Resumo: Conforme previsto no art.5º, inciso LV da Constituição Federal, a isonomia é um dos princípios alicerçadores do Estado Democrático Brasileiro, e, baseando-se nesse fundamento é que se mostram essenciais as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública, visto que ela tem por escopo a defesa do interesse público. Assim, configurar-se-ia uma ofensa ao princípio da isonomia se tais interesses fossem tutelados de maneira horizontal com relação ao particular. As prerrogativas processuais da Fazenda objetivam assegurar, efetivamente, a superioridade que o interesse coletivo e difuso tem sobre o mero interesse particular.
Palavras-chave: prerrogativas, Fazenda, interesse, público.
Abstract: Pursuant to article 5, paragraph LV Federal Constitution, the equality is one of the basic principles of Democratic Brazilian State, and, based on this warrant is that show essential prerogatives granted to the State, since it has the scope to the public interest. Thus, it would set an insult to the principle of equality if such interests are protected horizontally with respect to particular. The procedural prerogatives given the Attorney General of the Treasury aim to ensure the superiority that has diffuse and collective interest over simple interest in particular through the implementation of the tax foreclosure, which aims at collecting delinquent taxpayer's front meeting the public needs. The application of such prerogatives will give with all reasonableness and fairness it is for the State court, in other words, never be hit the particular interest any cost, so that the final decision will be always guided by the ultimate objective of the Brazilian State: promoting effective justice.
Keywords: prerogatives, State, interest, public.
Introdução
A Procuradoria Geral da Fazenda Pública tomou a forma atualmente conhecida a partir da reorganização e denominação dada pela Lei nº 2.642, de 9 de novembro de 1955. Em seu artigo 1º, a referida lei incumbia à nova Procuradoria Geral da Fazenda Nacional o exame e fiscalização dos contratos que interessassem à receita da União, a apuração da dívida ativa federal e a sua inscrição para fins de cobrança judicial.
O Decreto-Lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967 deu nova lei orgânica à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), contudo manteve os direcionamentos estabelecidos pela Lei nº 2.642, de 1955, conforme se observa no artigo 1º de tal instituto. A subordinação de tal órgão ao Ministério da Fazenda foi mantida, não alterando, em essência, suas finalidades privativas.
Conforme destaca o artigo 1º do Decreto-Lei supra, cabia a PGFN: a) realizar o serviço jurídico, no Ministério da Fazenda; b) apurar e inscrever, para fins de cobrança judicial, a dívida ativa da União, tributária (artigo 201 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) ou de qualquer outra natureza; c) examinar, previamente, a legalidade dos contratos, acordos, ajustes ou convênios que interessassem à Fazenda Nacional; representar a Fazenda Nacional nos Conselhos de Contribuintes, Superior de Tarifa, de Terras na União e noutros órgãos de deliberação coletiva; e d) representar a União nas assembleias gerais das sociedades de economia mista e em outras entidades de cujo capital o Tesouro Nacional participasse.
Com o advento da Constituição Republicana de 1988, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional passou a ser vinculada não apenas ao Ministério da Fazenda, mas também a insurgente Advocacia-Geral da União (AGU). Esta instituição, criada para diretamente ou através de órgão vinculado representar a União, judicial e extrajudicialmente, assim como desempenhar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, passou a ser alicerce para a PGFN.
Contudo, foi a Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, que confirmou a subordinação técnica e jurídica da PGFN à AGU, instituindo aquele como órgão deste. A Lei orgânica da Advocacia-Geral da União instituiu ainda como competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a representação da União em causas de natureza fiscal. Juntamente com o determinado no artigo 131, § 3º da Carta Magna, tal instituto começa a delinear precisamente as áreas de atuação da PGFN.
Depois da cadeia legislativa enfrentada, a PGFN se tornou mais que um órgão subordinado ao Ministério da Fazenda e integrante da Advocacia-Geral da União. Sua importância reside na representação da União em causas fiscais, na cobrança judicial e administrativa dos créditos tributários e não-tributários e no assessoramento e consultoria no âmbito do Ministério da Fazenda.
