RESUMO: O presente estudo visa examinar a suposta inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 41/2003 por vício decorrente de quebra de decoro parlamentar. Para tanto, faz-se uma análise do controle de constitucionalidade a que as Emendas à Constituição devem se submeter. Delimita-se, ainda, os conceitos de bloco de constitucionalidade e de decoro parlamentar, bem como de seus aspectos constitucionais e a construção da teoria de Lenza acerca da existência da inconstitucionalidade, por quebra no dever de decoro parlamentar. Essa teoria ganhou notoriedade com o comprovado esquema de compra de votos na Ação Penal nº 470, para que projetos de lei fossem aprovados de acordo com os interesses do governo à época. Serão citadas e examinadas as ADIs nº 4887, 4888 e 4889, casos concretos em que o STF terá de se manifestar pela primeira vez sobre essa espécie de vício de inconstitucionalidade. Nas considerações finais, defendemos a declaração de inconstitucionalidade da Reforma da Previdência de 2003, sugerindo a modulação de seus efeitos, de modo que restem conciliados os interesses social, jurídico, político e econômico envolvidos na causa.
PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Compra de votos. Inconstitucionalidade por vício decorrente de quebra de decoro parlamentar.
ABSTRACT: This paper aims to examine the alleged unconstitutionality of Constitutional Amendment No. 41/2003 for addiction due to breaking parliamentary decorum. Therefore, it is an analysis of judicial that the Amendments to the Constitution must be submitted. Wraps are also the concepts of constitutional block and parliamentary decorum, as well as their constitutional aspects and construction of Lenza theory about the existence of unconstitutionality, for breach of the duty parliamentary decorum. This theory gained notoriety with the proven vote-buying scheme in Criminal Case No. 470, that the bills were approved in accordance with the interests of the government at the time. It will be cited and examined the academically ADIs No. 4887, 4888 and 4889, where in particular the Supreme Court will have to speak for the first time on this new form of unconstitutionality. In the concluding remarks, we advocate a declaration of unconstitutionality of the Welfare Reform 2003, suggesting the modulation of their effects, so that the interests reconciled avoidance social, legal, political and economic involved in the cause.
KEYWORDS: Control of Constitutionality. Direct Action of Unconstitutionality. Vote buying. Unconstitutional by Parliamentary decorum.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Controle de Constitucionalidade e seus elementos identificadores. 2.1 Definição e relevância para o ordenamento jurídico. 2.2 Classificações e suas espécies normativas: breves considerações. 2.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.3.1 Conceito. 2.3.2 Elementos essenciais do controle de constitucionalidade via ADI. 2.3.3 Objeto da Ação. 2.3.4 Procedimento da ADI. 2.3.5 Controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais. 3 Dever de decoro parlamentar e o controle de constitucionalidade decorrente de sua ausência. 3.1 Conceito de decoro parlamentar. 3.2 Princípios ofendidos pela quebra do decoro parlamentar. 3.3 Hipóteses de quebra de decoro parlamentar. 3.4 Das penalidades aplicáveis por conduta violadora do dever de decoro. 4. Discussão acerca da Inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por vício de decoro parlamentar – ADIs nº 4887, 4888 e 4889. 4.1 Análise da ADI nº 4887. 4.2 Análise da ADI nº 4888. 4.3 Análise da ADI nº 4889. 4.4 Fundamentos jurídicos favoráveis à constitucionalidade e inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por quebra de decoro parlamentar. 5 Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
Tratará o presente trabalho sobre a suposta inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 decorrente de vício decorrente de quebra de decoro parlamentar, emenda esta que é atualmente objeto das ADIs n° 4887, 4888 e 4889, ainda aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O tema será abordado sob a perspectiva do controle de constitucionalidade a que todas as leis e os atos normativos (Emenda Constitucional, in casu) estão sujeitos, tomando como ponto de partida um breve estudo sobre o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, com ênfase na Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica.
Entretanto, será feita uma análise jurídica diversa das tradicionalmente estudadas inconstitucionalidades formais e materiais, qual seja, sob o prisma da inconstitucionalidade por vício decorrente da quebra de decoro parlamentar.
Posteriormente, será objeto de estudo o conceito de decoro parlamentar, ao passo que serão levantadas as penalidades aplicáveis aos parlamentares que infringirem o dever de decoro.
Ademais, serão demonstradas algumas condutas em que estes parlamentares atuariam de maneira incompatível com o decoro parlamentar, além das hipóteses previstas nos regimentos internos das casas legislativas, com especial destaque para o abuso das prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional e a percepção de vantagens indevidas (CRFB/88, Art. 55, § Io), caracterizando desrespeito ao regular andamento dos trabalhos legislativos em flagrante ofensa à ética parlamentar.
Por fim, será feita uma análise sobre a viabilidade de se realizar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos sob o vício de inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar, com apresentação de fundamentos jurídicos favoráveis à constitucionalidade ou não da Emenda Constitucional n° 41/2003, que tratou da popularmente conhecida “Reforma da Previdência”.
O objetivo deste trabalho visa, consequentemente, realizar um estudo sobre a viabilidade do controle de constitucionalidade decorrente de quebra de decoro parlamentar, tese de Pedro Lenza (2013, p. 273-274), a qual, apesar de não guardar consenso doutrinário, é de extrema relevância, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal terá de se manifestar sobre o assunto, face a propositura das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889, que estão atualmente aguardando julgamento.
Essas ações têm como fundamento a quebra de decoro parlamentar comprovada na Ação Penal n° 470, tendo em vista as irregularidades demonstradas na fase de votação e de aprovação da Emenda Constitucional n° 41/2003, por meio de esquema de compra de votos de parlamentares comprometidos com o esquema denominado “mensalão”.
Tais atitudes revelam nítida mácula à essência do voto e aos princípios constitucionais da representatividade popular e da moralidade, razão pela qual se faz necessária a declaração de inconstitucionalidade da chamada “Reforma da Previdência”.
Ademais, não nos faltam exemplos de leis federais, estaduais e municipais em nosso cenário político que foram comprovadamente aprovadas sob interesses escusos, que já foram inclusive objeto de diversas matérias jornalísticas. Tais denúncias só corroboram a relevância do presente estudo, pois tais diplomas legislativos não merecem prosperar em nosso ordenamento jurídico, uma vez que não encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal.
De fato, o tema que ora se analisará é de interesse de toda a sociedade brasileira e não somente dos operadores do Direito, pois a lesão provocada pelo vício apontado acima compromete o conceito de democracia representativa.
Face sua complexidade, passaremos então à análise e apresentação do tema, elaborado mediante pesquisa bibliográfica, com uma abordagem dos mecanismos de controle de constitucionalidade a que se submetem os atos normativos, além de destacar a necessária conduta ética do parlamentar, em especial, quando da elaboração e aprovação de normas com status constitucional, e as possíveis decorrências de sua infringência ética parlamentar.
2.CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - ELEMENTOS IDENTIFICADORES
Inicialmente, como forma de adentrarmos no tema do nosso estudo, necessário se faz a abordagem de alguns pontos relativos ao nosso ordenamento jurídico até chegarmos ao controle de constitucionalidade, vez que as ações mencionadas no título desse trabalho são formas do exercício da jurisdição constitucional, logo, de defesa do Texto Maior.
Ordenamento jurídico é um conjunto de normas jurídicas compatíveis entre si e que guardam uma unidade, visto que, embora oriundas de inúmeras fontes, estão todas dedicadas a observar a estrutura básica constitutiva de cada Estado, unidade esta que é conferida pela Constituição.
Dessa forma, verifica-se ser a Constituição uma lei superior que ordena as demais normas pelo princípio da supremacia da Constituição, servindo como fundamento de validade a todas as demais normas, sob pena de, em caso de contrariedade com os preceitos constitucionais, serem invalidadas.
É fácil observar, portanto, que as normas de um determinado ordenamento jurídico estão estruturadas de maneira escalonada, de modo que todas as normas desse ordenamento são fundamentadas direta ou indiretamente por outra.
Embora seja dada, no presente trabalho, maior ênfase a esta hierarquia constitucional sobre todas as outras normas, cumpre frisar que não há somente a supramencionada hierarquia constitucional, mas também há hierarquia das normas legais sobre as normas infralegais.
Ao lado da supremacia constitucional, outra premissa essencial à existência do controle de constitucionalidade seria a rigidez constitucional, senão vejamos o que ensina Luís Roberto Barroso (2012, p. 16):
Duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo — na verdade, nenhum ato jurídico poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição.
A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle.
No tocante à supremacia da Constituição, Zeno Veloso (2003, p. 17) assim leciona:
As normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Todas as normas devem se adequar, têm que ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a lex legum (Lei das Leis). Porém, de nada adiantaria a rigidez constitucional, a soberania (paramoutcy) da Carta Magna, a natural e necessária ascendência de suas regras e princípios, se não fosse criado um sistema eficiente de defesa da Constituição, para que ela prevalecesse sempre, vencesse qualquer embate, diante de leis e atos normativos que a antagonizem.
Isso evidencia a fundamental importância que a Constituição tem para todo o ordenamento jurídico, visto que organiza em seu corpo todos os elementos essenciais do Estado.
Nesse sentido, José Afonso da Silva (2010, p. 37-38):
[...] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.
Assim, faz-se necessária, para que se respeitem os ditames da Lei Suprema, ou seja, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), a existência de um rígido controle de constitucionalidade, pelo qual todas as outras normas devem estar submetidas, para que se possa analisar a validade desses atos infraconstitucionais e de todo o nosso ordenamento, a fim de que se consiga preservar e restaurar a unidade ameaçada.
Face sua importância, passemos, a seguir, a uma análise pormenorizada sobre o referido controle de constitucionalidade.
2.1. Definição e relevância do controle de constitucionalidade para o ordenamento jurídico
Como visto anteriormente, o controle de constitucionalidade é um dos mecanismos de proteção e de defesa da Constituição perante os atos do Poder Público, especialmente leis e demais atos normativos, merecendo censura todos os atos incompatíveis com a Constituição Federal.
