RESUMO: O ordenamento jurídico de cada país deve espelhar as necessidades das relações jurídicas daquela determinada população. Porém, o estudo sistematizado do direito comparado enriquece a experiência dos compêndios jurídicos de cada Estado, na medida em que se mostram as falhas e os acertos de cada jurisdição, de acordo com a aplicação dentro do seu país de origem. Nesse sentido, o artigo pretende explicitar as linhas gerais do inquérito policial francês, com análise dos principais artigos concernentes e apontamentos doutrinários.
Palavras-chave: Inquérito Policial, Direito Comparado, Ordenamento jurídico francês.
O Inquérito policial "é o registro legal, formal e cronologicamente escrito, elaborado por autoridade legitimamente constituída, mediante o qual esta autentica as suas investigações e diligências na apuração das infrações penais, das suas circunstâncias e dos seus autores[1]".
Diante de tal conceito, o presente labor foi realizado com vistas a enriquecer o conteúdo intelecto-jurídico no que diz respeito a este tema, procurando sempre exaltar os pontos comuns e as divergências entre as instituições jurídicas francesa e brasileira.
Este trabalho, no que se refere ao seu caráter metodológico, foi realizado mediante bibliografia dos mais renomados doutrinadores penais franceses, como Jean Pradel e François Fourment, além da análise do próprio Código de Processo Penal francês (Code de Procédure Pénale).
O Direito faz parte da vida dos povos, e o Direito Penal executa papel fundamental na proteção dos direitos dos cidadãos, buscando, sempre, a resolução dos conflitos. O inquérito policial, então, deve ser um instrumento de garantia de direitos fundamentais do indivíduo, não submetendo o indivíduo, senão quando necessário, aos entraves causados por uma ação penal
CAPÍTULO I
SOBRE A POLÍCIA JUDICIÁRIA FRANCESA
1.1 Considerações preliminares: prova
Em primeiro lugar, cabe tecer algumas considerações para melhor entendimento da matéria, como a conceituação da prova na França. A prova, no direito francês incumbe àquele que acusa. Esta regra é consequência direta do Princípio da Presunção de Inocência:
“Ce principe signifie qu´un individu est innocent tant que sa culpabilité n´a pas été prouvée par un jugement irrévocable (Este princípio significa que um indivíduo é inocente até que a sua culpabilidade seja provada por um juízo irrevogável). Il assure la protection des individus dans leurs rapports avec les autorités étatiques. ‘In dubio pro reo’: le doute profite à l´accusé. Ce principe a valeur constitutionnelle.”
1.2 Polícia Judiciária Francesa
Polícia judiciária designa indiferentemente tanto o corpo de funcionários encarregados do inquérito, como o trabalho, de natureza judiciária, das operações de polícia que estes funcionários efetuam.
Distingue-se polícia administrativa e polícia judiciária. Aquela tem missão de prevenção, impedindo que a ordem pública seja perturbada. Esta tem função de constatar uma infração real ou suposta.
Ns França, a polícia judiciária pertence à organização administrativa da polícia geral e se divide entre os serviços da polícia e da esquadra nacionais: a polícia nacional é um corpo de funcionários civis sob a autoridade do Ministro do interior. É dividida em três corpos: o de concepção e direção (comissariado de polícia, comissariado principal, divisionário, controlador geral, inspetor geral), os corpos do comandante (tenente, capitão e comandante, os mais antigos inspetores de polícia são os integrantes desses corpos), e os corpos de aplicação (brigadeiro, guardião da paz, brigadeiro-chefe). É organizada em serviços centrais, que são direções centrais de competência nacional, como por exemplo, Direção da Segurança Pública, e em serviços exteriores que cuidam de uma determinada circunscrição territorial, como os serviços regionais de polícia judiciária (SRPJ).
A esquadra nacional é um corpo de funcionários militares sob a autoridade do Ministro da Defesa. É composto por um corpo de oficiais e sub-oficiais. Também é organizado em serviços centrais (Ex: Gendarmerie maritime).
1.2.1 Composição da polícia judiciária
O art. 15 do Código de Processo Penal possui a seguinte redação:
Art. 15 La police judiciaire comprend :
1° Les officiers de police judiciaire ;
2° Les agents de police judiciaire et les agents de police judiciaire adjoints ;
3° Les fonctionnaires et agents auxquels sont attribuées par la loi certaines fonctions de police judiciaire.
