Resumo: O presente trabalho resulta de profundas reflexões acerca do atual cenário jurídico após a absorção, pela comunidade jurídica, da teoria neoconstitucionalista, a qual é tratada aqui com base em seus marcos histórico, teórico e filosófico. O neoconstitucionalismo é uma corrente filosófica, ideológica e metodológica com origem nos países da Europa Ocidental, após o segundo pós-guerra, momento em que os doutrinadores começaram a refletir o atual papel das constituições e do próprio direito, buscando encontrar soluções corretivas para o direito e alternativas capazes de reagir às atrocidades cometidas pelos Estados totalitários. O cenário jurídico foi reformulado depois das inovações apresentadas por essa nova corrente constitucionalista, a qual se utilizou de teorias de alguns doutrinadores para justificar, por exemplo, a atribuição de força normativa à constituição (inspiração em Konran Hesse e J. J. Gomes Canotilho), reaproximação entre direito e moral (retorno das teorias jusnaturalistas e superação do positivismo tradicional), reconhecimento de normatividade dos princípios jurídicos e consequentemente criação de novos métodos na hermenêutica constitucional (técnica da ponderação de Robert Alexy), entre outros. Contudo, a absorção dos aspectos neoconstitucionalistas pela prática jurídica brasileira, principalmente pela jurisdição constitucional, representada pelo Supremo Tribunal Federal, está causando riscos à democracia e à aplicação do direito, ante o ativismo judicial, gerando decisionismo e subjetivismo, além de insegurança jurídica.
Palavras-chave: Neoconstitucionalismo. Princípios Jurídicos. Pós-positivismo. Ponderação. Insegurança Jurídica. Ativismo Judicial.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico é resultado de profundas reflexões, após análise acurada da maneira pela qual o neoconstitucionalismo está sendo tratado pela prática jurídica brasileira, mormente sua influência no Direito Civil brasileiro o qual recebeu influxos constitucionais e deixou de ser o centro do ordenamento jurídico, culminando na descodificação do ordenamnto jurídico.
O neoconstitucionalismo, corrente do direito constitucional contemporâneo, será abordado, neste trabalho, de acordo com seus marcos histórico, teórico e filosófico.
O marco histórico é representado pela constitucionalização e redemocratização do segundo pós-guerra ocorrida primeiramente nos países da Europa continental, quando a comunidade jurídica sentiu a necessidade repensar e reformular o direito, de maneira que possibilitasse uma reação ao positivismo clássico, o qual foi considerado o responsável pelas atrocidades cometidas durante os regimes totalitários e não compatível com a estrutura das novas constituições e do próprio Estado democrático de direito.
O marco teórico abrange as transformações no plano da efetivação das constituições, que passaram a ganhar força normativa, gerando, assim, a expansão da jurisdição constitucional a qual criou novos mecanismos para possibilitar maior aplicabilidade das normas constitucionais, as quais, por sua vez, deram azo aos novos métodos de interpretação constitucional, como a técnica da ponderação, considerando que os métodos tradicionais da hermenêutica já não são totalmente compatíveis com a estrutura de algumas normas positivadas constitucionalmente.
O pós-positivismo é o marco filosófico do neoconstitucionalismo, caracterizando-se pelo resgate de aspectos jusnaturalistas, superando o positivismo tradicional, o qual, como já asseverado algures, quedou-se incompatível com a realidade jurídica contemporânea, sendo também meio ineficaz para se lograr a justiça e as finalidades corretivas propostas pelo Estado democrático de direito.
A proposta do pós-positivismo está centrada na perspectiva de reaproximação entre o direito e a moral, através de normas com cunho ético e finalidades corretivas. Essas normas são os princípios jurídicos que ganharam status de normas jurídicas, proporcionando, assim, uma revisitação das fontes do direito, pois são considerados como núcleos axiológicos do ordenamento jurídico.
2 NEOCONSTITUCIONALISMO
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A doutrina constitucionalista estrangeira e a nacional, esta de maneira menos original, vêm criando novas teorias que resultaram de um conjunto de causas e efeitos no plano jurídico, político e histórico. Essas temáticas inovadoras são denominadas por prefixos que designam “posterioridade”, “novidade”, e a mais debatida é o “neoconstitucionalismo”, objeto de estudos desde a segunda metade do século passado até os dias hodiernos.
Este capítulo analisará essa recente corrente teórica, metodológica e ideológica, abrangendo sua origem, evolução e aspectos gerais.
