RESUMO: A Constituição Federal de 1988, ao instaurar o Estado Democrático de Direito, consagrou como valores supremos o direito à liberdade de expressão e informação. No entanto, ao seu lado, também homenageou o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem como corolários do direito à personalidade, na proteção à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88). A colisão entre direitos fundamentais exige a aplicação da ponderação de valores, sem perder de vista o princípio da unidade da Constituição e da concordância prática ou harmonização, considerando que, a depender das circunstâncias do caso em lume, alguns direitos prevalecerão sobre outros. Nesse espeque, o direito ao esquecimento, desdobramento do direito à privacidade e honra, é o foco deste trabalho, analisando a situação dos sujeitos diretamente atingidos por fatos pretéritos e a exploração midiática destes acontecimentos, sem qualquer contemporaneidade ou interesse público, mas, tão somente, no afã de obter vantagem econômica.
Palavras-chave: Direito ao esquecimento. Direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. Liberdade de expressão e de informação. Ponderação.
1 Introdução
A colisão entre direitos fundamentais é situação que constantemente se opera diante de casos concretos onde mais de um princípio esteja presente. A depender das peculiaridades apresentadas, um deles prevalecerá sobre os demais, com base na aplicação da ponderação de valores, sem perder de vista o princípio da unidade da Constituição e da concordância prática ou harmonização.
Nesse contexto, o choque entre o direito à liberdade de expressão e informação de um lado, e os direitos à honra, intimidade, vida privada e imagem de outro, constitui clássico exemplo a protagonizar inúmeras situações do cotidiano.
No entanto, este trabalho busca analisar a celeuma sob a ótica do direito ao esquecimento, considerando que os condenados por fatos delituosos cometidos, ao cumprirem a respectiva reprimenda, não poderiam ter sua ressocialização prejudicada pela constante lembrança revolvida pela mídia sobre os fatos outrora praticados.
Com mais razão, o mesmo não deve ocorrer aos considerados inocentes, mas que tiveram suas vidas pessoais envolvidas em eventos muitas vezes com efeitos nefastos e, por tal motivo, não convém serem relembrados, evitando trazer à tona todos os malefícios já superados.
Por fim, as próprias vítimas e familiares de determinado evento não devem se submeter à exploração midiática exacerbada sobre eventual desgraça por eles sofrida.
Tratam-se de dois importante valores em apreço, considerando que o direito à liberdade de informação e expressão é base do Estado Democrático de Direito, respaldado pela Constituição Federal de 1988, bem como os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem são intrínsecos ao direito de personalidade. Resta concluir qual deles prevalecerá, a fim de cumprir o ideal supremo de tutela máxima à dignidade da pessoa humana.
2 Breve noção conceitual acerca dos direitos fundamentais
De início, cabe ressaltar a dificuldade doutrinária em estabelecer um conceito unívoco aos direitos fundamentais, em especial pelo fato de que inúmeras são as expressões utilizadas para designá-los, inclusive pela própria Constituição Federal de 1988, quais sejam: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos público subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.
No intuito de definir algumas dessas expressões, José Afonso da Silva[1] preleciona que os direitos naturais são aqueles inerentes à própria natureza humana; os direitos humanos, largamente utilizado na esfera internacional, transmitem a ideia de que somente o homem pode ser titular de direitos; os direitos individuais pertencem ao indivíduo isolado, expressão utilizada para apontar um dos grupos de direitos fundamentais – direitos civis; os direitos públicos subjetivos tratam de conceito próprio do Estado Liberal, referente à situação jurídica subjetiva do indivíduo face ao Estado; liberdades fundamentais e liberdades públicas são considerados conceitos limitados e insuficientes para este doutrinador, por não abarcarem todo o extenso rol de direitos hoje reconhecidos e ainda os que vem sendo perfilhados com o passar do tempo.
Por fim, o autor[2] opta pela expressão direitos fundamentais do homem, pois, segundo o mesmo, são princípios que resumem a concepção do mundo, e, a nível de direito positivo, designa prerrogativas e instituições que buscam garantir uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Obtempera que:“[...] no qualificativo fundamentais, acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados”.
Não há de se perder de vista, portanto, que os direitos do homem, mesmo não estando positivados, são subentendidos, fazendo-se mister a necessidade de seu respeito, cumprimento e efetividade na prática (art. 5º, §§1º e 2º, CF/88).
No próximo item, passa-se a tecer importantes considerações a respeito do direito fundamental à liberdade de expressão e informação, previsto em diversas passagens da Constituição Federal e um dos corolários básicos do Estado Democrático de Direito, o qual rompeu com o regime de exceção e censura proposto pela ditadura.