Nesse contexto, cumpre frisar a presunção de constitucionalidade que gozam as leis e os atos normativos, porque eles, uma vez aprovados e incorporados em nosso ordenamento, seriam, idealmente, fruto da legítima atuação e fundada na legitimidade democrática dos agentes públicos eleitos, no dever de promoção do interesse público e no respeito aos princípios constitucionais, inclusive e notadamente os que regem a Administração Pública.
Todavia, não é sempre assim que ocorre, razão pela qual fazia-se necessário esse controle sobre a constitucionalidade dessas leis, para que se possa averiguar se determinada lei ou ato normativo estaria retirando ou não seu fundamento de validade da Constituição Federal.
Referido controle é deveras importante, tendo em vista que, do contrário, não haveria como falar em supremacia da Constituição, e qualquer ato normativo poderia contrariá- la impunemente.
Desta feita, vem aludido controle repousar sobre normas inconstitucionais para expurgá-las do ordenamento jurídico pátrio.
Sobre a importância da existência desse mecanismo para preservar a força obrigatória da Constituição, colaciono observações feitas por Kelsen (apud MENDES, 2010, p. 1157-1158):
[...] é certo que uma Constituição que, por não dispor de mecanismos de anulação, tolera a subsistência de atos e, sobretudo, de leis com ela incompatíveis, não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante. (...) É que a ordem jurídica zela para que todo ato que contraria uma norma superior diversa da Constituição possa ser anulado. Assim, essa carência de força obrigatória contrasta radicalmente com a aparência de rigidez outorgada à Constituição através da fixação de requisitos especiais de revisão. Por que tanta precaução se as normas da Constituição, ainda que quase imutável, são, em verdade, desprovidas de força obrigatória?
Imperioso, assim, registrar a relevância desse mecanismo de controle para se conferir força obrigatória e normativa à CRFB/88, ao se realizar uma análise sobre a constitucionalidade dos atos ou omissões dos Poderes Públicos, aplicando sanções àqueles com ela incompatíveis.
2.2. Classificações e suas espécies normativas: breves considerações
Para melhor identificar quando e como uma norma constitucional será objeto do controle de inconstitucionalidade, é salutar tecer breves considerações sobre algumas de suas classificações e características.
O controle de constitucionalidade se divide em três sistemas, a depender do órgão encarregado de seu exercício. São eles: o jurídico, o político e o misto.
O sistema jurídico é aquele realizado pelo Poder Judiciário, enquanto o político é incumbido a órgãos de natureza política, caso da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em que era exercido pelo Presidium do Soviete Supremo. Por sua vez, o controle por sistema misto propõe uma junção dos outros dois sistemas - político e jurídico - tal como ocorre na Suíça, em que, em regra, o controle das leis é exercido pelo Poder Judiciário, mas que, em se tratando de lei federal, é realizado de maneira política pelo Poder Legislativo.
Sobre o sistema jurisdicional, adotado atualmente no Brasil, acrescenta Paulo Bonavides (2006, p. 301-302):
Não há dúvida de que exercido no interesse dos cidadãos, o controle jurisdicional se compadece melhor com a natureza das Constituições rígidas e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial - a garantia da liberdade humana, a guarda e proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam inabdicáveis. A introdução do sobredito controle no ordenamento jurídico é coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis.
Quanto às formas de exercício desse controle, dar-se-á de maneira difusa ou concentrada.
Aquela confere um amplo poder aos juizes e ocorre sempre que há um questionamento incidental sobre a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. É tarefa atribuída a todos os órgãos do Poder Judiciário com função jurisdicional, como os juizes ou tribunais. Também conhecido por via de exceção, referido controle geralmente se configura como uma forma indireta de se declarar a inconstitucionalidade de uma lei, visto que os efeitos dessa declaração são inter partes, claro, ressalvada a possibilidade de também ser atribuído o efeitos erga omnes, desde que reste configurado o procedimento disposto no Art. 52, X, CRFB/88[1].
Mauro Cappelletti (1984, p.67) ao discorrer sobre os órgãos incumbidos desse controle, destaca como esse se realiza:
a) o “sistema difuso”, isto é, aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência; e
b) o “sistema concentrado”, em que o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário.
O controle pela via concentrada, sobre o qual deteremos maior atenção, face sua maior incidência e relevância ao estudo realizado no presente trabalho, é aquele deferido somente ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma corte especial para ser o guardião da Constituição.
No Brasil, a análise abstrata da lei em face da Constituição Federal é de competência do Supremo Tribunal Federal.
O controle concentrado tem natureza objetiva, ou seja, e, diversamente do controle difuso, possui um reduzido rol de legitimados ativos, taxativamente previstos no Art. 103 da CRFB/88, quais sejam: o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. A propósito, cumpre destacar que, em criação jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal dividiu esses legitimados ativos em dois grupos:
Os Legitimados Universais ou neutros, que são aqueles que presumimos o interesse de agir, ou seja, não precisam demonstrar pertinência temática. São eles: Presidente da República, Procurador Geral da República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara dos Deputados, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Partido Político com representação no Congresso Nacional. Há também os Legitimados Especiais ou interessados, que são aqueles que precisam demonstrar a pertinência temática, ou seja, o vínculo subjetivo entre as funções que desempenham e a norma que será impugnada. São eles: Mesa da Assembleia Legislativa, Governador de Estado, Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Ainda no tocante aos legitimados ativos, é relevante salientar que o Presidente da República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara dos Deputados, mesa de Assembleia Legislativa, o Governador de Estado, a mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil têm capacidade postulatória para propor a ação direta de inconstitucionalidade. O Partido político com representação no Congresso Nacional, a Confederação Sindical e a Entidade de Classe em âmbito nacional, por sua vez, não possuem capacidade postulatória, necessitando de estarem representados por advogado para que a ação seja conhecida.
Referido controle pode ser realizado por meio das seguintes ações: Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Representação Interventiva e Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Todavia, dentre as ações acima epigrafadas, cumpre-nos dar destaque à Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser julgada pelo STF, tema fundamental desse estudo, razão pela qual se passa agora à sua análise.
2.3. Ação Direta de Inconstitucionalidade
É a mais antiga de nosso ordenamento jurídico. Introduzida no Direito Brasileiro pela Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965, com o nome de Representação, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é um dos instrumentos que materializa o controle de constitucionalidade concentrado, visando declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais ou estaduais que guardem contrariedade com a Constituição da República Federativa do Brasil, buscando sua invalidação.
2.3.1. Conceito
Conhecida doutrinariamente por ADI genérica, essa ação, regulamentada pela Lei n° 9.868/99, é um instrumento utilizado no chamado controle direto de constitucionalidade das leis e atos normativos frente à CRFB/88, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, tendo por objetivo retirar do ordenamento jurídico a lei contemporânea estadual ou federal, que seja incompatível com a Constituição.
Sobre o tema, Marinoni; Sarlet; Mitidiero (2012, p. 905):
A razão de ser de uma ação em que se pede exclusivamente declaração de inconstitucionalidade advém da necessidade de se eliminar da ordem jurídica norma que seja incompatível com a Constituição. Tutela-se, assim, a ordem jurídica. A decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos erga omnes, resultando inquestionável diante de todos, e, na mesma medida, a norma não mais aplicável.
Dessa forma, cumpre destacar que, uma vez declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por uma ação direta de inconstitucionalidade, atribui-se à decisão os efeitos erga omnes, ex tunc e vinculante, em regra, em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual, municipal e distrital.
É oportuno observar que, no que diz respeito ao efeito ex tunc, é facultada a modulação de referido efeito à nossa Corte Suprema, tema que será abordado com mais detalhes quando do estudo do procedimento da ADI.
2.3.2. Elementos Essenciais do controle de constitucionalidade
Repise-se que a proteção e a defesa da Constituição se configuram por intermédio de um exame de compatibilidade vertical de um ato infraconstitucional em relação ao parâmetro constitucional, também denominado bloco de constitucionalidade.
Cumpre observar que referido parâmetro consiste em um conjunto de normas da Constituição, que se toma como alicerce para que uma lei tenha, caso divergente com ele, sua inconstitucionalidade declarada.
Sobre esse parâmetro, é salutar frisar que há uma tendência a ampliar o conceito desse paradigma de confronto.
Face essa nova perspectiva, destacamos ser de extrema relevância a compreensão, em sua completude, da composição desse paradigma de controle, porque a delimitação de seu conceito nos indicará o que é constitucional ou não. Nesse sentido, afigura-se salutar determinar os elementos essenciais do controle de constitucionalidade (elementos temporal e conceituai de bloco de constitucionalidade), tema já explorado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, quando do julgamento da ADI n° 595-ES.
Sobre o tema, destaco trecho do voto do Ministro Celso de Mello em referida ADI, que pode ser verificado no Informativo n° 258/STF. Senão vejamos:
[...] A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procura de um padrão de cotejo, que, ainda em regime de vigência temporal, permita, ao intérprete, o exame da fidelidade hierárquico-normativa de determinado ato estatal, contestado em face da Constituição. Esse processo de indagação, no entanto, impõe que se analisem dois (2) elementos essenciais à compreensão da matéria ora em exame. De um lado, põe-se em evidência o elemento conceituai, que consiste na determinação da própria idéia de Constituição e na definição das premissas jurídicas, políticas e ideológicas que lhe dão consistência. De outro, destaca-se o elemento temporal, cuja configuração torna imprescindível constatar se o padrão de confronto, alegadamente desrespeitado, ainda vige, pois, sem a sua concomitante existência, descaracterizar-se-á o fator de contemporaneidade, necessário à verificação desse requisito.