Para o estudo em questão, cumpre destacar a competência para a execução em juízo dos débitos inscritos em dívida ativa. Tal procedimento, disciplinado pela Lei nº 6.830 de 1980, se destina não apenas ao cumprimento forçado da obrigação tributária não espontaneamente cumprida pelo contribuinte, como visto majoritariamente pela doutrina brasileira, mas principalmente à arrecadação efetivamente devida a fim de atender às necessidades públicas. Isso se dá porque créditos tributários não são meramente créditos públicos, mas créditos do público.
O ponto crucial para o início do estudo da execução fiscal é compreender que o dever de atendimento das necessidades públicas foi conferido ao Estado. Em decorrência do Estado Democrático de Direito a Constituição Federal impôs a participação do Estado nas mais diversas áreas e setores da sociedade. O atendimento dessas necessidades públicas constitucionais depende, essencialmente, da existência de recursos que façam frente às enormes despesas dali decorrentes.
É neste sentido que o estudo em tela afirma a necessidade das prerrogativas processuais da Fazenda Nacional na Execução Fiscal como meio de garantir a arrecadação Estatal em prol do interesse público. Dizer que nesse procedimento a União age sob interesses próprios é equívoco exorbitante e não logra permanecer nas concepções atuais.
1. Arrecadação fiscal e manutenção dos serviços públicos
O Estado Brasileiro, grandioso em dimensões geográficas e rico em diversidades culturais, necessita, para sua simples manutenção, de elevadíssima quantidade de recursos. Nesse âmbito tem-se não apenas a gestão estrutural, como pavimentação e iluminação de cidades, mas também a gerência das necessidades sociais, como saúde e educação. Nesse sentido já afirmou Eduardo Jardim:
(…) a simples existência do Estado requer um elevadíssimo custo, em face dos recursos humanos e materiais necessários à sua organização. (…) O cumprimento de seus desígnios, por outro lado, envolve, também, um expressivo dispêndio de recursos financeiros. (JARDIM, 2007, p.44)
A manutenção da Máquina Administrativa e todas as suas demais obrigações para com a sociedade são encargos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Tal instituto, ao estabelecer o Estado Democrático de Direito, buscou superar o simples Estado de Direito concebido pelo liberalismo e elevar a patamar proeminente um rol de garantias fundamentais baseadas no Princípio da Dignidade Humana.
Consoante supra, o ponto de partida para o estudo da execução fiscal é compreender que as necessidades sociais são custeadas pelo Estado. Decorre do artigo art. 6º da Carta Magna o dever do Estado de prestar com eficiência serviços relativos à educação, saúde, alimentação, acesso ao mercado de trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
A prestação de tais serviços pressupõe a existência de recursos que suportem as despesas dali decorrentes. É nesse sentido que se faz necessária a arrecadação de receitas por parte do Estado e o comprometimento tributário dos contribuintes. A Execução Fiscal, de incumbência da Fazenda Pública, é um dos mecanismos utilizados pela União para garantir o cumprimento das obrigações tributárias a fim de atender às necessidades públicas.
1.1 A Execução Fiscal em vistas do interesse público
Embora não haja referência específica, resta óbvia a adoção do princípio do interesse público no ordenamento jurídico pátrio. Ainda que não tenha sido objeto de catalogação por parte do legislador constituinte no artigo 37 da Constituição brasileira de 1988, sua adoção encontra-se constitucionalmente amparada por implícita recepção. Isto porque, como demonstrado, é objetivo maior do Estado manter a máquina administrativa em prol do benefício e melhoria social. Todas as ações adotadas pelas entidades que representam a União devem ter como motivação o interesse da coletividade.