No Brasil, podemos citar Luís Roberto Barroso, Eduardo Ribeiro Moreira, Daniel Sarmento, Cláudio Pereira Souza Neto, Paulo Ricardo Schier, Écio Oto Ramos Duarte. Esses pensadores nacionais aderiram direta ou indiretamente a tal fenômeno. Outros poucos, porém, adotaram postura crítica sobre a nova perspectiva constitucional, como Dimitri Dimoulis, Humberto Ávila e, mais recentemente, Lênio Luiz Streck.
Em decorrência dessa multiplicidade e da diversidade das visões desse fenômeno jurídico na contemporaneidade, inexiste um único neoconstitucionalismo. A definição e unicidade dessa nova corrente é tão incerta que o mais referido adepto na doutrina brasileira, Luís Roberto Barroso, comentando sobre esse tema, assevera que “[...] mas não se sabe ainda o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus”. (BARROSO, 2007).
Na doutrina estrangeira e na brasileira, mais efetivamente, apesar da diversidade de posições e entendimentos sobre o tema, percebe-se que há um consenso entre os pensadores, quanto às características centrais desse novo paradigma. Assim, é possível abordar o neoconstitucionalismo, sob esse prisma de seus aspectos nevrálgicos, sem cair em contradição, como será visto adiante.
2.2.1 Marco Histórico
O neoconstitucionalismo foi um fenômeno iniciado na Europa ocidental e absorvido pelos brasileiros posteriormente. Nesse sentido, este trabalho seguirá uma ordem cronológica, abordando-o na Europa primeiramente e depois, no Brasil, para melhor desenvolvimento do conteúdo do presente tópico.
Os Estados totalitários europeus, os quais impuseram o nazismo e o fascismo como regime político, cometeram vultosas atrocidades contra os direitos humanos, de uma maneira que nunca se viu na história da humanidade. A maior lembrança que jamais será esquecida é a da atuação de Hitler que massacrou e dizimou vários grupos minoritários.
Contudo, a maioria dessas desumanidades não eram ilegais nem inconstitucionais, porque quase todas eram legitimadas por normas jurídicas. Ressalve-se que, naquela época, a validade da lei dependia tão apenas da emanação delas pelo Legislativo, e o conteúdo normativo não influenciava na condição de validade. Para ilustrar a legitimidade das ações de Hitler contra o povo alemão e os estrangeiros:
[...] através de Decreto expedido em 7/4/1933 os Judeus foram afastados do funcionalismo público, do exército e das universidades; através da Lei publicada em 14/7/1933 foram retirados os direitos de cidadão dos Judeus imigrantes no Leste Europeu; a chamada ‘Lei da Cidadania’ dos judeus e alemães a cidadania alemã; a ‘Lei da Proteção da Honra e Sangue Alemão’ proibia os casamentos dos Judeus com os não Judeus, proibia o emprego de Judeus na Alemanha e proibia os Judeus de exibirem a bandeira alemã, entre outras medidas. Por fim, através do Decreto assinado pelo então presidente Paul Von Heindenburg, foram suspensas sete seções da Constituição de 1919 da República de Weimar que garantiam liberdades individuais e civis ao povo. (PADILHA, 2011, p. 1).
Houve uma queda do modelo Estado de direito, pois a necessidade de limitação dos poderes estatais era patente. Nesse diapasão, as constituições do novo modelo de Estado, o constitucional de direito, tornavam-se técnicas de limitação desses poderes e sobremaneira de garantia de direitos fundamentais, imprescindíveis para instrumentalizar a justiça e a paz social. As novas constituições europeias eram semelhantes à norte-americana, a qual, desde os primeiros tempos de constitucionalização, já positivava direitos individuais, previa a organização dos poderes e do Estado, além de limitar a atuação desses.
Verificou-se também, com a derrota dos regimes totalitários europeus, a necessidade de criação de “catálogos de direitos e garantias fundamentais para a defesa do cidadão frente aos abusos que poderiam vir a ser cometidos pelo Estado ou por quaisquer detentores do poder” (CAMBI, 2011, p. 33) em suas manifestações políticas, econômicas, intelectuais, entre outras. Assim, a reconstitucionalização possibilitou a positivação constitucional dos direitos humanos, tornando-se direitos fundamentais, a partir dessa inserção nas constituições.
Outrossim, repensou-se também sobre autoconsciência da condição humana, depois do genocídio marcado pelo extermínio de aproximadamente seis milhões de judeus e cinco milhões de comunistas ciganos e outros “indesejados” nos campos de concentração. Apenas em Auschwitz-Birkenau, foram executados cerca de 1.750.000 judeus (POWER, p. 70-71).