A polícia judiciária possui duas atribuições principais. De uma forma geral, tem por missão constatar as infrações à lei penal, colher provas e procurar os autores. Especificamente, quando uma instrução é aberta por um juiz de instrução, a polícia judiciária deve executar as delegações deste magistrado e deferir suas requisições, ou seja, executar comissões rogatórias e mandatos.
Como atribuições materiais, a polícia deve recepcionar as denúncias e queixas. Tais atos possuem, na França, natureza idêntica, mas enquanto a queixa emana da vítima da infração, a denúncia provém de um terceiro. Todos os dois devem ser transmitidos ao Procurador da República, que possui a função de dirigir a polícia judiciária. Além disso, a polícia deve proceder ao inquérito de crimes em flagrante ou preliminares, de ofício ou a pedido do procurador. Os oficiais podem requerer diretamente o emprego da força pública para exercer as suas funções.
Com relação à competência territorial, o art. 18 do CPP traça as medidas que devem ser seguidas:
Les officiers de police judiciaire ont compétence dans les limites territoriales où ils exercent leurs fonctions habituelles (Regra Geral).
Les officiers de police judiciaire, mis temporairement à disposition d'un service autre que celui dans lequel ils sont affectés, ont la même compétence territoriale que celle des officiers de police judiciaire du service d'accueil.
En cas de crime ou délit flagrant, les officiers de police judiciaire peuvent se transporter dans le ressort des tribunaux de grande instance limitrophes du tribunal ou des tribunaux auxquels ils sont rattachés, à l'effet d'y poursuivre leurs investigations et de procéder à des auditions, perquisitions et saisies. Pour l'application du présent alinéa, les ressorts des tribunaux de grande instance situés dans un même département sont considérés comme un seul et même ressort. Les ressorts des tribunaux de grande instance de Paris, Nanterre, Bobigny et Créteil sont considérés comme un seul et même ressort.(…)
Os oficiais de polícia judiciária cuja competência territorial ordinária é limitada à circunscrição de um ou muitos tribunais de grande instância podem se beneficiar de uma extensão de competência a um ou mais tribunais limítrofes. Isso só é possível em caso de crime ou delito em flagrante que necessitam de investigações exteriores à circunscrição.
Os oficiais de polícia judiciária que exercem habitualmente suas funções nos veículos coletivos ou nos locais destinados ao acesso desses veículos (ex: ponto de ônibus) são competentes para operar na zona de defesa do seu serviço de afetação, e, portanto, sua competência territorial são os meios de transporte.
Qualquer oficial de polícia judiciária pode obter uma extensão de competência, sob requisição do procurador da República, em caso de inquérito preliminar ou flagrante, ou sob comissão rogatória de um magistrado instrutor.
1.2.2 O Controle da Polícia Judiciária
Considerada dentro da qualificação de administração de polícia, a Polícia Judiciária obedece aos principais ditames do controle hierárquico, mas, dentro do exercício de suas atribuições judiciais, depende do controle da autoridade judiciária e das regras de processo penal.
Tal controle pode ser feito por diversos órgãos e autoridades: Procurador da República, Procurador-Geral, “Chambre d´Instruction”, etc.
A polícia judiciária é, por excelência, comandada pelo procurador da República. O Procurador geral vigia os oficiais de polícia de sua área, podendo ordenar sanções contra membros da polícia, como suspenção. O Chambre d´instruction possui também um poder disciplinar. Ele pode, por exemplo, transmitir ao procurador geral o dossiê do agente considerado como infrator à lei penal.
Tais regras relacionadas à Polícia Judiciária, suas regras e hierarquias, são importantes para compreender o inquérito, principalmente no que concerne à repartição de funções, controle e prestação de contas.
CAPÍTULO II
O INQUÉRITO POLICIAL
A França possui dois tipos de inquérito: o preliminar e o de flagrante delito. Cada um possui regras específicas e precisas, porém, o inquérito de flagrante delito apresenta mais especificidades por ter escopo mais urgente, sendo mais coercitivo que o tipo preliminar.
O processo de inquérito é secreto e as pessoas que participam dos mesmos devem obedecer ao segredo profissional, sob pena de infração penal.