O interesse público é tido como aquele atribuído à comunidade como um todo e não a cada indivíduo. Trata-se de um interesse difuso; como se fosse possível somar as necessidades individuais inerentes a todo e qualquer indivíduo, fazendo assim nascer um objetivo que interessa a absoluta totalidade. Nesse diapasão, as lições de Odete Medauar:
A expressão interesse público pode ser associada a bem de toda a coletividade, à percepção geral das exigências da vida na sociedade. (…) à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício “a priori” de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. (MEDAUAR, 2001, p. 153)
Como se observa, o interesse público é máxima jurídica que atinge amplamente o desenvolvimento social. Dessa forma, quando este está em questão deve ser tratado com prevalência, dando titularidade de poder à Administração Pública. Tal outorga não deve competir em primazia ao particular porque o interesse público é conceito angular para a política, governo e principalmente para o alcance da democracia plena. Esta última, de responsabilidade eminente do poder Público.
Em muitas ocasiões, mesmo agindo em nome próprio, o Estado alcança vantagens para a população. Isso se dá em virtude do princípio basilar do regime jurídico administrativo ao qual entidades como a Fazenda Pública estão submetidas: o princípio da soberania do interesse público.
Assim o é na Execução Fiscal. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ao inscrever em dívida ativa débitos de contribuintes e buscar, através do procedimento executivo judicial, seus bens, age a fim de garantir a arrecadação tributária do Estado. Tal arrecadação, como visto anteriormente, é responsável pela manutenção dos cofres públicos que dão suporte às prestações de serviços sociais. A Execução Fiscal nada mais é do que a efetivação do interesse público: a prática cotidiana dos Procuradores em busca de suporte financeiro para o desenvolvimento e melhoria social.
É neste diapasão que o estudo em tela reconhece a necessidade das prerrogativas da Fazenda Pública. Tais faculdades têm fundamento no regime jurídico público ao qual este órgão está submetido. Ao atuar na defesa do interesse público, traduzido pela busca do bem comum, deve sempre preservar o interesse público em detrimento do interesse particular.
Mesmo quando atua na área da defesa, a Fazenda Pública visa, em essência, a satisfação das necessidades públicas. Isso porque, em verdade, constitui-se uma defesa do próprio erário, afinal, qualquer benefício advindo da sentença importará em um bem pertencente a toda a coletividade, já que a defesa é dirigida a política pública. Os danos ocasionados à Fazenda Pública não são individualizados, pois repercutirão diretamente na prestação estatal devida aos administrados.
Não há contra-senso maior em afirmar que as prerrogativas processuais dadas a Fazenda Pública se tratam, em verdade, de privilégios. Ao investir tal órgão com faculdades especiais, o legislador procurou tutelar determinados interesses que são eminentemente públicos e efetivar o princípio da isonomia: tratamento igual para os iguais e desigual para os diferentes.
Breve retrospectiva histórica referente ao surgimento princípio da isonomia é suficiente para consolidar tais argumentações.
2. A igualdade na relação jurídica processual como sustentáculo das prerrogativas processuais da Fazenda Pública
Inicialmente o ser humano resolvia os conflitos com seus semelhantes à sua maneira, utilizando-se de instrumentos e tratamentos totalmente parciais e influenciados por emoções violentas, como a aplicação da Lei de Talião, por exemplo. Entretanto, diante da evolução da sociedade e da dinamização das relações entre as pessoas, evidenciou-se a necessidade de uma ferramenta que ordenasse os diversos interesses que se manifestassem na vida social. Para suprir tal carência surge o Direito.