No tocante ao elemento temporal, merece guarida o pacífico entendimento do STF no sentido de não admitir a interposição de ADI para atacar lei ou ato normativo revogado ou de eficácia exaurida, restando configurada a hipótese de prejudicialidade da ação direta. Cabem aqui algumas decisões, in verbis:
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 15.227/2006 do Estado do Paraná objeto de fiscalização abstrata. 3. Superveniência da Lei estadual 15.744/2007 que, expressamente, revogou a norma questionada. 4. Remansosa jurisprudência deste Tribunal tem assente que sobrevindo diploma legal revogador ocorre a perda de objeto. Precedentes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade prejudicada. (ADI 3885, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 27-06-2013 PUBLIC 28-06-2013)
EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Decreto n° 153-R, de 16 de junho de 2000, editado pelo Governador do Estado do Espírito Santo. ICMS: concessão de crédito presumido. Liminar deferida pelo pleno desta corte. Revogação tácita. Perda de objeto. 1. O Decreto n° 1.090-R/2002, que aprovou o novo regulamento do ICMS no Estado do Espírito Santo, deixou de incluir no rol das atividades sujeitas a crédito presumido do tributo “as operações internas e interestaduais com mercadoria ou bem destinados às atividades de pesquisa e de lavra de jazidas de petróleo e gás natural enquadrados no REPETRO”, as quais eram objeto de impugnação na presente ação direta. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto, quando sobrevêm a revogação da norma questionada. Precedentes. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, em razão da perda superveniente de seu objeto. (ADI 2352, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00013)
Ademais, destaque-se que as normas pré-constitucionais e as normas constitucionais originárias também não são passíveis de controle de constitucionalidade via Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo em vista que estas são fruto do poder constituinte originário, que é ilimitado e incondicionado juridicamente, enquanto aquelas são passíveis de revogação, caso sejam incompatíveis com os preceitos da nova ordem constitucional vigente.
Nesse sentido, Temer (2008, p. 50):
A norma questionada na ação direta de inconstitucionalidade deve ser lei ou ato normativo federal ou estadual pós-constitucionais. O STF entende que eventual colisão entre o direito pré-constitucional e a Constituição vigente deve ser resolvida pela jurisdição ordinária, de acordo com os princípios de direito intertemporal (lex posterior derrogat priori). No entanto, a arguição de descumprimento de preceito fundamental admite tal confronto (...) (grifo nosso).
Dessa forma, cumpre enfatizar que, além das normas de Constituições anteriores e das constitucionais originárias, as normas constitucionais já revogadas ou as normas constitucionais do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que já tiveram sua eficácia exaurida, ou seja, já produziram todos os seus efeitos, não podem ser usadas como parâmetro de controle de constitucionalidade.
Com relação ao elemento conceituai, há doutrinariamente duas posições: uma restritiva, que afirma que o parâmetro constitucional se limita às normas e princípios formalmente previstos no texto constitucional; e outra ampliativa, englobando não apenas as normas e princípios expressos na Constituição, mas também os princípios implícitos da ordem constitucional global e valores suprapositivos, que, segundo o Ministro Celso de Mello, ainda na ADI 595-ES, são:
[...] considerados não apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado.
Tendo em vista ambas as perspectivas acima apontadas, cumpre destacar que o conceito majoritariamente aceito na doutrina e jurisprudência atual - inclusive do Supremo Tribunal Federal - de bloco de constitucionalidade é aquele composto apenas pelas normas formalmente constitucionais.
Como efeito, o parâmetro da ação direta de inconstitucionalidade não se restringe apenas à parte permanente da Constituição (Arts. Io a 250), tendo abrangência transcendente, utilizando-se, também, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Art. Io ao Art. 97), Princípios Implícitos e Tratados Internacionais de Direitos Humanos com aprovação de 3/5, em dois turnos e nas duas casas legislativas (Art. 5o, §3° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).
Nesse sentido, Juliano Taveira Bernardes (apud LENZA, 2013, p. 328):
[...] no direito brasileiro prevalece a restrição do parâmetro direto de controle que aqui poderia ser chamado de bloco de constitucionalidade em sentido estrito - às normas contidas, ainda que não expressamente, em texto constitucional (normas formalmente constitucionais).
Definido o que seria o parâmetro do controle de constitucionalidade sobre o qual as leis ou atos normativos devem guardar compatibilidade, passemos ao estudo do que pode ou não ser objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Como demonstrado, o objeto da ADI será a lei ou o ato normativo federal ou estadual (Art. 102, I, a, CRFB/88[2]) supostamente conflitante, pós-constitucional, que supostamente não retirou seu fundamento de validade na Lei Maior.
De modo a esclarecer que leis e atos normativos seriam esses, expomos a seguir alguns exemplos do que pode ser objeto de ADI:
1) Espécies normativas previstas no Art. 59 da CF/88, quais sejam: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções e Emendas Constitucionais;
2) Regimentos Internos dos Tribunais;
3) Regimentos Internos das Casas do Poder Legislativo;
4) Decretos autônomos (Art. 84, inciso VI, CRFB/88);
5) Tratados Internacionais e Convenções Internacionais.
Cumpre registrar que, no tocante aos tratados internacionais, não importa a sua natureza jurídica (se lei ordinária, norma constitucional[3] ou supralegal[4]), contra todas é possível a propositura de ADI.
Verificado o conjunto de atos passíveis de controle de constitucionalidade pela Ação Direta de Inconstitucionalidade, trazemos abaixo um breve relato do procedimento dessa ação, a qual é regulada integralmente pela Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999.
2.3.4. Procedimento da ADI
A Lei n° 9.868/99 dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, evidenciando todo o seu procedimento.
A petição inicial, nos termos do Art. 14, deve indicar o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado, a causa de pedir e o pedido com suas especificações, sendo oportuno destacar que o STF não está adstrito à fundamentação jurídica exposta pelo autor, pela chamada causa de pedir aberta.
Todavia, o mesmo não ocorre em se tratando do pedido, salvo na hipótese de inconstitucionalidade por arrastamento ou consequencial, em que observada a dependência normativa de determinados atos, poderá o Supremo Tribunal Federal declará-los inconstitucionais, mesmo que não tenham sido relacionados com os expressamente impugnados na exordial.
Caso o relator entenda que essa inicial é inepta, não fundamentada ou manifestamente improcedente, poderá ele indeferi-la liminarmente, sendo cabível a interposição de agravo dessa decisão no prazo de cinco dias, nos termos do Art. 4o, caput, e parágrafo único, da Lei n° 9.868/99.
Admitida a ADI, não será permitida a desistência da ação, e a petição será encaminhada aos órgãos ou às autoridades que produziram a lei ou o ato normativo impugnado, os quais deverão prestar informações no prazo de trinta dias, a contar do conhecimento formal da ação.
Posteriormente, será encaminhada, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, que terão de se manifestar no prazo de quinze dias.
Encerrados os prazos, o relator do processo enviará um relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento, conforme o Art. 9o da referida lei.
Esse mesmo Art. 9o, em seus § § 1o e 2o, contém inovações importantes ao possibilitar a apuração de questões fáticas no controle de constitucionalidade, práticas anteriormente vedadas no Supremo, o qual entendia que fatos controvertidos ou que necessitassem de alguma instrução probatória não poderiam ser apreciados em sede de ADI.
Superado esse entendimento, o relator, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, fica autorizado a solicitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para emitir parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Resta facultado ao relator, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.
Sobre o tema, assim dispõe Bernardo Gonçalves Fernandes (2013, p. 1.125):
Fica claro que o STF, na análise de uma ADI, não trabalha apenas com questões de direito. O STF passa a trabalhar, também, com questões de fato, que não são meramente técnicas, jurídicas.
[...] O art. 9o da Lei n° 9.868/99 traz para o Brasil a lógica da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição (Peter Haberle). O STF, literalmente, à luz da dicção legal, chama a sociedade para o debate, pois passa a reconhecer que existem outros intérpretes da Constituição que devem participar do jogo de concretização e de densificação da Constituição. Nesses termos, peritos, especialistas e interessados, como o amicus curiae, são chamados a participar da concretização das normas constitucionais. Embora, é bom que se registre, o intérprete oficial continue a ser o STF. (grifo original)
Concluída a instrução processual e chegada a data do julgamento, o relator, caso estejam presentes pelo menos oito ministros na sessão (Art. 22, Lei n° 9.868/99), lerá seu relatório e voto.
Os demais ministros presentes à sessão podem acompanhar ou divergir do voto do relator, sendo possível a qualquer deles, ainda, pedir vista do processo com o fito de estudá-lo, o que acarretará a suspensão do julgamento.
Ao final, será declarada a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado, se houver votação de, no mínimo, seis ministros em um mesmo sentido (Art. 23, Lei n° 9.868/99). Caso contrário, será a sessão suspensa e marcada outra data para o prosseguimento do julgamento.
A declaração de inconstitucionalidade possui, em regra, efeitos ex tunc, sendo facultado ao Tribunal modular os efeitos de sua decisão, por maioria de dois terços de seus membros. Assim, poderá o Tribunal restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme previsto no Art. 27 da Lei n° 9.868/99[5].
Essa decisão é irrecorrível, salvo por embargos de declaração, interpostos a fim de se eliminar uma aparente obscuridade, omissão ou contradição no acórdão recorrido.
Cumpre frisar que, de acordo com o Art. 21 da lei ora em comento, há a possibilidade de a inicial trazer também pedido de cautelar, ocasião em que haverá diferenças no trâmite acima exposto, principalmente nos prazos de manifestação, que serão reduzidos. Essas mudanças visam dar eficácia às cautelares, medidas essas requeridas em situações de urgência.
Assim, desde que comprovada a existência de seus requisitos essenciais (fumus boni juris e periculum in mora), pode ser deferida a cautelar pelo Supremo por decisão da maioria absoluta de seus membros.
A concessão dessa cautelar importa na suspensão do julgamento de qualquer processo em andamento perante o Supremo Tribunal Federal, até a decisão final na ação direta de inconstitucionalidade. Embora provisória, referida concessão será dotada, em regra, de efeitos erga omnes e ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa, por meio do mecanismo processual da modulação dos efeitos anteriormente explicado.
Outrossim, afigura-se essencial destacar hipótese mais célere de tramitação do procedimento da ADI, prevista no Art. 12[6] da Lei n° 9.868/99, que permite ao relator, levando em consideração questões singulares do caso, submeter a matéria diretamente ao Tribunal.
É de extrema relevância evidenciar essa hipótese de trâmite diferenciado do Art. 12 da Lei n° 9.868/99, tendo em vista que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889, importantes para o presente trabalho, estão em andamento no Supremo Tribunal Federal sob esse rito, conforme decisão monocrática da Ministra Relatora Carmem Lúcia. Senão vejamos:
ADIs 4887,4888 e 4889: Min. Carmem Lúcia: “(...) 3. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Congresso Nacional, para que as preste no prazo máximo e improrrogável de dez dias. Na seqüência, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e igualmente improrrogável e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99). Publique-se”.
