RESUMO: O presente artigo visa traçar linhas gerais acerca do instituto da colaboração premiada, trazendo as suas principais características e, ao final, mostrando uma abordagem crítica, com posicionamentos favoráveis e contrários ao instituto, permitindo que o leitor possa formar uma opinião sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Colaboração premiada. Delação premiada. Organizações criminosas. Direito Processual Penal.
INTRODUÇÃO
A colaboração premiada é um instituto de grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro, tendo ganhado cada vez mais destaque. Por tal razão, se mostra relevante um estudo detalhado acerca do tema, permeando as suas principais características e peculiaridades, tais como a sua origem, previsão normativa, conceito, consequências etc.
É necessário, outrossim, que se faça também uma abordagem crítica da colaboração premiada, tendo em vista que a doutrina muito diverge acerca da retidão do instituto, sendo indispensável conhecer os diferentes posicionamentos que abordam a possibilidade de adoção desta ferramenta em nosso ordenamento.
1. ORIGEM HISTÓRICA E PREVISÃO NORMATIVA
A colaboração premiada não é instituto recente na história do direito. Ainda na Idade Média o instituto era utilizado pela Igreja Católica como uma forma de compelir os hereges a confessarem seus pecados, inclusive delatando outros hereges, recebendo em troca penitências mais leves.
Apresentou grande destaque no direito italiano, onde se denomina pattegiamento, como uma arma de combate à máfia. Neste sentido cabe mencionar o caso do célebre mafioso Tommaso Buscetta, que através de declarações prestadas ao promotor Giovanni Falcone, colaborou efetivamente para o desmantelamento do crime organizado que assombrava a península itálica. Conforme nos ensina o Ministério Público do Paraná, através do seu informativo n. 33:
Foi a partir da delação premiada do famoso mafioso Tommaso Buscetta, que a máfia italiana foi desmantelada e que se procurou institucionalizar a "delação premiada" naquele país. Buscetta estava foragido no Brasil e, em 1984, foi preso pela polícia brasileira e, em seguida, extraditado, para responder pelos delitos de tráfico de entorpecentes perante as autoridades italianas. Arrependido, colaborou na investigação de delitos da máfia, levando à prisão toda a cúpula da organização mafiosa italiana.
O direito norte-americano também trouxe importantes bases para a colaboração premiada, lá chamado de plea bargain, tendo o instituto marcado uma fase de grande combate ao crime organizado. Prometia-se aos suspeitos de participação nestes crimes a impunidade, em troca da confissão de sua participação e da prestação de informações relevantes para atingir a organização criminosa e seus membros.
No direito brasileiro, é possível perceber sinais do instituto nas Ordenações Filipinas, no livro V, da parte criminal, que perdurou até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. Nos dizeres de Damásio de Jesus, em seu artigo “Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro”:
O Título VI do “Código Filipino”, que definia o crime de “Lesa Magestade”22 (sic), tratava da “delação premiada” no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica “Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão” e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios. Em função de sua questionável ética, à medida que o legislador incentivava uma traição, acabou sendo abandonada em nosso Direito, reaparecendo em tempos recentes.
Apesar do precedente existente nas Ordenações Filipinas, foi na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) que o instituto da colaboração premiada, da forma como o concebemos hoje, foi previsto expressamente pela primeira vez. De acordo com o art. 8º, parágrafo único, da referida lei: "o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços".
Embora o dispositivo citado exija a existência de um bando ou quadrilha para que incida a colaboração premiada, é possível perceber que, diferentemente da Itália e dos Estados Unidos, não foi o crescimento do crime organizado que incentivou a previsão do instituto, mas sim o incremento da criminalidade violenta, que se deu a partir do início da década de 90. Neste sentido, nos mostra Renato Brasileiro (2014, p. 517) que:
Em países como Itália e Espanha, a colaboração premiada nasceu da necessidade de se combater o terrorismo e o crime organizado. De modo distinto, no Brasil, o reconhecimento explícito da ineficácia dos métodos tradicionais de investigação, e, consequentemente, da necessidade da colaboração premiada para a obtenção de informações relevantes para a persecução penal, está diretamente relacionada ao incremento da criminalidade violenta, a partir da década de 90, direcionada a seguimentos sociais mais privilegiados e que, até então, estavam imunes a ataques mais agressivos (sequestros, roubos a estabelecimentos bancários), o crescimento do tráfico de drogas e o aumento da criminalidade de massa (roubos, furtos, etc.), sobretudo nos grandes centros urbanos, que levou nosso legislador, impelido pelos meios de comunicação e pela opinião pública, a editar uma série de leis penais mais severas.