Com o crescimento da população e das mais diversas atividades visando desenvolver todas as capacidades humanas, potencializaram-se os conflitos, visto a existência de inúmeros interesses antagônicos. A partir daí, o homem percebeu que não bastava a existência de um instrumento ordenador da vida em sociedade, mas também alguém com suficiente imparcialidade para solucionar os conflitos de forma justa, aplicando os ordenamentos previstos pelo insurgente Direito: o Estado-juiz. Nesse sentido ensina a doutrina brasileira:
A justiça – entendida a partir de uma visão amplíssima e absolutamente despretensiosa como a realização de um direito tal qual prescrito no plano material, uma “tutela material de direito, portanto” - passa a ser feita, com o surgimento e desenvolvimento do “Estado” como o conhecemos, pelo próprio Estado, em substituição aos destinatários das normas jurídicas. A “justiça” estatal, neste contexto, equivale à “tutela estatal dos direitos” conflituosos. (BUENO, 2007, p. 4-5)
Assim, impôs-se ao Estado a responsabilidade de resolver o mais imparcialmente possível os conflitos de interesse surgidos na sociedade.
Até a evolução para um Estado Democrático de Direito, o Brasil percorreu um longo trajeto, passando por fases extremamente liberais até as mais autoritárias e que privilegiavam determinadas classes em detrimento de outras.
Como toda a evolução, após muito sofrimento e luta, alcançou-se um Estado que tem como um de seus alicerces a igualdade entre todos, independentemente de qualquer fator.
É exatamente nesse ponto que a tão almejada igualdade gera um imenso conflito: como tratar indivíduos de maneira igual diante da existência de inúmeros focos de desigualdade? Como tratar igualitariamente as mais diversas fragilidades humanas?
No início proclamava-se que todos, indistintamente, deveriam ser sujeitos de tratamento igual. A isso denominou-se igualdade formal. Entretanto, ante a percepção de que os seres humanos apresentam inúmeras necessidades diferenciadas, tornou-se claro que a igualdade formal não era suficiente para a consecução de um Estado verdadeiramente democrático. Assim, nasceu a igualdade material, que tem como enunciado maior: tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.
Diante disso, a Constituição de 1988, ápice do Estado Democrático de Direito, abarcou ambas igualdades: a formal, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e a material, ao reconhecer as desigualdades existentes na sociedade conferindo proteção aos grupos discriminados.
Postas essas considerações parte-se para a análise de que, sendo nosso Estado fundamentado no princípio da igualdade, todos têm o direito de recorrer ao Estado-juiz quando se sentirem lesados, visto que, segundo o art.5º, inciso XXXV, da Carta Magna: a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. E que, igualmente, tanto o autor quanto o réu tem o direito ao contraditório e ampla defesa nos moldes do inciso LV do mesmo artigo.
Assim, na relação jurídica processual deve o juiz valer-se do princípio da paridade de armas, oportunizando que ambas as partes demonstrem e provem sua versão dos fatos. Para Cassio Scarpinella Bueno tal princípio evidencia:
(…) necessidade de oferecimento de iguais oportunidades aos litigantes ao longo do processo. Não há como conceber, nestas condições, instrumentos processuais não uniformes, não iguais, não equivalentes para as partes. (BUENO, 2007, p. 128)
Diante desse preceito fundamental da igualdade é que surgem os problemas e críticas quanto as prerrogativas que a Fazenda Nacional detém. Sob uma perspectiva estanque, se os litigantes devem ser tratados de forma isonômica, não há necessidade de a Fazenda possuir inúmeras prerrogativas processuais. Tal visão, completamente ultrapassada, tem completo sustentáculo legal para cair por terra.
As prerrogativas da Fazenda Pública estão alicerçadas justamente sob o princípio da igualdade material, visto que, como dito anteriormente, tal órgão atua em nome do interesse público, ou seja, não busca defender um interesse individual, mas algo que é de toda a coletividade. Por isso mesmo é que a máxima “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual” é responsável pela existência das prerrogativas da Fazenda. Sua atuação é, cotidianamente, em nome de um direito coletivo e difuso que, por afetar um número indistinto de pessoas, merece maior respaldo e garantia pelo peso e superioridade de seu interesse.
