Resumo: Este artigo busca a ampla compreensão da Lei de Anistia no contexto de sua promulgação, e os impactos desta de modo imediato, ou mediato necessita do estudo do contexto histórico que esta encerra. Os efeitos da anistia no Brasil no que se tange ao direito constitucional e ao direito penal no período de 1964 a 1979 são capazes de demonstrar a partir da institucionalização o regime civil-militar e as medidas por este tomadas para se legitimar e legitimar o processo de anistia, a partir da Lei 6683/79.
Palavras Chave: Regime Civil-Militar; Ditadura Militar; A Lei de Anistia; Lei 6683/79; Anistia na Constituição de 1989; Efeitos no Direito Penal.
1. Introdução
Os efeitos expressivos da Lei de Anistia, que marcou a transição para um regime democrático, suscitam um aprofundamento nos fatores que levaram à criação desta e como se deu sua real aceitação pela população à época, assim como seu significado para a atual sociedade brasileira. A partir de bases bibliográficas e históricas é possível se analisar desde o momento em que a referida lei surgiu seus impactos tanto imediatos, como mediatos.
Deste modo demanda-se a análise do contexto desde o golpe civil-militar de 1964 até a promulgação da Lei 6683/79, não se obstando os efeitos, objetivos e interesses existentes no período, coligados à perpetuação de seus pressupostos. Compreender a sociedade, na qual a Lei de Anistia foi promulgada se mostrou essencial para a realização de uma análise mais ampla desta.
Este artigo visa refletir acerca da lei 6683/79, a partir de seus objetivos e efeitos de caráter mediato e imediato a partir da construção histórica que resultou nesta, como de análises realizadas posteriormente que possam desencadear a revisão da mesma. A tentativa de gerar o esquecimento por parte da população figura como fator que urge por revisão, a sociedade brasileira demanda a busca de conhecimento da realidade mascarada do regime civil-militar, conhecimento de sua história recente. Tal revisão pode ser realizada, principalmente, pelas Comissões da Verdade.
2. Contexto Brasileiro
Quando da ocorrência do golpe civil-militar de 1964 se visou o estabelecimento de legitimação quase que imediata, a estrutura política brasileira não passou por uma dissolução completa, mantendo-se os três poderes com uma aparente divisão entre eles. O congresso, mesmo que a partir do bipartidarismo que foi criado neste período manteve seus trabalhos, assim como o executivo com a existência de um Presidente eleito. Contudo, as eleições sofreram alterações, estas passaram a ser realizadas de modo indireto para a Presidência da República, mantendo-se o modelo direto de pleito eleitoral para os cargos de senador e prefeito, quando estes não fossem de capitais. No entanto, neste período se observou grande interferência militar no processo eleitoral, como constatou na nomeação de senadores a partir do Pacote de Abril e na limitação da propaganda eleitoral como exposto no artigo 1º da Lei 6339/76. O judiciário permaneceu com seu funcionamento ordinário, mesmo que esse tenha se mostrado submisso às vontades dos militares. Assim, a partir do AI – 1 a aparência de democracia foi atribuída ao regime e este pode se institucionalizar.
Art 1º O artigo 250 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, alterado pelo artigo 50 da Lei nº 4.961, de 4 de maio 1966, passa a vigorar com a seguinte redação: Ver tópico (1 documento)
"Art. 250. Nas eleições gerais, de âmbito estadual, as emissoras de rádio e televisão, de qualquer potência, inclusive as de propriedade da União, Estados, Territórios e Municípios, reservarão, nos 60 (sessenta) dias anteriores à antevéspera do pleito, duas horas diárias para a propaganda eleitoral gratuita, sendo uma hora à noite, entre vinte e vinte e três horas, sob a fiscalização direta e permanente da Justiça Eleitoral.
