RESUMO: O escopo deste estudo é demonstrar a necessária aplicação da contrição patrimonial por meio eletrônico – penhora on-line – nos feitos executivos fiscais. Este artigo visa demonstrar que as ações de execução fiscal vem enfrentando uma grave crise ao longo dos anos, qual seja, a inefetividade no tocante à satisfação débitos para com as Fazendas Públicas. Através de pesquisa bibliográfica e análise jurisprudencial, observou-se que diferentes instrumentos e procedimentos foram criados no intuito de dotar o feito executivo de um maior poderio para a quitação da dívida ativa. Conclui-se pela plena utilização do sistema BacenJud 2.0 pelo poder judiciário nas ações de execução fiscal, como forma de satisfazer os débitos judicializados.
Palavras-chave: Penhora on-line. Execução fiscal. Utilização. Possibilidade.
Introdução
A execução fiscal há muito se encontrava na contramão da tendência processualista moderna, no que tange à sua morosidade e falta de efetividade. A grande maioria das ações dessa natureza era acometida pela prescrição intercorrente, vez que ficava por muito tempo estagnada nas prateleiras e gavetas dos cartórios judiciais, devido à não localização de bens do executado passíveis de penhora ou, quando encontrados esses, de difícil alienação.
O estudo em tela tem como objetivo investigar um meio mais célere e eficaz de satisfação do débito exequendo da Fazenda Pública. De forma mais específica, são objetivos deste trabalho: posicionar a penhora on-line como principal forma de acabar com a passividade que arruína a execução fiscal; fazer o contraponto entre os direitos do devedor e do credor fazendário, tendo em vista o princípio que rege as execuções como um todo, qual seja, o da menor onerosidade da execução para o devedor; e analisar as inovações técnicas trazidas pela Lei 11.382/06 e sua aplicação na execução fiscal.
A polêmica a respeito do suposto pré-requisito do prévio exaurimento de buscas de bens do executado passíveis de execução para que, a partir daí, possa lhe ser aplicada a penhora pelo sistema BacenJud, será também debatida, interpretando, opondo e/ou unindo os preceitos trazidos pelo artigo 185-A do Código Tributário Nacional e pelo artigo 655-A do Código de Processo Civil c/c artigo 11 da Lei de Execução Fiscal.
É cediço que o Estado-juiz, pelo princípio da inércia, deve apenas começar com seu dever de prestar a tutela jurisdicional quando provocado pela parte a quem interessa, ex vi do artigo 2º do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando provocado na forma legal”.
A partir desse momento, como bem ensina Misael Montenegro Filho, deve o magistrado imprimir esforços para a consecução do objetivo inicial daquele que ingressou com a ação, conforme se vê:
Uma vez iniciada a ação, por aplicação do princípio da inércia, incide no processo uma outra regra, desta feita impondo ao Órgão Jurisdicional, que tinha o dever de permanecer inerte num primeiro instante, aguardando a provocação da parte interessada, o dever de dar prosseguimento ao processo, vezes independente da manifestação da parte interessada. (MONTENEGRO FILHO, 2005, p. 81).
Na execução fiscal não é diferente. Uma vez iniciada a execução, através da petição inicial, deve o Poder Judiciário, através de todos os meios que a lei lhe outorga, tentar satisfazer a pretensão do exequente, qual seja, o pagamento do quantum devido pelo executado.
Ressalte-se que a prestação jurisdicional célere e efetiva é consagrada na própria Constituição Federal como direito fundamental:
Art. 5º (...)
(...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Longe de se prestar ao papel de heroína, mas com resultados claros e rápidos, a penhora por meio eletrônico se apresenta como divisor de águas em sede de execução fiscal, pois, através da inovação tecnológica, dá ao juiz o poder de alcançar aquilo que o devedor contumaz pensava ser inalcançável: seus ativos financeiros.
Como bem salienta Elpídio Donizetti:
Como o dinheiro figura em primeiro lugar na ordem de preferência para penhora e de um modo geral é guardado em bancos, não debaixo de colchões, nunca se conseguia comprovar o esgotamento dos meios para localizar depósitos bancários em nome do executado, até porque a utilização do meio para localização, eletrônico ou não, dependia de ordem judicial.(DONIZETTI, 2007, p. 73).
Destarte, ainda que haja resquícios de relutância entre alguns julgadores e operadores do direito em geral, especialmente entre aqueles que figuram na seara tributária, a utilização da penhora on-line nada mais é do que colocar em prática o princípio da celeridade e eficácia processual que norteiam todas as recentes modificações e inovações feitas às leis processuais.