Do exposto, como já determinados todos os ritos possíveis para o trâmite de uma ação direta de inconstitucionalidade, inclusive o adotado nas ações que interessam ao nosso estudo, passemos à análise do controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais.
2.3.5. Controle de Constitucionalidade das Emendas Constitucionais
As Emendas Constitucionais são uma das espécies normativas que podem ser objeto de uma ADI, ou seja, podem sofrer controle de constitucionalidade por via desta ação.
Frise-se que as famosas PECs (Propostas de Emendas à Constituição) não são passíveis de controle por meio de ADI, uma vez que só podem ser objeto dessa ação leis e atos normativos já editados e publicados. Porém, é viável, segundo o STF, a impetração de mandado de segurança por parlamentar, com a finalidade de ilidir proposta de emenda com procedimento incompatível com os preceitos constitucionais.
Conquanto normalmente ocorra o controle de constitucionalidade entre normas infraconstitucionais face à Constituição, é salutar destacar que as Emendas Constitucionais, mesmo dotadas de status de norma constitucional, são passíveis sim de apreciação no juízo de constitucionalidade, tendo em vista não serem oriundas do Poder Constituinte Originário.
As Emendas à Constituição são fruto do Poder de Reforma, o qual foi constituído para alterar nossa Lex Legum quando necessário, de modo a conformá-la com os anseios da sociedade, prevenindo assim um engessamento do texto constitucional e possíveis rupturas da ordem constitucional decorrentes de sua estagnação.
Criado pelo Poder Constituinte Originário, o Poder de Reforma está condicionado pelas regras impostas por aquele, haja vista se encontrar limitado pelas normas expressas e implícitas da Constituição de origem.
O Poder Constituinte Originário, este sim, detém poder ilimitado juridicamente, incondicionado[7] e autônomo, visto ser aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo com a ordem precedente.
Ao passo que o Poder de Reforma, que se dá por meio de Emendas e são a única forma de se alterar formalmente a Constituição vigente, encontra restrições na própria CRFB/88 estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário.
Nesse sentido, vejamos o que Luís Roberto Barroso (2012, p. 198) leciona sobre o tema:
[...] pacífica a possibilidade de controle de constitucionalidade de emenda à Constituição. Sujeita-se ela à fiscalização formal — relativa à observância do procedimento próprio para sua criação (art. 60 e § 2o) — e material: há conteúdos que não podem constar de emenda, por força de interdições constitucionais denominadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4o). De parte isto, a Constituição prevê, também, limitações circunstanciais ao poder de emenda, que não poderá ser exercido na vigência de intervenção federal, de estado de defesa e de estado de sítio (art. 60, § 1o).
Cumpre ressaltar que as Emendas Constitucionais sofrem, pela CFRB/88, limitações formais ou procedimentais (Art. 60,1, II, III, e §§ 2o, 3o e 5o), circunstanciais (Art. 60, § Io) e materiais (Art. 60, § 4o e todo o bloco de constitucionalidade).
Todavia, essas limitações de nada valeriam se não fosse possível o controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais pelo Poder Judiciário.
Sobre o tema, preconiza Temer (2008, p. 146):
Assim, projeto de emenda só pode converter-se em norma constitucional se obediente a processo legislativo especialmente previsto e abrigando conteúdo não destoante do texto constitucional.
Evidentemente, se uma emenda constitucional trouxer modificação, por exemplo, do sistema tributário, vulnerando princípios, ou em desobediência à forma determinada para sua produção, não se admite sua introdução na Constituição. Se vier a introduzir-se, é passível de declaração de inconstitucionalidade.
Convém notar que o texto constitucional abriga vedações explícitas e implícitas.
As implícitas são as que dizem respeito à forma de criação de norma constitucional bem como as que impedem a pura e simples supressão dos dispositivos atinentes à intocabilidade dos temas já elencados (art. 60, § 4o da CF).
Frente às demasiadas Emendas no ordenamento brasileiro e seu crescente número, afigura-se fundamental o mecanismo de controle de constitucionalidade, para que se possa expurgar de nosso ordenamento as Emendas contrárias aos fundamentos e princípios constitucionais e, com isso, se consiga manter incólume a unidade da Constituição.
Na vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já teve, algumas vezes, a oportunidade de apreciar a (in)constitucionalidade de Emendas à Constituição, tendo nossa Corte Suprema afirmado pacificamente sua competência para julgá-las via ADI.
Destacam-se a seguir apenas duas delas, a ADI 939/DF e a ADI 2395/DF.
A primeira ação declarou inconstitucional a EC n° 3/93 por violação a princípios e normas imutáveis da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enquanto a segunda foi julgada improcedente face à inexistência de afronta à forma federativa do Estado, cláusula pétrea. Senão vejamos:
Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755) Sic! (grifo nosso).
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional no 15/1996, que deu nova redação ao § 4o do art. 18 da Constituição Federal. Modificação dos requisitos constitucionais para a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios. 3. Controle da constitucionalidade da atuação do poder legislativo de reforma da Constituição de 1988. 4. Inexistência de afronta à cláusula pétrea da forma federativa do Estado, decorrente da atribuição, à lei complementar federal, para fixação do período dentro do qual poderão ser efetivadas a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. Precedente: ADI n° 2.381-1/RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001. 5. Ação julgada improcedente. (ADI 2395, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007, DJe-092 DIVULG 21-05-2008 PUBLIC 23-05-2008 EMENT VOL-02320-01 PP-00122 RTJ VOL-00205-02 PP-00618).
Esses são apenas dois dos inúmeros precedentes do STF relacionados com o controle jurisdicional de emendas constitucionais.
Assim, resta clarividente que nossa Suprema Corte não tem encontrado problemas para analisar e, em concordando com o requerente, declarar a inconstitucionalidade de normas editadas pelo Poder Constituinte de Reforma.
Por essa razão, afigura-se plenamente possível o julgamento das ADIs n° 4887, 4888 e 4889, em trâmite no Supremo — objetos do presente trabalho — vez que pugnam pela declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, que tratou da chamada Reforma da Previdência.
3. DEVER DE DECORO PARLAMENTAR E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DE SUA AUSÊNCIA
O processo legislativo para a elaboração e formação das espécies normativas, dentre as quais merecem destaque as Emendas à Constituição, devem passar por um trâmite específico com as seguintes etapas: iniciativa, votação, promulgação e publicação.
Dentre elas, cumpre-nos destacar, face sua relevância para o desenvolvimento do tema do presente trabalho, a fase de votação, na qual, constatadas irregularidades em seu processo, maculam a lei aprovada por vício de inconstitucionalidade.
Em específico, neste trabalho, examinar-se-á a possibilidade de inconstitucionalidade por vício decorrente da quebra de decoro parlamentar.
Sobre o tema, Pedro Lenza (2013, p. 273) defende que a irregularidade na fase de votação implica em malferimento da prerrogativa parlamentar mais relevante, o voto, podendo, portanto, macular todo o processo legislativo de formação das Emendas.
Destarte, a quebra de decoro parlamentar ocasiona vício de inconstitucionalidade, ao se infringir os deveres parlamentares previstos no Art. 55, § Io da CRFB/88 e diversos princípios constitucionais, como os da moralidade e da representação popular. Nesse sentido, assevera o autor:
Como se sabe e se publicou em jornais, revistas etc., muito se falou em esquema de compra de votos, denominado “mensalão”, para votar de acordo com o governo ou em certo sentido.
As CPIs vêm investigando e a Justiça apurando, e, uma vez provados os fatos, os culpados deverão sofrer as sanções de ordem criminal, administrativa, civil etc.
O grande questionamento que se faz, contudo, é se, uma vez comprovada a existência de compra de votos, haveria mácula no processo legislativo de formação das emendas constitucionais a ensejar o reconhecimento de sua inconstitucionalidade.
Entendemos que sim, e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § Io, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.
Dito isso, cabe lembrar que, no julgamento da AP 470 (conhecida como “mensalão”), ficou demonstrado o esquema de corrupção para compra de apoio político (matéria pendente). (LENZA, 2013, p.273) (grifo original)
Assim sendo, destaca-se a importância da compreensão do conceito de decoro parlamentar, para que, em seguida, seja possível verificar a ocorrência de sua violação, o que ensejaria, segundo Lenza, a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, notadamente as Emendas Constitucionais.
3.1. Conceito de decoro parlamentar
O decoro parlamentar traz a ideia de dignidade, decência, honestidade dos deputados e senadores no exercício parlamentar.
José Anacleto Abduch Santos (2008, p. 751), sobre o conceito de decoro parlamentar, assim leciona:
[...] o decoro parlamentar é o “conjunto de princípios éticos e normas de conduta que devem orientar o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato”. Logo, decoro parlamentar, como conduta exigível do parlamentar, é espécie do gênero decoro (conduta exigível de todas as pessoas que pretendem bem viver em sociedade, exercendo seus direitos e respeitando os direitos alheios).
Dessa forma, cumpre asseverar que os parlamentares estão sujeitos a um código de ética e decoro parlamentar, que estabelece os princípios éticos e as regras básicas que devem orientar a conduta dos que estejam no cargo de senador ou de deputado.
Nossa atual Constituição, em seu Art. 55, § Io, estabelece que “é incompatível com
o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.
Ocorre que, muito embora as condutas que desvelam a quebra de decoro parlamentar estejam definidas na Constituição ou nos Regimentos Internos das Casas Legislativas, que por sinal não vão muito além da redação do dispositivo constitucional supratranscrito, seu conceito continua relativamente indeterminado.
Ao explicar o motivo para essa indeterminação, Carla Costa Teixeira (1996, p. 124) leciona que “o decoro parlamentar, como um código de honra, precisa se referir aos valores de uma época e de um grupo. Vem daí sua necessária imprecisão, sua natureza avessa à plena tradução em atos especificados juridicamente”.
Todavia, apesar de indeterminado, é possível se depreender, conforme as palavras do Procurador do Estado do Paraná, José Anacleto Abduch Santos (2008, p. 751), que “o parlamentar deve guardar conduta compatível com a dignidade da função pública e do mandato recebido - o que deve ser interpretado em conformidade com os princípios constitucionais a que estão sujeitos os agentes públicos”.