Com efeito, a conscientização que essa época do nazifascimo trouxe para a comunidade jurídica foi que:
[...] não se deverá olvidar que a dignidade constitui atributo reconhecido a qualquer ser humano, visto que, em princípio, todos são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas e integrantes da comunidade humana, ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes ou consigo mesmos. (SARLET, In: LEITE; SARLET; CARBONELL, 2011, p. 567).
A dignidade da pessoa humana se tornou o núcleo axiológico da tutela constitucional e ainda de todo o ordenamento jurídico, a partir dessa reflexão e autoconsciência da condição humana.
Ademais, pode-se asseverar que “a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito”. (BARROSO, 2007).
Com isso, o marco histórico do neoconstitucionalismo é formado pelas mudanças ocorridas após o segundo pós-guerra, as quais proporcionaram a criação do Estado democrático constitucional, marcado pela redemocratização da Europa Ocidental e do Brasil, superando, desse modo, períodos de forte exceção e limitação de direitos.
2.2.2 Marco Teórico
Outro marco do neoconstitucionalismo é o teórico, abrangendo três grandes transformações na aplicação do direito constitucional, quais sejam: o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional, o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Cada um desses elementos citados será explanado adiante.
2.2.2.1 A força normativa da constituição
A supremacia da constituição, que passou a ser considerada norma superior no ordenamento jurídico, além da atribuição de força normativa às normas constitucionais são um dos elementos basilares encontrados nas doutrinas dos adeptos do neoconstitucionalismo. Apresentaremos aqui o caminho percorrido para se chegar à consagração doutrinária e jurisprudencial da equiparação de normas constitucionais a normas jurídicas.
A força normativa da constituição ou a normatividade constitucional é definida, pela doutrina constitucionalista dominante, como um atributo que essas cartas magnas possuem, tornando-as leis vinculantes, dotadas de efetividade e aplicabilidade. Assim, “afasta-se a tese generalizadamente aceita nos fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX que atribuía à constituição um ‘valor declaratório’, ‘uma natureza de simples direcção política’”. (CANOTILHO, 2003, p. 1150).
Com a reconstitucionalização que seguiu o segundo pós-guerra, a atribuição de força normativa às normas constitucionais - que passaram a ser dotadas de imperatividade - iniciou-se na Alemanha (1949), posteriormente, na Itália (1947), na Espanha e em Portugal (1976). (BARROSO, 2007).
A ideia de status de norma jurídica das normas constitucionais chegou ao Brasil, nos idos dos anos oitenta, timidamente. Porém, apenas a partir da Constituição vigente, começou o processo de rompimento do entendimento retrógrado do século passado e a absorção doutrinária e jurisprudencial da teoria da força normativa constitucional. O doutrinador portenho supracitado teve contribuição importante em incutir essa ideia na comunidade jurídica brasileira, após apresentar sua teoria de constituição dirigente, no Brasil.
No Brasil, antes da Constituição de 1988, as normas constitucionais não passavam de programas que norteavam os poderes e as atividades do Estado, mas, como já apontado algures, sua não efetivação ou seu descumprimento não acarretavam em sanção alguma, pois elas não possuíam imperatividade. A realização programática inserida no texto constitucional dependia da boa vontade do legislador e dos políticos, além de uma regulamentação infraconstitucional. As leis valiam mais que a Constituição e, para o direito público, o decreto e a portaria ainda valiam ainda mais.
Podemos citar os resultados logrados pela sociedade durante os primeiros vinte anos da Constituição de 1988, para exemplificar, de fato, a força normativa que uma constituição possui:
[...] a Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país. E não foram tempos banais. Ao longo de sua vigência, destituiu-se por impeachment um Presidente da República, houve um grave escândalo envolvendo a Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, foram afastados Senadores importantes no esquema de poder da República, foi eleito um Presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores, surgiram denúncias estridentes envolvendo esquemas de financiamento eleitoral e de vantagens para parlamentares, em meio a outros episódios. Em nenhum desses eventos houve a cogitação de qualquer solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional. (grifo nosso) (BARROSO, 2007, p. 3).
Retira-se da tese de Konrad Hesse (2009) que a intensidade da força normativa da constituição está condicionada principalmente à questão da vontade normativa, de vontade de constituição, a qual, por sua vez, é determinada pela convicção sobre a inviolabilidade da constituição entre os membros de uma sociedade e substancialmente entre os principais responsáveis pela vida constitucional.