2.1 O inquérito sobre crimes em flagrante
O “enquête de flagrance” ou “enquête sur infraction flagrante” ocorre, por óbvio, na hipótese de crimes em flagrante, quando se vê, se entende ou se percebe que a infração ocorreu. Visa impedir a ‘fuga’ das provas.
A situação deve ser plenamente caracterizada (a situação de flagrante), antes que se executem os procedimentos autorizados especificamente para esses casos:
“Enquêtant ‘sur’ une infraction, la police judiciaire doit d´abord en caractériser la flagrance. Autrement dit, ce ne sont pas les pouvoirs d´enquête de flagrance qui doivent permettre à la police judiciaire de révéler la flagrance mais la situation de flagrance qui autorise la police judiciaire à recourir à l´utilisation de ces pouvoirs d´enquête.”[2]
Os poderes do inquérito em flagrante delito se distinguem dos outros pelo caráter mais coercitivo, afinal, há um problema de ordem pública pendente. Ele é aplicável para todos os crimes e delitos puníveis com pena de prisão. Não é possível, portanto, para contravenções ou delitos com pena de multa.
Há três casos principais que podem dar ensejo ao inquérito de flagrante delito:
a) O crime ou delito atual: é a infração que pode ser percebida por um senso comum de percepção, repousando sobre índices objetivos;
b) Anterioridade imediata do crime ou delito: o crime acabou de ser cometido;
c) A infração reputada flagrante: existe quando dentro de um tempo próximo à infração, uma pessoa é indicada pelo clamor público (exemplo clássico: gritos de “pega ladrão), ou tenha em seu porte objetos, ou apresente traços e indícios que permitem pensar que ela participou do ato delituoso. Exclui-se, aqui, o simples rumor.
A jurisprudência junta ao critério temporal e legal da atualidade do delito, uma condição material: o índice aparente de um comportamento delituoso (Ex: fuga de um indivíduo). Logo, basta o simples conhecimento de indício de delito para a instauração do inquérito.
A primeira obrigação do oficial de polícia judiciária, ao saber da ocorrência do delito, é informar imediatamente o ocorrido ao procurador da República, porque este dirige o inquérito, e deve se destinar ao local.
Tal oficial deve se transportar ao local, contudo, com a chegada do procurador, pode ser dispensado. O procurador, então, realiza todos os atos da polícia judiciária no local, ou pode ordenar tais atos ao oficial. Pode, ainda, transitar pelo local e proceder às primeiras constatações, quando há, por exemplo, um cadáver ou alguém muito ferido. O juiz de instrução também pode se dirigir ao local. Inclusive, na prática, quando o delito é grave, tanto o procurador como o juiz restam presentes no local.
O Procurador da República pode expedir um mandado de busca, sendo o suspeito preso preventivamente pelo oficial de polícia judiciária do lugar da descoberta, efetuando o seu depoimento.
Quando não é dispensado pelo Procurador da República, o oficial de polícia pode proceder à constatação dos indícios suscetíveis de serem úteis para a busca da verdade. Para isso, ele pode tirar fotografias, proceder a levantamentos, colher objetos, etc.
É proibido, para todos, sob sanção penal, modificar o estado das coisas ou efetuar levantamentos, salvo se a segurança ou insalubridade pública assim exija, ou se as medidas são indispensáveis para dar assistência às vítimas. O oficial de polícia pode proibir qualquer pessoa de sair do local da infração até o fechamento das operações.
O inquérito de flagrante delito pode ter, sem se interromper, uma duração de 8 dias, a contar do primeiro ato do inquérito. Contudo, quando as investigações necessárias à descoberta da verdade de um crime ou delito que possuem pena igual ou superior à 5 anos de prisão não são suficientes, pode o Procurador da República prolongar o período de inquérito por mais oito dias. No fim da validade de tal período, o dossiê seguirá, seja para o inquérito preliminar, seja para a Instrução.
2.1.1 Busca e apreensão no inquérito de flagrante delito
O oficial da polícia judiciária procede à busca e apreensão. Pode, então, se transportar ao domicílio das pessoas suspeitas e que podem ter objetos ou peças relativas ao fato incriminador. Algumas regras, porém, devem ser seguidas.
As buscas e visitas domiciliares devem ser feitas entre as 6 e 21 horas, e com a presença da pessoa suspeita. As buscas em escritórios de advogados ou em seus domicílios devem ser feitas pelos magistrados, na presença do bastonário ou de alguém por ele delegado. O segredo profissional não pode, nesse caso, impedir a apreensão de peças suscetíveis ao estabelecimento da participação eventual do suspeito em uma infração penal. O oficial de polícia pode recorrer a experts para proceder a constatações ou exames técnicos ou científicos.