3 Do direito fundamental à liberdade de expressão e informação
3.1 Definição e distinção entre liberdade de expressão e de informação
O vocábulo “informação” está intrinscecamente relacionado à liberdade de expressão, considerando que informar é o principal escopo perseguido esse direito.Trata-se do conhecimento de fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que garante, do ponto de vista jurídico o direito de informar e o direito de ser informado.
De fato, informação consiste na ciência de tudo aquilo que é de interesse social e particular. Nesse espeque, Edilson Pereira de Farias[3] conceitua liberdade de expressão, direito inerente quaisquer sociedades democráticas:
“Trata da capacidade humana de exteriorizar sua opinião ou pensamento a respeito de qualquer assunto, enquanto a livre informação consiste no envio ou recebimento de informações verossímeis sem que haja nenhuma restrição.”
Malgrado se assemelhem, há uma salutar distinção entre ambos os direitos citados: o direito à liberdade de informação, por se tratar de um fato, pode ser a qualquer momento provado, e, por isso, vê-se coagido a comprometer-se com a verdade; já a liberdade de expressão, proveniente de um ponto de vista particular, não está plenamente suscetível ao verossímil.
A prática da liberdade de expressão e informação é antiga, e, anteriormente, assumia apenas o caráter de expressão individual de uma opinião, geralmente dirigida contra o governo vigente.
Hodiernamente, há também o aspecto primordial do esclarecimento aos cidadãos comuns, levando estes a formarem uma opinião pública em relação à nação em que vivem e ao governo que os rege, bem como a participarem de forma ativa da política, manifestando uma verdadeira soberania popular.
3.1 Tutela jurídica do direito à liberdade de expressão e informação consagrada em âmbito nacional e internacional
Considerando o alto grau de importância que os direitos à liberdade de expressão e de informação assumem no cenário mundial, constituem alvo de discussão em alguns documentos internacionais,a exemplo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela ONU; o Convênio Europeu para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, aprovado em Roma no ano de 1950; e, atualmente, a Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica.
Apesar de todos serem titulares do direito à liberdade de expressão, estes não são inteiramente ilimitados, pois, acaso exercidos irrestritamente, poderiam eventualmente resultar em prejuízo à reputação alheia, através da prática de injúria, calúnia e difamação. Buscando este propósito, o artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticis impõe requisitos básicos à livre expressão: deve ser alicerçada na lei, objetivar um fim legítimo (respeito aos direitos e reputação de outrem; proteção à segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública), e ser essencial na conquista de tal escopo[4]. Porém, os limites estabelecidos sobre a liberdade de expressão variam de acordo com o país de seu exercício.
Seguindo a proteção assegurada pelos documentos internacionais, a questão, de extrema importância para a tutela da dignidade humana, mereceu inserção na Constituição Federal de 1988, que assegurou a necessidade do direito à liberdade de expressão e informação para todos os cidadãos indistintamente, eliminando qualquer prática de censura prévia, em respeito ao Estado Democrático de Direito:
Art. 5°, IV - É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Art. 5°, IX - É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 5°, XIV - É assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§1° - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV;
§2° - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
A seguir, cabe elucidar algumas observações acerca dos limites ao direito fundamental em discussão, considerando que nenhum direito pode ser considerado de forma absoluta, sob pena de violação a outros merecedores de igual ou maior tutela no caso concreto.
3.2 Da limitação ao direito à liberdade de expressão e informação
O direito à liberdade de expressão e informação, como já mencionado, é de extrema importância ao indivíduo, uma vez que a manifestação de seus pensamentos e emoções, a comunicação com outros membros sociais e a transmissão/recebimento de informações são direitos que ultrapassam a linha da vontade e do bem-estar social: trata-se de um fator imprescindível à existência da própria vida.
É sobre esse ponto de vista que a Constituição Federal defende, em alguns dispositivos dos artigos 5º e 220 (item 3.1), a total liberdade à expressão, exteriorização do pensamento, opinião e informação.
Entretanto, interpretar esses artigos sob a ótica puramente gramatical seria um descaso aos direitos à intimidade, honra, imagem e vida privada, igualmente consagrados pela Carta Magna, e, portanto, detentores de tutela constitucional:
Art. 5º [...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Ao deparar-se com um caso concreto envolvendo ambos os direitos, a hermenêutica deve desenvolver uma interpretação de cunho sistemático, posto que, visualizar somente o direito à livre expressão e informação em detrimento do direito à intimidade, ou vice-versa, seria negligenciar os termos descritos em nossa Constituição, acarretando na sua violação. Trata-se de uma análise que percorre um caminho além do campo jurídico: insere-se em um sistema comprometido com a realidade social, exigindo a apreciação do caso concreto, no escopo de considerar ambos os direitos de acordo com seus possíveis graus de concretização.