Cabe lembrar que a mesma Lei 8.072/90 também acrescentou ao art. 159 (crime de extorsão) do Código Penal um novo parágrafo, estabelecendo que: "Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços". Posteriormente, a Lei 9.269/96 alterou o dispositivo, passando a prever que "se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços". A alteração foi bem recebida pela doutrina e pela jurisprudência, tendo em visto que passou-se a não mais exigir a existência de uma quadrilha ou bando para que o indivíduo pudesse gozar dos benefícios da colaboração premiada, bastando o mero concurso.
A colaboração premiada também foi prevista na Lei 9.034/95, que dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, e em seu art. 6º estabelecia que "nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria".
Posteriormente, a Lei 12.850/2013, a Lei do Crime Organizado, revogou toda a Lei 9.034/95, e, atualmente, consiste no diploma que aborda o instituto da colaboração premiada com maior riqueza de detalhes, motivo pelo qual o estudo aqui apresentado terá como base esta lei.
Existem, todavia, diversos outros dispositivos legais no ordenamento jurídico brasileiro prevendo a chamada colaboração premiada, dentre os quais é possível citar:
• Crimes contra o Sistema Financeiro – Lei 7.492/86 (art. 25, §2º);
• Crimes contra a Ordem Tributária – Lei 8.137/90 (art. 16, parágrafo único);
• Convenção de Palermo – Decreto 5.015/2004 (art. 26);
• Lei de Lavagem de Dinheiro – Lei 9.613/98 (art. 1º, §5º);
• Lei de Proteção às Testemunhas – Lei 9.807/99 (arts. 13 a 15);
• Lei de Drogas – Lei 11.343/2006 (art. 41);
• Lei Antitruste – Lei 12.529/2011 (art. 87, parágrafo único).
2. CONCEITO
A colaboração premiada, em termos simples, consiste no instituto previsto na legislação por meio do qual o coautor e/ou partícipe de uma infração penal confessa a prática do delito, e, além disso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações eficazes para a obtenção de provas contra os demais autores dos delitos e contra a organização criminosa, para a prevenção de novos crimes, para a recuperação do produto ou proveito dos crimes ou ainda para a localização da vítima com a sua integridade física preservada, recebendo, em contrapartida, determinados prêmios previstos em lei.
Tal conceituação pode ser extraída da leitura do art. 4º da Lei 12.850/2013, legislação que, como já mencionado, esmiuçou mais a fundo o instituto da colaboração premiada:
Art. 4º. O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados [...]
Segundo Renato Brasileiro (2014, p. 513):
[...] ao mesmo tempo em que o investigado (ou acusado) confessa a prática delituosa, abrindo mão do seu direito de permanecer em silêncio (nemo tenetur se detegere), assume o compromisso de ser fonte de prova para a acusação acerca de determinados fatos e/ou corréus. Evidentemente, essa colaboração deve ir além do mero depoimento do colaborador em detrimento dos demais acusados, porquanto não se admite a prolação de um decreto condenatório baseado única e exclusivamente na colaboração premiada.
A principal finalidade do instituto da colaboração premiada é suprir a incapacidade do Estado de angariar elementos para a persecução penal. Diante do crescimento da impunidade e da dificuldade de solucionar as demandas penais levadas ao Estado, sentiu-se a necessidade de possibilitar a colaboração de um dos responsáveis pela infração penal em troca de certos benefícios, os quais serão ainda analisados neste trabalho.
2.1 Colaboração premiada x Confissão
O instituto da colaboração premiada não se confunde com a confissão. Embora a colaboração premiada pressuponha que o indivíduo confesse a sua participação na prática criminosa, é necessário ainda que ele forneça informações que irão ajudar de forma efetiva na obtenção de provas contra os demais autores dos delitos e contra a organização criminosa, na prevenção de novos crimes, na recuperação do produto ou proveito dos crimes ou ainda na localização da vítima com integridade física preservada.
Se a conduta do indivíduo se limitar apenas à confissão de fatos que já eram de conhecimento das autoridades e que, portanto, não contribuíram efetivamente para a ocorrência de um dos resultados previstos em lei, incidirá no caso apenas a atenuante da confissão, prevista no art. 65, I, alínea “d”, do Código Penal. Não há que se falar, portanto, em colaboração premiada, tendo em vista que a conduta do sujeito em nada colaborou para a descoberta de novos elementos.