Do exposto, verifica-se que a conduta de todo parlamentar deve estar pautada em conformidade com um conjunto de princípios éticos e, sobretudo, constitucionais, de modo a permanecer dignificada a Instituição do Parlamento.
E uma dessas condutas claramente atentatórias ao dever de decoro parlamentar é a compra de votos de parlamentares, que deixam de prestar com dignidade sua função precípua para votar de acordo com interesses escusos, ferindo uma série de princípios constitucionais, conforme se verificará a seguir.
3.2. Princípios ofendidos pela quebra do decoro parlamentar
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Art. 1o, afirma nosso País como um Estado Democrático de Direito em que todo o poder é do povo, emana dele, e em seu nome é exercido, seja mediante sua participação direta ou por meio de representação política. In verbis:
Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso).
Resta claro, assim, que nossa Constituição adota um regime de governo que se funda no princípio democrático, mais precisamente em uma democracia representativa e participativa, ou seja, semidireta, em que se configura a predominância das formas clássicas da democracia representativa sobre os mecanismos da democracia direta, expressos no Art. 14, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. In verbis:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
Sobre o tema, José Afonso da Silva (2010, p. 131) assevera:
A democracia, em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais ou primários, que lhe dão a essência conceituai: (a) o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo', (b) a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expressão da vontade popular, nos casos em que a participação é indireta, surge um princípio derivado ou secundário: o da representação, (grifo do autor)
Todavia, resta lembrar que há inúmeras limitações impostas à participação popular, que acabam distanciando os cidadãos do processo legislativo, e toma os mecanismos de participação direta da população como, no mínimo, de difícil aplicação prática.
A maior prova disso é que, passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição cidadã, aconteceram apenas duas consultas populares: o plebiscito de setembro 1993 (art. 2o, ADCT-CF), pelo qual o eleitorado definiu a forma e o sistema de governo; e o referendo de outubro de 2005, que decidiu pela não-proibição da comercialização de armas e munições no País.
O sistema eleitoral vigente privilegia os atuais mandatários e acaba por servir meramente como instrumento de legitimação superficial dos governantes, que continuam a perseguir interesses julgados por eles importantes.
Destarte, poderiam ser levadas ao debate público as fases de elaboração e aprovação das leis, dando maior oportunidade de participação na produção de um consenso. Alavancava- se maior espaço para a cidadania, respeitando a vontade popular. Isso de maneira alguma afrontaria a democracia representativa, mas, na democracia semidireta, não se pode deixar a sociedade tão alheia às principais decisões, pois uma sociedade só se torna efetivamente democrática na medida em que o povo participe efetivamente das decisões políticas do Estado.
Note-se que, na representação política, deve haver delegação temporária por parte do povo de cota de seu poder soberano concretizada por mandato conferido aos seus representantes, os quais, eleitos pelo voto, detêm esse múnus público de legislar em nome do povo e segundo seus anseios.
Portanto, deve-se concretizar o princípio da soberania popular, pois o poder soberano do povo tem apenas o seu exercício transferido aos seus representantes, os quais, a seu turno, devem atender as necessidades da população.
A soberania popular é, portanto, corolário do exercício da democracia representativa, sem olvidar que a novel Constituição cuida também da democracia participativa pelos mecanismos acima explanados.
Os representantes do povo são escolhidos por meio de eleições periódicas, em que os vencedores são investidos em mandatos temporários para o exercício da função parlamentar.
E como já explanado, a conduta desses parlamentares deve estar norteada por princípios éticos e jurídicos, de tal forma que se respeitem e se cumpram os compromissos firmados quando de sua candidatura.
Todavia, no Brasil, tem-se verificado a crise desse modelo representativo, tendo em vista, principalmente, que seus postulados não vêm sendo obedecidos.
Hodiernamente, muitos parlamentares já não representam mais o povo, que, por sua vez, não participa ativamente do processo de tomadas de decisões políticas.
Deparamo-nos cada vez mais com tristes episódios que maculam a legitimidade da representação popular. Incidentes como o do “mensalão” acabam por desacreditar o sistema representativo.
Salvo raras exceções de parlamentares que prestigiam o sentido de democracia e que laboram com seriedade, vivemos atualmente sob uma ilusória representação popular.
Na lição de José Afonso da Silva (2010, p. 140), citando Luís Carlos Sáchica:
A representação é montada sobre o mito da “identidade entre povo e representante popular” que tende “a fundar a crença de que, quando este decide é como se decidisse aquele, que o segundo resolve pelo primeiro, que sua decisão é a decisão do povo;...que, em tal suposição, o povo se autogoverna, sem que haja desdobramento, atividade, relação intersubjetiva entre dois entes distintos; o povo, destinatário das decisões, e o representante, autor, autoridade, que decide para o povo”.
É nessa crise de representação que se localiza a raiz de todos os problemas do sistema representativo. Ela constitui um dos mais sérios obstáculos à consolidação da democracia no Brasil.
O parlamentar, uma vez eleito, sujeita-se a diversos princípios constitucionais e, como todo agente público, tem o dever de decoro, in casu, de decoro parlamentar, que seria a conduta exigível dos representantes atuantes nas casas legislativas.
Ora, é clarividente que os deputados e senadores, ao malversarem suas prerrogativas e deveres parlamentares, estão violando diversos princípios constitucionais, sendo um deles princípio pilar de nosso Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da representação popular. Ao procederem sem a necessária ética em seu labor, estão por desrespeitar o povo em sua representatividade. Digo isso porque a representação popular não consiste em atribuir um poder absoluto ao parlamentar, mas uma representação do povo, em que o representante deve expressar o que o representado quer, de forma democrática.
Note-se, ainda, que qualquer ato atentatório ao decoro parlamentar está por ofender o princípio da democracia, haja vista que, ao deixarem de exercer suas funções devidamente, ou seja, deixando de buscar a satisfação dos interesses de seus representados para procurar concretizar interesses escusos, estão esses parlamentares desrespeitando a própria democracia e, porque não dizer, o Estado Democrático de Direito como um todo.
Ademais, frise-se a ofensa a outros princípios constitucionais, quando há quebra do dever de decoro, tais como os princípios da moralidade e da probidade administrativas, também consagrados pelo Estado Democrático de Direito.
O princípio da moralidade, expressamente previsto no Art. 37 da Constituição, e o princípio da probidade administrativa são institutos que visam impedir as arbitrariedades e desonestidades estatais, visando sempre o bem comum.
Inobstante ser difícil estabelecer uma diferenciação entre esses conceitos, Larissa Freitas Carlos (2000, online) os diferencia estabelecendo que:
A moralidade administrativa compreende o tipo de comportamento que os administrados esperam da administração pública para a consecução de fins de interesse coletivo, segundo uma comunidade moral de valores, já a probidade na administração vem a ser o agir em consonância com tais valores, de modo a propiciar uma administração de boa qualidade. A moralidade é o genérico, do qual a probidade é uma especialização.
Por sua vez, sobre o dever do parlamentar de exercer com moralidade e probidade a sua função, José Anacleto Abduch Santos (2008, p. 752) assim leciona:
O parlamentar, como todo agente público, tem o dever do decoro - dentro e fora do Parlamento! Tem o dever de, com sua conduta, transmitir aos seus outorgantes (o povo) uma mensagem clara de respeito aos padrões sociais contemporâneos de moralidade, ética, honestidade e probidade. O Parlamento é instituição fundamental e indispensável à democracia, e seus integrantes recebem a responsabilidade de exercer com dignidade e honra a função parlamentar e a de prestar contas quanto aos deveres outorgados junto com o mandato recebido - o que inclui o dever de observância das leis e normas vigentes, de retidão moral e de caráter.
Visando resguardar a moralidade e a probidade administrativa no exercício de mandatos públicos, foi criada a Lei Complementar n° 135, de 4 de junho de 2010, que estabelece, de acordo com o § 9o do Art. 14 da Constituição Federal[8], casos de inelegibilidade, prazos de cassação, dentre outras providências.
A supramencionada Lei Complementar ficou popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa” e determina precipuamente que “aqueles que não possuírem vida pregressa e comportamento compatíveis com os princípios da Moralidade e da Probidade Administrativa tornam-se desonerados e incapacitados dessa árdua e relevante tarefa de definir os rumos da coletividade” (BELISCO, 2012, online).
Diante do exposto, resta patente que o parlamentar, ao desrespeitar seu dever de decoro, infringe uma série de princípios éticos e, sobretudo, jurídicos, estabelecidos em nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, devendo, portanto, ser coibida a prática de conduta contrária ao decoro e seus desdobramentos.
3.3. Hipóteses de quebra de decoro parlamentar
Embora seja difícil descrever com exatidão quando um parlamentar descumpre com seu dever de decoro, analisaremos e teceremos a seguir breves considerações sobre as três hipóteses previstas em nossa atual Constituição:
1) os casos previstos nos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;
2) o abuso das prerrogativas asseguradas aos membros do Congresso;
3) a percepção de vantagens indevidas.
Nos regimentos internos das casas legislativas, as mesmas disposições da Constituição são repetidas, quase que de mesmo modo, nos Art. 240 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Art. 32 do Regimento Interno do Senado Federal.
À guisa de exemplo, tomemos o regimento da Câmara dos Deputados e demais atos normativos, a fim de explicitar determinadas hipóteses de quebra de decoro e as medidas disciplinares que visam coibir tais práticas.
O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, por exemplo, alarga as possibilidades de quebra de decoro:
Art. 4o - Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:
I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § Io);
II - perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, §1°);
III - celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando- a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados;
IV - fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação;
V - omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18.