Tema que pode ser visto como fato gerador de grande celeuma entre os operadores do direito, mormente entre aqueles que militam na área tributária, o instrumento da penhora on-line se apresenta como meio bastante utilizado e de notável eficácia no que tange à prestação satisfatória da tutela jurisdicional, v.g. as lides trabalhistas, onde esse instrumento é amplamente utilizado, deixaram de ser marcadas pelo jargão popular “ganhou, mas não levou”.
Como tipo de pesquisa, foi utilizada a pesquisa dogmática (instrumental) e epistemológica, onde serão feitas pesquisas bibliográficas, bem como legislativa (Código Tributário Nacional, Código de Processo Civil e Lei de Execução Fiscal) e jurisprudencial.
Os métodos de procedimentos utilizados foram: método histórico, através do qual é feita a exposição da mudança de pensamento doutrinário e jurisprudencial, chegando ao cerne da questão, que é a aplicação da penhora on-line; a hermenêutica se mostrou basilar, pois através dela o clímax da pesquisa foi alcançado, analisando e interpretando os comandos positivados e os princípios implícitos e explícitos do ordenamento pátrio, dando ao estudo a sua razão de ser.
No que concerne às técnicas de pesquisa, foram utilizadas: a documentação indireta, em relação à pesquisa de bibliografia e de documentos e analise dos instrumentos normativos, de certa forma esparsos, que dão azo à utilização da penhora on-line em sede de execução fiscal; e a documentação direta intensiva pela qual foram analisadas as decisões dos diversos tribunais brasileiros que aplicam, ou não, o sistema BacenJud para a constrição patrimonial.
No presente artigo, terá lugar o exame da penhora on-line em geral e sua aplicação na execução fiscal, analisando o sistema BacenJud 2.0, a evolução desse instrumento no tempo e seu modus operandi. Também será analisado o princípio da menor onerosidade da execução, em confronto com o artigo 655 – A do Código de Processo Civil será apreciado, bem como o artigo 185 – A do Código Tributário Nacional. Por fim, será estudado o cerne da questão sobre a constrição patrimonial por meio eletrônico na execução fiscal, qual seja, a desnecessidade da busca por outros bens passíveis de penhora para utilização da penhora on-line.
Enfim, apreciar a penhora através do sistema BacenJud e encontrar a forma adequada de aplicação desse meio às ações executivas fiscais é o cerne e a finalidade do estudo que dá fulcro ao presente artigo.
- A constrição patrimonial por meio eletrônico – penhora on-line – na execução fiscal.
Dentro do Poder Judiciário, muitos e conflitantes são os posicionamentos dos magistrados acerca da possibilidade, modo e momento da aplicação da penhora on-line, sendo veementemente afastada por uns e chegando a ser aplicada ex officcio em decisões interlocutórias por outros, vista como daemoniu pelos primeiros e como salvatore das execuções pelos últimos.
Deve-se compreender que o credor que leva sua contenda à justiça o faz como última ratio, esperando que sua pretensão de ver seu crédito quitado seja alcançada da forma mais rápida e efetiva possível, sendo este um direito garantido pela Carta Magna.
Assim, levando-se em consideração que a penhora é o meio mais comum de quitação do débito sub judice, e esta não é realizada no interesse individual do credor, in casu a Fazenda Pública, mas sim no interesse público, que tem a finalidade de assegurar o regular prosseguimento do processo executivo, efetivando a tutela jurisdicional reclamada, não pode o executado ou o próprio Estado, através do Poder Judiciário, apresentar obstáculos para o pagamento crédito exeqüendo.
Com isso, no processo de execução, incluída aí a execução fiscal, a constrição patrimonial por meio eletrônico – penhora on-line - se mostra como a forma mais contundente de mitigar o marasmo que assola este tipo de ação.
Asseverando o exposto, leciona Marinoni:
A penhora de dinheiro é a melhor forma de viabilizar a realização do direito de crédito, já que dispensa todo o procedimento destinado a permitir a justa e adequada transformação do bem penhorado – como o imóvel – em dinheiro, eliminando a demora e o custo de atos como a avaliação e a alienação do bem a terceiro. (MARINONI, ARENHART, 2007, p. 251).