2.2 Inquérito preliminar
É o inquérito de exceção: só existe quando não há condições de se instaurar um inquérito de flagrante delito. Pode ser feito de ofício por um agente da polícia judiciária ou à pedido do Procurador da República.
Tem por objetivo reunir um mínimo de elementos para que o Procurador da República possa exercer seus poderes com todo o conhecimento da causa.
Deve-se tomar cuidado com o inquérito preliminar, pois, em certos casos, ele substitui a fase de instrução, sem dar aos interessados as garantias que lhe são devidas no momento da divulgação de uma informação. Ademais, os elementos recolhidos no curso do inquérito poderão ser provas perante o juízo penal.
O Procurador de República, quando dá instrução aos oficiais de polícia judiciária para que procedam a um inquérito preliminar, deve fixar o período em que ele deve correr, podendo prolongar sob justificativa; quando o inquérito é feito de ofício, os oficiais devem prestar contas ao Procurador da República do seu Estado quando o inquérito começou há seis meses ou mais. Leva-se em conta, para começo do ínterim, a data do primeiro processo-verbal do inquérito.
2.2.1 Atos do inquérito preliminar
Tais atos podem ser cumpridos de ofício pela polícia judiciária, ou a pedido do Parquet. Como não é um inquérito coercitivo, como o de flagrante delito, os atos precisam de um acordo prévio com o indivíduo. Contudo, leis recentes dão maiores poderes à polícia quando do inquérito preliminar, mais coercitivos, especialmente no campo de delinquência e crimes organizados.
2.2.2.1 Audições
Qualquer pessoa pode ser solicitada para dar depoimento: a vítima, as testemunhas, o suspeito. Tal audição possui caráter coercitivo. Se o convocado não responde ao chamado ao depoimento, o oficial pode avisar ao Procurador da República, que poderá utilizar-se da força pública.
2.2.2.2 Buscas, visitas e apreensões
Tais atos não devem ser realizados sem a permissão expressa do indivíduo, feita por meio de uma declaração escrita à mão pelo interessado, sendo esta a fórmula geral: “En sachant que je puis m´opposer à la visite de mon domicile, je consens expressément à ce que vous y opériez les perquisitions et saisies que vous jugerez utiles à l´enquête en cours”. Tal consentimento não pode mais ser revogado.
Se as necessidades relativas a um inquérito que apura um crime ou delito de pena de prisão com duração igual ou superior a cinco anos exigirem, o juiz pode, à requisição do procurador da liberdade, decidir, por meio escrito e motivado, que a perquirição poderá ser efetuada sem o assentimento da pessoa.
2.2.2.3 Requisições
Sob autorização do procurador da República, pode-se demandar aos organismos públicos ou às pessoas morais de direito privado (exceto igrejas e grupos de caráter religioso, filosófico, político ou sindical ou imprensa escrita e audiovisual), que disponibilizem as informações úteis à manifestação da verdade, exceto as protegidas por segredo previsto em lei.
O procurador da República, ou, com autorização deste, o oficial da polícia judiciária, podem requerir de qualquer pessoa, estabelecimento, ou organismo privado ou público, ou de toda administração pública, documentos e informações necessárias ao andamento do inquérito.
2.2.2.4 Mandado de busca
Quando as necessidades de inquérito de um crime ou delito punível com pelo menos três anos de prisão exigirem, pode o procurador expedir mandado de busca contra toda pessoa contra a qual existe uma ou mais razões plausíveis de suspeitas de cometimento ou tentativa de infração.
CAPÍTULO III
PARTICULARIDADES DO INQUÉRITO DE DELINQUÊNCIA E CRIMES ORGANIZADOS
3.1 Durante o inquérito preliminar
Diante da necessidade, o juiz da liberdade e detenção do tribunal de grande instância pode, com requisição do procurador da República, decidir que as buscas, visitas e apreensões podem ser efetuadas fora dos horários previstos no art. 59 (das 6 às 21 horas), quando as operações não concernem aos locais de habitação.