Nesse sentido, o posicionamento de Lúcia Valle Figueiredo:
A isonomia deve se entendida com cautela. Com efeito, há de ser compreendida dentro do princípio da igualdade entre os iguais, não podendo ostentar abrangência que chegasse ao absurdo de promover o nivelamento de desiguais. (FIGUEIREDO, p.41, 2004)
2.1. Prerrogativas processuais da Fazenda Pública
As prerrogativas concernentes à Fazenda Pública encontram-se dispersas ao longo do Código de Processo Civil, na Constituição Federal e em legislações esparsas, merecendo destaque as elencadas abaixo.
O artigo 20, § 4º do CPC prevê a fixação diferenciada dos honorários advocatícios em caso de sucumbência da Fazenda Pública, mediante apreciação equitativa do juiz, visando assegurar uma análise mais criteriosa acerca do valor da sucumbência, a fim de que a Fazenda ressarça o vencedor de forma suficiente, de modo a não afetar mais gravosamente os cofres públicos do que o necessário. Com o mesmo viés, o artigo 27 do CPC estabelece que a Fazenda é dispensada do adiantamento das despesas dos atos processuais eventualmente requeridos por ela, as quais serão, ao final, pagas pelo vencido, a fim de que a máquina administrativa tenha o menor dispêndio financeiro possível, pois um gasto desnecessário, mesmo que reposto posteriormente, pode causar prejuízos a sociedade, conforme abaixo:
Art. 27. As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.
O artigo 99 do CPC enuncia que a Fazenda goza de privilégio de foro na Capital do Estado ou do território quando em litígio, a fim de facilitar o deslocamento de seus representantes com o menor custo possível.
Consoante o artigo 188 do CPC, prevê-se o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer devido ao grande volume de causas em que a União é parte e do número reduzido de representantes judiciais, a fim de que nenhum prazo preclua temporalmente, conforme transcrito abaixo:
Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
Segundo o artigo 475, inciso II, do CPC é assegurado o reexame necessário das sentenças proferidas em desfavor da Fazenda. Tais sentenças devem ser criteriosamente reanalisadas porque suas consequências atingem, reflexamente, a coletividade, conforme segue:
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
O artigo 488, parágrafo único do CPC dispensa o depósito prévio da Fazenda para ajuizamento de ação rescisória, visto a confiança de que não será inadimplente em caso de sucumbência. Consoante o mesmo entendimento o artigo 511, §1º do CPC dispensa o preparo para interposição de recursos, visto que não faz sentido o Estado cobrar uma quantia de seu próprio órgão, conforme abaixo.
Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
§ 1º São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.
Conforme o artigo 649, incisos IX e XI do CPC assegura-se a impenhorabilidade dos bens públicos, mesmo os dominicais. Isso ocorre devido a existência da regra contida no artigo 100 da Constituição Federal a qual enuncia que, no caso de ser executada, a Fazenda Pública realizará o pagamento de valores através de um procedimento especial denominado precatórios, in verbis:
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Na mesma esteira tem-se o entendimento de Alexandre Mazza:
Como os bens do Estado não podem ser penhorados, é impossível aplicar à cobrança de créditos contra a Fazenda o sistema convencional de execução baseado na constrição judicial de bens do devedor. (MAZZA, p.522, 2011)
O artigo 928, parágrafo único do CPC exige a audiência prévia do representante judicial da Fazenda no caso da parte contrária requerer medida liminar em ação possessória. Tal prerrogativa decorre da impossibilidade da Fazenda sofrer danos desnecessários, caso posteriormente fique comprovado o não cabimento de medida aplicada, conforme abaixo:
Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais.
Consoante as leis 9494/94 e 8437/82 são restritas a execução provisória de sentença e a concessão de liminar ou tutela antecipada em desfavor da Fazenda, tendo em vista que a materialização de tais condutas antes de uma solução definitiva da lide pode trazer prejuízos irreparáveis a coletividade.