- O sistema BacenJud 2.0
O meio que instrumentaliza a penhora on-line é o BacenJud 2.0. Trata-se de um sistema de cooperação técnico-institucional entre o Banco Central do Brasil e o Poder Judiciário, a qual está consubstanciada em convênios firmados entre aquela Autarquia e os Tribunais Superiores (TST, STJ/CJF e STM).
Nas palavras do BACEN, é um sistema eletrônico de relacionamento entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, com intermédio do Banco Central, que possibilita ao juiz encaminhar requisições de informações e ordens de bloqueio, desbloqueio e transferência de valores bloqueados.
O Banco Central auxilia o Poder Judiciário desde os anos 80, devido a sua ligação e acesso aos dados do Sistema Financeiro Nacional, prestando serviços de relevante interesse para a justiça, no que tange à procura de informações, figurando como ponte de ligação entre o Judiciário e as instituições financeiras.
Com o intuito de dar maior agilidade à quantidade exponencialmente crescente de requisições de informações por parte do Judiciário, o Banco Central, em 1992, criou uma equipe para atender especificamente às solicitações oriundas dos tribunais. Ainda, em 1998, foi criado pela Autarquia Federal o Sistema Divin, consistindo num instrumento para responder mais rapidamente os ofícios e requisições recebidas pelo Bacen.
Sendo cada vez mais requisitada, em 2001 a Autarquia inaugurou seu primeiro sistema automatizado, utilizado por via da internet, que substituía os ofícios de papel por comandos em um programa, onde o juiz requisitava e recebia informações em curto espaço de tempo e emitia suas ordens de bloqueio de forma segura e econômica. Tratava-se da primeira versão do Bacen Jud.
Importa salientar que as regras processuais existentes à época não foram mudadas nem infringidas, ocorrendo apenas a informatização dos expedientes utilizados pelos magistrados na requisição de diligências ao Bacen.
Entre maio de 2001 e 2002, o Banco Central celebrou convênios de cooperação com o STJ, o Conselho da Justiça Federal e o Tribunal Superior do Trabalho, trazendo resultados significativos no que diz respeito a satisfação de débitos.
Já em 2005, em cooperação com representantes dos Tribunais Superiores, da Federação Brasileira de Bancos, dentre outras entidades de representação das instituições financeiras, o Banco Central desenvolveu o sistema Bacen Jud 2.0, que veio para sanar algumas imperfeições encontradas e relatadas pelos usuários da primeira versão. O plano de implementação foi dividido em duas fases, ocorrendo a primeira em 2005 e a segunda no começo de 2008.
A diferença primordial é o papel do Banco Central, o qual passou a ser o operador do sistema, i. e., o intermediador e não mais uma parte atuante. Agora, o próprio juiz preenche uma minuta eletrônica na on-line, repassando todas as informações necessárias ao atendimento de sua solicitação, recebendo ele mesmo, de forma automatizada, o retorno da instituição financeira, dispensando assim por completo o uso de papel.
Cumpre ressaltar que o Banco Central é o mantenedor do sistema, quem presta suporte técnico e operacional, instrui e orienta os usuários. A segurança das operações é garantida pela tecnologia de criptografia de dados utilizada nos padrões de segurança adotados pelo Bacen.
- O princípio da menor onerosidade da execução.
Como princípio basilar da execução aparece o princípio da menor onerosidade para o executado, chamado também de favor debitoris. Segundo esse princípio, se há a opção de aplicação de dois ou mais atos executivos contra o devedor, deve-lhe ser aplicado aquele que lhe cause menos gravame patrimonial para "evitar a prática de atos executivos desnecessariamente onerosos ao executado" (STJ, Ag. 483.789).
O princípio em comento é consagrado no artigo 620 do Código de Processo Civil de 1973, in verbis:
Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
Sobre este preceito, em artigo científico específico, se manifestou o Ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho:
Esse artigo do CPC consagra o chamado favor debitoris, segundo o qual, entre dois ou mais atos executivos a serem praticados em desfavor do executado, dentro do mesmo procedimento, o Juiz deve sempre optar por implementar o ato que menos gravame patrimonial cause ao executado; o direito à execução pelo meio menos gravoso, portanto, se integra ao rol dos direitos do executado na conspícua qualidade de direito subjetivo, componente da garantia do justo processo. (MAIA FILHO, 2006, p. 3-119).
Isso ocorre quando, por exemplo, um devedor tem vários imóveis penhorados e o quantum do débito para com o exequente é ínfimo em relação ao valor dos bens constritos, não chegando a cobrir sequer o valor de um dos imóveis.