A autorização é dada para buscas determinadas e tem por objeto uma ordem escrita, que prescreve a qualificação da infração cuja prova está sendo alvo da procura, assim como o endereço do local em que os atos serão realizados. As operações são feitas sob o controle do magistrado que as autorizou, e para isso, ele pode se dirigir ao local, para velar pelo respeito às normas legais.
Quando a busca será feita na casa de alguém que está preso sob custódia, e seu transporte não pode ser feito para evitar graves riscos, seja de fuga ou de violação à ordem pública, seja de perigo de evasão de provas, a busca pode ser feita em presença de duas testemunhas ou um representante designado pelo indivíduo preso, através de acordo prévio com o procurador da República ou juiz de instrução.
3.1.2 Escutas Telefônicas
O Juiz das liberdades e da detenção pode, com requisição do procurador da República, autorizar, sob seu controle, a intercepção, o registro e a transcrição de correspondências emitidas por meio de telecomunicação por uma duração máxima de 15 dias, renováveis uma vez nas mesmas condições de forma e duração.
3.1.3 A infiltração em matéria de crime organizado
Segundo o art. 706-81, alínea 2 do Código de Processo Penal:
“L´infiltration consiste, pour un officier ou un agent de police judiciaire […] à surveiller des personnes suspectées de commettre un crime ou un délit en se faisant passer, auprès de ces personnes, comme un de leus coauteurs, complices ou receleurs. […]”
Só é possível para crimes organizados, no curso de um inquérito ou instrução, quando a necessidade for estritamente justificada. É autorizada pelo procurador da República, ou pelo juiz de instrução, por meio escrito e motivado, sob pena de nulidade. A autorização deve conter: a identidade do policial, a duração da operação, que não pode exceder quatro meses, renováveis sob as mesmas condições de forma e duração.
O magistrado pode interromper, a qualquer momento, a autorização da operação, mesmo antes da expiração da duração fixada.
3.2 Controle e verificação de identidade
Pode ser indispensável para o objetivo de um inquérito o conhecimento da identidade de uma ou mais pessoas. Toda pessoa que se encontre no território nacional deve aceitar a possibilidade de passar por um controle de identidade efetuado dentro das condições fixadas pela lei e pelas autoridades policiais.
Podemos distinguir a procura da polícia administrativa e da judiciária. A administrativa, ou preventiva, objetiva prevenir uma infração; já a judiciária se insere dentro de um inquérito em que a procura pode se desenvolver. No primeiro caso, pode-se detectar uma infração, e no segundo, permitir um inquérito de um delito já constatado.
3.2.1 Os controles de identidade
São efetuados pelos oficiais da polícia judiciária, ou sob seu controle, pelos agentes da polícia judiciária. No primeiro caso, está disciplinado pelo art. 78-2: “les policiers peuvent inviter à justifier, par tout moyen, de son identité toute personne à l´egard de laquelle existe une ou plusieurs raisons plausibles de soupçonner:
A) Que ela cometeu ou tentou cometer uma infração;
B) Que se preparou para cometer crime ou delito;
C) Que é suscetível de fornecer informações úteis ao inquérito em caso de crime ou delito
D) É alvo de buscas ordenadas por uma autoridade judiciária.
Os controles da polícia administrativa podem ser ordinários ou relacionados ao “titre de séjour” dos estrangeiros. Os primeiros são disciplinados pelo art. 78-2, alínea 3 do Code: “L´identité de toute personne, quel que soit son comportement, peut être également contrôlée, selon les modalités prévues au premier alinéa, pour prévenir une atteite à l´ordre public, notamment à la securité des personnes et des biens”[3]Não há, portanto, necessidade de um comportamento especial ou estranho para que seja efetivado o controle do indivíduo.
O controle dos “titres de séjour” dos estrangeiros, por sua vez, traz dificuldades para os policiais, visto que eles devem determinar a qualidade do estrangeiro antes de interpelá-lo (“Titre de séjour” é o reconhecimento, pela administração do Estado, do direito de ficar temporariamente em um país). As pessoas de nacionalidade estrangeira devem apresentar consigo os documentos que as permitem de circular ou permanecer na França sempre que forem requisitadas pelo oficial de polícia judiciária.
Ademais, há os controles de vigilância das fronteiras, que tem por função remediar o desaparecimento de fronteiras no interior do espaço Schengen[4], a fim de evitar a imigração clandestina. Tais controles são possíveis entre a fronteira terrestre da França com as partes da convenção Schengen e uma linha traçada a 20km desta, dentro das zonas acessíveis ao público dos portos, aeroportos, ferrovias, e rotas.
