivo, mediante lei. Como exemplo, cita-se o artigo 88 da CF: “a lei disporá sobre a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios” , dentre outras. Por sua vez, as normas constitucionais definidoras de princípio institutivo ou organizativo podem ser impositivas ou facultativas.
São impositivas aquelas que determinam ao legislador a emissão de uma legislação integrativa, como por exemplo o artigo 20, parágrafo 2º “A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.”. Outro exemplo pode ser citado o artigo 32, parágrafo 4º: “Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar.”. Ainda, artigo 88 “A lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública.”
São facultativas ou permissivas quando não impõem uma obrigação mas se limitam a dar ao legislador infraconstitucional a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineada, por exemplo, pode-se citar o art. 22, parágrafo único “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.”. Outro exemplo, artigo 25, § 3º “Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”
Portanto, as normas institutivas visam a criação de órgãos ou entidades a fim de dar cumprimento ao mandamento constitucional.
4.2 Normas definidoras de princípio programático
As normas definidoras de princípio programático, chamadas de “normas programáticas”, são aquelas que instituem programas de ação para o Estado. Sendo assim, não têm aplicação ou execução imediata, mas se constituem em regras norteadoras. São aquelas em que o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, limitou-se a lhes traçar princípios e diretrizes vinculando o legislador ordinário na adoção de políticas públicas para serem cumpridos pelos órgãos administrativos ou de gestão do Estado, para fins de plena eficácia do dispositivo constitucional, disciplinando questões de interesse social, econômico, para fins de concretização da realização da chamada justiça social, valorização do trabalho, amparo à família etc.
O objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, constante do artigo 3º da Carta Magna, é exemplo de um texto programático, pois apresenta a necessidade de se criarem políticas públicas e programas para erradicar a pobreza, a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais, dentre outras.
Assim, na prática, verifica-se que as normas programáticas são aquelas que não regulam diretamente interesses ou direitos nelas consagrados, mas, ao contrário, limitam-se a traçar preceitos que devem ser cumpridos pelo Poder Público, visando a realização dos fins sociais do Estado.
Também pode ser citado como exemplo de normas programáticas o artigo 21, IX, “compete a União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Outros artigos da Constituição podem ser citados como exemplos: 23, 170, 205, 211, 215 e 218.
Importa destacar que em 2015 foram inseridos ao artigo 218, importantes conteúdos de cunho programático, no tocante a incentivo ao desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
Dessa forma, as normas constitucionais programáticas, de eficácia limitada, que estabelecem um programa, um rumo inicialmente traçado pela Constituição Federal e que requerem dos órgãos estatais uma atuação para a realização do objetivo traçado pelo legislador constituinte, não produzem seus plenos efeitos com a publicação do texto constitucional. No entanto, embora sejam desprovidas de eficácia jurídica plena, dependentes de regulamentação, ainda assim, possuem eficácia jurídica mínima ou eficácia negativa.
Sendo assim, entende-se que não pode haver normas infraconstitucionais incompatíveis com os mandamentos constitucionais. As normas anteriores a promulgação do texto constitucional que com ele conflitavam não foram recepcionadas. Ainda, as normas ulteriores, que afrontarem o texto constitucional, podem ser atacadas pelos mecanismos de controle de constitucionalidade.
Importa ainda destacar que, de acordo com o parágrafo 1º, do artigo 5º, da Constituição, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, o que significa dizer que, em se tratando desses direitos, mesmo as normas de eficácia limitada, de aplicabilidade mediata, há instrumentos jurídicos que possibilitam a realização ou a concretização do dispositivo constitucional. Como exemplo tem-se o direito de greve, que é uma norma limitada, necessitando de regulamentação para o exercício desse direito. No entanto, enquanto a regulamentação não existir, não se consegue exercer esse direito, sendo, portanto, norma de aplicabilidade mediata. Todavia, há uma aplicação imediata, vale dizer, tem-se mecanismos para se exigir a aplicação desse direito, mesmo que ele não esteja regulamentado. Esses instrumentos seriam os de controle de constitucionalidade, dentre eles, a Ação Direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) - aos legitimados, aqueles elencados no artigo 103 da CF - e o Mandado de Injunção para o particular que se sente lesado no seu direito. Ambos são mecanismos que possibilitam combater a inefetividade das normas constitucionais e concretizar o direito fundamental.
Portanto a sociedade pode utilizar de dispositivos constitucionais para proteção do texto constitucional. Tanto por meio do controle abstrato, como por meio do controle difuso. O controle abstrato tem como finalidade a defesa do ordenamento constitucional contra leis com ele incompatíveis, tais como Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e a Ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e só podem ser impetrados pelos legitimados no artigo 103 da Constituição. Já por meio do controle difuso, ou incidental, há a possibilidade de controle de constitucionalidade no caso concreto, em que o juiz ou tribunal, de ofício, poderá declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos administrativos federais, estaduais ou municipais, em qualquer ação submetida à apreciação do Poder Judiciário, com o fim de afastar a sua aplicação ao caso concreto.
Considerações finais
Pelo exposto, foi visto que a norma de eficácia plena não permite regulamentação; a norma de eficácia contida, por sua vez, permite a regulamentação, mas de forma a restringir o seu alcance, ou seja, a aplicação daquilo que a Constituição Federal definiu de forma ampla. Já na eficácia limitada, ocorre o oposto, ou seja, a Constituição estabelece a situação, mas a norma não tem eficácia no momento, portanto, é preciso a norma para que possa produzir seus efeitos, ampliando a sua aplicação.
Ainda, foi visto que nem todas as normas constitucionais têm aplicação imediata, algumas necessitam de regulamentação por intermédio da legislação ordinária, no entanto, mesmo as normas que dependem de regulamentação, ou seja, aquelas denominadas de eficácia limitada, não deixam de ter aplicação desde logo, pois elas impedem que as normas infraconstitucionais a desrespeitem, sob pena de ação direta de inconstitucionalidade, por afrontar o texto constitucional.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
FERRAZ, Sérgio Valladão. Curso de direito constitucional: teoria e jurisprudência. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2001.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª ed. 2ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 2003.
Mestre em ciências ambientais pela universidade federal fluminense. Graduada em direito pela universidade Salgado de Oliveira - Juiz de Fora - MG<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RINCO, Rosemay Martins. Considerações acerca da eficácia e aplicabilidade jurídica das normas constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46245/consideracoes-acerca-da-eficacia-e-aplicabilidade-juridica-das-normas-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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