Sustentam alguns juristas que a penhora on-line afrontaria a regra do favor debitoris, pois traria maiores prejuízos para o executado do que a penhora de outros bens.
Entretanto, à regra do favor debitoris não pode ser conferido absolutismo tal que venha a tolher o direito da Fazenda Pública de satisfação do crédito exequendo. Devem ser ponderados os interesses e direitos das partes, i. e., tanto o direito à menor gravosidade da execução, quanto o direito à satisfação do crédito do credor.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça assentou a jurisprudência:
"O princípio da menor onerosidade não é absoluto e deve ser ponderado à luz dos interesses de cada parte". (AgRg no Ag 773.796 / SP)
"Fora do sistema da execução fiscal (LEF, Art. 15), a penhora sobre dinheiro (créditos de conta-corrente) não pode ser substituída por fiança bancária sem a concordância do exeqüente mesmo em nome do princípio da menor onerosidade da execução (CPC, Art. 620)". (REsp 796.734 / RJ)
"RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. TÍTULOS PÚBLICOS FEDERAIS. NOTAS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. AUSÊNCIA DE COTAÇÃO EM BOLSA. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ. POSSIBILIDADE DE RECUSA". (AgRg no Ag 727.021 / SP)
O devedor fiscal não pode fazer uso desse princípio como uma forma de apresentar obstáculos tais que levem a execução à não consecução do objetivo para o qual foi intentada, como a nomeação de bens ilíquidos, de difícil alienação, etc.
Ainda assim, a penhora pelo sistema BacenJud se mostra um meio mais econômico de constrição patrimonial do que o de outros bens e gera menor gravame ao executado. Isso ocorre porque o custo de processamento das ordens e solicitações judiciais tanto no âmbito do Poder Judiciário, quanto no Banco Central e nos bancos é diminuído, e também a redução do prejuízo das partes com a manutenção por longo tempo dos recursos inacessíveis mesmo em conta corrente.
Neste norte, Theotônio Negrão (2008, p. 1453) leciona que “a penhora on-line ‘revela-se até menos gravosa ao devedor (art. 620), pois evita gastos com avaliação e posterior alienação dos bens, custos esses que, a final, terão de ser suportados por ele próprio’.”
- O artigo 655 – A do CPC/1973 e a sua aplicação na Execução Fiscal
Como anteriormente demonstrado, há muito a execução como um todo se encontrava estagnada no tempo, com um procedimento arcaico, extremamente demorado e dotado de parca efetividade. Diante do clamor da sociedade e do meio jurídico como um todo, o legislador adotou uma série de mudanças que tinham o objetivo de acabar com a mancha que foi associada ao Poder Judiciário, como uma justiça demorada e sem resultados concretos.
Iniciando o ciclo das reformas processuais, foram editadas as Leis 10.352/01, 10.358/01 e 10.444/02 que em seus bojos trouxeram mudanças significativas no extenso leque recursal a disposição daqueles que tinham apenas o desiderato de protelar a questão debatida. Outrossim, a inovadora e aplaudida Lei 11.232/05 transformou o processo de execução de título judicial em uma fase do processo de conhecimento, que é a fase de cumprimento de sentença, dentre outras mudanças, atacando o “calcanhar de Aquiles do processo”, como foi chamada a execução de título judicial na própria exposição de motivos da lei em comento.
Dentre as novidades trazidas pela reforma processual que se instala, destaca-se a Lei nº 11.382 de 06 de dezembro de 2006. Muitas das modificações e inovações trazidas por essa norma já eram aplicadas pelos julgadores de vanguarda, tais como a inoponibilidade da regra de impenhorabilidade face a cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem e a possibilidade de penhora de percentual do faturamento da empresa executada.
Em meio às muitas originalidades trazidas pela Lei 11.382/06, salta aos olhos a nova ordem preferencial de penhora, prevista no artigo 655 e a previsão do meio eletrônico para determinar a indisponibilidade do patrimônio do executado existente em aplicações financeiras insculpido no novel artigo 655 – A do Código de Processo Civil de 1973, senão vejamos:
Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.
§ 1o As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.
§ 2o Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.
Esse artigo levou a cabo as discussões sobre a legalidade da aplicação da penhora on-line pelo sistema BacenJud, o qual estava a disposição do Judiciário desde 2001 e tinha sua aplicação calcada em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.