3.2.2 A verificação de identidade
Ela ocorre se o interessado se recusa ou está impossibilitado de declinar sua identidade. É uma espécie de procura coercitiva, e não pode ser efetuado por alguém que não seja um oficial da polícia judiciária.
A pessoa pode ser retida no local ou em algum posto de polícia durante o tempo estritamente necessário ao estabelecimento de sua identidade, num período máximo de 4 horas. Durante o ínterim, o policial procede às operações de verificação necessárias, após demandar ao indivíduo todos os meios necessários para se estabelecer a identidade, como documentos, depoimentos, indícios. Se, da mesma forma, a pessoa recusa de revelar a identidade ou fornece elementos falsos ou inexatos, o oficial pode iniciar os procedimentos para a identidade judiciária, como impressões digitais ou fotografia. Tal medida deve ser imperativamente necessária, a única forma de estabelecer a identidade do indivíduo, e supõe a autorização de um magistrado, Procurador da República ou juiz de instrução. Deve, ainda, ser mencionado dentro de um auto, em que aparecerá como motivação ou procedimento especial.
A recusa de se submeter a tais medidas (as de identidade judiciária) é punível com prisão de 3 meses, mais uma multa de 3750 euros. Caso o cidadão se submeta, ele é liberado ao fim de 4 horas, mesmo que a identidade não seja encontrada.
3.2.3 O controle de veículos e lugares destinados ao uso profissional
3.2.3.1 Controles dos lugares destinados ao uso profissional
Os agentes de polícia judiciária e os agentes de polícia adjunta podem, sob requisição do procurador da República, entrar nos lugares de uso profissional onde ocorrem atividades de construção, produção, transformação, reparação, prestação de serviços ou de comercialização, com o objetivo de assegurar que tais atividades estejam matriculadas nos registros profissionais ou no Cadastro do comércio e das sociedades,
3.2.3.2 Controle de veículos
São possíveis em três hipóteses:
Sob requisição escrita do Procurador da República, com o fim de busca e perseguição de certos atos de terrorismo. Tal controle é efetuado pelos oficiais de polícia judiciária, no local e horário determinado pelo magistrado (no máximo 24 horas, renováveis por decisão expressa e motivada), exercitando não apenas o controle de identidade dos indivíduos, mas também a inspeção dos veículos em movimento, parados ou estacionados em via pública ou nos lugares acessíveis ao público.
Os veículos em movimento não podem ficar imobilizados mais que o tempo estritamente necessário à inspeção, e a presença do condutor é exigível. Se o carro está estacionado ou parado, na falta do condutor ou proprietário, o oficial requisitará alguma pessoa, que só estará dispensada caso a inspeção acarrete perigo de segurança das pessoas e dos bens.
O controle pode ser feito, também, quando exista alguma desconfiança ou suspeita sobre o condutor ou um passageiro do veículo, como autor ou cúmplice de um delito ou tentativa de delito em flagrante. Por fim, o controle existe para prevenir um atentado grave à segurança das pessoas e dos bens, que se desenrolará nos mesmos moldes dos supracitados.
3.2.4 As garantias asseguradas em caso de detenção
A retenção obsta o direito de ir e vir, e, por isso, deve estar acompanhada de certas garantias para o cidadão. Tais direitos devem ser respeitados sob pena de nulidade do procedimento:
- Obrigação de se apreciar a legalidade da retenção;
-O menor retido deve estar obrigatoriamente assistido por seu representante legal, que deve ser procurado e advertido. O procurador da República deve ser avisado de tal retenção desde o seu princípio.
- O cidadão retido deve tomar conhecimento de que pode: “qu´elle peut faire aviser le Procureur de la République de sa rétention; qu´elle peut faire prévenir à tout moment sa famille ou toute personne de son choix et si des circonstances perticulières l´exigent, l´officier de police judiciaire prévient lui-même la famille ou la personne choisie”.
- Um auto de verificação deve ser feito para permitir o bom desenvolvimento do processo, com informações das etapas do processo (horas, dias, motivo da retenção…),e informações obrigatórias que podem ser dadas pela pessoa. Tal auto deve ser assinado pelo detido, e sua recusa deve ter seus motivos especificados no processo.