De acordo com a Constituição Federal, a interpretação correta do direito à liberdade de expressão e informação seria: é livre a faculdade de se expressar e manifestar qualquer pensamento ou opinião, bem como é garantido o direito de informar e de ser informado; porém, quando o teor desse pensamento ou informação desrespeitar severamente a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem alheias, de forma a atingir gravemente a dignidade da pessoa humana, encontrarão aí o limite de sua atuação, devendo a manifestação ser vedada.
No sistema constitucional não há direito absoluto, sendo limitados por outros direitos ou por valores sociais amparados pela Constituição. A ideia apresentada é consagrada pelo constitucionalista Alexandre de Morais[5], a saber:
“O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia. Essa previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível, em relação a eventuais danos materiais e morais.”
O limite desse direito também se faz presente na tendência crescente da imprensa e algumas emissoras de TV em confundir a liberdade de expressão e informação e a libertinagem na divulgação de imoralidades, palavrões, nudez, sensualismo, mentira, infidelidade, temas estes desrespeitosos aos limites éticos, morais e familiares. A intenção das emissoras é, indubitavelmente,conquistar uma grande massa de telespectadores, algo que, infelizmente, também é acompanhado por consequências trágicas, como a tendência ao desvio de caráter dos atingidos pela influência midiática, corrompendo ferozmente a sociedade. Em relação a essa idéia, assim discorre Gustavo Henrique Schneider Nunes[6]:
“Diante da realidade presente em um mundo globalizado, direitos inerentes à personalidade, como a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem, são cotidianamente violados, mormente pelos meios de imprensa que, no afã de explorarem ao máximo uma notícia que representará aumento nos índices de audiência, procura justificar os excessos num “absoluto” direito à liberdade de expressão.”
Ato contínuo, passaremos a tecer considerações acerca do direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, aprofundando a discussão sob a ótica do direito ao esquecimento.
4. Do direito fundamental à intimidade, vida privada, honra e imagem sob a ótica do direito ao esquecimento
4.1 Noções básicas acerca do direito fundamental à intimidade, vida privada, honra e imagem
Conforme elucidado no tópico anterior, o direito à liberdade de expressão e informação sofre restrições quando esbarra em outros institutos igualmente tutelados pela Lei Fundamental. A própria Carta Magna veda expressamente o anonimato no seu exercício, bem como assegura o direito de resposta ao alvo da notícia e a indenização por eventuais danos morais, materiais ou à imagem sofridos pela publicação, além de impedir violação à privacidade (intimidade, imagem, vida privada) e à honra:
Art. 5º [...]
IV – (veja item 3.1);
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – (veja item 3.2).
Todos esses limites apresentados tutelam o indivíduo contra notícias caluniosas, injuriosas ou difamadoras. A vedação garante a identificação do autor da notícia, permitindo a reclamação por danos morais ou materiais (responsabilidade civil). O direito à resposta torna possível a correção da notícia equivocada, total ou parcialmente, e o direito à indenização evita reiterada divulgação de informações danosas ao alvo.
O direito à privacidade, disposição inserida na atual Constituição, abrange três direitos inerentes à figura de todos os cidadãos: intimidade, imagem e vida privada. De conformidade com as palavras de Matos Pereira[7], a privacidade é o “[...] conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito”.
Sistematizando os três componentes da ideia de privacidade, a intimidade abrange o caráter personalíssimo do indivíduo, o qual se exterioriza apenas sob consentimento deste. O segundo direito incluído no rol do direito à privacidade trata da liberdade de expor ou não sua imagem em público, algo autorizado apenas mediante a permissão do sujeito envolvido. É o próprio aspecto físico do indivíduo perante a sociedade. Por último, o direito à vida privada consiste na tutela a aspectos mais secretos da personalidade do que aqueles protegidos pela intimidade, e, por essa razão, geralmente se confunde com o significado deste. Na distinção entre ambos, Alexandre Moraes[8] menciona que, além das relações subjetivas, a vida privada reúne também outras formas de relacionamento. Nas suas palavras: “[...] vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.”.