Art. 5o- Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código:
I - perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão;
II - praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa;
III - praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou comissão, ou os respectivos Presidentes;
É salutar trazer à baila o Art. 25 do Regimento Interno do Senado, o qual estabelece que somente dentro do edifício do Senado Federal poderia o Senador ser responsabilizado pelo exercício de ato incompatível com o decoro parlamentar. Senão vejamos:
Art. 25. Se algum Senador praticar, dentro do edifício do Senado, ato incompatível com o decoro parlamentar ou com a compostura pessoal, a Mesa dele conhecerá e abrirá inquérito, submetendo o caso ao Plenário, que sobre ele deliberará, no prazo improrrogável de dez dias úteis. (NR)
Todavia, cumpre frisar que há quem discorde do teor do supracitado dispositivo, como José Anacleto Abduch Santos (2008, p.752), que sobre o tema assim assegura:
O parlamentar não é parlamentar apenas entre as quatro paredes do prédio do Parlamento. No Parlamento, exerce a função pública, mas não se despe da condição de parlamentar ao se retirar dele. (...) A conduta do titular de mandato eletivo deve ser exemplar, seja nos trabalhos realizados no exercício da função pública, seja na conduta privada, sob pena de tornar a expressão “decoro parlamentar” uma contradição em termos.
Nesse mesmo sentido, Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro (2007, online):
[...] decoro parlamentar visa a assegurar e preservar a própria imagem que se tem do Poder Legislativo. E esta imagem, desenganadamente, pode ser afetada por atos de congressistas que não guardem qualquer relação com o efetivo exercício do mandato parlamentar.
Nesta linha, no extremo, pode o Congresso Nacional entender que a permanência, na Casa, de parlamentar acusado de estupro afeta, sim, a própria honorabilidade do Parlamento. Trata-se, portanto, de ato completamente destacado da atividade parlamentar (suposta prática de estupro), mas, ainda assim, potencialmente apto a danificar a honra objetiva do Parlamento.
Outros exemplos poderiam ser dados, todos eles evidenciadores de que tanto atos públicos, praticados por parlamentares enquanto tal, como atos de índole meramente privada, são virtualmente capazes de atingir o Congresso Nacional. Tanto é assim, que as vedações constitucionais impostas aos parlamentares também se referem a atos que não guardam qualquer relação com o mister congressional. Veja-se, por exemplo, que, desde a expedição do diploma, Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária. Típica limitação que, inspirada pelo princípio da moralidade administrativa, atinge a esfera privada, negociai, empresarial, do parlamentar (CF, art. 54,1, "a"). Sic!
Quanto à questão do abuso das prerrogativas parlamentares, Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 243) afirma que “o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional seria o equivalente a abusar das imunidades outorgadas ao parlamentar para o bom e independente desempenho de seu cargo”.
E no que diz respeito ao que seria a percepção de vantagens indevidas, destacamos que essa pode ser entendida como qualquer benefício que o parlamentar aufira sem título legítimo do próprio Estado ou de um particular.
Cumpre frisar, ainda, que não é necessário que a conduta incompatível com o decoro parlamentar tenha se dado na vigência do mandato para que reste configurada violação ao decoro, pois práticas realizadas em períodos fora do mandato também enfrentam a sua censura.
Nessa perspectiva, destaco mais um entendimento de Pinheiro (2007, online) sobre o tema:
Assim, é desnecessário, para a configuração da quebra de decoro parlamentar, qualquer relação de contemporaneidade entre a prática do ato tido como indecoroso e a titularidade do mandato ou, ainda, qualquer vínculo material de implicação entre a conduta desabonadora e o exercício das funções congressuais. Ao contrário disso, o processo de cassação por quebra de decoro pode validamente se instaurar sempre que a Casa Legislativa, num juízo que lhe é absolutamente privativo, entender que conduta imputada a parlamentar pode comprometer, por sua gravidade mesma, o prestígio social desfrutado pela Instituição.
Igualmente, ressalte-se que o momento em que referidas condutas indecorosas são praticadas não se mostra essencial para a configuração de quebra de decoro e a perda do mandato daí advinda, uma vez que todas essas hipóteses supramencionadas não foram criadas com o fito de vigiar o exercício do mandato do parlamentar, mas sim de manter a honra objetiva do Parlamento.
3.4. Das penalidades aplicáveis por conduta violadora do dever de decoro
Para a concretização do regime democrático, é imprescindível, dentre outros requisitos, o fortalecimento dos padrões éticos e morais da sociedade, ante o exorbitante número de casos comprovados de corrupção em nosso País. Logo, faz-se necessária, para frear essas práticas indecorosas dos parlamentares, a criação de mecanismos de punição.
O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, a título de exemplo, estabelece, em seu Art. 10, sanções cabíveis aos parlamentares que infringirem seu dever de decoro:
Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:
I - censura, verbal ou escrita;
II - suspensão de prerrogativas regimentais;
III - suspensão temporária do exercício do mandato;
IV - perda do mandato.
Parágrafo único. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a Câmara dos Deputados, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator.
Consoante previsão constitucional, destaquem-se algumas situações que, excepcionalmente, podem acarretar a perda de mandato parlamentar antes de findo o seu prazo, mais precisamente no Art. 55 da CRFB/88:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 2o - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa, (grifo nosso).
Dentre os casos acima enumerados, cumpre-nos destacar, face sua relevância para o desenvolvimento de nossa pesquisa, a hipótese decorrente de procedimento incompatível com o decoro parlamentar.
Conforme especificado no § 2o do Art. 55, CRFB/88, essa sanção de perda do mandato é ato disciplinar de competência privativa da respectiva Casa Legislativa, a qual pode determinar a cassação do mandato parlamentar como uma medida disciplinar, mediante votação secreta[9] e por quórum de maioria absoluta, após provocação da Mesa da Câmara ou do Senado, a depender do caso, ou de partido político com representação no Congresso Nacional.
No caso da Câmara dos Deputados, é de responsabilidade do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, criado em outubro de 2001, estabelecer a abertura de processo disciplinar para a aplicação de penalidades nos casos de descumprimento de normas relativas à quebra de decoro parlamentar.
Tramitou no referido Conselho apenas um processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar, esse contra o deputado Natan Donadon, este que foi o primeiro caso de parlamentar a cumprir pena no exercício do mandato.
Esse deputado encontra-se atualmente preso na penitenciária da Papuda, em Brasília, em razão de ter sido condenado por sentença penal transitada em julgado no Supremo Tribunal Federal por crimes de formação de quadrilha e de peculato, tendo inclusive seu pedido de revisão criminal sido rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal recentemente.
Tendo em vista que a condenação criminal transitada em julgado não cassa automaticamente o mandato parlamentar, porquanto cabe ao Poder Legislativo dar a palavra final sobre a perda de mandato[10], o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com uma representação contra Donadon no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, visando à cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar.
Essa representação visa resguardar a imagem da Câmara dos Deputados, uma vez que a manutenção do mandato de um condenado por crimes contra a Administração Pública macularia a integridade da Instituição Parlamentar.
Nesse sentido, o deputado Beto Albuquerque (2013, online), líder do PSB na Câmara dos Deputados, em sessão realizada no dia dois de setembro de 2013, reforçou a representação apresentada por seu partido político, pronunciando-se sobre o assunto da seguinte maneira:
[...] Deputado Natan Donadon, que se encontra preso na Papuda, tendo sido condenado criminalmente, e havido transitado em julgado o processo.
A conveniência da quebra de decoro parlamentar está em ofensa à integridade da instituição, do Parlamento, de todos os Parlamentares. O que se julga não é o comportamento do Parlamentar em questão, mas, sim, o ferimento mortal do conjunto da instituição, do próprio Poder Legislativo.
Então, o conceito abrangente de decoro parlamentar na Constituição se dá exatamente no sentido de que esta Casa tenha, de forma pertinente, o juízo de valor de julgar esse tipo de fato.
Hoje, esta Casa não pode negar que está constrangida; não pode negar que está em desconexão com a sociedade brasileira; e não pode negar que há em curso um movimento no sentido de repulsa à decisão tomada.
É flagrante, portanto, que a manutenção do mandato de Natan Donadon ofendia a regra do decoro parlamentar, que, consoante outrora demonstrado, não tem como objetivo tutelar o exercício do mandato, mas, sim, a honra objetiva do Parlamento.
Sobre o tema, Pinheiro (2007, online):
A idéia, portanto, em tema de cassação de mandato parlamentar por quebra de decoro, é a preservação da intangibilidade do bem jurídico que se pretende tutelar, qual seja, a respeitabilidade, a honorabilidade, da Instituição Parlamentar. (,..)velar pelo funcionamento das instituições democráticas e pela crença na democracia como o único regime capaz de assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais. Sic!
E foi nesse sentido que assim decidiu o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, ao, em fevereiro de 2014, e por votação aberta, condenar o ex-deputado Natan Donadon por quebra de decoro parlamentar, finalmente cassando seu mandato.
Assim, as condutas praticadas por parlamentares que atentarem contra os deveres éticos inerentes ao decoro merecem a devida averiguação e punição, de modo que eles exerçam seu múnus público de maneira proba e, com isso, a vontade popular e, consequentemente, a democracia sejam respeitadas.
Inicialmente, cumpre frisar que, para a maior parte da doutrina, dentre eles José Afonso da Silva (2010, p. 47), a incompatibilidade, tecnicamente denominada de inconstitucionalidade, pode ocorrer de duas maneiras:
(a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição.
Contudo, merece destaque a hipótese peculiar de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, a qual desafia o controle jurisdicional de constitucionalidade, conforme tese idealizada e lançada por Pedro Lenza em 2005.
A tese de nova hipótese para o controle de constitucionalidade agora encontra respaldo para ser aplicada, em razão do julgamento do caso do “mensalão” na Ação Penal (AP) n° 470, oportunidade em que se concluiu pela existência de um esquema de compra de votos de sete parlamentares, para que projetos de lei fossem aprovados de acordo com os interesses do governo à época. Atualmente, a Ação Penal se encontra em sede de embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal, e seu mérito já foi amplamente discutido e analisado, tendo os Ministros se manifestado por diversas vezes no sentido de que houve, sim, a compra de votos na Câmara dos Deputados.
Consoante o decisum do STF, verifica-se a ocorrência de grave vício no processo legislativo da Emenda Constitucional n° 41/03. Entretanto, questão nodal a ser enfrentada pelo STF nas ADIs n°s 4887, 4888 e 4889 reside antes na possibilidade de controle de constitucionalidade por quebra de decoro parlamentar em face da comprovada existência de esquema de compra de votos.
Lenza entende ser possível o controle de constitucionalidade pelo Judiciário por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar (2013, p. 273):
(...) trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § Io, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.