É inegável a aplicação do artigo supra colacionado à execução fiscal, ex vi do artigo 1º da própria Lei 6.830/80, que assim dispõe:
Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Como inexiste qualquer regra na Lei de Execução Fiscal que disponha de forma diferente do artigo 655 – A, ao contrário, o próprio artigo 11 da LEF traz o dinheiro como principal foco da penhora, não há óbice à sua aplicação na ação de execução fiscal, pois trata-se aqui de uma relação de complementaridade entre as aludidas leis, e não de especialidade excludente.
-A desnecessidade da busca por outros bens para utilização da penhora on-line
Sem dúvida, o cerne da questão a respeito da utilização da penhora on-line na execução fiscal está na necessidade ou não de busca por outros bens penhoráveis para que se faça uso do sistema BacenJud.
Abalizadas vozes doutrinárias e julgados das mais altas cortes nacionais já se posicionaram no sentido de que seria indispensável a diligência por parte da Fazenda Pública em busca de outros bens do executado para que pudesse valer-se da constrição patrimonial eletrônica, como se um pré-requisito fosse para o deferimento da medida, v. g. AgRg no AI 2007/0281807-5 – STJ.
Isso ocorria porque alguns julgadores tomavam como base para tal entendimento o preceito trazido pelo artigo 185 – A do Código Tributário Nacional que, de fato, traz em seu bojo essa condicionante, senão vejamos:
Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. (Sem grifos no original)
Do artigo acima, depreende-se cristalinamente que para que o juiz se utilizasse do instrumento previsto no art. 185-A do CTN, determinando a indisponibilidade de todos os bens do executado, deveria observar a sequência: a) ser o devedor citado; b) não quitar o débito nem apresentar bens à penhora no prazo legal; e c) não encontrados bens desse passíveis de penhora.
Entretanto, com a entrada em vigor da Lei 11.382/06, restou prejudicada a condicionante da prévia busca por bens do executado, pois, conforme explanado em tópico anterior, não há qualquer motivo para que se deixe de aplicar o artigo 655 – A do CPC na execução fiscal, o qual traz como único pré-requisito para o deferimento da medida o requerimento do exequente, sendo uma norma processual cogente.
Saliente-se que, conforme a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, os arts. 185-A do CTN e o art. 655-A do CPC/73 tratam de situações diferentes. Enquanto o artigo do Códex Processualista trata apenas da constrição patrimonial por meio eletrônico, o dispositivo do Código Tributário trata da indisponibilidade de todos os bens do executado. Para esta segunda medida, mais drástica, portanto, devem-se sim serem observados os requisitos do prévio esgotamento das demais vias de penhora, conforme STJ:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 185-A DO CTN. INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR. ANÁLISE RAZOÁVEL DO ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR. NECESSIDADE.
1. Para efeitos de aplicação do disposto no art. 543-C do CPC, e levando em consideração o entendimento consolidado por esta Corte Superior de Justiça, firma-se compreensão no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do devedor tributário; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; e (iii) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito – DENATRAN ou DETRAN.
2. O bloqueio universal de bens e de direitos previsto no art. 185 -A do CTN não se confunde com a penhora de dinheiro aplicado em instituições financeiras, por meio do Sistema BacenJud, disciplinada no art. 655-A do CPC.
3. As disposições do art. 185-A do CTN abrangerão todo e qualquer bem ou direito do devedor, observado como limite o valor do crédito tributário, e dependerão do preenchimento dos seguintes requisitos: (i) citação do executado; (ii) inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, (iii) não forem encontrados bens penhoráveis. (...)
(REsp 1377507/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 02/12/2014).
Assim, como a penhora on-line não se confunde com a indisponibilidade de bens do art. 185-A do CTN, vem sendo rechaçado o argumento de que deve haver uma prévia busca por bens do executado para que se utilize o sistema BacenJud, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PEDIDO DE CONSTRIÇÃO DE ATIVOS FINANCEIROS REALIZADO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.382/2006 – ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS A FIM DE LOCALIZAÇÃO DE BENS DO EXECUTADO: DESNECESSIDADE – PREVALÊNCIA DA FINALIDADE PRECÍPUA DA EXECUÇÃO.
1. Na hipótese dos autos, o pedido de constrição de ativos financeiros foi formulado após o advento da Lei 11.382/2006, o que impõe a observância do regime no qual a penhora on line pode ser deferida de plano, afastando-se a exigência de esgotamento das diligências para localização de bens do devedor, conforme sólida jurisprudência desta Corte.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2008/0277117-0 - Relator(a) Ministra Eliana Calmon - Segunda Turma - Data do Julgamento: 18/08/2009)
Com efeito, o convênio BacenJud foi desenvolvido justamente para garantir o direito do autor da ação de execução, consagrando o princípio da celeridade processual.