A honra, diferentemente da privacidade, já era alvo de proteção desde o Código Penal, transcrita nos artigos 138 e 140; constitui-se na valorização da dignidade da pessoa humana proveniente do próprio indivíduo – subjetiva – ou de outrem – objetiva, ou, em outros termos.
4.2 Repercussão da violação ao direito fundamental à intimidade, vida privada, honra e imagem no aspecto pessoal e social do indivíduo
Estabelecidos os limites balizadores do usufruto ao direito à liberdade de expressão, nem sempre estes são respeitados por todos, mormente quando ligados à imprensa e à mídia.
A manifestação livre de opiniões, bem como a transmissão de informações a respeito de alguém, são atos que merecem precaução absoluta no tocante ao seu conteúdo, no afã de evitar a divulgação proibida, constrangedora, mentirosa, ou ilícita de fatos concernentes a quaisquer sujeitos, sejam provenientes de um indivíduo comum ou de um meio comunicativo. A partir do momento em que os limites pertinentes à liberdade de expressão não são cumpridos, acarretam inevitavelmente nocivos efeitos à vida privada, honra, intimidade e imagem do sujeito atingido, gerando consequências que podem se perpetuar ao longo do tempo.
A ofensa ao artigo 5º, X da Constituição Federal submete o sujeito lesado a um profundo constrangimento capaz de interferir no aspecto psicológico do indivíduo: sua honra subjetiva, a idéia moral de alguém sobre si mesmo. Tal situação pode afetar o desempenho pessoal do sujeito, ao julgar-se inferior, incapaz, discriminado, marginalizado, provocando sequelas por vezes irreversíveis. A ofensa moral como ataque à honra subjetiva reveste-se em padecimentos internos, com repercussão no âmago do ofendido e prejuízo absorvido pela própria alma humana, gerando sentimentos de dor, angústia, tristeza, sofrimento, insônia etc., efeitos geradores dano moral, juridicamente passível de reparação.[9]
Além das consequências provenientes do aspecto psicológico, a lesão aos direitos à honra objetiva e à privacidade podem acarretar em danos à posição do indivíduo perante o meio em que vive, bem como à sociedade. Caso a manifestação do pensamento ou opinião alheia traga algum conteúdo desaprovado pela conveniência social, a honra objetiva fica comprometida, ao passo que a ideia moral da sociedade sobre os valores do indivíduo lesado pode distorcer gravemente as relações sociais do mesmo, fazendo-o sentir-se reprovado diante do seu grupo social. Os aspectos da intimidade e vida privada seriam igualmente atingidos, uma vez que modificações também ocorreriam no âmbito das relações objetivas e subjetivas, podendo resultar em discriminação e progressivo isolamento social do indivíduo, até tornar-se uma pessoa solitária e antissocial. A imagem também seria atingida, ao expor a figura pública do sujeito a chacotas, piadas, boatos e ridicularização.
Entretanto, no momento em que os direitos à vida íntima são violados pela imprensa, as consequências assumidas tornam-se mais drásticas, pois o veículo de comunicação é de âmbito social, estando a vida íntima do indivíduo exposta e vulnerável ao julgamento diante de todos.
Por vezes, a imprensa e a mídia, visando o proveito econômico, violam corriqueiramente tais direitos, considerando que notícias referentes à vida íntima alheia geralmente provocam maior interesse social.
Ao divulgar informações, opiniões ou notícias que ultrapassem o limite do direito à liberdade de expressão e tragam danos à vida do alvo citado, tanto indivíduos comuns como a imprensa responsável pela veiculação estão suscetíveis a responder civilmente por danos morais, pois submeteram o sujeito a uma ofensa à moral, imagem, integridade, respeitabilidade diante da sociedade, ocasionando prejuízos intensos à própria personalidade e à vida social do mesmo. Tais prejuízos podem refletir-se por meio das relações com outros membros da sociedade, interferindo no entrosamento em grupos sociais, na aquisição de um emprego, na aceitação da presença em algum ambiente, além de submetê-lo à humilhação.
4.3 Do direito ao esquecimento
4.3.1 Conceituação do instituto e contexto social
O direito ao esquecimento deriva dos já exaustivamente mencionados direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, direitos da personalidade oriundos da proteção constitucional conferida à dignidade da pessoa humana. Consiste no desejo que o sujeito possui de não ser lembrado, contra a própria vontade, a respeito de fatos ou eventos trágicos, que, de alguma maneira, lhe acarretaram ofensa, dor, sofrimento.
