RESUMO: O presente estudo analisa o processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto de forma expressa e inovadora na Lei 13.105/2015 - Novo Código de Processo Civil.
PALAVRAS-CHAVE: Processamento. Incidente desconsideração da pessoa jurídica. Novo Código de Processo Civil.
ABSTRACT: In the present study, the brazilian incident of disregard of legal entity is analyzed. This legal institute is expressly and innovatively foresee by the law number 13.105/2015 – the New Brazilian Civil Process Code.
KEYWORDS: Procedure. Incident of disregard of legal entity. The New Brazilian Civil Process Code.
1. INTRODUÇÃO
A pessoa jurídica surgiu a partir da necessidade, ou da conveniência, de os indivíduos se unirem para realizar atividades que, isoladamente, não conseguiriam atingir. Diante do fato associativo, fenômeno histórico e social, o Direito passou a atribuir personalidade aos agrupamentos de pessoas e/ou de bens, para que pudessem atuar no mundo jurídico com autonomia.
Assim, pode-se conceituar pessoa jurídica como o conjunto de pessoas ou de bens, dotada de personalidade jurídica própria, constituída na forma da lei para a consecução de finalidades comuns. A característica fundamental dos entes morais é, portanto, possuir personalidade e patrimônio distintos de seus membros ou fundadores, de modo que estes, em regra, não respondem com seu patrimônio por obrigações da pessoa jurídica, de acordo com o princípio da autonomia patrimonial.
Conforme esclarece Flávio Tartuce (2011, p.134):
“A regra é a de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica serem executados”.
Com isso, pretendeu-se fomentar o desenvolvimento do comércio e das relações empresariais, pois o patrimônio dos indivíduos ficaria resguardado do eventual insucesso da empresa, estimulando-os a investir e arriscar-se no mundo empresarial.
Todavia, com o passar do tempo, percebeu-se que a personalidade jurídica autônoma da pessoa jurídica começou a ser utilizada para fins ilícitos, protegendo o sócio que, de má-fé, utilizava o “escudo” representado pela sociedade como forma de não sofrer execução individual, lesando o direito dos credores e da própria sociedade, o que ensejou reações na doutrina e na jurisprudência. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2014, p.219):
“A reação a esses abusos ocorreu em diversos países, dando origem à teoria da desconsideração da pessoa jurídica, que recebeu o nome de disregard doctrine ou disregard of legal entity no direito anglo-americano; abus de la notion de personnalité sociale no direito francês; teoria do superamento della personalità giuridica na doutrina italiana; teoria da penetração – Durchgriff der juristichen Personem na doutrina alemã. Permite tal teoria que o juiz, em casos de fraude e má-fé, desconsidere o princípio de que as pessoas jurídicas tem existência distinta da de seus membros e os efeitos dessa autonomia para atingir e vincular os bens particulares dos sócios à satisfação das dívidas da sociedade (lifting the corporate veil, ou seja, erguendo-se o véu da pessoa jurídica)”
Tal instituto permite ao magistrado abstrair, em uma determinada relação jurídica, os efeitos decorrentes do princípio da autonomia e da personificação da sociedade, a fim de atingir e efetivar a responsabilidade individual dos sócios, com objetivo de evitar a consumação de fraudes e abusos por eles praticados, desde que causem prejuízos a terceiros, notadamente os credores da empresa.
No Brasil, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi tratada pela primeira vez pelo doutrinador Rubens Requião, na década de 1960, sendo o Código de Defesa do Consumidor o primeiro diploma legislativo que a consagrou expressamente, em seu art.28 e parágrafos.