Neste sentido entendeu o Superior Tribunal de Justiça:
Apesar de o acusado haver confessado sua participação no crime, contando em detalhes toda a atividade criminosa, incriminando seus comparsas, não há nenhuma informação nos autos que ateste o uso de tais informações para fundamentar a condenação dos outros envolvidos, pois a materialidade, as autorias e o desmantelamento do grupo criminoso se deram, principalmente, pelas interceptações telefônicas legalmente autorizadas e pelos depoimentos das testemunhas e dos policiais federais (STJ, 6ª Turma, HC 90.962/SP, Rel. Min. Haroldo Rodrigues— Desembargador convocado do TJ/CE j. 19/05/2011, DJe 22/06/2011)
2.2 Colaboração premiada x Delação premiada
Também não se confunde a colaboração premiada com a chamada delação premiada, embora pequena parcela da doutrina entenda tratarem-se de termos sinônimos.
De fato, a colaboração premiada consiste em noção mais ampla, podendo ser considerada um gênero do qual a delação premiada seria uma espécie.
Nos exatos termos de Márcio André Lopes Cavalcante (2016, p. 1245):
A delação premiada ocorre quando o investigado ou acusado colabora com as autoridades delatando os comparsas, ou seja, apontando as outras pessoas que também praticaram as infrações penais.
É possível que o sujeito confesse a prática do crime e indique a localização da vítima do crime com a integridade física preservada, por exemplo, sem que delate nenhum de seus comparsas. Nesse caso o sujeito é apenas colaborador, mas não delator. Por outro lado, se o sujeito confessa a prática do crime e também delata os seus comparsas, será colaborador e delator.
Percebe-se, portanto, que toda delação premiada é uma forma de colaboração, mas nem toda colaboração pressupõe a existência de uma delação. A colaboração premiada, neste diapasão, pode apresentar quatro diferentes subespécies, apontadas por Vladimir Aras (2011, p. 427):
a) delação premiada: o colaborador confessa a sua participação na empreitada criminosa e aponta outros indivíduos que também participaram da infração;
b) colaboração para libertação: o colaborador indica o local onde se encontra a vítima sequestrada, possibilitando a sua libertação com a integridade física preservada;
c) colaboração para localização e recuperação de ativos: o colaborador fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos a esquemas de lavagem de capitais;
d) colaboração preventiva: o colaborador, através de suas informações, contribui para a prevenção de um crime ou impedimento da continuação ou permanência de uma conduta ilícita.
3. NATUREZA JURÍDICA
De grande relevância prática é o estudo à respeito da natureza jurídica da colaboração premiada. Nos termos do art. 3º, I, da Lei 12.850/2013:
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I - colaboração premiada [...]
A partir da leitura do dispositivo é possível concluir que a colaboração premiada apresenta natureza jurídica de meio de obtenção de prova. Não se trata, portanto, de um meio de prova propriamente dito, mas sim de um instrumento para que se obtenham provas.
Esclarecedoras são as lições de Gustavo Badaró (2012, p. 270), que nos ensina que:
Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p. Ex., o depoimento de uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de provas (p. Ex.: uma busca e apreensão) são instrumentos para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p. Ex.: um extrato bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador, os meios de obtenção de provas somente indiretamente e dependendo do resultado de sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos fatos.
Considerando a natureza da colaboração premiada como um meio de obtenção de prova, decidiu o Supremo Tribunal Federal que o acordo de colaboração não pode ser impugnado por terceiros, ainda que venham a ser nele mencionados. Isso porque a colaboração consiste em um negócio jurídico processual personalíssimo e que, ademais, não vincula o corréu delatado, nem afeta a sua situação jurídica. O que poderá atingir o corréu são as imputações posteriores, constantes do depoimento do colaborador (Min. Dias Toffoli, no HC 127.483/PR).
Percebe-se, portanto, que o acordo de colaboração premiada e o depoimento prestado pelo colaborador são coisas distintas, sendo o primeiro um meio de obtenção de prova e o segundo um meio de prova. Por tal razão, ao se negar a possibilidade de o delatado impugnar o acordo de colaboração, não estar-se-á negando-lhe o direito ao contraditório, já que este deve ser assegurado não em relação ao acordo, mas sim em relação às informações que nele constam.