Frise-se que, embora desde 2005 Lenza levante a possibilidade de controle de constitucionalidade por supramencionado motivo, somente agora o Supremo Tribunal Federal se manifestará sobre esse vício, uma vez que tramitam na Corte Suprema três ações sobre a matéria.
Nesse passo, é oportuno registrar que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL), a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizaram, respectivamente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n°s 4887, 4888 e 4889 no Supremo Tribunal Federal, tendo as três como relatora a Ministra Carmem Lúcia, todas com o fito de ver declarada a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003.
Nesse sentido, Fonseca (2012, online) assevera que:
Há algum tempo o Prof. Pedro Lenza vem levantando a discussão sobre a inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar. Este assunto já foi até objeto de questionamento em concurso público. O tema é polêmico, não havendo consenso doutrinário sobre ele. Agora o STF terá a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Tratam-se de ADIs que questionam a Reforma da Previdência (EC n° 41/2003), sob a alegação de que foi aprovada por meio de votos de parlamentares comprados por réus condenados no Mensalão (AP 470).
Passemos agora a uma breve análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que estão com julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal, atualmente conclusas à relatora Ministra Carmem Lúcia, ressaltando que, inobstante essas ADIs apresentem também outros vícios formais e materiais da Emenda Constitucional n° 41/03, no presente trabalho, deter-nos-emos nos argumentos que se referem a inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar.
Ao final, destacaremos outros argumentos favoráveis à referida inconstitucionalidade dessa Emenda por esse vício, além de expor os argumentos contrários, os quais defendem a sua constitucionalidade.
Ação ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, com pedido cautelar, pugnando pela inconstitucionalidade de toda a Emenda Constitucional n° 41/2003, em especial do Art. 40, § 7o, I e II, CRFB/88, com as alterações trazidas pela emenda rechaçada, bem como pela totalidade da EC n° 47/2005.
Buscaremos, por enquanto, trazer alguns argumentos que militam em favor da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar.
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil sustentou na exordial que a Emenda Constitucional n° 41/2003 foi introduzida em nosso ordenamento jurídico mediante processo legislativo viciado, uma vez que restou comprovado, na Ação Penal n° 470, a existência de esquema de compra de votos de deputados federais por integrantes do Executivo à época, violando princípios como os da moralidade e da representatividade popular, assegurados por nossa Carta Magna. Senão vejamos:
[...] afronta ao princípio da moralidade (C.F.. art. 37, caput, tendo em conta que o processo legislativo foi, inequivocadamente, imoral e fraudado, como ficou já demonstrado nos presentes autos (venda de votos). Maculada, destarte, “a essência do voto e o conceito de representatividade popular (C.F., art. Io, § único) (grifo original)
Ao ser aprovada por meio de procedimento viciado, em que parlamentares votaram pela aprovação da Emenda por interesses particulares, resta clarividente que houve vício decorrente da quebra de decoro parlamentar por ofensa ao Art. 55, § Io, da CRFB/88, bem como a diversos princípios constitucionais, o que esvazia a legitimidade da aprovação da Emenda.
Por conseguinte, toma-se premente a necessidade de se expurgar a Emenda Constitucional n° 41/2003 de nosso ordenamento.
Nesse sentido, colaciono trecho da inicial em comento:
Em suma, o vício ocorrido no processo legislativo demonstrado é inequívoco e, portanto, tornam os atos normativos impugnados in totum inconstitucionais e nulos, de forma chapada, data vênia, expressão utilizada, no cotidiano, pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, isto é, na espécie, a totalidade das Emendas Constitucionais 41/03 e 47/05. (grifo original)
Por sua vez, o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Rio de Janeiro (SINFRERJ) e o Sindicato Nacional dos Servidores Federais Autárquicos nos Entes de Formulação, Promoção e Fiscalização da Política da Moeda e do Crédito (SINAL) requereram o ingresso no feito na condição de amicus curiae, conforme previsto no Art. 7o, § 2o, da Lei n° 9.868/99[11].
Cumpre trazer à baila o Parecer do Procurador-Geral da República, que reconheceu não haver dúvida de que houve vício na formação da vontade no procedimento legislativo, e que houve nítida violação aos princípios democrático e do devido processo legislativo. Todavia, ao final, alegou não ter havido comprovação de mácula na vontade de parlamentares em número suficiente para alterar o quadro de aprovação do ato normativo, e, em respeito ao princípio constitucional de presunção de não culpabilidade (art. 5o, LVII, CRFB/88), não poderia ser presumido esse esquema de compra e venda de votos e apoio político aos demais parlamentares envolvidos, razão pela qual deu parecer pela improcedência do pedido autoral.
Os autos de referida ação, até o momento do fechamento deste capítulo, estão conclusos à relatora. Aguardemos como o Supremo Tribunal Federal analisará essa nova hipótese de vício de inconstitucionalidade.
Nesta ADI, a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) afirmou a inconstitucionalidade dos Arts. Io e 4o da Emenda Constitucional n° 41/2003 por contrariarem o disposto no Art. 55, § Io da CRFB/88, ao defender que “as normas em questão foram editadas em um contexto e em uma dinâmica de vício insanável de decoro parlamentar, vedado expressamente no artigo 55. § 1°. da Constituição da República Federativa do Brasil”. (grifo original)
Na inicial, a parte autora revela a mácula no processo legislativo, votação da Emenda Constitucional n° 41/2003, ao descrever que:
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, também já reconheceu a comprovação induvidosa da existência de crime contra a República Federativa do Brasil, crime de lesa-pátria alojado no lamentável fenômeno de quebra de decoro parlamentar à ocasião do processo legislativo de formação e votação da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, publicada no Diário Oficial da União, em 31/12/03, emenda essa que ensejou a malfadada “Reforma da Previdência”, com redução de direitos previdenciários de servidores públicos e a privatização de parte do sistema político de seguridade.
A Confederação dos Servidores Públicos do Brasil destacou que as condutas criminosas dos parlamentares envolvidos no esquema organizado para ampliar a base de apoio do governo na Câmara dos Deputados acarretaram o malferimento da soberania popular, da moralidade e da probidade administrativas.
Ademais, a parte autora salientou a necessária existência de “instrumentos jurídicos capazes de inibir eventuais desvios de poder ou de conduta ocorridos quando do exercício da atividade parlamentar”. Assim, uma vez caracterizada a prática de abuso ou desvio desse poder, deve o Judiciário agir, a fim de impedir que atos normativos sejam elaborados e aprovados mediante processo legislativo viciado.
Destaque-se que a inicial em comento assenta-se em decisão, inaugural no âmbito do Poder Judiciário sobre o tema, de lavra do magistrado mineiro Doutor Geraldo Claret de Arantes, que, ao julgar o Mandado de Segurança n° 002412129593-5, declarou, em 3 de outubro de 2012, em sede de controle difuso, a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 por vício decorrente da quebra de decoro parlamentar. Cópia integral da sentença encontra-se em anexo.
Colaciona-se excerto da decisão supracitada, in verbis:
[...] EC 41/2003 foi fruto não da vontade popular representada pelos parlamentares, mas da compra de tais votos, mediante paga em dinheiro para a aprovação no parlamento da referida emenda constitucional que, por sua vez, destrói o sistema de garantias fundamentais do estado democrático de direito.
Aguardemos como o Supremo Tribunal Federal vai se manifestar sobre a matéria; atualmente, os autos se encontram conclusos à relatora, Ministra Carmem Lúcia.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4889 ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) questiona a inconstitucionalidade da Reforma da Previdência, visto que restou comprovada a prática do crime de corrupção passiva de sete parlamentares, os quais venderiam seus votos para a aprovação de projetos importantes do governo em troca de benefícios financeiros.
Conforme a parte autora, estaria, dessa forma, evidenciado o vício de inconstitucionalidade por violação dos princípios da representação democrática e da moralidade.
Para reforçar o exposto, colacionam-se trechos da inicial desta ação:
Está-se diante de uma conduta que comprovadamente afrontou o princípio da representação popular, na forma do quanto arguido. O vício de vontade dos parlamentares, para além de contaminar o de outros parlamentares, que seguiram a orientação do seu partido, num total de 108 votos, contaminou o próprio processo legislativo, que, não pode prevalecer face à patente inconstitucionalidade que o inquina.
Inegavelmente, a votação da PEC 40/2003 foi fraudada, corrompida, vilipendiada por dinheiro e razões outras escusas, por exercício de indevido poder político e por meios ilícitos e vedados que burlaram o devido processo legislativo e inconstitucionalmente fixada a Emenda - ferindo notadamente os princípios da moralidade, da ética, da democracia, da representação popular - art. Io, Parágrafo único da CF/88, da boa-fé, da segurança jurídica, do devido processo legislativo - culminou na inconstitucionalidade formal da Emenda Constitucional 41/2003, razão pela qual se requer à essa Corte o controle de constitucionalidade abstrato para declarar a inconstitucionalidade da referida norma, retirando-a do ordenamento.
Por fim, em sucinta análise das três ADIs que estão aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal, todas versando sobre o vício de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, destaca-se a condução dos processos pela relatora Ministra do STF, Carmem Lúcia, a qual fez por bem atribuir o rito abreviado do Art. 12 da Lei n° 9.868/99, determinando que sejam prestadas com urgência informações do Congresso Nacional sobre os dispositivos questionados, abrindo vista ao Procurador-Geral da República e ao Advogado- Geral da União para manifestação, além de levar a matéria diretamente ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, consoante trechos do seguinte despacho:
2. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Congresso Nacional, para que as preste no prazo máximo e improrrogável de dez dias.
Na seqüência, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador- Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e igualmente improrrogável e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99). (grifo original)
Frise-se que será a primeira vez que nossa Suprema Corte se manifestará sobre a inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, razão pela qual se mostra assaz relevante seu pronunciamento, seja para declarar a inconstitucionalidade ou constitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 por esse motivo.
Nesse ponto, inicialmente, teceremos breves comentários sobre os argumentos a favor da constitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003, para somente depois destacar os fundamentos favoráveis à declaração de inconstitucionalidade.
Um dos fundamentos contrários à inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 se baseia na competência exclusiva do Congresso Nacional para averiguar a ocorrência de quebra de decoro parlamentar de seus componentes, cuja matéria seria interna corporis, o que, por sua vez, impossibilitaria a apreciação pelo Judiciário.