- O interessado deve ser informado do seu direito de fazer avisar ao Procurador da República quando restar mantido sob observação e for objeto de um processo de inquérito ou de execução endereçado à autoridade judiciária.
CAPÍTULO IV
LA GARDE À VUE
“La garde à vue” consiste em manter alguém à disposição do oficial de polícia judiciária para as necessidades de um inquérito, de forma que se priva a liberdade individual. Como é uma ameaça aos direitos individuais, tem uma regulamentação extremamente estreita.
Tal medida é utilizada em diversas circunstâncias, sendo mais comum no inquérito de flagrante delito ou preliminar. Tem natureza de detenção, feita apenas pelo oficial de polícia, sendo excluídos o Procurador e os agentes de polícia judiciária.
É possível nos casos em que os indivíduos possuem uma ou mais razões plausíveis de suspeita de cometimento (ou tentativa) de uma infração.
O garde à vue é vedado para testemunhas, pois é proibido em qualquer caso para as pessoas contra as quais não há qualquer indício que faça presumir que elas tentaram ou cometeram alguma infração. Para tais casos, o indivíduo pode ser retido apenas o tempo estritamente necessário para sua audição. O Procurador da República pode, todavia, recorrer à força pública para constranger uma pessoa convocada pelo oficial de polícia judiciária a comparecer perante sua pessoa. A testemunha convocada pelo juiz de instrução, pelo viés de uma comissão rogatória, pode, igualmente, ser constrangida a comparecer. Se a testemunha não comparece, deve-se arbitrar uma multa.
4.1 Considerações gerais da prisão sob custódia
Em geral, a duração da prisão é de 24 horas, com possibilidade de prolongação nas mesmas condições. O começo é fixado no momento em que o interessado é privado de sua liberdade. Na inquérito preliminar, a autorização da prolongação é dada pelo Procurador da República sem apresentação do interessado. No inquérito de flagrante delito, porém, a prolongação só pode ser feita com a apresentação prévia da pessoa (a não ser em casos excepcionais) ao Procurador.
Essa regra geral, porém, dá abertura a algumas exceções. Na prisão preventiva decidida em aplicação de uma comissão rogatória, o período máximo é de 24 horas, prolongáveis por mais 24 com autorização escrita do juiz de instrução; em matéria de crimes organizados, se o inquérito ou instrução assim exigir, a prisão pode, excepcionalmente, ser objeto de duas prolongações supletivas de 24 horas cada.
Tais prolongações são autorizadas, por decisão escrita e motivada, seja a requisição do Procurador da República, pelo juiz da Liberdade e da Detenção[5], seja pelo juiz de instrução após apresentação da pessoa ao magistrado.
Com relação às garantias daquela pessoa colocada sob observação, há o direito de receber a notificação do fato que deu origem à prisão, que pode ser feito verbalmente, todavia, deve ser feito de forma imediata. Além disso, as horas passadas em audição devem ser registradas. Ademais, o indivíduo deve ser informado dos direitos relacionados nos arts. 63-2, 63-3, e 63-4, sobre as informações relativas à duração de la garde à vue e da natureza da infração prevista no inquérito. Tais informações devem ser expedidas em uma língua que a pessoa compreenda (e, na falta de pessoas que consigam se exprimir na língua, deve ser feito um documento escrito por um intérprete. Da mesma forma, caso haja um deficiente auditivo, deve-se providenciar um intérprete que utilize a linguagem dos sinais). Existe, ainda, o direito, dentro de um período máximo de 3 horas, do aviso aos familiares, por telefone , da situação em que o indivíduo se encontra. Contudo, o oficial de polícia judiciária pode estimar que, em razão das circunstâncias do inquérito, ele não deve exercer o direito ao telefonema, remetendo, entao, ao procurador da República, a decisão de efetivação ou não de tal direito.
O procurador da República deve ser informado sobre o cidadão sob custódia desde o início da prisão, e os interrogatórios das pessoas colocadas sob custódia por crime, realizados nos locais de serviço ou unidade da esquadra ou polícia devem ter registro audiovisual.
A pessoa colocada sob custódia pode demandar desde o início da prisão uma visita médica, podendo reiterar esta demanda em caso de prolongação da medida. O médico é escolhido pelo Procurador da República ou pelo oficial de polícia judiciária. Ademais, há a garantia de ser acompanhado por um advogado através de um encontro, que é confidencial, e tem duração máxima de 30 minutos. O advogado pode fazer observações escritas que serão obrigatoriamente juntadas ao dossiê.