§ 1º Nas eleições de âmbito municipal, as emissoras reservarão, nos 30 (trinta) dias anteriores à antevéspera do pleito, uma hora diária, sendo trinta minutos à noite entre vinte e vinte e três horas, para a propaganda gratuita, respeitada as seguintes normas:
I - na propaganda, os partidos limitar-se-ão a mencionar a legenda, o currículo e o número do registro dos candidatos na Justiça Eleitoral, bem como a divulgar, pela televisão, suas fotografias, podendo, ainda, anunciar o horário local dos comícios;
II - o horário da propaganda será dividido em períodos de cinco minutos e previamente anunciado;
III - a propaganda dos candidatos às eleições em um município só poderá ser feita pelas emissoras de rádio e televisão, cuja outorga tenha sido concedida para esse mesmo município, vedada a retransmissão em rede;
IV - o horário de propaganda destinado a cada partido será distribuído em partes iguais, entre as suas sublegendas;
V - o Diretório Regional de cada partido designará comissão de três membros para dirigir e supervisionar no município a propaganda eleitoral através do rádio e da televisão.
§ 2º O horário não utilizado por um partido não poderá ser transferido ou redistribuído a outro partido.
§ 3º As empresas de rádio e televisão ficam obrigadas a divulgar, gratuitamente, comunicados da Justiça Eleitoral, até o máximo de 15 minutos, entre as dezoito e as vinte e duas horas, nos 45 (quarenta e cinco) dias que precederem ao pleito, nas eleições de âmbito estadual, e nos 30 (trinta) dias anteriores à eleição, nos pleitos municipais".
Socialmente o período que se iniciou em 1964 e se encerrou em 1985 foi marcado pela ilusão da existência de uma democracia que visava ao bem estar da população, a qual conviveu com os chamados “porões da ditadura”. A repressão não era aberta, esta se encontra velada e parte da população não possuia o real conhecimento da repressão que ocorria. O aparente sucesso na luta contra o comunismo e na busca do progresso econômico - os altos índices de crescimento que o Brasil apresentou no período conhecido como “milagre econômico” - fundaram a base de sustentação do período. Por fim, o funcionamento do judiciário e a não impugnação do Regime, assim como das medidas tomadas para sua institucionalização se apresentaram como um contexto capaz de garantir a aparente estabilidade social do período, assim, possibilitando a perpetuação do poder na mão dos militares.
A preocupação principal em aparentar possuir garantia de legalidade e adequação à Constituição Federal de 1946 foi concretizada a partir de medidas que asseguravam tal aparência, estas sendo, principalmente, a promulgação dos Atos Institucionais. As mudanças políticas foram possibilitadas por estes, considerando sua capacidade de congruência com a Constituição vigente, assim como o surgimento de uma nova em 1967. Esta preocupação com as aparências que o Regime adquiria não se manteve apenas durante sua instauração, mas durante toda sua duração, o que levou à adoção de medidas de exceção veladas para se manter o ideal da legalidade.
3. A Lei da Anístia
O regime civil-militar e o modo como este foi conduzido é fator fundante dos resultados que se obtêm na Lei de Anistia. Suas características, a organização social, as políticas econômicas, seu efetivos positivos, indiferentes ou negativos para a população e a posição do judiciário durante todo o período determinaram os moldes e efeitos imediatos, assim como mediatos da anistia. No Brasil o fator determinante para que a anistia se desse de modo geral foi a postura do judiciário, o qual não se manifestou de modo a buscar a punição dos crimes realizados no período de cerceamento das liberdades democráticas e individuais.
A Lei de Anistia pode ser compreendida a partir de um viés que não se subentende pelo nome a ela atribuída. Sua promulgação e seu entendimento posterior leva ao questionamento de seus reais objetivos, devido ao fato de esta anistiar não apenas os crimes cometidos na luta contra o Estado, excetuando-se a prática de sequestros, torturas e atentados pessoais, segundo o parágrafo 2º do artigo 1º da Lei 6683/76, e permitir o retorno ao Brasil de exilados políticos, como também gerado a impossibiliade de punir-se aqueles que protagonizaram o Regime de exceção.