A Lei nº 11.382/06 condicionou a penhora em dinheiro via requisição judicial eletrônica tão somente ao simples requerimento do exequente, em sintonia, aliás, com a ordem de gradação legal trazida pelo artigo 11 da Lei de Execução Fiscal e pelo artigo 655 do Código de Processo Civil de 1973, razão essa por que deve o instrumento em estudo ser utilizado com prioridade sobre outras modalidades de constrição judicial.
Conclusão
De tudo quanto exposto, a constrição patrimonial por meio eletrônico, comumente chamada de penhora on-line, se mostra como meio assaz eficaz para levar a cabo a tradição da execução fiscal caminhar apenas até o ponto em que não se encontra nem o devedor, nem seus bens. Combater o chamado “cemitério de receitas públicas” no qual se transformaram as varas da Fazenda Pública é dever do Poder Judiciário.
A Lei 11.382/06 trouxe inovações para que se busque a maior celeridade processual, a qual é consagrada na Constituição Federal como um direito fundamental. Este direito, o da prestação jurisdicional, deve ser entendido como direito à prestação jurisdicional em tempo razoável, seja por derivação lógica do princípio do due process of law, seja pela inclusão expressa no texto da Carta Política de 1988, a partir da Emenda Constitucional 45 de 2004, não é garantia simplesmente programática ou prospectiva, exigindo-se aplicação concreta pelo juiz, que deve reger suas sentenças observando este direito.
Não se pode olvidar que a penhora on-line nada mais é do que a penhora do dinheiro em si, que aparece em primeiro lugar na ordem legal de preferência de penhora, ex vi do artigo 655 do Código de Processo Civil de 1973 e do artigo 11 da Lei de Execução Fiscal. Saliente-se que o dinheiro não é guardado debaixo dos colchões, mas sim nos bancos e instituições financeiras congêneres.
Assim, as teses brandidas para afastar a aplicação do sistema BacenJud, tais como a suposta quebra de sigilo bancário e a onerosidade excessiva que a penhora on-line traria ao executado, o que afrontaria a regra do favor debitoris, não devem ser acolhidas, porque desarrazoadas e sem o condão de prejudicar a aplicação desse meio de contrição judicial.
Como a Fazenda Pública vincula parte da receita oriunda de impostos para a tentativa de reaver aquilo que lhe é devido por mau-pagadores, através do pagamento de custas, emolumentos, diligências, salários dos procuradores etc., o contribuinte que paga seus impostos em dia é penalizado com a mora e a falta de eficácia que tala a execução fiscal.
Ainda, a título de exemplo, se uma empresa ou contribuinte paga seus tributos e obrigações em geral em dia, o mesmo será prejudicado pela falta de pagamento do devedor contumaz, que pode praticar preços e praticar uma concorrência desleal, pois tem a certeza que a execução fiscal contra si proposta não logrará êxito caso o mesmo decida se esquivar dela.
Destarte, há o interesse estatal na satisfação do crédito, que é a tal falada prestação jurisdicional eficaz e célere, o que justifica a utilização de todo e qualquer meio que viabilize o provimento jurisdicional, sem esquecer, logicamente, dos direitos do executado que devem ser minimamente respeitados. Isso se dá não para atender o interesse particular do credor fazendário, mas sim um interesse maior e público de efetividade do processo.
Assim, conclui-se que não pode o magistrado se prender a entendimentos e interpretações arcaicas e ultrapassadas da legislação processual, cegando-se às inovações que a tecnologia põe à disposição do Judiciário, pois desta forma, estaria a ceifar o direito do jurisdicionado, in casu o ente federativo exequente, de ver seu crédito satisfeito, pelo que, a penhora on-line pode e deve ser plenamente utilizada no julgamento de execuções fiscais.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 42ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008.
Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça da Paraíba, pós-graduado em Direito Público e pós-graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, João Carlos Botelho. A utilização do sistema Bacenjud 2.0 no âmbito da execução fiscal e o CPC/1973 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46386/a-utilizacao-do-sistema-bacenjud-2-0-no-ambito-da-execucao-fiscal-e-o-cpc-1973. Acesso em: 23 dez 2024.
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