2.2.2.2 A expansão da jurisdição constitucional
O marco teórico abrangeu ainda outra grande transformação na aplicação do direito constitucional, qual seja, a expansão da jurisdição constitucional, ocorrida a partir do final dos anos quarenta, na Europa ocidental, deflagrando na queda da soberania do Parlamento e na predominância da atuação do Judiciário. Essa mudança de relevância institucional é denominada “crepúsculo da legislação” por George Marmelstein (In: LEITE; SARLET; CARBONELL, 2011, p. 448), que a entende como “um processo de enfraquecimento do legislativo enquanto instância de tomada de decisões”.
Os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, como já elucidado no tópico anterior, estão positivados e passaram a ter aplicabilidade imediata. Nesse diapasão, o Judiciário ganhou a responsabilidade de assegurá-los aos cidadãos, em face das ingerências negativas do Estado e dos próprios particulares. Logo, os reflexos dessa constitucionalização dos direitos fundamentais podem ser mostrados por:
A consagração de direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, nas Constituições contemporâneas, gerou, nas últimas décadas, uma explosão de litigiosidade, trazendo ao Judiciário ações individuais e coletivas voltadas a (sic) efetivação desses direitos constitucionais. O desempenho judiciário passou a ter maior relevância social e suas decisões se tornaram objeto de controvérsias públicas e políticas. O Poder Judiciário está constitucionalmente vinculado à efetivação dos direitos fundamentais [...]. (CAMBI, 2011, p. 194-195).
Em virtude dessa atribuição de realizar os sonhos constitucionais ao Judiciário, Luis Prieto Sanchís (2003, p. 101) assevera que o neoconstitucionalismo é “mais juiz que legislador”, e Humberto Ávila (2009, p. 160) perfilha que um dos quatro fundamentos do neoconstitucionalismo é o organizacional, consistindo na transferência da preponderância “do Poder Legislativo ao Poder Judiciário”. Os auspícios de mudanças sociais, de promoção da paz e da justiça são depositados na atividade de dizer o direito (juris dictio).
A Constituição de 1988, então, ampliou essa jurisdição constitucional de maneira considerável. O primeiro fator foi o alargamento do rol dos legitimados ativos ao direito de propositura das ações diretas, no art. 103 da Constituição Federal. O único legitimado a pleitear esse modelo de controle de constitucionalidade era o Procurador-Geral da República, antes da Constituição vigente.
Essa expansão, no Brasil, além da ampliação do rol de legitimados para propositura de ações diretas e de criação de novos mecanismos de controle de constitucionalidade, também significou uma maior atuação do Judiciário, pois, como já referido acima, a atribuição de concretização da Constituição de 1988 foi conferida a esse Poder, e a sociedade passou, então, a ter maior conscientização de seus direitos fundamentais, pleiteando-os judicialmente.
O cenário exposto até aqui representa sumariamente as mudanças, inovações e principalmente a expansão da jurisdição constitucional europeia e brasileira, em razão dos fatores trazidos pelo neoconstitucionalismo à jurisdição constitucional.
2.2.2.3 A nova interpretação constitucional
A nova interpretação constitucional é considerada o terceiro elemento que compõe o marco teórico do neoconstitucionalismo, na sistemática adota por Luís Roberto Barroso que a conceitua como um conjunto de “novos conceitos e categorias, agrupados sob a denominação de nova interpretação constitucional, que se utiliza de um arsenal teórico diversificado, em um verdadeiro sincretismo metodológico”. (BARROSO, 2007, p. 8).
As principais causas dessa nova hermenêutica constitucional encontram-se na estrutura das novas constituições dos Estados constitucionais de direito - as quais possuem caráter principiológico e força normativa - e na expansão da jurisdição constitucional, a qual, além de ser marcada pelo surgimento de novos meios de controle de constitucionalidade e novas mudanças no plano processual, também é representada pela maior atuação do Judiciário na concretização da constituição.
A técnica da ponderação surge em decorrência justamente do conflito normativo entre princípios constitucionais e da inviabilidade de balanceamento ou de harmonização entre eles, gerando também uma rota de colisão entre direitos fundamentais, quando temos dois ou mais princípios constitucionais antagônicos possíveis para fundamentar decisões opostas em um mesmo caso concreto. Segundo George Mermelstein (In: LEITE; SARLET; CARBONELL, 2011, p. 445), nessas situações, “há duas normas de igual hierarquia jurídica capazes de fornecer soluções contraditórias para o mesmo problema”.