“§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”(Lei 6683/76)
A postura da população brasileira diante da realização e posterior promulgação da Lei 6683 de 28 de agosto de 1979 se mostrou como fator relevante para a análise dos efeitos desta. Assim, demanda-se a compreensão do contexto em que o Brasil se encontrava durante os anos de ditadura e que levaram a tal postura social de participação passiva na realização da lei.
Na redação da Lei 6683/79 é possível se observar a auto-anistia realizada por militares como exposto em seu artigo 1º parágrafos 1º e 2º, a partir destes é possível compreender quem seriam os grandes beneficiados com a lei e os limites que esta impõe para uns e não para outros. A revogação dos crimes políticos, realizados por motivação política e os conexos beneficia os dois lados da Ditadura, os que com ela sofreram e aqueles que realizaram a repressão, de modo a impedir a responsabilização dos algozes do período com efeito de gerar o sentimento de impunidade que se atribui ao período.
No artigo 1º, parágrafo 2º da Lei de Anistia prevê-se que se excetuam dos benefícios atribuídos pela Lei de Anistia aqueles que possuem seu processo por terrorismo, assalto, roubo ou assassinato transitado em julgado. A partir deste pressuposto é possível perceber a existência de duas medidas na anistia brasileira pós Ditadura civil-militar, as condenações, muitas vezes arbitrárias, realizadas no período não se enquadravam como os casos a serem anistiados. No entanto, os crimes cometidos pelo Estado - o qual possui dentro de suas atribuições, especialmente neste período, o monopólio da violência - não poderiam ser julgados dentro da esfera do direito penal devido ao excludente de ilicitude gerada pelo artigo primeiro, parágrafo primeiro da Lei da Anistia.
“§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.” (Lei 6683/76 Art 1º)
4. A Anistia na Constituição Federal de 1988
A anistia como norma integrante do sistema jurídico se enquadra no gênero “direito de graça”, o qual compreende as espécies graça, indulto e anistia. A anistia se distingue das outras espécies por estas serem individuais e nominativas e a anistia ser geral (WEINMANN). Se faz importante ressaltar os pressupostos e a quem compete a concessão da anistia, devido aos questionamentos e efeitos que foram gerados pela Lei 6683/79, a realização e promulgação desta compete ao Congresso Nacional, com a necessidade de sanção presidencial(CF/88, art 48, VIII). As matérias que esta não pode regular e consequentemente excluir a punibilidade encontram-se expressas na Constituição Federal de 1988, de modo que crimes considerados hediondos e assemelhados não poderiam gozar dos benefícios da anistia (CF/88, art 5º, XLIII). A partir deste pressuposto constitucional, norma de caráter superior, se faz questionamento acerca da recepção de forma total da Lei de Anistia pela Constituição Federal de 1988.
5. Efeitos
A compreensão dos efeitos advindos da Lei de Anistia demanda análise de sua realização, se atendo à vontade do legislador, assim como à distensão da Ditadura civil-militar. O processo no qual se insere e os meios de sua realização determinam os efeitos futuros e suas possíveis interpretações.
A Lei 6683/79 se insere no contexto da “distensão lenta, gradual e segura”, deste modo ela visava estabelecer as garantias necessárias para que os militares pudessem deixar o poder sem que estes sofressem represálias e revanchismo devido aos moldes em que o regime foi instituído. A intenção do legislador à época é garantir a ocorrência da transição política sem que se gere o sentimento de penalização dos protagonistas deste, a Lei de Anistia surgiu deste modo como meio de se concretizar a transição para o modelo democrático.
A anistia, no caso brasileiro, é classificada como ampla e geral, esta abrange parte dos que de algum modo sofreram os efeitos imediatos da ditadura, assim como aqueles que se encontravam no controle desta. Estas características da Lei geraram a vedação da responsabilização e um resgate à memória tardio, sendo este possível apenas após a condenação do Brasil pela não punição dos crimes contra a humanidade pela CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), quando foi instaurada as Comissões da Verdade.