Originariamente, a construção do seu conceito jurídico surge no contexto da ressocialização daqueles que vieram a praticar atos delituosos e que já cumpriram penalidade, bem como aos considerados inocentes, mas que tiveram suas vidas pessoais envolvidas em eventos nefastos e que, por tal razão, não convém relembrá-los, tampouco trazer à tona todos os malefícios que, com muito esforço, foram superados.
Considerando o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação, a sociedade atual vivencia uma era do hiperinformacionismo, na qual não existe mais espaço entre a esfera privada e a pública, cujos meios de comunicação, visando prioritariamente à obtenção de lucro, exploram exacerbadamente a privacidade alheia e invadem o espaço público com questões estritamente privadas, em geral, expondo a intimidade contra a própria vontade do titular. Nesse diapasão, bem colocadas as palavras de Paulo José da Costa Júnior[10]:
“Aceita-se hoje, com surpreendente passividade, que o nosso passado e o nosso presente, os aspectos personalíssimos de nossa vida, até mesmo sejam objeto de investigação e todas as informações arquivadas e livremente comercializadas. O conceito de vida privada como algo precioso, parece estar sofrendo uma deformação progressiva em muitas camadas da população. Realmente, na moderna sociedade de massas, a existência da intimidade, privatividade, contemplação e interiorização vem sendo posta em xeque, numa escala de assédio crescente, sem que reações proporcionais possam ser notadas”.
Não menos salutar, o direito ao esquecimento também tutela as vítimas de crimes e seus familiares, visando impedir que a publicação de antigos fatos trágicos, desprovidos de qualquer interesse público atual, sejam novamente submetidas a desnecessárias lembranças que tais acontecimentos lhe causaram, rememorando sofrimentos e feridas já superadas com o tempo.
Sabe-se que não é possível modificar os fatos já ocorridos, porém o que se busca é evitar que, não havendo interesse social justificável, sejam relembrados após longo período de tempo, evitando que canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas. Entender de outra forma seria obstar a ressocialização, a paz social, a integração, o respeito e, em maior grau, a felicidade.
Considerando que a Constituição Federal não permite penas de caráter perpétuo (artigo 5º, XLVII, “b”, CF/88), o Direito possui institutos que visam estabilizar o passado e conferir previsibilidade ao futuro, a exemplo da prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, em homenagem à segurança jurídica que deve existir nas relações sociais. Se, nesses casos, nem os órgãos judiciários possuiriam mais interesse na reprimenda, em razão do decurso temporal ou do cumprimento da sanção penal, não poderia o indivíduo sofrer uma penalização por parte de outros meios que sequer detém poder punitivo.
A origem do direito ao esquecimento remete à uma decisão proferida no dia 20 de abril de 1983, pelo Mme. Filipachi Cogedipresse. Nela, o Tribunal de última instância de Paris consagrou este direito em termos muito claros[11]:
“[...] qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela”.
A seguir, passa-se a analisar o tratamento legal e jurisprudencial conferido ao tema, consagrando o direito ao esquecimento na ordem jurídica pátria.
4.3.2 Tratamento legal e jurisprudencial
Observa-se que o direito ao esquecimento é um instituto que decorre da regra legal que assegura a proteção da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, assim como da tutela do princípio de proteção à dignidade da pessoa humana. Assim, em razão de ser considerado uma decorrência dos direitos da personalidade e da dignidade humana, pode-se afirmar que o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, assegurado pela Constituição Federal (arts. 1º, III, e 5º, X) e pelo Código Civil (art. 21). A tese do direito ao esquecimento vem ganhando força na doutrina jurídica brasileira, tendo sido aprovado o Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ, cujo teor e justificativa ora se transcrevem:
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo 11 do Código Civil. Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
O tema também já fora objeto de discussão na jurisprudência pátria, onde o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos Recursos Especiais nº 1.334.097 – RJ e nº 1.335.153 – RJ, ambos da relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, teve a oportunidade de se manifestar sobre aplicabilidade do direito ao esquecimento.
O primeiro caso tratava-se da história de um dos acusados de ter participado do trágico episódio conhecido como a Chacina da Candelária, ocorrido em 1993, no Rio de Janeiro, considerado inocente ao final do processo. Ocorre que, anos após a absolvição, uma emissora de televisão produziu documentário sobre o fato, apontando novamente o seu nome como um dos envolvidos. O indivíduo ingressou, então, com ação de indenização, argumentando que sua exposição no programa, para milhões de telespectadores, em rede nacional, reavivou na comunidade onde residia a imagem de que ele seria um assassino, violando seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal. Alegou, inclusive, que foi obrigado a abandonar a comunidade em que morava para preservar sua segurança e a de seus familiares.