Uma prisão sob custódia que se desenrola fora dos padrões legais, ou que comete excessos (ferimentos, detenção arbitrária), pode dar ensejo à punição dos policiais envolvidos, inclusive, com abertura de um processo de responsabilidade civil, além, obviamente, da nulidade da prisão em questão.
CONCLUSÃO
Este trabalho teve por objetivo trazer à tona as peculiaridades do Inquérito Policial no direito francês, tendo por base a legislação processual penal e a doutrina respectiva.
A importância desse labor está na possibilidade de incrementar conhecimentos da matéria, já que pode se visualizar como o direito se amolda a cada sociedade, de acordo com as suas necessidades.
Para os que se dedicam ao estudo do direito penal, fica a segurança do conhecimento do direito internacional comparado, da abordagem minuciosa, assim como da íntima relação existente entre a realidade jurídica brasileira e a francesa. Já para os que seguem outras áreas do Direito, fica marcada a satisfação pela apreciação de um instituto de imensurável praticidade, pois o inquérito policial é um instituto de seguridade dos direitos humanos, e deve ser aprimorado, para instituir, em seu âmbito, o contraditório e a ampla defesa, e se torne, de uma vez por todas, um instrumento que busca a verdade real da situação.
REFERÊNCIAS
FOURMENT, François. Procédure Pénale. 9ª ed. Orléans: Paradigme, 2008.
MONDIN, Augusto. Manual do inquérito policial. Sugestões Literárias, 1969.
PRADEL, Jean. Manuel de Procédure Pénale. 14a. ed. Paris: Éditions Cujas, 2008.
RENAULT-BRAHINSKY, Corinne. Procédure Pénale. 10a. ed. Paris: Gualino, 2009.
http://fr.wikipedia.org/wiki/Juge_des_libert%C3%A9s_et_de_la_d%C3%A9tention
Rubrica “Acordo de Schengen”, em Wikipedia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_de_Schengen> . Acesso em: 19/11/2009.
Rubrica “Le juge des libertés et de la détention ”, em Wikipedia. Disponível em: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Juge_des_libert%C3%A9s_et_de_la_d%C3%A9tention>. Acesso em: 04/02/2010.
[1] MONDIN, Augusto, 1969.
[2] FOURMENT, François. 2009. P.71.
[3] A identidade de toda pessoa, qualquer que seja seu comportamento, pode ser controlado também, segundo as modalidades previstas à alínea 1, para prevenir um dano à ordem pública, notadamente à segurança das pessoas e dos bens.
[4] “O Espaço Schengen permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras. Porém, é necessário ser portador de um documento legal como, por exemplo, o Bilhete de Identidade. Além do mais, o Espaço Schengen não se relaciona com a livre circulação de mercadorias (embargos, etc.) cuja entidade mediadora é a União Europeia e os outros membros fora do bloco económico. São 24 nações da União Europeia (Bulgária, Roménia e Chipre aguardam a implementação) e mais outros quatro países europeus membros da EFTA (Islândia, Noruega e Suíça; Liechenstein aguarda implementação)” Retirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_de_Schengen. Visualizado em 19-11-2009, às 00:05.
[5] Le juge des libertés et de la détention (JLD) est « un magistrat du siège ayant en principe un rang de président, de premier vice-président ou de vice-président. Le JLD est notamment compétent pour ordonner, pendant la phase d'instruction d'une affaire pénale, le placement en détention provisoire d'une personne mise en examen ou la prolongation de la détention provisoire, et d'examiner les demandes de mise en liberté. Il est saisi en principe par une ordonnance motivée du juge d'instruction. Cependant pour certaines infractions graves relevant notamment de la criminalité organisée, le procureur de la République peut directement saisir le juge des libertés et de la détention pour demander le placement du mis en examen si le juge d'instruction n'a rendu une ordonnance en ce sens. http://fr.wikipedia.org/wiki/Juge_des_libert%C3%A9s_et_de_la_d%C3%A9tention
Analista Judiciária do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal da Paraíba, residente em João Pessoa - PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Suellen Santos Rodrigues de. O Inquérito Policial na França Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46457/o-inquerito-policial-na-franca. Acesso em: 23 dez 2024.
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