4. REQUISITOS
Para que seja válido o acordo de colaboração premiada alguns requisitos devem ser preenchidos, tanto de ordem substancial quanto de ordem formal.
Em primeiro lugar, cabe mencionar que a colaboração premiada deverá ser voluntária, ou seja, desprovida de constrangimento, o colaborador não pode ter sido coagido.
Renato Brasileiro (2014, p. 524) nos mostra que:
Ato voluntário é aquele que nasce da sua livre vontade, desprovido de qualquer tipo de constrangimento. Portanto, para que o agente faça jus aos prêmios legais referentes à colaboração premiada, nada impede que o agente tenha sido aconselhado e incentivado por terceiro, desde que não haja coação.
Não se confunde a voluntariedade com a espontaneidade. Ato espontâneo é aquele em que a vontade nasce do próprio agente, sem qualquer interferência alheia.
Cleber Masson (2013, p. 354) também se encarregou de fazer a distinção, apontando que:
Devem ser voluntários, isto é, livres de coação física ou moral, pouco importando sejam espontâneos ou não. A iniciativa pode emanar de terceira pessoa ou mesmo da própria vítima [...]. Com efeito, a espontaneidade reclama tenha sido a ideia originada da mente do agente, como fruto da sua mais honesta vontade.
Para que incida o instituto da colaboração premiada não é necessário a espontaneidade do ato, bastando tão somente a sua voluntariedade. A própria Lei 12.850/2013, em dois diferentes momentos, nos leva a esta conclusão. O art. 4º, caput, afirma que o juiz aplicará os benefícios em relação àquele “que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal”. Já o §7º do mesmo artigo nos mostra que o juiz, para homologar o acordo, deverá verificar a sua regularidade, legalidade e voluntariedade.
Em suma, não é preciso que a vontade de colaborar tenha surgido do íntimo do próprio agente, nem que o mesmo realize a colaboração movido por motivos nobres ou altruísticos, bastando apenas que não tenha sido coagido para o ato. Renato Brasileiro (2014, p. 524) mais uma vez nos ensina que:
É de todo irrelevante qualquer análise quanto à motivação do agente, pouco importando se a colaboração decorreu de legítimo arrependimento, de medo ou mesmo de evidente interesse na obtenção da vantagem prometida pela Lei. Deveras, o Direito não se importa com os motivos internos do sujeito que resolve colaborar com a justiça, se de ordem moral, social, religiosa, política ou mesmo jurídica, mas sim com o fato de que a entrega dos coautores de um fato criminoso possibilita a busca de um valor, e a manutenção da organização criminosa, de um desvalor.
Um outro requisito exigido para a validade da colaboração premiada é a efetividade. Não basta, portanto, que o sujeito confesse a sua participação na empreitada criminosa. É preciso, ainda, que ele forneça informações relevantes, aptas a alcançar um dos resultados previstos em lei. De fato, o art. 4º, caput, da Lei 12.850/2013 exige que da colaboração premiada advenha um dos seguintes resultados:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Consequência desta exigência, já entendeu o Superior Tribunal de Justiça pela inaplicabilidade dos benefícios da colaboração premiada a um individuo que, tendo prestado informações relevantes na fase extraprocessual, perante a autoridade policial, delas se retratou na fase judicial, de modo que o magistrado não pode delas se utilizar para fundamentar a condenação.
Nos exatos termos adotados pelo Tribunal:
Não obstante tenha havido inicial colaboração perante a autoridade policial, as informações prestadas pelo Paciente perdem relevância, na medida em que não contribuíram, de fato, para a responsabilização dos agentes criminosos. O magistrado singular não pôde sequer delas se utilizar para fundamentar a condenação, uma vez que o Paciente se retratou em juízo. Sua pretensa colaboração, afinal, não logrou alcançar a utilidade que se pretende com o instituto da delação premiada, a ponto de justificar a incidência da causa de diminuição de pena (STJ, 5ª Turma, HC 120.454/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 23/02/2010, DJe 22/03/2010)
Em um outro caso levado a julgamento, este Tribunal entendeu no mesmo sentido, como se pode perceber a partir do seguinte trecho:
Correta a não aplicação do art. 14 da Lei 9.807/99 (delação premiada), uma vez que, segundo o acórdão impugnado, o primeiro paciente contradisse em juízo toda sua confissão policial, não indicando o corréu DIOGO como coautor do roubo, bem como suas informações não foram imprescindíveis à localização do correu. (STJ, 5ª Turma, HC 186.566/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 15/02/2011, DJe 21/03/2011)
Uma vez atestada a efetividade das informações prestadas pelo colaborador, deve o julgador obrigatoriamente aplicar o instituto da colaboração premiada, residindo a sua discricionariedade tão somente no que diz respeito aos benefícios que serão concedidos ao agente colaborador, os quais deverão considerar a sua personalidade, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Não pode a autoridade judicial, portanto, se furtar da concessão dos prêmios previstos em lei quando as informações prestadas contribuírem efetivamente para a solução da demanda criminal, sendo o instituto da colaboração premiada de incidência obrigatória neste caso.