Já o segundo julgado se refere aos familiares de Aída Curi, estuprada e morta em 1958 por um grupo de jovens. Novamente, muitos anos após o ocorrido, uma emissora de televisão produziu documentário para um programa chamado “Linha Direta”, divulgando o nome da vítima e fotos reais. Para os familiares da vítima, não havia mais a necessidade de se resgatar aquela história, que havia ocorrido há muitos anos e que já não fazia mais parte do conhecimento comum da população, apenas trazendo de volta as nefastas lembranças do crime e todo o sofrimento que o envolve, razão pela qual moveram ação contra a emissora, com o objetivo de receber indenização por danos morais, materiais e à imagem.
Em ambos os casos, as partes pleiteavam o direito de não serem objeto de publicações da mídia televisiva, buscando o reconhecimento do direito de serem esquecidas, afirmando a 4ª Turma do STJ, na oportunidade, que o sistema jurídico brasileiro tutela o direito ao esquecimento.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal aplicou o direito ao esquecimento para modificar consagrado entendimento a respeito da configuração de maus antecedentes. Para a Suprema Corte, a existência de condenação anterior, ocorrida em prazo superior ao período depurador da reincidência, não poderá mais ser considerada maus antecedentes. No seu voto, assim se manifestou o Min. Dias Toffoli: “O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal. Faz ele jus ao denominado ‘direito ao esquecimento’, não podendo perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta.” (STF. 1ª Turma. HC 119200, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/02/2014).
Verifica-se que o direito ao esquecimento, a partir de uma nova realidade social que se vive nos dias atuais, sob a tônica da modernidade e ancorada na informação massificada, voltou a ser um tema atual e de inegável importância, em virtude dos danos causados por fatos e acontecimentos, falsos ou até mesmo verdadeiros, veiculados pelos diversos meios de comunicação, com o seu alto poder de propagação da informação, que inundam a esfera pública com episódios relacionados apenas à vida privada dos noticiados, que, muitas vezes, não possuem mais nenhuma relevância jornalística ou histórica e nenhum interesse social.
5 Da colisão entre o direito ao esquecimento versus liberdade de expressão e informação: análise crítica sobre a ponderação entre ambos
O presente trabalho trata sobre dois direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, porém, conflitantes entre si: a liberdade de expressão e de informação de um lado, e o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem de outro. O primeiro, salutar ao Estado Democrático de Direito, inerente à sociedade contemporânea e globalizada, rechaçando qualquer espécie de censura; o segundo, faceta dos direitos da personalidade, tendo o direito ao esquecimento como um dos corolários, responsável por salvaguardar, em última análise, a própria dignidade da pessoa humana.
É cediço que os princípios são espécies de normas, juntamente com as regras. Na teoria de Dworkin[12], as regras possuem apenas a dimensão da validade, enquanto os princípios possuem também a dimensão do peso. Assim, as regras ou valem, e são, por isso, aplicáveis em inteiramente, ou não valem, e portanto, não são aplicáveis. Já nos princípios, havendo colisão entre eles, terá prevalência aquele princípio que for, no caso concreto, mais importante (tiver maior peso).
Na visão de Alexy[13], a distinção entre princípios e regras é qualitativa, e não de grau. Os princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes, daí serem eles chamados de mandamentos de otimização. Virgílio Afonso da Silva leciona que a “[...] colisão entre princípios, que deve ser resolvida por meio de um sopesamento, para que se possa chegar a um resultado ótimo. Esse resultado dependerá das variáveis do caso concreto e é por isso que não se pode falar que um princípio sempre prevalecerá sobre o outro. Na verdade, a prevalência ocorrerá ou não conforme as condições do caso.
O segundo ponto se refere ao princípio da unidade da Constituição. O princípio da unidade consiste em uma intepretação sistemática das normas constitucionais, evitando-se contradições entre elas. Para Marcelo Novelino[14], “as normas constitucionais devem ser consideradas como preceitos integrados em um sistema interno unitário de regras e princípios”.
Conclui-se, por fim, que os direitos fundamentais, ainda que tutelados pela Constituição Federal, não são absolutos, pois suscetíveis a sofrer limitações, a depender das peculiaridades do caso concreto posto em análise.
5.1 Aplicação da ponderação como solução para a colisão entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão e informação
A fim de harmonizar o direito ao esquecimento e o direito à liberdade de expressão e de informação, colidentes nas situações tratadas ao longo deste trabalho, utiliza-se a técnica da ponderação.