A desconsideração da ilicitude penal dos crimes durante o regime teve como objetivo o esquecimento dos abusos realizados pela máquina estatal, contudo a não capacidade de se punir não levou obrigatoriamente a tal esquecimento, o conhecimento do que foi realizado se mostrou essencial para a história brasileira. A busca por informações acerca da realidade do período não pode se concretizar de forma imediata, esta apenas foi possível de modo mais amplo com a instauração da comissão da verdade. A partir desta se abriu parte dos documentos do período, revelando parcialmente o ocorrido na tentativa de se estabelecer a memória coletiva brasileira.
A compreensão da anistia no âmbito nacional e internacional se apresenta de modo discrepante, a postura tomada pelas esferas de poder, em principal pelo judiciário brasileiro, quanto a possibilidade de penalização dos atos cometidos no regime se mostra contrária a esta apenas no âmbito nacional. A extradição para posterior julgamento, de crimes realizados durante o período, em seus respectivos países deixa clara a contradição quanto à punição das atrocidade de regimes civil-militares ocorridos na América Latina. Deste modo a Lei 6683/79 demonstra ter efeitos diferenciados quando se trata dos protagonistas do regime brasileiro e dos de seus vizinhos, mantendo impunes apenas os brasileiros.
6. Revisão da Lei de Anistia
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por meio da ADPF 153 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) buscou reverter as características da Lei de Anistia, visava-se deste modo possibilitar a penalização dos crimes cometidos pelo Estado no período de 1964 a 1979. A reinterpretação do artigo 1º, parágrafos 1º e 2º à luz da Constituição de 1988 determinaria a não extensão dos benefícios da anistia aos algozes do período.
O STF (Supremo Tribunal Federal) ao julgar a ação declarou esta improcedente de modo a não alterar o entendimento que possui a Lei 6683/79, mantêm-se assim a impossibilidade de imputação dos crimes cometidos no período de exceção. O voto do Ministro Cezar Peluzo deixa clara a posição da Corte Suprema de não revisão da referida lei devido às suas características que não podem ser alteradas, como a generosidade atribuída a esta quando se classifica a lei como geral. Outro ponto que se mostrou essencial no julgamento é a hermenêutica utilizada, quando se afirma dever-se respeitar a intenção do legislador, a qual se remete à facilitação da transição para a democracia.
Em contrapartida à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o Senado Federal tramita a revisão da Lei 6683/79 de modo a não incluir torturas, sequestros e homicídios durante o regime civil-militar como crimes conexos e inimputáveis. Busca-se penalizar aqueles que cometeram tais crimes independendo de sua posição política na época, agentes públicos, militares e/ou civis.
Diferentemente do analisado pela Suprema Corte a tramitação da revisão da Lei de Anistia busca não compreender sua realização como um acordo entre as partes, mas uma imposição do regime. Almeja-se não o perdão das ações tomadas durante o regime civil-militar, mas a conciliação com o passado e o estabelecimento de memória coletiva.
7. Conclusão
A Lei 6683/79 ainda gera muitos questionamentos devido a não capacidade de se punir os algozes do período compreendido entre 1964 e 1979. Os seus efeitos se mostraram consideravelmente controversos com o passar do tempo.
A busca da memória recente brasileira que tentou apagar-se por meio da Lei de Anistia se mostrou como fator fundante para as reanalises desta. A partir da intervenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi necessário o surgimento de um processo de conhecimento dos fatos ocorridos no regime civil-militar. A Comissão da Verdade com a abertura dos documentos do período se mostrou determinante para que se concilie com o passado histórico brasileiro sem que se esqueça ou perdoe indiscriminadamente.
Nestes moldes a revisão e reinterpretação da Lei de Anistia demonstra a relevância desta para a constituição histórica do Brasil de modo a ressaltar os efeitos de um período de grandes atrocidades. Ao se entender a lei não como um processo de aceitação e acordo envolvendo a população é possível compreender os reais efeitos e objetos desta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Graduanda do sexto semestre de direito pela UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Alana Demarqui. Os Impactos Mediatos e Imediatos da Lei de Anistia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46431/os-impactos-mediatos-e-imediatos-da-lei-de-anistia. Acesso em: 23 dez 2024.
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