Por ser um órgão da Administração Direta, a Fazenda Pública goza de. tais prerrogativas em decorrência do regime jurídico administrativo, frutos da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.
Dentre tais prerrogativas pode-se destacar a competência que esse órgão especializado do Poder Executivo tem para executar as leis tributárias para efeito de cobrar e fiscalizar o pagamento dos tributos em nome do Estado, conforme supra.
Discorrendo acerca dos motivos determinantes da necessidade da Fazenda Pública ser detentora de inúmeras prerrogativas, o jurista paranaense Marçal Justen Filho aduz:
Quando se alude à supremacia do interesse público sobre o privado não se está pleiteando existir uma relação de ‘poder’. Ou seja, não se trata de relações acima ou fora do direito. Aliás, se diversamente fosse, inexistiriam relações jurídicas de direito público (expressão que constituiria uma contradição em termos). (...) No campo tributário, essa superioridade de interesse público externa-se no conteúdo da relação jurídica, que é orientada a favorecer e beneficiar o sujeito ativo, não por especial consideração a ele, mas por ser ele o veículo de potencialização do interesse público.(JUSTEN FILHO, apud RODRIGUES, p.144)
Mesmo que a doutrina majoritária, principalmente os tributaristas, enuncie que as prerrogativas concedidas a Fazenda Pública não passam de meros privilégios processuais que acabam por colocar o particular em situação de extrema desvantagem tal entendimento não merece acolhimento, visto que a Fazenda Pública, atuando em nome da União, logra defender o interesse de toda a coletividade.
Ademais, ante todo o exposto nos tópicos: a igualdade na relação jurídica processual e a execução fiscal em vistas do interesse público, evidencia-se que o fato da Fazenda Nacional possuir prerrogativas para a arrecadação fiscal não tem por escopo aumentar seu patrimônio como “pessoa jurídica”, mas sim garantir a efetiva aplicação do princípio da isonomia e assegurar o interesse da sociedade como um todo, uma vez que todo tributo arrecadado se reverte em prol da sociedade, como na construção de escolas, por exemplo.
Consoante entendimento de Hely Lopes Meirelles:
Essa supremacia do interesse público é o motivo da desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados (...) a Lei 9784/99, no inc. XIII do parágrafo único do art.2º, diz que se deve interpretar a “norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige.” (...) dada a prevalência do interesse geral sobre os individuais, inúmeros privilégios e prerrogativas são reconhecidos ao Poder Público. (MEIRELLES, 2010, p. 106)
Muitos ainda podem alegar que os representantes judiciais da Fazenda Nacional, além de serem muitos, possuem uma altíssima remuneração pelos serviços prestados e, portanto, esse seria mais um fator para que não existissem as prerrogativas. Tal postura, entretanto, é totalmente errônea pois o número de execuções fiscais que chegam, diariamente, até esses procuradores é incalculável, ou seja, além de possuirem a missão de defender o interesse público, a eles não é facultado selecionar sobre quais processos vão atuar, como um advogado particular, em respeito ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Tal realidade demonstra concretamente a importância do art.188 do CPC que concede prazos dilatados para a Fazenda Pública.
Novamente os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:
(...) o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado (...) (MEIRELLES, 2010, p.105)
Outrossim, configuraria uma afronta ao princípio da isonomia o fato da União não poder cobrar rigorosamente os tributos dos inadimplentes quando muitas pessoas cumprem tal obrigação de acordo com o exigido pela lei.
Ante todo o exposto, não é cabível considerar as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública como meros privilégios processuais.
O legislador quis, mediante o desequilíbrio entre as partes na relação jurídica processual, dar efetividade ao princípio da isonomia, mostrando que os instrumentos processuais devem ser tutelados de acordo com a relevância do interesse em litígio.