Ab initio, deve-se identificar as normas envolvidas no caso concreto, imprescindíveis para a sua solução. No caso, tem-se de um lado o direito ao esquecimento, como decorrência dos direitos da personalidade e resultante da proteção constitucional conferida à dignidade da pessoa humana; de outro, o direito à liberdade de expressão e de informação, igualmente assegurados pela Carta Magna e bases do Estado Democrático.
Em seguida, deve-se examinar as peculiaridades do caso concreto em apreço, quais sejam, divulgação pela mídia de acontecimentos criminosos pretéritos, destituídos de qualquer interesse público e sem a autorização das pessoas envolvidas. Os autores de atos delituosos, em ressocialização, aqueles envolvidos no fato criminoso noticiado, mas que foram inocentados, assim como as vítimas e seus familiares, possuem o direito de impedir que fatos antigos, os quais causaram intenso sofrimento e humilhação, sejam continuamente relembrados, injustificadamente, convertendo-se o passado em um presente doloroso. Observa-se que o direito ao esquecimento é um instituto que decorre da regra legal que assegura a proteção da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, assim como da tutela à dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, X da CF/88; art. 21, Código Civil).
Por fim, a ponderação exige que diferentes grupos de normas que sustentam o caso concreto sejam analisados conjuntamente, de modo a se apurar os pesos que serão atribuídos aos diversos elementos em disputa, chegando a uma solução do conflito normativo.
Malgrado a Constituição Federal de 1988 tenha sido editada sob forte influência do espírito democrático pós regime de exceção instaurado pela ditadura militar, não se pode encarar o direito à liberdade de expressão e informação como absoluto. A própria Carta Magna admite restrições, consoante se verifica em seu art. 220, § 1º: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.” (grifo nosso). Na mesma direção, o § 3º do art. 222, o qual afirma que “os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221”, princípios dos quais se destaca o “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” (inciso IV). Verificando-se a clara intenção do constituinte originário de também erigir o respeito à dignidade pessoal e aos valores da família à condição de limites da liberdade de informação e de expressão.
De outra banda, a Constituição tutela em seu art. 5º, inciso X, a inviolabilidade dos direitos à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas, sujeitos à indenização face à sua desobediência. Alberga-se, assim, os direitos da personalidade, caracterizando um mínimo necessário para uma vida com dignidade. Resta evidente, pela redação do dispositivo acima mencionado, que a intenção do constituinte é estabelecer como regra a inviolabilidade dos direitos supramencionados, e não assegurar apenas eventual direito de reparação ao dano causado, a qual se dará apenas quando não for possível obstar a divulgação da matéria lesiva aos direitos da personalidade.
Acerca dos limites constitucionais impostos à liberdade de expressão e informação, conclui-se que, no eventual conflito entre esses bens jurídicos, há uma tendência no sentido de privilegiar as soluções protetivas da pessoa humana. Muito se argumenta que a aplicação do direito ao esquecimento fulminaria o interesse público que justifica a divulgação do fato, principalmente por se tratar de um fato delituoso de grande repercussão, tornando as pessoas nele envolvidas personalidades públicas. Entretanto, os casos em que o direito ao esquecimento pode e deve ser aplicado não seriam aqueles de relevante interesse social, mas os que envolvessem a divulgação de fatos pretéritos com ausência total de contemporaneidade da notícia. Nesse espeque, cabe citar o Min. Gilmar Ferreira Mendes[15]:
“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária”.
Assim, o interesse público supostamente existente na divulgação do fato deve ser averiguado com cuidadosa cautela, a fim de que não se revista em justificativa para encobrir meros interesses particulares, em geral econômicos, que movam o meio de comunicação, ansiosos por conquistar audiência.
Outro aspecto que se deve considerar é na hipótese de colisão ora em análise é o suposto comprometimento da historicidade do fato com o acolhimento da tese do direito ao esquecimento, onde se argumenta que crimes e criminosos que entraram para a história poderiam simplesmente desaparecer. Não há dúvida de que a história da sociedade faz parte do seu patrimônio imaterial, tendo como função revelar para as gerações futuras os traços políticos, sociais e culturais de determinada época, de modo que a recordação de crimes passados revelam aspectos importantes no que concerne a valores éticos e humanos, bem como a resposta estatal dada ao caso. Nesse sentido, o Min. Luis Felipe Salomão ressaltou que “ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo” (REsp 1.334.097).