Entretanto, em que pese a suposta competência exclusiva do Congresso Nacional para averiguar a ocorrência de quebra de decoro parlamentar, da análise dos autos da Ação Penal n° 470, não restam dúvidas acerca da atuação dos parlamentares condenados, que infringiram de forma aviltante e das mais variadas maneiras as disposições do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.
Todavia, a conduta desses parlamentares também violou princípios expressos da CRFB/88, razão pela qual se faz necessária à apreciação pelo Poder Jurisdicional. Inviabilizar a análise dessa questão pelo Judiciário em casos tão flagrantes como esse, é atentar contra a soberania popular, a moralidade administrativa e o Estado Democrático de Direito como um todo.
Frise-se que não se objetiva com isso, desconstituir a legitimidade ou mesmo minar a competência das casas legislativas para avaliar o decoro de seus próprios membros. O que se deseja esclarecer é que, ante a comprovada existência de compra de votos de parlamentares para aprovação de propostas de interesse do Governo à época, resta patente a ofensa a uma série de princípios constitucionais. Logo, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deve protegê-la dessas “normas compradas”.
É cediço que cabe somente à respectiva casa legislativa analisar a conduta atentatória ao decoro praticada por seus integrantes e puni-los quando necessário, mas - repise- se - o que se está a defender é a possibilidade de análise pelo Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade de uma norma em razão desse vício - corrupção dos membros do parlamento no processo legislativo.
Ademais, é salutar esclarecer que omitir-se quanto à tarefa de apreciar referida quebra de decoro parlamentar difere e muito do ato de declarar a inconstitucionalidade de uma norma em razão dessa comprovada violação.
Em outras palavras, o objeto de controle jurisdicional não repousaria sobre as condutas parlamentares em si mesmas consideradas, mas sim sobre o resultado final delas. A exemplo do que se defende nas ADIs n° 4887, 4888 e 4889, a Emenda Constitucional 41/2003, aprovada sob esse esquema de corrupção parlamentar, seria inconstitucional. Ou seja, não se trata de tarefa do Supremo Tribunal Federal julgar o ato do parlamentar em si, mas sim com relação à norma resultante deste. Se a malversação das prerrogativas parlamentares foi determinante para o advento da Emenda na ordem jurídica, deve, portanto, ser declarada inconstitucional, pois já nasceu maculada pelo vício volitivo representativo.
Outro argumento a favor da constitucionalidade dessa Emenda reside no fato de que apenas sete parlamentares, condenados na AP n° 470, estariam envolvidos nesse esquema de compra de votos. Para os defensores desse argumento, referido número de parlamentares corrompidos seria irrelevante frente ao total de votos necessários para a aprovação da Emenda.
Dessa forma, não seria tal violação suficiente para comprometer as votações da PEC n° 40/2003, uma vez que, retirados os votos viciados, permaneceria respeitado o quórum de três quintos, necessários à sua aprovação.
Ocorre que, apesar do reduzido número de parlamentares investigados e condenados frente ao total de membros presente na Câmara, deduz-se que a atenção do corruptor se volta para peças importantes no jogo político, de modo que o “investimento traga resultados”. Assim, embora não se possa afirmar qualquer desdobramento desse esquema de compra de votos com precisão, é de se inferir que, no mínimo, como alguns dos deputados condenados eram líderes de bancadas de seus partidos políticos, tenham eles influenciado os demais integrantes de seus partidos, no sentido de se ver aprovada a PEC n° 40/2003.
Mesmo que isso não tenha ocorrido, tomamos a dizer que a cormpção de uns poucos congressistas em sua função precípua, qual seja, votar pela aprovação de leis, já se afigura suficiente para embasar a declaração de inconstitucionalidade de norma decorrente dessa prática. Assim deve se dar, tendo em vista que o mais importante é a manutenção da ordem pública e do Estado Democrático de Direito, com o devido respeito aos mais diversos princípios constitucionais, como os da soberania popular, moralidade e representatividade popular.
Cumpre agora destacar alguns argumentos favoráveis à inconstitucionalidade da Reforma da Previdência de 2003, em decorrência do vício de quebra de decoro parlamentar.
Os que são contrários à constitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 defendem não haver dúvidas da ocorrência da quebra de decoro parlamentar pelos deputados envolvidos no esquema de compra de votos e indiciados na Ação Penal n° 470, visto que a exigência constitucional do decoro, estatuída no Art. 55, § Io, CRFB/88, representa justamente a fidúcia que deve existir entre o eleitor e o eleito, durante o mandato parlamentar.
Ora, resta claro que os condenados, ao venderem seus votos, deixaram de exercer seu mandato com a necessária moralidade administrativa, dignidade e respeito à coisa pública e à soberania popular.
Ao terem votado de acordo com interesses escusos, estão os deputados condenados abusando de seu poder, em nítido desvio de finalidade.
Isso macula não apenas os princípios da moralidade e probidade administrativa, mas o próprio modelo democrático traçado pela nossa Constituição atual como um todo, o que, consequentemente, retira a validade do processo legislativo de formação da Emenda Constitucional n° 41/2003.
Ante o exposto, torna-se evidente que permitir a subsistência da Emenda Constitucional n° 41/2003 implica em desrespeitar uma gama de princípios e valores estatuídos em nossa CRFB/88, razão pela qual reputamos essencial a declaração de inconstitucionalidade dessa Emenda pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que seja ela expurgada de nosso ordenamento.
Todavia, cumpre ressaltar que na decisão do STF pode ser aplicado o instituto de modulação dos efeitos, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria qualificada de 2/3 de seus Ministros, podendo-se restringir os efeitos dessa declaração ou decidir que ela tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme Art. 27 da Lei n° 9.868/99.
É de extrema relevância para o caso essa possibilidade de modulação de efeitos das decisões proferidas pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade, porque permite uma ponderação e conciliação dos interesses social, jurídico, político e econômico, de modo a se resguardar a segurança jurídica no ordenamento.
Por enquanto, só nos resta aguardar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema nas ADIs n° 4887, 4888 e 4889.
À vista de tudo quanto se expôs, não há como negar a relevância da futura análise pelo Supremo Tribunal Federal sobre a suposta inconstitucionalidade por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar nas ADIs n° 4887, 4888 e 48889, uma vez que referida tese não teve seu mérito apreciado por nossa Suprema Corte até o fechamento deste trabalho.
Sobre o tema do vício decorrente da quebra de decoro parlamentar, é importante repisar que o Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito, em que, mediante o sufrágio universal, os representantes são escolhidos mediante votação para decidirem em nome de todos os eleitores.
Assim, ao se constatar que o processo legislativo de formação da emenda constitucional em análise (Emenda Constitucional n° 41/2003) foi contaminado pelo vício de representação popular, uma vez que os parlamentares envolvidos no esquema do mensalão não atuaram no sentido de traduzir a soberana vontade do povo, mas aprovando-a sob interesses escusos, há que ser declarada a inconstitucionalidade da norma, expurgando-a de nosso ordenamento jurídico.
Nesse contexto, reputamos ser necessária a utilização de uma medida que prestigie todos os interesses e direitos envolvidos nesta causa, de forma que a concessão de efeitos ex tunc, aplicada, em regra, para as hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, não se amoldará como medida mais adequada ao presente caso.
Considerando ser permitida a modulação dos efeitos dessa declaração, recomendamos que o Pretório Excelso conceda, in casu, outro prazo de validade da norma, nos moldes previstos no Art. 27 da Lei n° 9.868/99, de modo que se possibilite ao Congresso Nacional promover nova votação para aprovar a Emenda Constitucional n° 41/2003 de maneira legítima, ou legislar sobre outra norma que a substitua.
Dessa forma, restará prestigiada a segurança jurídica, orçamentária e os princípios constitucionais aqui defendidos, em especial, a representatividade popular.
Ante o exposto, para concluir, restou plenamente demonstrada, por meio de ampla pesquisa bibliográfica, a relevância do presente tema, uma vez ser de interesse de toda a sociedade brasileira a necessária correção de lesão ocorrida, com a aprovação irregular da Reforma da Previdência, ao Estado Democrático de Direito e diversos outros preceitos constitucionais. É de se frisar que servirá, ainda, para futuros casos em que possam subsistir dúvidas acerca da legitimidade de Emendas Constitucionais e até mesmo de outras leis assim aprovadas, sendo possível as suas exclusões de nosso ordenamento jurídico caso haja incompatibilidade com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
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[1] Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
omissis
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
[2] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
[3] Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 3o Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
[4] RE n° 466.343.
[5] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
[6] Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.
[7] J J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. Ed., p. 81, em sentido contrário, observa que o poder constituinte originário “[...]é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade, nesta medida, considerados como ‘vontade do povo’”.
[8] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ 9o Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n° 4, de 1994)
[9] Cumpre destacar a PEC 349/01, já aprovada com unanimidade pela Câmara e atualmente aguardando votação no Senado Federal, que, dentre outras medidas, visa dar fim às votações sigilosas, ou seja, a declaração de perda de mandato por falta de decoro e condenação criminal sujeita ã análise do Plenário, por exemplo, deverá ocorrer por votação aberta. Frise-se que, até o momento da elaboração desse trabalho, referida proposta de emenda à Constituição não foi votada no Senado.
[10] O Senado Federal aprovou recentemente, mais precisamente no dia 11 de setembro de 2013, em primeiro e segundo turnos, a PEC 18/2013, que determina a perda imediata do mandato de parlamentar condenado por penas superiores a quatro anos, em sentença definitiva, por improbidade administrativa ou crime contra a administração pública. A proposta encontra-se na Câmara e, até o momento, não foi aprovada.
[11] Art. 1-, § 2- O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
Advogado. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARINHO, João Henrique de Brito. O Vício de Inconstitucionalidade por Quebra de Decoro Parlamentar e sua configuração na aprovação da Emenda Constitucional nº 41/2003 com análise das ADIs Nº 4887, 4888 E 4889 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46462/o-vicio-de-inconstitucionalidade-por-quebra-de-decoro-parlamentar-e-sua-configuracao-na-aprovacao-da-emenda-constitucional-no-41-2003-com-analise-das-adis-no-4887-4888-e-4889. Acesso em: 23 dez 2024.
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