O Supremo Tribunal Federal, no HC 127483/PR, entendeu que caso a colaboração seja efetiva e produza os resultados almejados, o colaborador tem direito subjetivo à aplicação das sanções premiais estabelecidas no acordo, inclusive de natureza patrimonial.
Neste diapasão, nos mostra Renato Brasileiro (2014, p. 526):
Comprovada a eficácia objetiva das informações prestadas pelo agente, a aplicação do prémio legal inerente à respectiva colaboração premiada é medida que se impõe. A título de exemplo, apesar de o art. 1°, §5°, da Lei n° 9.613/98 fazer uso da expressão "a pena poderá ser reduzida " — o art. 4., caput, da Lei n° 12.850/13 também prevê que "o juiz poderá " —, do que se poderia concluir que o juiz tem a faculdade de aplicar (ou não) os benefícios legais aí previstos, prevalece o entendimento de que, uma vez atingidos um dos efeitos desejados, a aplicação de um dos prêmios legais da colaboração premiada é obrigatória.
Além da voluntariedade e efetividade das informações prestadas, a Lei 12.850/2013 traz alguns requisitos formais para o acordo de colaboração premiada. Por muito tempo inexistiu na legislação qualquer dispositivo tratando sobre os requisitos formais para a realização da colaboração, de modo que a mesma era feita verbalmente, gerando insegurança jurídica para o colaborador.
Hoje, a lei traz a previsão de que o acordo de colaboração premiada deverá ser feito por escrito. Além disso, deverá conter as seguintes informações, previstas no art. 6º:
Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:
I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;
V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
5. CRÍTICAS AO INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA
Embora reconhecida a eficácia do instituto da colaboração premiada na solução de demandas penais, sendo uma ferramenta importante para a desfragmentação de grandes organizações criminosas, não é pacífica a sua aceitação no ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque a delação premiada, uma de suas vertentes, implica na adoção de uma postura antiética e repugnante, que leva um indivíduo a entregar o seu comparsa. Logo, o ordenamento jurídico estaria incentivando a traição, conduta que apresenta grande desvalor até mesmo entre indivíduos menos preocupados com a paz social.
É dever dos órgãos públicos combater o crime, adotando medidas investigatórias e persecutórias para solução das demandas criminais. Ocorre que o Estado não tem sido muito eficiente nesta missão de combater a criminalidade, e uma das formas que encontrou de exercer seu mister foi estimulando os investigados a colaborarem com a persecução penal, através de condutas antiéticas.
Ao prever e valorar o instituto da delação premiada, o Estado se alia à ideologia de que os fins justificam os meios, já que, para combater o crime, tudo é possível, inclusive a traição.
Surge então a seguinte questão: como se pode exigir que os integrantes da sociedade adotem posturas éticas e morais quando o Estado incentiva condutas antiéticas através da delação premiada? Em outros termos, o Estado oferece prêmios para aquele que adota a repugnante conduta de trair outra pessoa.
Luiz Flávio Gomes, em artigo intitulado “Seja um traidor e ganhe um prêmio”, aponta que:
Semelhante propósito configura a mais viva expressão política ou instrumental do poder coativo da era pós-industrial que, menosprezando valores fundamentais como “justiça” e “equidade”, procura difundir e impor a cultura do “direito emergencial ou de exceção”, pouco se importando com a “erosão” do direito liberal clássico, voltado para a tutela do ser humano. Na base da delação está a traição. A lei, quando concebe, está dizendo: seja um traidor e receba um prêmio! Nem sequer o “código” dos criminosos admite a traição, por isso, é muito paradoxal e antiético que ela venha a ser valorada positivamente na legislação dos “homens de bem”.