Assim, o intérprete não terá outra alternativa, a menos que utilizar a técnica da ponderação. Porém, deverá decidir de forma clara e apresentar justificativas de maneira objetiva, evitando o subjetivismo. Não existem critérios pré-estabelecidos pela metodologia jurídica, mas eles podem ser: a análise das nuances do caso concreto, a boa argumentação e a percepção ética do juiz. (MARMELSTEIN, In: LEITE; SARLET; CARBONELL, 2011).
A propósito, o Supremo Tribunal Federal utiliza a técnica da ponderação para decidir os casos difíceis em que direitos fundamentais, sem nenhuma relação de precedência ou grau de hierarquia no ordenamento jurídico, estejam em rota de colisão, como no causídico abaixo e nos demais que serão analisados no último capítulo, criteriosamente.
Na ponderação desses conflitos, entendemos que a colisão entre princípios não pode ser resolvida por critérios pré-estabelecidos, abstratamente, dependendo das circunstâncias dos casos concretos, a construir uma hierarquia móvel entre os que são colidentes.
2.2.3 Marco Filosófico: pós-positivismo
O marco filosófico do neoconstitucionalismo é o pós-positivismo. Segundo Roberto Barroso (2009, p. 246), “o debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito: o jusnaturalismo e o positivismo”. Ademais, a condição em que os princípios jurídicos se encontram nos atuais ordenamentos jurídicos é uma das principais dialéticas do pós-positivismo.
O positivismo jurídico não seria compatível com o novo modelo do direito constitucional contemporâneo nem seria suficiente para explicar o neoconstitucionalismo. Os novos métodos de interpretação, por exemplo, não existiriam, caso não houvesse a superação dessa corrente jusfilosófica:
[...] o positivismo jurídico seria incapaz de explicar os métodos de interpretação que demanda o direito constitucional contemporâneo. O positivismo jurídico seria caracterizado por reconhecer a subsunção como único método de interpretação e, por isso, deixaria de fora de suas considerações a aplicabilidade dos princípios, que somente seriam aplicáveis a partir do método de ponderação. (MÖLLER, 2011, p. 44-45).
O neopositivismo – termo equivalente ao pós-positivismo – procura superar as seguintes características do positivismo jurídico:
a) a identificação plena do direito com a lei; b) a completude do ordenamento jurídico (não admissão de lacunas); c) o não reconhecimento dos princípios como normas; d) a dificuldade para explicar os conceitos indeterminados; e) a identificação entre vigência e validade da lei; f) o formalismo jurídico; g) o não tratamento da questão da legitimidade do direito. (CAMBI, 2011, p. 80).
Nesse cenário, a ética e a moral foram reaproximadas do direito, que começou a ser concebido em conexão com a Filosofia moral e a Filosofia política. Legitimidade e legalidade não eram mais termos equivalentes, pois a lei poderia ser válida, mas deveria conter senso de justiça, para ser considerada legítima. Reconheceu-se que o ordenamento jurídico poderia ter lacunas e essas seriam colmatadas por métodos interpretativos novos, e os princípios seriam vigas mestras nesse processo de colmatação.
Os princípios são considerados pelo neoconstitucionalismo os responsáveis pelo constitucionalismo do segundo pós-guerra e pela renovação do cenário jurídico, especialmente, no que tange à reaproximação aqui tratada, em virtude da forte carga axiológica que carregam.
É nesse sentido que surge a necessidade de um método de aplicação compatível com essa estrutura principiológica, a qual não determina uma solução pronta, devendo ser confrontada com princípios contrários, através da técnica da ponderação, largamente discutida, quando tratamos da nova interpretação constitucional.
Podemos afirmar, a partir do que pesquisado na doutrina neoconstitucionalista e exposto neste trabalho, que o neoconstitucionalismo, de fato, poderia não seria tão discutido nas dialéticas constitucionais, caso o estudo da principiologia estivesse fora desses debates.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Proucurou-se estudar o neoconstitucinoalismo, a partir de seus marcos tórico, histórico e filosófico para poder analisar como esse viés teórico do direito constitucional transfirmou a ideia de constituição, que passou a ser dotada de força normativa e a estar em uma posição de supremacia, em relação às demais normas do ordenamento jurídico, ocasionando diversas transformações na seara jurídica, a saber, novos métodos de hermenêutica constitucional, expansão da jurisdição constitucional, reaproximação entre o direito e a moral, entre outros.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAISSA PACíFICO PALITOT REMíGIO, . Neoconstitucionalismo: aspectos gerais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46328/neoconstitucionalismo-aspectos-gerais. Acesso em: 23 dez 2024.
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