Nesse sentido, desde 1980 o Supremo Tribunal Federal vem decidindo se pautando por tal entendimento, conforme segue:
Não se equipara ao particular a Fazenda Pública. A Relevância do interesse público, por esta preservado, separa-a, na sua natureza, do particular. (STF, RE 83041, Rel. Min. Cordeiro Guerra, publicado no DJU de 15.08.80).
RECURSO. IGUALDADE PROCESSUAL. PRIVILÉGIO DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 74 DO DL 960/38. Não ofende o princípio da isonomia, aplicável a igualdade das partes no processo, o conferimento de tratamento especial à Fazenda Pública, o que se faz em atenção ao peso e superioridade dos seus interesses em jogo. (STF, RE 83432, Relator Min. Leitão de Abreu, publicado no DJU de 06.06.80).
Assim, só nos resta concluir que tais prerrogativas vêm solidificar ainda mais a base de um Estado fundado na democracia, pautado pela proporcionalidade e ponderação entre os diversos interesses, sempre dispensando a devida atenção àqueles bens jurídicos capazes de afetar mais intensa e gravosamente os indivíduos.
CONCLUSÃO
Apesar de parte da doutrina brasileira entender que as prerrogativas processuais dadas a Fazenda Pública violam o princípio da isonomia, este conceito encontra-se equivocado, a medida em que tal máxima preceitua que os diferentes também devem ser vistos e tratados diferentemente. Ao preceituar, no artigo 5º, caput da Constituição Federal, que todos são iguais perante a lei, o legislador também precisou atuar em vistas de garantir tal igualdade. É neste sentido que prerrogativas processuais foram dadas a alguns órgãos da Administração Pública.
PGFN encontra-se, irrefutavelmente, em situação completamente diversa do particular no polo jurídico processual de modo que, para minimamente competirem com “paridade de armas”, necessita ser dado a este órgão diversas prerrogativas. Não há sentido em se tratar igualmente uma parte que recebe cotidianamente centenas de processos com outra que, em virtude de liberalidade, pode optar em quais e quantos processos atuará. Não se pode equiparar o particular a Fazenda Pública, pois a relevância do interesse público, por esta defendido e resguardado, a coloca diante de um abismo entre particular.
Mesmo os contratos administrativos adotantes de regime privado, sofrem a incidência dos princípios de direito público, como, por exemplo, os princípios do direito administrativo. Isso ocorre porque em essência, qualquer atividade administrativa possui fins de ordem pública. Qualquer ação em que a União atue como parte e que conceda a ela quantia pecuniária dada pela sucumbência da outra parte enriquecerá os cofres públicos. Este, por sua vez, será usado em prol de projetos públicos atinentes ao desenvolvimento social.
A postura do legislador constituinte e do infraconstitucional foi, em verdade, de diante do desequilíbrio, alcançar minimamente uma igualdade, ao menos processual, entre a União e o particular. Tal conduta é, em princípio, ação afirmativa do sentido de efetivação do princípio da isonomia e da supremacia do interesse público.
As prerrogativas dadas a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional são essenciais para a concretização da Execução Fical, que visa a arrecadação do contribuinte inadimplente frente o atendimento das necessidades públicas. Dizer que nesse procedimento a União age sob interesses próprios é equívoco exorbitante e, como demonstrado, não logra permanecer nas concepções atuais.
Ademais, tais prerrogativas serão aplicadas com toda a razoabilidade e imparcialidade que compete ao Estado-juiz, ou seja, jamais terão por escopo atropelar o interesse do particular a fim de beneficiar a Fazenda a qualquer custo. Assim a decisão final pautar-se-á sempre pelo objetivo máximo de nosso Estado: a promoção da efetiva justiça.
REFERÊNCIAS
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2007.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
Advogada. Graduação pela Universidade Estadual de Londrina. Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Damásio de Jesus e em Direito Constitucional pela LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIRANDA, Lara Caxico Martins. As prerrogativas da Fazenda em vistas do interesse público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46284/as-prerrogativas-da-fazenda-em-vistas-do-interesse-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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