Em interessante crítica ao instituto da delação premiada Walter Barbosa Bittar (2011, p. 219) nos mostra que:
O Estado não pode, (...) em nenhuma hipótese, numa democracia que pretenda privilegiar um Direito Penal mínimo e garantista, incentivar, premiar condutas que firam a ética e moral, ainda que, no final, a sociedade possa se locupletar dessa violação. (...) Ora, delação sempre é ato imoral e antiético, já que a própria vida em sociedade pressupõe o expurgo da traição das relações sociais e pessoais. A quebra de confiança que se opera com a delação gera, necessariamente, desagregação, e esta traz a desordem, que não se coaduna com a organização visada pelo pacto social a ordem constitucional legitimamente instituída.
Por outro lado, há muitos que defendem com entusiasmo a previsão da colaboração premiada em nosso ordenamento jurídico. Isso porque trata-se de medida efetiva na busca pela verdade real, não podendo alegações referentes à falta de ética do instituto serem barreiras para a busca deste ideal.
De fato, como se pode falar em falta de ética no ato de delatar advindo de um indivíduo participante de grandes empreitadas criminosas? Será que se pode falar em ética dentro do crime organizado? Ao realizar-se o sopesamento dos valores em jogo, qual merece mais atenção: a falta de ética existente na delação de um companheiro ou a busca pela verdade real, com a possibilidade de desfragmentação de grandes organizações criminosas?
Neste sentido, para Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 418):
[...] parece-nos que a delação premiada é um mal necessário, pois o bem maior a ser tutelado é o Estado Democrático de Direito. Não é preciso ressaltar que o crime organizado tem ampla penetração nas entranhas estatais e possui condições de desestabilizar qualquer democracia, sem que se possa combatê-lo, com eficiência, desprezando-se a colaboração daqueles que conhecem o esquema e dispõem-se a denunciar coautores e partícipes. No universo de seres humanos de bem, sem dúvida, a traição é desventurada, mas não creio que se possa dizer o mesmo ao transferirmos nossa análise para o âmbito do crime, por si só, desregrado, avesso à legalidade, contrário ao monopólio estatal de resolução de conflitos, regido por leis esdruxulas e extremamente severas, totalmente distante dos valores regentes dos direitos humanos fundamentais.
De fato, como se pode falar em falta de ética no ato de delatar advindo de um indivíduo participante de grandes empreitadas criminosas? Será que se pode falar em ética dentro do crime organizado? Ao realizar-se o sopesamento dos valores em jogo, qual merece mais atenção: a falta de ética existente na delação de um companheiro ou a busca pela verdade real, com a possibilidade de desfragmentação de grandes organizações criminosas?
6. CONCLUSÃO
Após esta breve explanação, é possível perceber a colaboração premiada como um instituto que vem sendo cada vez mais valorizado em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista a sua eficácia no combate a empreitadas criminosas, permitindo o desmantelamento de grandes organizações.
Junto com a sua eficácia, contudo, surgem também questionamentos referentes à ética do instituto, o que, em um jogo de valores, nos faz refletir quais são os limites para o combate à criminalidade.
BIBLIOGRAFIA
ARAS, Vladimir. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Organizadora: Carla Veríssimo de Carli. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011.
BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro. Campus: Elsevier, 2012.
BITTAR, Walter Barbosa. Delação Premiada: Direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
GOMES, Luiz Flávio. Seja um traidor e ganhe um prêmio, Folha de São Paulo de 12.11.1994,p. 1-3, seção: Tendências e debates.
JESUS, Damásio de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal Brasileiro. Disponível em : https://jus.com.br/artigos/7551/estagio-atual-da-delacao-premiada-no-direito-penal-brasileiro . Acesso em: 10/04/2016.
MASSON, Cleber. Curso de Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Vol.1 7.Ed. Ed. Método. Sao Paulo: 2013
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. Sao Paulo: RT, 2008.
Pílulas do Direito para Jornalistas – n. 33. Ministério Público do Paraná. 1º de novembro de 2005. Disponível em: < http://www.mp.pr.gov.br/imprensa/pil0111.html>. Acesso em 06 de fevereiro de 2016.
STJ, 62 Turma, HC 90.962/SP, Rel. Min. Haroldo Rodrigues — Desembargador convocado do TJ/CE j. 19/05/2011, DJe 22/06/2011.
advogada, Pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal, professora no Curso Almanaque Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Gabriela Fernandes Correia. A colaboração premiada no direito penal e processual penal brasileiro: características e críticas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46590/a-colaboracao-premiada-no-direito-penal-e-processual-penal-brasileiro-caracteristicas-e-criticas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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