No âmbito doutrinário, distinguem-se a teoria maior e a teoria menor da desconsideração: para a primeira, é necessária a comprovação de fraude ou abuso por parte dos sócios para que o juiz possa desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica. A teoria maior da desconsideração, que exige o implemento de um requisito subjetivo (consistente no desvio de finalidade ou na confusão patrimonial), foi adotada expressamente pelo Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Por sua vez, para a teoria menor, o simples prejuízo do credor é motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. Se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isto é o bastante para responsabilizá-lo pelas obrigações sociais. Esta teoria foi adotada pela Lei 9.605/98 – em relação aos danos ambientais – e também pelo art.28, §5º do CDC, in verbis:
Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Ocorre que, apesar de ter previsão legal desde 1990, não havia uma disciplina procedimental acerca da aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, ficando ao talante de cada magistrado o rito a ser observado no caso concreto. Muitas vezes, bastava o pedido expresso do credor respaldado em prova pré-constituída idônea para que o juiz deferisse a desconsideração, sem oportunizar o contraditório à pessoa jurídica e ao sócio envolvido, maculando o princípio do devido processo legal e seus corolários.
Atento a essa realidade, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) estabeleceu, em seus artigos 133 a 137, o rito a ser observado nos casos de desconsideração, conforme explicitado no item seguinte.
2. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA: PROCESSAMENTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O novo Código de Processo Civil trata o incidente de desconsideração da personalidade jurídica como modalidade de intervenção de terceiros, sendo sua observância obrigatória quando se pretender a aplicação do referido instituto.
O incidente deverá ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo (como parte ou fiscal da lei), sendo vedada a concessão de ofício.
No pedido, deverão ser observados os preceitos de direito substancial, ou seja, os dispositivos do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor ou da Legislação Ambiental, atentando-se o magistrado para o preenchimento dos requisitos necessários à desconsideração em cada espécie (se a relação jurídica deduzida enseja aplicação da teoria maior ou da teoria menor, conforme mencionado acima).
Grande inovação legislativa, o NCPC prevê expressamente a desconsideração inversa da personalidade jurídica, que ocorre quando o sócio transfere seu patrimônio particular para a pessoa jurídica, com finalidade de escapar ao cumprimento de suas obrigações pessoais. Nesse caso, será desconsiderada a personalidade do sócio, para atingir o patrimônio da pessoa jurídica que ele integra.
O incidente é cabível em todas as fases do processo de conhecimento (qualquer que seja o procedimento, comum ou especial), no cumprimento de sentença e na execução fundada em título extrajudicial. Assim, por exemplo, o credor pode requerer a desconsideração na petição inicial, hipótese em que o sócio visado já será citado para responder.
Assim que instaurado o incidente, será comunicado ao distribuidor para as devidas anotações.
A instauração do incidente suspende o processo, salvo se houver sido requerida na petição inicial. O sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis, no prazo de 15 dias.
É realizada a instrução, dando oportunidade para que ambas as partes produzam as provas pertinentes (oral, testemunhal, pericial etc). Em seguida, o incidente será decidido através de decisão interlocutória, contra a qual caberá agravo de instrumento. Se a decisão for proferida pelo relator em decisão monocrática, o recurso cabível será o agravo interno.
Desconsiderada a personalidade jurídica, o sócio passa a ser pessoalmente responsabilizado, de modo que eventual alienação ou oneração de bens será considerada fraude de execução, sendo ineficaz em relação ao credor/requerente.
CONCLUSÃO
Como se demonstrou, o Novo Código de Processo Civil trouxe a disciplina de que o ordenamento se ressentia, referente ao rito a ser observado diante do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, pondo fim à insegurança gerada pela lacuna legal.
Assim, a legislação processual assegurou a observância de diversos princípios de envergadura constitucional, tais como legalidade, contraditório e ampla defesa, garantindo uma prestação jurisdicional adequada e efetiva, isenta da discricionariedade de cada julgador.
3. REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Esquematizado. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. São Paulo: Método, 2011.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 4 ed. São Paulo: Método, 2010.
Analista Ministerial e Assessora Jurídica Especial do Ministério Público do Estado do Ceará. Pós-Graduada em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Anna Paula Pinto. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo código de processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46562/incidente-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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