Posto isso, para a colisão entre o direito ao esquecimento e a liberdades de informação e de expressão, da forma como apresentada neste trabalho, buscando-se harmonizá-los, onde ambos os valores seriam preservados em sua plenitude, a melhor solução seria a possibilidade de divulgação do fato com a ocultação de todo e qualquer elemento identificativo, como o seu nome e fisionomia. Todavia, na eventual impossibilidade de se noticiar o fato sem que se possa omitir quem fora o seu autor ou a vítima, com fulcro na ponderação, mediante uma determinação valorativa dos interesses em lume e com os olhos nas peculiaridades do caso, conclui-se que o direito ao esquecimento deve prevalecer em detrimento das liberdades de informação, de expressão e de imprensa.
Tal constatação adequa-se à Constituição Federal de 1988 que, muito embora tutele o direito à informação livre de censura, mostra sua preocupação com a humanidade quando prevê, em seu art. 1º, o respeito à dignidade da pessoa humana como fundamento da República, pela qual os demais direitos devem ser interpretados:
“Dentre os fundamentos do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana possui um papel de destaque. Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, a dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que irá informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional, sobretudo, o sistema de direitos fundamentais”. (NOVELINO, Marcelo, 2010, p. 339)
Ressalte-se, por oportuno, que não serão em todas as hipóteses de colisão com outros direitos constitucionalmente garantidos que o direito ao esquecimento prevalecerá. Haverá situações em que ele dará preferência a outros valores, devendo-se sempre analisar o caso concreto, para, só então, chegar-se a uma solução.
6 Considerações Finais
O direito ao esquecimento, oriundo do direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, consagrados pela Constituição Federal de 1988, consiste na impossibilidade de divulgação daqueles fatos pretéritos que causem algum dano, lesão, humilhação, estigmatização, discriminação ou qualquer outro prejuízo ao sujeito alvo da notícia e aos diretamente interessados.
Tal direito, quando apreciado no caso concreto, entra em constante colisão com o direito fundamental à liberdade de expressão e informação, igualmente salvaguardado pela Carta Magna, gerando um conflito entre valores constitucionais de extrema importância, submetidos à ponderação, ao método da conformação prática ou harmonização e ao princípio da unidade da Constituição, a fim de encontrar uma interpretação justa, que considere ambos os direitos e estabeleça o peso de cada um deles em consonância com o caso posto em análise.
Nesse sistema de pesos e medidas, em observância à dignidade da pessoa humana, prevalece o direito ao esquecimento, cuja tutela revela-se salutar para que sejam satisfeitos os ideais de justiça e humanidade.
Saliente-se que acontecimentos históricos, profundamente arraigados na cultura de determinada sociedade, merecerão as devidas ponderações, considerando que, nesse caso, há outros interesses de maior relevância envolvidos.
Por fim, não se afirma que o direito à vida privada, à intimidade, à honra e à imagem sempre prevalecerão, uma vez que, a depender das circunstâncias que permeiem outros eventos, a liberdade de expressão e informação, albergada pelo Estado Democrático de Direito, poderá sobrepor-se a tais direitos de personalidade.
Bibliografia
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[1]DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 175-178.
[2]DA SILVA, José Afonso. Ob. cit. p. 178.
[3]FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos, a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Sérgio Antônio Fabris Editor, Brasília, 1996. p. 131.Disponível em: <jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2625>. Acesso em: 14 out. 2007.
[4] Artigo 19 - 1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha. 3. O exercício do direito previsto no § 2º do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública. (grifo nosso)
[5] MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo: Atlas. 2007. p. 47.
[6] NUNES, Gustavo Henrique Schneider. O Direito à Liberdade de Expressão e Direito à Imagem.p. 2. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Gustavo_imagem. doc>. Acesso em 24 out. 2007.
[7] PEREIRA, J. Matos. Direito de Informação. p. 15.
[8] MORAES, Alexandre de. Ob cit. p. 48.
[9] SILVA, Cícero Camargo. Aspectos Relevantes do Dano Moral. 2003.
[10] COSTA JÚNIOR, Paulo José. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 16.
[11] OST, François. O Tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005, p. 161.
[12] DA SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. p. 121.
[13] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 90-91 (trad. de Virgílio Afonso da Silva).
[14] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 117.
[15] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pós-Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHUNG, Nathalie Maia. Direito à liberdade de expressão e de informação versus direito ao esquecimento: colisão entre direitos fundamentais em defesa da dignidade humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46572/direito-a-liberdade-de-expressao-e-de-informacao-versus-direito-ao-esquecimento-colisao-entre-direitos-fundamentais-em-defesa-da-dignidade-humana. Acesso em: 23 dez 2024.
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